Atlântida: Um habitante de dois planetas
ATLÂNTIDA, A RAINHA DAS ONDAS DOS OCEANOS
“O propósito desta história é relatar o que conheci pela experiência, e não me cabe expor idéias teóricas. Se levares alguns pequenos pontos deixados sem explicação para o santuário interior de tua alma, e ali meditares neles, verás que se tornarão claros para ti, como a água que mitiga a tua sede. . . “Este é o espírito com que o autor propõe que seja lido este livro. E chama de história o relato que faz de sua experiência. Que é história?. . . Ao leitor a decisão…
“Nunca pronuncies estas palavras: “isto eu desconheço, portanto é falso“. Devemos estudar para conhecer; conhecer para compreender; compreender para julgar“. - Aforismo de Narada.
Edição e imagens: Thoth3126@gmail.com
… Que é experiência? Dois componentes: o conjunto das sensações que compõem uma dada situação e a percepção pessoal ou “tradução” individual desse conjunto de sensações. Que este livro seja lido pelo fascínio da narrativa, como “lenha atirada à sua fogueira pessoal“, alimento para o seu “fogo interior“! Jogue a lenha na sua fogueira e deixe queimar. Os produtos dessa queima – calor e luz – ativarão ou reativarão um processo interno de pensar e sentir em você mesmo, um processo de ser, no cadinho da vida. Conhecer. . . A verdade. . . Quem pode decidir? – O Tibetano
ATLÂNTIDA, A RAINHA DAS ONDAS DOS OCEANOS
“O propósito desta história é relatar o que conheci pela experiência, e não me cabe expor idéias teóricas. Se levares alguns pequenos pontos deixados sem explicação para o santuário interior de tua alma, e ali meditares neles, verás que se tornarão claros para ti, como a água que mitiga a tua sede. . . “Este é o espírito com que o autor propõe que seja lido este livro. E chama de história o relato que faz de sua experiência. Que é história?. . . Ao leitor a decisão…
“Nunca pronuncies estas palavras: “isto eu desconheço, portanto é falso“. Devemos estudar para conhecer; conhecer para compreender; compreender para julgar“. - Aforismo de Narada.
Edição e imagens: Thoth3126@gmail.com
… Que é experiência? Dois componentes: o conjunto das sensações que compõem uma dada situação e a percepção pessoal ou “tradução” individual desse conjunto de sensações. Que este livro seja lido pelo fascínio da narrativa, como “lenha atirada à sua fogueira pessoal“, alimento para o seu “fogo interior“! Jogue a lenha na sua fogueira e deixe queimar. Os produtos dessa queima – calor e luz – ativarão ou reativarão um processo interno de pensar e sentir em você mesmo, um processo de ser, no cadinho da vida. Conhecer. . . A verdade. . . Quem pode decidir? – O Tibetano
CAPÍTULO 1 - ATLÂNTIDA, A RAINHA DOS OCEANOS
Do Livro: “Um Habitante de Dois Planetas”, de Philos, o Tibetano
“Por que não?” – perguntei a mim mesmo, parando no meio da neve da montanha, lá tão alto sobre o mar que o Rei da Tempestade imperava supremo, embora o verão reinasse lá embaixo. “Por acaso não sou um atlante, um poseidano, e não é este nome sinônimo de liberdade, honra e poder? Não é esta, minha terra natal, a mais gloriosa sob o Sol? Sob Incal?” Novamente me inquiri: “por que não? Por que não tentar tornar-me um dentre os maiores de minha orgulhosa pátria?”
“Firme está a Rainha do Mar, sim, rainha do mundo, pois todas as nações nos pagam tributos de honra e comércio, todas nos emulam. Governar Poseid, então, não significa governar toda a terra? Pois tentarei conquistar esse prêmio, e o conseguirei! E tu, Ó pálida e gélida Lua, sê testemunha de minha resolução” -gritei em voz alta, levantando as mãos para o céu -”e também vós, rútilos diamantes do firmamento”. Se é verdade que o esforço resoluto assegura o êxito, o fato é que eu sempre conseguia o que me determinasse a alcançar. Ali então, naquela grande altitude, acima do oceano e do planalto que se estendia para oeste por duas mil milhas até Caiphul, a Cidade Real, fiz meus votos. Tão elevado era o local que abaixo de mim havia picos e cadeias de montanhas gigantescas, mas que se apequenavam diante do ápice onde eu me encontrava.
À minha volta estendia-se a neve eterna, mas eu não me importava. Tão cheia de resolução estava minha mente, do desejo de tornar-me poderoso na minha terra natal, que nem sentia o frio. Na verdade, eu mal me dava conta de que o ar estava frio, gelado como as vastidões árticas do remoto Norte. Muitos obstáculos teriam de ser superados no cumprimento do meu desígnio, pois quem era eu naquele instante? Apenas o filho de um montanhês, pobre, sem pai, mas graças sejam dadas aos Fados! – não sem mãe! Pensar em minha mãe – a muitas milhas de distância, lá onde as florestas perenes ondulam, onde raramente cai a neve, sozinha com a noite e com o pensamento em mim – isso bastou para me trazer lágrimas aos olhos, pois eu não passava de um menino que muitas vezes ficava triste quando as dificuldades que ela suportava vinham à sua lembrança. Essas reflexões eram incentivos que se acrescentavam à minha ambição de ser e agir.
De novo meus pensamentos se voltaram para as dificuldades que eu teria de enfrentar em minha luta pelo sucesso, pela fama e pelo poder. Atlântida, ou Poseid, era um império cujos súditos gozavam da liberdade concedida por um poder monárquico limitado. A lei geral de sucessão oficial oferecia a todos os cidadãos do sexo masculino a oportunidade de escolha para o cargo. O próprio imperador tinha uma posição eletiva, assim como os seus ministros, o Conselho dos Noventa ou Príncipes do Reino, cargos análogos aos do Governo da República Americana, que é seu legítimo sucessor. Se a morte chamasse o ocupante do trono ou um de seus conselheiros, era acionado o sistema eletivo, mas não em outros casos, a não ser demissão por má conduta no cargo, penalidade de que nem o próprio imperador estava isento, caso incorresse nessa grave falta.
Duas grandes divisões sociais, abrangendo todas as classes de pessoas de ambos os sexos, estavam investidas no poder eletivo. O grande princípio subjacente à organização política de Poseid poderia ser descrito como “um sistema de avaliação educacional de cada votante, mas o sexo do dono do voto não era da conta de ninguém”. Os dois principais ramos sociais eram conhecidos pelos respectivos nomes de “Incala” e “Xioqua”, ou seja, os sacerdotes e os cientistas. Perguntariam os leitores onde estaria a oportunidade que cada súdito comum teria num sistema que excluía os artesãos, os comerciantes e os militares que não fizessem parte das classes com direitos políticos? Qualquer pessoa tinha a opção de entrar no Colégio das Ciências, no do Incal, ou em ambos.
Não havia consideração de raça, cor ou sexo; o único pré-requisito era que o candidato a admissão tivesse dezesseis anos de idade e uma boa educação, obtida nas escolas comuns ou em cursos de colégios menos importantes como o Xioquithlon na capital de alguns dos estados Poseidanos, porexemplo Numea, Terna, Idosa, Corosa e mesmo o colégio menor de Marzeus, que era o principal centro de arte manufatureira da Atlântida. A duração do curso no Grande Xioquithlon era de sete anos, dez meses a cada ano, divididos em dois períodos de cinco meses dedicados ao trabalho ativo, com um mês de férias ao final de cada período.
Qualquer estudante podia competir nos exercícios relativos aos exames anuais, realizados no fim do ano ou nas vésperas do equinócio de inverno. O nosso reconhecimento da lei natural da limitação mental fica óbvio ante o fato de que o curso de estudos era puramente opcional, ficando o estudante à vontade para escolher os tópicos, muitos ou poucos, que lhe fossem mais agradáveis, com a seguinte e necessária prescrição: somente os que possuíssem diplomas de primeira classe poderiam se candidatar a cargos oficiais, por mais modestos que fossem. Esses certificados comprovavam um grau de aprendizado que abrangia uma variedade de conhecimentos grande demais para ser mencionada, a não ser por inferência, com o prosseguimento da narrativa.
O diploma de segunda classe não conferia prestígio político, a não ser pelo fato de que era acompanhado do privilégio do voto e, embora ocorresse de uma pessoa não desejar um cargo público nem votar, o direito à instrução em qualquer ramo do conhecimento continuava a ser um privilégio gratuito. Mas aqueles, entretanto, que só aspiravam a uma educação limitada, com o propósito de exercer com mais êxito determinada profissão comercial -como instrução em mineralogia por um pretendente a mineiro, em agricultura por um fazendeiro, ou em botânica por um jardineiro mais ambicioso – não tinham voz no governo.
Embora o número dos pouco ambiciosos não fosse pequeno, o estímulo da obtenção de prestígio político era tão grande que um em cada doze habitantes possuía pelo menos um diploma de segunda classe, enquanto um terço do total obtinha diplomas de primeira classe. Devido a isso, os eleitores não sofriam por falta de pessoal para preencher todos os cargos eletivos do governo. Possivelmente ainda resta alguma dúvida na mente do leitor sobre qual seria a diferença entre os eleitores ou sufragistas sacerdo-lais e científicos.
Pois bem, a única diferença essencial era que o currículo no Incalithlon, ou Colégio dos Sacerdotes, além de todas as matérias adiantadas ministradas no Xioquithlon, incluía o estudo de um grande número de fenômenos ocultos e temas antropológicos e sociológicos, para que os formados nessas ciências tivessem oportunidade de se prepararem para atender qualquer necessidade que homens de menos erudição e menos compreensão das grandes leis subjacentes da vida pudessem vivenciar em qualquer fase ou condição. O Incalithlon era, na realidade, a mais elevada e completa instituição de ensino que o mundo de então conheceu ou – perdoe o leitor pelo que parece mas não é presunção atlante – que poderá conhecer nos próximos séculos (n.T. O livro foi escrito no final do século XIX).
Em uma instituição acadêmica tão superior, seus estudantes deveriam forçosamente estar imbuídos de extraordinário zelo e determinada vontade para tentar e conseguir certificados de formatura de sua junta examinadora. Na verdade, bem poucos tiveram um tempo de vida suficientemente longo para adquirir esse diploma; possivelmente, nem um em cada quinhentos dos que saíram honrosamente do Xioquithlon, que, por seu mérito, não ficava atrás da moderna Universidade de Cornell. Enquanto eu assim ponderava, parado ali entre as neves da montanha, decidi não visar muito alto, mas me determinei a ser um Xioqua, se houvesse a menor possibilidade.
Embora dificilmente pudesse esperar alcançar a eminência conferida pelo título de Incala, prometi a mim mesmo que criaria a oportunidade de competir pelo outro título, se não se apresentasse outra diferente. Obter aquela elevada distinção exigiria, além do árduo estudo, a posse de amplos meios pecuniários para cobrir as despesas de manutenção de minhas necessidades usuais e de um inabalável propósito. Onde eu poderia obter isso? Acreditava-se que os deuses auxiliavam os necessitados.
Se eu, um rapazinho que ainda não completara dezessete verões, que tinha uma mãe que dependia de mim para as necessidades da vida, com nada que pudesse me ajudar a alcançar minhas aspirações a não ser minha própria energia e vontade, não pudesse ser incluído naquela categoria, então quem seria necessitado? Pareceu-me que não podia haver maior prova de dependência e que era claramente apropriado que os deuses me dispensassem seu favor. Tomado por reflexões como esta, subi ainda mais, para o topo do pico que apontava para o céu, perto da altura onde até então me encontrara, pois a aurora não estava distante e eu precisava estar na mais alta rocha para saudar o grande Incal (o Sol) quando conquistasse Navaz, para que Ele, senhor de todos os signos manifestos do grande e único verdadeiro Deus, cujo nome usava, cujo escudo Ele era, pudesse ouvir minha prece favoravelmente.
Sim, Ele devia ver que o jovem suplicante não poupava esforços para prestar-Lhe homenagem, pois fora aquele o único propósito para que eu ali tinha subido sozinho, em meio àquela solidão, seguindo para o alto pela neve sem trilhas, sob o domo estrelado do firmamento. Perguntei a mim mesmo: “existe outra crença mais gloriosa do que esta que é a do meu povo? Não são todos os Poseidanos adoradores do Grande Deus, a única e verdadeira Divindade, representada pelo brilhante Sol (o Logus solar)? Não pode haver nada mais santo e sagrado”. Assim falou o jovem cuja mente em amadurecimento havia absorvido a religião exotérica e realmente inspiradora, mas que não conhecia nenhuma outra mais profunda e sublime, nem iria conhecer nos dias da Atlântida.
Quando o primeiro lampejo de luz de trás de Seu escudo irrompeu através do negro abismo da noite, atirei-me de bruços na neve do cume, onde deveria permanecer até que o Deus de Luz se (ornasse totalmente vitorioso contra Navaz. Afinal o triunfo! Então me levantei e, fazendo uma profunda reverência final, voltei sobre os meus passos pelo temível declive de gelo, neve e rocha nua, esta última negra e cruelmente pontiaguda, com suas saliências sobressaindo da capa branca e gelada, mostrando o dorso da montanha que se elevava a treze mil pés acima do nível do mar, formando um dos mais incomparáveis picos do globo.
Durante dois dias eu envidara ingentes esforços para alcançar o frígido pico e prostar-me, qual oferenda viva, em seu grandioso altar, para honrar meu Deus. Indaguei-me sobre se Ele teria me ouvido e notado minha presença. Em caso afirmativo, teria Hle se importado? Teria se importado o suficiente para ordenar ao Seu vice-regente, o Deus da montanha, que me ajudasse? Sem saber por que, olhei para este último, esperando com o que pode parecer uma cega fatuidade, que me revelasse alguma espécie de tesouro ou. . .
Mas o que é esse brilho metálico na rocha, cujo coração meu bordão de alpinista com ponta de ferro havia desnudado para ser tocado pelos raios do Sol matinal? Ouro! Ó Incal! É mesmo ouro! Amarelo e precioso ouro! “Ó Incal!” – gritei, repetindo Seu nome – “louvado sejas por responderes tão depressa a Teu humilde peticionário!” Ajoelhei-me ali mesmo na neve, descobrindo a cabeça em gratidão ao Deus de Todos os Seres, o Altíssimo, cujo escudo, o Sol derramava seus gloriosos raios. Então novamente olhei para o tesouro. Ah, que grande riqueza ali se encontrava!
Partindo em pedaços o quartzo com minhas pancadas excitadas, vi que o precioso metal o mantinha coeso, tão forte era o seu veio. As pontas agudas da pedra frágil cortaram minhas mãos, fazendo o sangue escorrer de vários lugares e, quando agarrei o quartzo que havia me ferido, minhas mãos que sangravam congelaram-se sobre ela, formando uma união de sangue e riqueza! Não importa! Separei a mão da pedra com força, indiferente à dor, tão excitado me sentia. “Ó Incal” -exclamei -”és bondoso para com Teu filho, concedendo-lhe com tanta liberalidade o tesouro que lhe permitirá realizar seu desejo antes que seu coração tenha tempo para esmorecer de tanto esperar!”
Enchi meus grandes bolsos com tudo que podia carregar, escolhendo as peças de quartzo aurífero mais ricas e valiosas. Como marcar o local para encontrá-lo em outra oportunidade? Para alguém nascido na montanha isso não era difícil e logo estava feito. Então segui para baixo, para a frente, para casa, com passo alegre, com o coração leve, embora levasse uma carga pesada. Por essas montanhas, na verdade a menos de duas milhas do meu “pico do tesouro”, serpenteava a estrada do imperador na direção do grande oceano, a centenas de milhas, do outro lado da planície de Caiphalia. Uma vez alcançada essa estrada, a parte mais fatigante da viagem teria sido realizada, embora apenas uma quinta parte da distância total tivesse sido percorrida.
Para dar uma idéia das dificuldades encontradas na escalada e descida da gigantesca montanha, devo observar que os últimos cinco mil pés da ascensão só” podiam ser galgados por uma única e tortuosa rota. Um estreito desfiladeiro, uma simples fissura vulcânica, oferecia um apoio muito precário para os pés, sendo todas as outras escarpas intransponíveis. Esse apoio mínimo existia nos primeiros mil pés. Acima desse ponto a fissura desaparecia. Quase na sua extremidade superior existia uma pequena caverna, da altura de um homem e com espaço para talvez vinte pessoas. No outro extremo desse recinto rochoso havia uma abertura, uma fenda mais larga no sentido horizontal que no vertical.
Ao insinuar-se nessa fenda, arrastando-se como uma serpente, o explorador aventuroso veria que por várias centenas de passos teria de descer um declive acentuado, se bem que a fenda se alargasse aos primeiros doze passos, permitindo uma posição mais ou menos vertical. Do fim de seu curso descendente, ela faria uma curva e novamente se alargava formando um túnel, subindo em voltas tortuosas, com a parede oferecendo suficiente apoio para tornar a subida segura, embora fazendo um ângulo de cerca de quarenta graus, enquanto em algumas partes um grau ainda maior de perpendicularidade marcasse a passagem. Dessa forma, uma subida de cerca de trezentos pés era realizada, com as sinuosidades do caminho aumentando a distância que seria percorrida no sentido vertical.
Esse, leitor, era o único meio de alcançar o pico da mais alta montanha de Poseid, ou Atlântida, que é como chamam o continente-ilha. Por mais árdua que fosse sua passagem, havia lugar mais que suficiente na velha e seca chaminé, ou curso de água, fosse o que fosse. Com certeza tinha sido originalmente uma chaminé de vulcão, embora tivesse sido tão desgastada pela água a ponto de tornar a idéia de sua formação ígnea mera conjetura. Em determinado ponto, essa longa cavidade se alargava formando uma vasta caverna.
Esta se distanciava da chaminé em ângulo reto para baixo, cada vez mais para baixo, até que nas entranhas da montanha, a milhares de pés, pareceria na medonha escuridão, a quem se aventurasse tão longe, estar na beira de um vasto abismo cujo único lado visível seria aquele onde se encontrasse; além desse ponto, qualquer progresso era impossível a não ser para entes dotados de asas, como os morcegos, mas destes não havia nenhum sinal naquela terrível profundeza.
Nenhum som jamais ecoou nesse assustador abismo, e nenhum brilho de archote já revelou seu outro lado; nada havia senão um mar de eterna escuridão. Contudo, ele nunca me trouxe terrores; antes, provocou minha fascinação. Embora outros possam ter conhecido esse lugar, nunca encontrei um companheiro com suficiente temeridade para enfrentar o desconhecido e ficar ao meu lado em sua hórrida beira, onde me encontrei não uma e sim várias vezes no passado. Por três vezes eu estivera ali,
impelido pela curiosidade. Na terceira vez eu me curvara por sobre a saliência de pedra, para tentar encontrar um possível meio de descer mais, quando o enorme bloco de basalto se soltou, caiu, e escapei por pouco de morrer.
A pedra tombou e por vários minutos os ecos de sua queda me alcançaram; minha tocha caíra também e nas profundezas suas faíscas brilharam como vagalumes toda vez que bateram em projeções rochosas, até finalmente desaparecer. Fiquei em completa escuridão, trêmulo de susto, para fazer o caminho de volta para cima e para fora – se pudesse. Se não conseguisse, então era cair e morrer. Mas tive êxito. De então em diante, perdi a curiosidade de explorar o desconhecido inferno. Eu tinha passado muitas vezes através da chaminé que conduzia para a extremidade superior da abismal caverna, entre a parte superior da fissura externa no penhasco e a lateral do pico, quinhentos ou seiscentos metros abaixo do topo da montanha, muitas vezes tinha passado pelo ponto onde a pancada incidental com meu bordão revelou o tesouro, mas nunca havia encontrado o precioso veio até ter feito aquele pedido a Incal, impelido pelo peso premente de minhas necessidades. Poderia alguém achar estranho eu sentir uma fé absoluta na crença religiosa de meu povo?
Eu estava no interior da escura chaminé por onde tinha de passar depois de deixar o pico nevado, saindo da luz do Sol e do ar fresco para as densas trevas e a atmosfera ligeiramente sulfurosa-, mas se deixei a luz matutina, também deixei o terrível frio do ar exterior, pois dentro do túnel, embora escuro, havia calor. Finalmente cheguei ao pequeno recinto no alto da fissura, a mil pés, que me levaria aos declives mais suaves das partes média e inferior da montanha. Ah fiz uma pausa. Deveria voltar e trazer mais uma carga da rocha aurífera? Ou deveria tomar diretamente o caminho de casa? Finalmente voltei sobre meus passos. Ao meio-dia estava outra vez ao lado do meu tesouro.
Logo desci de novo com minha segunda carga até o fatigante trabalho estar quase no fim, pois eu estava de pé na entrada da grande caverna, a quatrocentos pés do pequeno recinto no alto da fissura exterior – eram quatrocentos pés de subida bastante difícil. Após uma pausa retomei a curta mas escarpada subida, e logo me encontrei na pequena caverna, com apenas algumas dezenas de pés, no máximo, entre eu e o ar livre. Tomado como um todo, o longo túnel era sinuoso, mas tinha algumas passagens tão retas como se tivessem sido cortadas com prumo e régua. Os quatrocentos pés, aproximadamente, que separavam o recinto onde parei um pouco, na entrada, eram um trecho tão reto e talvez por isso tão difícil de atravessar quanto qualquer outra parte de todo o túnel.
Seria mesmo impossível a não ser por suas laterais ásperas que ofereciam algum apoio. Se o local fosse claro, ao invés de tão escuro, eu seria capaz de olhar diretamente para a caverna do local onde estava parado. O ar aquecido me convidou a sentar, ou melhor, a me deitar, embora estivesse escuro. Resolvi descansar, portanto; comi um punhado de tâmaras e bebi um pouco de neve derretida do meu cantil de couro. Então me estendi no solo e adormeci no ar tépido.
Não sei por quanto tempo fiquei dormindo, mas ao despertar -ah, o terror que senti! Lufadas explosivas de ar, quente a ponto de quase queimarem a pele, carregadas de gases sufocantes, seguidas de um rouco murmúrio, afluíam velozmente passagem acima até o pico. Ruídos como uivos e gemidos subiam com o bafo ardente do abismo, misturados com o som de explosões tremendas e ensurdecedoras. Maior que todas as outras causas de terror era um baço brilho vermelho refletido das paredes da caverna, para dentro da qual descobri que podia olhar livremente e em cujas profundezas explodiam raios de luz verde, vermelha, azul e de todas as outras cores e matizes; eram gases em combustão. Por algum tempo o pavor me petrificou; sem poder mover-me continuei a fixar o terrível inferno dos elementos em fogo.
Eu sabia que a luz e o calor, ambos aumentando a cada momento, e os vapores sufocantes, o barulho e o tremor da montanha, prenunciavam uma só coisa: uma erupção vulcânica ativa! Finalmente o encantamento que havia me paralisado foi quebrado quando vi um jato de lava derretida subir até a passagem em frente, projetado até ali por uma explosão dentro da caverna. Então me levantei e fugi, correndo pelo chão do pequeno recinto, arrastando-me com insana energia pela entrada horizontal, que nunca me parecera tão baixa até aquele instante! Eu esquecera que tinha ouro nos bolsos, e só me lembrei disso quando senti o peso das preciosas rochas que me retardavam a fuga.
Mas, com o esforço de fugir, veio-me uma relativa calma, e a mente que voltava a funcionar me impediu de atirar fora o tesouro. A reflexão me convenceu de que o perigo, embora iminente, provavelmente não era imediato. Resolvi arrastar-me novamente para dentro da pequena caverna e, pegando um saco que ali havia deixado, coloquei dentro dele todas as rochas auríferas que podia carregar. Tirei um cordão de couro da cintura e, enrolando uma extremidade numa ponta de pedra no lado superior da fissura, baixei o saco até a outra extremidade da corda e desci atrás. Sacudindo o laço frouxo da rocha acima, repeti a mesma coisa várias vezes enquanto descia. Dessa forma cheguei ao fundo da fissura com a maior parte das duas cargas de minério de ouro. Desse ponto em diante, meu caminho seguia ao longo da crista de uma saliência de pedra, não muito larga mas suficiente para formar uma trilha fácil de seguir.
Nem bem tinha começado a andar por essa trilha quando olhei para trás, para o caminho que tinha acabado de percorrer. Naquele momento, houve um tremor de terra que quase me derrubou ao chão, e da pequena caverna onde eu tinha dormido jorrou fumaça seguida de um brilho avermelhado: lava. Ela fluiu para baixo, uma cascata de fogo e uma visão gloriosa na escuridão que se adensava, pois o Sol ainda não tinha se- posto de todo. Toda a montanha ficara a oeste da saliência onde eu estava e, como se fazia quase noite, eu me encontrava na obscuridade. Corri pela rocha, deixando meu saco de ouro e grande parte do que tinha nos bolsos no lugar mais seguro que pude encontrar, bem acima do fundo da ravina pela qual a lava fatalmente escorreria.
Quando estava a uma distância segura, parei para descansar e perscrutei a torrente em ebulição saltando pela ravina, a alguma distância à minha direita mas bem visível. “Pelo menos”, pensei, “ainda tenho nos bolsos suficiente minério aurífero -mais metal do que ouro pelo que parece -que tenho condição de carregar, agora que minha força, nascida do medo, desapareceu. Mesmo que eu não possa reaver o que deixei para trás, ainda tenho uma grande riqueza. Portanto, Incal, honra a Ti!” O quanto as vinte libras de quartzo aurífero, aproximadamente, eram inadequadas para pagar as despesas de sete anos de colégio, o colégio na capital da nação, onde o custo era mais elevado que em qualquer outra parte, minha inexperiência não podia me dizer. Mas que aquele era o maior tesouro que eu já tinha possuído na vida, ou mesmo visto, era um fato inegável; portanto, eu estava contente.
A crença numa Providência poderosa é necessária para a maioria dos homens, melhor dizendo, para todos os homens, sendo a única diferença a de que as pessoas de mais amplo conhecimento requerem uma Divindade de poder mais próximo do infinito do que as de menor experiência; assim, os que apreendem a infinita amplitude da vida reconhecem um Deus cujo conceito se projeta quase à onipotência, em comparação com o conceito que satisfaz a mente humana comum. Pouco importa, portanto, que a divindade cultuada seja uma pedra ou um ídolo de madeira, uma figura inanimada qualquer, ou um Espírito Supremo de natureza andrógina. Os Seres que ordenam o curso dos acontecimentos, perscutando a lei cármica do Eterno Deus, enxergam a fé no coração dos mortais e não impõem que aquela lei siga seu curso com uma severidade destituída de misericórdia. Se a fé no ídolo, no “deus” animado, ou no Espírito Supremo de Deus, fosse extinta por causa das destruidoras forças da dor e do desespero, então a bondade humana estremeceria em temor por sua segurança e pela sua continuidade.
Uma catástrofe dessa espécie não se harmonizaria com Deus, pois, de acordo com a lei, nunca poderia ser admitida. Daí minha crença em Incal, uma crença compartilhada por meus compatriotas. Incal era um conceito puramente espiritual, afora a Causa Eterna (o Absoluto Infinito), da qual nenhuma mente de qualquer era do mundo poderia em sã consciência duvidar, só existia na mente de seus devotos. E essa era uma fé nobre, que tendia para a mais alta moralidade, nutrindo a fé, a esperança e a caridade. Que importância teria então que o Incal-pessoa, simbolizado pelo escudo rutilante do Sol, só existisse na mente dos homens? Nosso conceito poseidano representava o Espírito da Vida, o Pai UNO de todos (inclusive de todos os deuses), o que bastava para assegurar a observância dos princípios que supostamente mais O agradavam.
Certamente os anjos do Altíssimo Deus Incriado, ministrando (misericórdia e justiça) então como agora aos filhos do Pai, viram minha crença, engastada em meu coração e no coração de meus irmãos e irmãs de nação, e disseram enquanto ministravam-, “que recebas de acordo com tua fé”. Os anjos, contemplando minha esperança interior de tornar-me excelente entre os homens, haviam me disciplinado pelo medo quando fugia da montanha em fogo, mas nenhum desastre havia me acontecido. Continuei correndo tão depressa quanto me permitia a natureza do terreno. Eu tinha a minha vida e o ouro, e por isso louvava Incal enquanto corria.
E o Espírito da Vida foi misericordioso, pois eu não saberia o quanto o meu tesouro era insuficiente para minhas necessidades até a ferroada do desapontamento ser removida por eu ter encontrado uma provisão mais abundante. Meu caminho se estendia por várias milhas ao longo da crista de pedra, afiada como uma faca. Em muitos lugares abismos terríveis se abriam ao lado da trilha de pedra, tão próximos que me via obrigado a engatinhar. Por vezes os penhascos se estendiam nos dois lados da trilha, fazendo dela uma passarela estreita. Eu me sentia grato pelas pequenas bênçãos que recebia e agradecia a Incal porque o deus da montanha não havia demonstrado sua agitação com um terremoto enquanto eu me encontrava naquela perigosa situação.
A uma distância de três milhas a contar do seu início, a trilha alcançava a beira de um precipício aterrador, e acima dela erguia-se a parede de um segundo penhasco. Só a luz da montanha incandescente agora iluminava meus passos. Foi naquele ponto que, no momento em que eu descia cautelosamente na direção da pedra basáltica que formava a beira do abismo, um grande choque me atirou de joelhos no chão e eu quase caí no vazio. Um instante depois, uma explosão abafada encheu o ar com uma insistente intensidade de som, e olhei para trás, assustado. Uma grande pluma de fumaça avermelhada pelo fogo estava se levantando na direção do céu, misturada com pedras tão grandes que podiam ser vistas de onde eu me encontrava. Abaixo de onde eu estava, ouviam-se terríveis ruídos; a terra tremia convulsivamente e choques repetidos me obrigaram a me agarrar nas rochas, com um medo desesperado de ser jogado para baixo.
Na frente, o desfiladeiro que estava aos meus pés havia ladeado outros penhascos e contrafortes. Até poucos instantes antes os penhascos e contrafor-tes tinham existido – mas não existiam mais! Contemplei aquela cena de confusa e terrível desordem, iluminada pelo brilho vulcânico apenas o suficiente para ser perceptível. As sólidas rochas e colinas pareciam mover-se, instáveis como as vagas marinhas, subindo e descendo de um modo assustador, rangendo e rugindo num verdadeiro pandemônio. Por sobre tudo isso desciam cinzas vulcânicas numa chuva densa e incessante, enquanto vapores e poeira enchiam o ar e pendiam como uma
mortalha por sobre um mundo aparentemente agonizante.
Finalmente o louco barulho e o nauseante movimento cessaram; só o brilho constante da lava que continuava a correr e um espasmo ocasional de tremor de terra continuavam sua narrativa plutônica. Permaneci no meu lugar, sentindo-me fraco e abalado. Gradualmente, a lava parou de correr e ficou tudo escuro; os choques só aconteciam a longos intervalos e uma paz como a da morte desceu sobre a região, enquanto a cinza silenciosa caía, cobrindo a terra ferida. A escuridão passou a reinar. Acho que fiquei inconsciente por algum tempo, pois quando voltei a mim senti uma dor aguda na cabeça; passando a mão por ela senti uma região úmida com sangue quente escorrendo de um ponto que doía ao toque. Tateando a minha volta, encontrei uma pedra áspera e cheia de pontas que tinha caído de algum lugar e me atingido na cabeça. Fazendo outros movimentos, concluí que o ferimento não era sério e sentei. A madrugada já se anunciava e eu, fraco de dor, fome e frio, voltei a me estender na pedra, para aguardar o novo dia.
Que paisagem diferente os raios de Incal encontraram no lugar que ali existira na manhã anterior! Quando olhei para o majestoso pico, a luz vermelha do Sol me mostrou que metade dele havia sido arrancado e engolira-se numa misteriosa caverna. Sim, é verdade, “as montanhas elevam para o céu suas penhas – e os picos nus e enegrecidos curvam suas enormes cabeças para a planície. Perto dali, onde tinham existido outros contrafortes e onde tinha ocorrido o terrível retorcimento dos penhascos, bem a meus pés, não havia mais pontas de pedra, nem pico, nem penhasco! Em lugar de tudo isso havia um grande lago de água fervente, as suas margens estavam veladas pelas cinzas que ainda pousavam com suavidade e pelas nuvens de vapor condensadas em fino gás pelo ar frio, lágrimas do globo abatido por sua recente agonia! Todo ruído havia se dispersado e o férvido fluxo da lava também tinha cessado.
A parte da saliência onde eu tinha caído tinha escapado da demolição geral, em sua maior parte, embora também tivesse sido atingida, tanto que a trilha em frente, que eu me acostumara a usar em minhas excursões ao pico, tinha sumido; um enorme bloco de pedra, que provavelmente pesaria milhares de toneladas, tinha escorregado para o abismo embaixo, destruindo o caminho por sua passagem. Procurei uma saída e, escalando as pedras na luz mortiça, cheguei a uma parte da saliência que se dirigia para o caminho oposto ao do Sol e que não passava de duas estreitas pedras salientes sobre o lago de água fervente, intransponível na parte de cima, quando de repente um pálido raio de luz brilhou em diagonal no meu caminho!
Procurando sua fonte, vi que a luz se irradiava por uma larga fenda no penhasco, acima de mim. A parte inferior da fenda ficava pouco abaixo de onde eu estava e, ao invés de se estreitar, alargava-se formando um soalho tão amplo quanto qualquer parte da fissura, como se acima daquele ponto tivesse sido empurrada para um lado -sem dúvida a única explicação. Baixei o corpo até esse soalho e, verificando que a fissura era suficientemente larga, pisei nela, sem ligar para a possibilidade de que a qualquer momento novas convulsões do vulcão pudessem fechar a abertura e esmagar-me. Pensei nessa possibilidade, mas à maneira poseidana, deixei o medo de lado refletindo que devia confiar em Incal, que faria o que fosse melhor para mim. O penhasco ruído mostrava, aqui e ali, veios de quartzo com faixas de pórfiro, formando saliências que corriam ao longo de massas de granito.
Perto do topo, a estreita fenda se estendia e, embora tivesse realmente dois ou três pés de largura, sua altura a fazia parecer muito estreita. Quando me detive, deleitado com a idéia de que nos dois lados meus olhos contemplavam rocha virgem que jamais estivera exposta ao olhar de qualquer homem desde o nascimento da Terra, notei algo que fez meu pulso se acelerar de louca alegria. Bem perto de mim, mas um pouco à frente, estava um veio de rocha amarela, de aparência ocre, na qual vi muitas manchas de rocha branca e mais dura, cuja aparência se devia a núcleos de quartzo partidos pelo mesmo choque que havia formado a fenda.
Essas manchas estavam fartamente pontilhadas por pepitas de ouro nativo e de minério de prata. A ductilidade dos preciosos metais se exibia em curiosos efeitos, com o ouro e a prata saindo da superfície fraturada em cordões que em alguns casos mediam várias polegadas. Novamente a fraqueza da fome me abandonou e a dor do ferimento na cabeça foi momentaneamente esquecida, enquanto eu cantava um hino de gratidão ao meu Deus. O majestoso pico havia sido obliterado; destruído fora o único acesso ao elevado topo; mas ali, após terminada a batalha dos fogos subterrâneos, estava um tesouro ainda maior, mais próximo de casa, mais fácil de ser explorado. A excitação do júbilo foi excessiva para os meus nervos já tão enfraquecidos e desmaiei! Entretanto, a juventude é elástica e a saúde dos que não têm vícios, maravilhosa. Logo recobrei a consciência e tive a sabedoria de tomar o caminho de casa sem parar mais e desgastar mais minha força, sabendo que meu instinto de alpinista seria um guia infalível num retorno subseqüente.
Aconselhado por minha mãe, senti que sua crença de que eu não poderia explorar a mina sozinho era baseada na realidade. Mas em quem poderia confiar para me ajudar e receber uma justa parte da riqueza assim obtida como recompensa? Não bastaria que eu encontrasse a ajuda de que precisava? Certos amigos professos entraram numa sociedade comigo e, pelo privilégio de ficarem com o restante dos lucros, deram-me um terço do apurado, concordando em fazê-lo sem que eu tivesse de trabalhar na mineração e, com certa indecisão, concordando também cm que nenhuma parte do veio pertenceria a quem quer que fosse além de mim.
Fiz com que assinassem um documento contendo essas regras, lacrando-o com o mais inviolável sinal existente em Poseid, a saber, a assinatura deles com o próprio sangue. Nós três assim fizemos. Insisti em todas essas formalidades porque não consegui reprimir a suspeita de que eles pudessem alegar que eram os descobridores do tesouro e de que, por conseqüência, eu não tivesse então nenhum direito ao mesmo. Hoje sei que seria bem esse o caso. Sei que a cláusula do contrato declarando que toda a mina que eles, meus sócios, exploraram naquele ano era propriedade inalienável de Zailm Numinos, foi o que impediu o roubo que eles tencionavam levar a cabo.
Essa estipulação não fazia referência ao descobridor da mina, mas declarava em termos inegáveis que o título de propriedade pertencia ao possuidor daquele nome. No caso de uma disputa entre nós eu não teria necessidade de provar como me tornara dono da mina-, nenhuma afirmação de que outra pessoa além de mim fosse o descobridor serviria aos defraudadores em potencial, pois fosse quem fosse o primeiro a encontrar o veio, permaneceria o fato de ser eu o proprietário, caso em que todas as vantagens da lei estariam do meu lado. Pelo menos, assim acreditei em minha ignorância. Meus associados não eram tão ignorantes quanto eu. Sabiam que o contrato não tinha valor por ter sido executado em violação à lei. Um dia vim a saber de tudo. Soube posteriormente que as leis de Poseid tornam cada mina pagadora de dízimo ao império e que qualquer mina explorada sem o reconhecimento desse laço legal estava sujeita a confisco.
Também era aparente que, se meus sócios não se tivessem deixado levar pela avareza, mantendo em segredo o nosso acordo que os tornava partícipes numa infração da lei, teriam se tornado proprietários legais simplesmente pelo fornecimento de informações sobre meus atos ao agente do governo mais próximo. Mas eu não sabia dessas coisas na época e os outros dois julgaram melhor guardar silêncio, pela única razão de que nada sabiam a não ser que estavam violando ordens aparentemente sem importância. E assim o segredo foi guardado para uma revelação posterior. Tendo conseguido os meios necessários, o passo seguinte foi minha mudança do campo para a cidade de Rai. Nosso adeus ao antigo lar nas montanhas e nossa instalação na nova residência em Caiphul ficará em branco nestas reminiscências.
Fim do CAPÍTULO I – Atlântida, Rainha do mar e do mundo. A peregrinação deZailm ao topo do Monte Pitach Rhok para adorar a Divindade. Ele encontra ouro. A erupção vulcânica. Ele é quase alcançado pelo rio de lava, mas escapa.
CAPÍTULO 2 - ATLÂNTIDA, A RAINHA DOS OCEANOS
Do Livro: “Um Habitante de Dois Planetas”, de Philos, o Tibetano
“Por que não?” – perguntei a mim mesmo, parando no meio da neve da montanha, lá tão alto sobre o mar que o Rei da Tempestade imperava supremo, embora o verão reinasse lá embaixo. “Por acaso não sou um atlante, um poseidano, e não é este nome sinônimo de liberdade, honra e poder? Não é esta, minha terra natal, a mais gloriosa sob o Sol? Sob Incal?” Novamente me inquiri: “por que não? Por que não tentar tornar-me um dentre os maiores de minha orgulhosa pátria?”
“Firme está a Rainha do Mar, sim, rainha do mundo, pois todas as nações nos pagam tributos de honra e comércio, todas nos emulam. Governar Poseid, então, não significa governar toda a terra? Pois tentarei conquistar esse prêmio, e o conseguirei! E tu, Ó pálida e gélida Lua, sê testemunha de minha resolução” -gritei em voz alta, levantando as mãos para o céu -”e também vós, rútilos diamantes do firmamento”. Se é verdade que o esforço resoluto assegura o êxito, o fato é que eu sempre conseguia o que me determinasse a alcançar. Ali então, naquela grande altitude, acima do oceano e do planalto que se estendia para oeste por duas mil milhas até Caiphul, a Cidade Real, fiz meus votos. Tão elevado era o local que abaixo de mim havia picos e cadeias de montanhas gigantescas, mas que se apequenavam diante do ápice onde eu me encontrava.
À minha volta estendia-se a neve eterna, mas eu não me importava. Tão cheia de resolução estava minha mente, do desejo de tornar-me poderoso na minha terra natal, que nem sentia o frio. Na verdade, eu mal me dava conta de que o ar estava frio, gelado como as vastidões árticas do remoto Norte. Muitos obstáculos teriam de ser superados no cumprimento do meu desígnio, pois quem era eu naquele instante? Apenas o filho de um montanhês, pobre, sem pai, mas graças sejam dadas aos Fados! – não sem mãe! Pensar em minha mãe – a muitas milhas de distância, lá onde as florestas perenes ondulam, onde raramente cai a neve, sozinha com a noite e com o pensamento em mim – isso bastou para me trazer lágrimas aos olhos, pois eu não passava de um menino que muitas vezes ficava triste quando as dificuldades que ela suportava vinham à sua lembrança. Essas reflexões eram incentivos que se acrescentavam à minha ambição de ser e agir.
De novo meus pensamentos se voltaram para as dificuldades que eu teria de enfrentar em minha luta pelo sucesso, pela fama e pelo poder. Atlântida, ou Poseid, era um império cujos súditos gozavam da liberdade concedida por um poder monárquico limitado. A lei geral de sucessão oficial oferecia a todos os cidadãos do sexo masculino a oportunidade de escolha para o cargo. O próprio imperador tinha uma posição eletiva, assim como os seus ministros, o Conselho dos Noventa ou Príncipes do Reino, cargos análogos aos do Governo da República Americana, que é seu legítimo sucessor. Se a morte chamasse o ocupante do trono ou um de seus conselheiros, era acionado o sistema eletivo, mas não em outros casos, a não ser demissão por má conduta no cargo, penalidade de que nem o próprio imperador estava isento, caso incorresse nessa grave falta.
Duas grandes divisões sociais, abrangendo todas as classes de pessoas de ambos os sexos, estavam investidas no poder eletivo. O grande princípio subjacente à organização política de Poseid poderia ser descrito como “um sistema de avaliação educacional de cada votante, mas o sexo do dono do voto não era da conta de ninguém”. Os dois principais ramos sociais eram conhecidos pelos respectivos nomes de “Incala” e “Xioqua”, ou seja, os sacerdotes e os cientistas. Perguntariam os leitores onde estaria a oportunidade que cada súdito comum teria num sistema que excluía os artesãos, os comerciantes e os militares que não fizessem parte das classes com direitos políticos? Qualquer pessoa tinha a opção de entrar no Colégio das Ciências, no do Incal, ou em ambos.
Não havia consideração de raça, cor ou sexo; o único pré-requisito era que o candidato a admissão tivesse dezesseis anos de idade e uma boa educação, obtida nas escolas comuns ou em cursos de colégios menos importantes como o Xioquithlon na capital de alguns dos estados Poseidanos, porexemplo Numea, Terna, Idosa, Corosa e mesmo o colégio menor de Marzeus, que era o principal centro de arte manufatureira da Atlântida. A duração do curso no Grande Xioquithlon era de sete anos, dez meses a cada ano, divididos em dois períodos de cinco meses dedicados ao trabalho ativo, com um mês de férias ao final de cada período.
Qualquer estudante podia competir nos exercícios relativos aos exames anuais, realizados no fim do ano ou nas vésperas do equinócio de inverno. O nosso reconhecimento da lei natural da limitação mental fica óbvio ante o fato de que o curso de estudos era puramente opcional, ficando o estudante à vontade para escolher os tópicos, muitos ou poucos, que lhe fossem mais agradáveis, com a seguinte e necessária prescrição: somente os que possuíssem diplomas de primeira classe poderiam se candidatar a cargos oficiais, por mais modestos que fossem. Esses certificados comprovavam um grau de aprendizado que abrangia uma variedade de conhecimentos grande demais para ser mencionada, a não ser por inferência, com o prosseguimento da narrativa.
O diploma de segunda classe não conferia prestígio político, a não ser pelo fato de que era acompanhado do privilégio do voto e, embora ocorresse de uma pessoa não desejar um cargo público nem votar, o direito à instrução em qualquer ramo do conhecimento continuava a ser um privilégio gratuito. Mas aqueles, entretanto, que só aspiravam a uma educação limitada, com o propósito de exercer com mais êxito determinada profissão comercial -como instrução em mineralogia por um pretendente a mineiro, em agricultura por um fazendeiro, ou em botânica por um jardineiro mais ambicioso – não tinham voz no governo.
Embora o número dos pouco ambiciosos não fosse pequeno, o estímulo da obtenção de prestígio político era tão grande que um em cada doze habitantes possuía pelo menos um diploma de segunda classe, enquanto um terço do total obtinha diplomas de primeira classe. Devido a isso, os eleitores não sofriam por falta de pessoal para preencher todos os cargos eletivos do governo. Possivelmente ainda resta alguma dúvida na mente do leitor sobre qual seria a diferença entre os eleitores ou sufragistas sacerdo-lais e científicos.
Pois bem, a única diferença essencial era que o currículo no Incalithlon, ou Colégio dos Sacerdotes, além de todas as matérias adiantadas ministradas no Xioquithlon, incluía o estudo de um grande número de fenômenos ocultos e temas antropológicos e sociológicos, para que os formados nessas ciências tivessem oportunidade de se prepararem para atender qualquer necessidade que homens de menos erudição e menos compreensão das grandes leis subjacentes da vida pudessem vivenciar em qualquer fase ou condição. O Incalithlon era, na realidade, a mais elevada e completa instituição de ensino que o mundo de então conheceu ou – perdoe o leitor pelo que parece mas não é presunção atlante – que poderá conhecer nos próximos séculos (n.T. O livro foi escrito no final do século XIX).
Em uma instituição acadêmica tão superior, seus estudantes deveriam forçosamente estar imbuídos de extraordinário zelo e determinada vontade para tentar e conseguir certificados de formatura de sua junta examinadora. Na verdade, bem poucos tiveram um tempo de vida suficientemente longo para adquirir esse diploma; possivelmente, nem um em cada quinhentos dos que saíram honrosamente do Xioquithlon, que, por seu mérito, não ficava atrás da moderna Universidade de Cornell. Enquanto eu assim ponderava, parado ali entre as neves da montanha, decidi não visar muito alto, mas me determinei a ser um Xioqua, se houvesse a menor possibilidade.
Embora dificilmente pudesse esperar alcançar a eminência conferida pelo título de Incala, prometi a mim mesmo que criaria a oportunidade de competir pelo outro título, se não se apresentasse outra diferente. Obter aquela elevada distinção exigiria, além do árduo estudo, a posse de amplos meios pecuniários para cobrir as despesas de manutenção de minhas necessidades usuais e de um inabalável propósito. Onde eu poderia obter isso? Acreditava-se que os deuses auxiliavam os necessitados.
Se eu, um rapazinho que ainda não completara dezessete verões, que tinha uma mãe que dependia de mim para as necessidades da vida, com nada que pudesse me ajudar a alcançar minhas aspirações a não ser minha própria energia e vontade, não pudesse ser incluído naquela categoria, então quem seria necessitado? Pareceu-me que não podia haver maior prova de dependência e que era claramente apropriado que os deuses me dispensassem seu favor. Tomado por reflexões como esta, subi ainda mais, para o topo do pico que apontava para o céu, perto da altura onde até então me encontrara, pois a aurora não estava distante e eu precisava estar na mais alta rocha para saudar o grande Incal (o Sol) quando conquistasse Navaz, para que Ele, senhor de todos os signos manifestos do grande e único verdadeiro Deus, cujo nome usava, cujo escudo Ele era, pudesse ouvir minha prece favoravelmente.
Sim, Ele devia ver que o jovem suplicante não poupava esforços para prestar-Lhe homenagem, pois fora aquele o único propósito para que eu ali tinha subido sozinho, em meio àquela solidão, seguindo para o alto pela neve sem trilhas, sob o domo estrelado do firmamento. Perguntei a mim mesmo: “existe outra crença mais gloriosa do que esta que é a do meu povo? Não são todos os Poseidanos adoradores do Grande Deus, a única e verdadeira Divindade, representada pelo brilhante Sol (o Logus solar)? Não pode haver nada mais santo e sagrado”. Assim falou o jovem cuja mente em amadurecimento havia absorvido a religião exotérica e realmente inspiradora, mas que não conhecia nenhuma outra mais profunda e sublime, nem iria conhecer nos dias da Atlântida.
Quando o primeiro lampejo de luz de trás de Seu escudo irrompeu através do negro abismo da noite, atirei-me de bruços na neve do cume, onde deveria permanecer até que o Deus de Luz se (ornasse totalmente vitorioso contra Navaz. Afinal o triunfo! Então me levantei e, fazendo uma profunda reverência final, voltei sobre os meus passos pelo temível declive de gelo, neve e rocha nua, esta última negra e cruelmente pontiaguda, com suas saliências sobressaindo da capa branca e gelada, mostrando o dorso da montanha que se elevava a treze mil pés acima do nível do mar, formando um dos mais incomparáveis picos do globo.
Durante dois dias eu envidara ingentes esforços para alcançar o frígido pico e prostar-me, qual oferenda viva, em seu grandioso altar, para honrar meu Deus. Indaguei-me sobre se Ele teria me ouvido e notado minha presença. Em caso afirmativo, teria Hle se importado? Teria se importado o suficiente para ordenar ao Seu vice-regente, o Deus da montanha, que me ajudasse? Sem saber por que, olhei para este último, esperando com o que pode parecer uma cega fatuidade, que me revelasse alguma espécie de tesouro ou. . .
Mas o que é esse brilho metálico na rocha, cujo coração meu bordão de alpinista com ponta de ferro havia desnudado para ser tocado pelos raios do Sol matinal? Ouro! Ó Incal! É mesmo ouro! Amarelo e precioso ouro! “Ó Incal!” – gritei, repetindo Seu nome – “louvado sejas por responderes tão depressa a Teu humilde peticionário!” Ajoelhei-me ali mesmo na neve, descobrindo a cabeça em gratidão ao Deus de Todos os Seres, o Altíssimo, cujo escudo, o Sol derramava seus gloriosos raios. Então novamente olhei para o tesouro. Ah, que grande riqueza ali se encontrava!
Partindo em pedaços o quartzo com minhas pancadas excitadas, vi que o precioso metal o mantinha coeso, tão forte era o seu veio. As pontas agudas da pedra frágil cortaram minhas mãos, fazendo o sangue escorrer de vários lugares e, quando agarrei o quartzo que havia me ferido, minhas mãos que sangravam congelaram-se sobre ela, formando uma união de sangue e riqueza! Não importa! Separei a mão da pedra com força, indiferente à dor, tão excitado me sentia. “Ó Incal” -exclamei -”és bondoso para com Teu filho, concedendo-lhe com tanta liberalidade o tesouro que lhe permitirá realizar seu desejo antes que seu coração tenha tempo para esmorecer de tanto esperar!”
Enchi meus grandes bolsos com tudo que podia carregar, escolhendo as peças de quartzo aurífero mais ricas e valiosas. Como marcar o local para encontrá-lo em outra oportunidade? Para alguém nascido na montanha isso não era difícil e logo estava feito. Então segui para baixo, para a frente, para casa, com passo alegre, com o coração leve, embora levasse uma carga pesada. Por essas montanhas, na verdade a menos de duas milhas do meu “pico do tesouro”, serpenteava a estrada do imperador na direção do grande oceano, a centenas de milhas, do outro lado da planície de Caiphalia. Uma vez alcançada essa estrada, a parte mais fatigante da viagem teria sido realizada, embora apenas uma quinta parte da distância total tivesse sido percorrida.
Para dar uma idéia das dificuldades encontradas na escalada e descida da gigantesca montanha, devo observar que os últimos cinco mil pés da ascensão só” podiam ser galgados por uma única e tortuosa rota. Um estreito desfiladeiro, uma simples fissura vulcânica, oferecia um apoio muito precário para os pés, sendo todas as outras escarpas intransponíveis. Esse apoio mínimo existia nos primeiros mil pés. Acima desse ponto a fissura desaparecia. Quase na sua extremidade superior existia uma pequena caverna, da altura de um homem e com espaço para talvez vinte pessoas. No outro extremo desse recinto rochoso havia uma abertura, uma fenda mais larga no sentido horizontal que no vertical.
Ao insinuar-se nessa fenda, arrastando-se como uma serpente, o explorador aventuroso veria que por várias centenas de passos teria de descer um declive acentuado, se bem que a fenda se alargasse aos primeiros doze passos, permitindo uma posição mais ou menos vertical. Do fim de seu curso descendente, ela faria uma curva e novamente se alargava formando um túnel, subindo em voltas tortuosas, com a parede oferecendo suficiente apoio para tornar a subida segura, embora fazendo um ângulo de cerca de quarenta graus, enquanto em algumas partes um grau ainda maior de perpendicularidade marcasse a passagem. Dessa forma, uma subida de cerca de trezentos pés era realizada, com as sinuosidades do caminho aumentando a distância que seria percorrida no sentido vertical.
Esse, leitor, era o único meio de alcançar o pico da mais alta montanha de Poseid, ou Atlântida, que é como chamam o continente-ilha. Por mais árdua que fosse sua passagem, havia lugar mais que suficiente na velha e seca chaminé, ou curso de água, fosse o que fosse. Com certeza tinha sido originalmente uma chaminé de vulcão, embora tivesse sido tão desgastada pela água a ponto de tornar a idéia de sua formação ígnea mera conjetura. Em determinado ponto, essa longa cavidade se alargava formando uma vasta caverna.
Esta se distanciava da chaminé em ângulo reto para baixo, cada vez mais para baixo, até que nas entranhas da montanha, a milhares de pés, pareceria na medonha escuridão, a quem se aventurasse tão longe, estar na beira de um vasto abismo cujo único lado visível seria aquele onde se encontrasse; além desse ponto, qualquer progresso era impossível a não ser para entes dotados de asas, como os morcegos, mas destes não havia nenhum sinal naquela terrível profundeza.
Nenhum som jamais ecoou nesse assustador abismo, e nenhum brilho de archote já revelou seu outro lado; nada havia senão um mar de eterna escuridão. Contudo, ele nunca me trouxe terrores; antes, provocou minha fascinação. Embora outros possam ter conhecido esse lugar, nunca encontrei um companheiro com suficiente temeridade para enfrentar o desconhecido e ficar ao meu lado em sua hórrida beira, onde me encontrei não uma e sim várias vezes no passado. Por três vezes eu estivera ali,
impelido pela curiosidade. Na terceira vez eu me curvara por sobre a saliência de pedra, para tentar encontrar um possível meio de descer mais, quando o enorme bloco de basalto se soltou, caiu, e escapei por pouco de morrer.
impelido pela curiosidade. Na terceira vez eu me curvara por sobre a saliência de pedra, para tentar encontrar um possível meio de descer mais, quando o enorme bloco de basalto se soltou, caiu, e escapei por pouco de morrer.
A pedra tombou e por vários minutos os ecos de sua queda me alcançaram; minha tocha caíra também e nas profundezas suas faíscas brilharam como vagalumes toda vez que bateram em projeções rochosas, até finalmente desaparecer. Fiquei em completa escuridão, trêmulo de susto, para fazer o caminho de volta para cima e para fora – se pudesse. Se não conseguisse, então era cair e morrer. Mas tive êxito. De então em diante, perdi a curiosidade de explorar o desconhecido inferno. Eu tinha passado muitas vezes através da chaminé que conduzia para a extremidade superior da abismal caverna, entre a parte superior da fissura externa no penhasco e a lateral do pico, quinhentos ou seiscentos metros abaixo do topo da montanha, muitas vezes tinha passado pelo ponto onde a pancada incidental com meu bordão revelou o tesouro, mas nunca havia encontrado o precioso veio até ter feito aquele pedido a Incal, impelido pelo peso premente de minhas necessidades. Poderia alguém achar estranho eu sentir uma fé absoluta na crença religiosa de meu povo?
Eu estava no interior da escura chaminé por onde tinha de passar depois de deixar o pico nevado, saindo da luz do Sol e do ar fresco para as densas trevas e a atmosfera ligeiramente sulfurosa-, mas se deixei a luz matutina, também deixei o terrível frio do ar exterior, pois dentro do túnel, embora escuro, havia calor. Finalmente cheguei ao pequeno recinto no alto da fissura, a mil pés, que me levaria aos declives mais suaves das partes média e inferior da montanha. Ah fiz uma pausa. Deveria voltar e trazer mais uma carga da rocha aurífera? Ou deveria tomar diretamente o caminho de casa? Finalmente voltei sobre meus passos. Ao meio-dia estava outra vez ao lado do meu tesouro.
Logo desci de novo com minha segunda carga até o fatigante trabalho estar quase no fim, pois eu estava de pé na entrada da grande caverna, a quatrocentos pés do pequeno recinto no alto da fissura exterior – eram quatrocentos pés de subida bastante difícil. Após uma pausa retomei a curta mas escarpada subida, e logo me encontrei na pequena caverna, com apenas algumas dezenas de pés, no máximo, entre eu e o ar livre. Tomado como um todo, o longo túnel era sinuoso, mas tinha algumas passagens tão retas como se tivessem sido cortadas com prumo e régua. Os quatrocentos pés, aproximadamente, que separavam o recinto onde parei um pouco, na entrada, eram um trecho tão reto e talvez por isso tão difícil de atravessar quanto qualquer outra parte de todo o túnel.
Seria mesmo impossível a não ser por suas laterais ásperas que ofereciam algum apoio. Se o local fosse claro, ao invés de tão escuro, eu seria capaz de olhar diretamente para a caverna do local onde estava parado. O ar aquecido me convidou a sentar, ou melhor, a me deitar, embora estivesse escuro. Resolvi descansar, portanto; comi um punhado de tâmaras e bebi um pouco de neve derretida do meu cantil de couro. Então me estendi no solo e adormeci no ar tépido.
Não sei por quanto tempo fiquei dormindo, mas ao despertar -ah, o terror que senti! Lufadas explosivas de ar, quente a ponto de quase queimarem a pele, carregadas de gases sufocantes, seguidas de um rouco murmúrio, afluíam velozmente passagem acima até o pico. Ruídos como uivos e gemidos subiam com o bafo ardente do abismo, misturados com o som de explosões tremendas e ensurdecedoras. Maior que todas as outras causas de terror era um baço brilho vermelho refletido das paredes da caverna, para dentro da qual descobri que podia olhar livremente e em cujas profundezas explodiam raios de luz verde, vermelha, azul e de todas as outras cores e matizes; eram gases em combustão. Por algum tempo o pavor me petrificou; sem poder mover-me continuei a fixar o terrível inferno dos elementos em fogo.
Eu sabia que a luz e o calor, ambos aumentando a cada momento, e os vapores sufocantes, o barulho e o tremor da montanha, prenunciavam uma só coisa: uma erupção vulcânica ativa! Finalmente o encantamento que havia me paralisado foi quebrado quando vi um jato de lava derretida subir até a passagem em frente, projetado até ali por uma explosão dentro da caverna. Então me levantei e fugi, correndo pelo chão do pequeno recinto, arrastando-me com insana energia pela entrada horizontal, que nunca me parecera tão baixa até aquele instante! Eu esquecera que tinha ouro nos bolsos, e só me lembrei disso quando senti o peso das preciosas rochas que me retardavam a fuga.
Mas, com o esforço de fugir, veio-me uma relativa calma, e a mente que voltava a funcionar me impediu de atirar fora o tesouro. A reflexão me convenceu de que o perigo, embora iminente, provavelmente não era imediato. Resolvi arrastar-me novamente para dentro da pequena caverna e, pegando um saco que ali havia deixado, coloquei dentro dele todas as rochas auríferas que podia carregar. Tirei um cordão de couro da cintura e, enrolando uma extremidade numa ponta de pedra no lado superior da fissura, baixei o saco até a outra extremidade da corda e desci atrás. Sacudindo o laço frouxo da rocha acima, repeti a mesma coisa várias vezes enquanto descia. Dessa forma cheguei ao fundo da fissura com a maior parte das duas cargas de minério de ouro. Desse ponto em diante, meu caminho seguia ao longo da crista de uma saliência de pedra, não muito larga mas suficiente para formar uma trilha fácil de seguir.
Nem bem tinha começado a andar por essa trilha quando olhei para trás, para o caminho que tinha acabado de percorrer. Naquele momento, houve um tremor de terra que quase me derrubou ao chão, e da pequena caverna onde eu tinha dormido jorrou fumaça seguida de um brilho avermelhado: lava. Ela fluiu para baixo, uma cascata de fogo e uma visão gloriosa na escuridão que se adensava, pois o Sol ainda não tinha se- posto de todo. Toda a montanha ficara a oeste da saliência onde eu estava e, como se fazia quase noite, eu me encontrava na obscuridade. Corri pela rocha, deixando meu saco de ouro e grande parte do que tinha nos bolsos no lugar mais seguro que pude encontrar, bem acima do fundo da ravina pela qual a lava fatalmente escorreria.
Quando estava a uma distância segura, parei para descansar e perscrutei a torrente em ebulição saltando pela ravina, a alguma distância à minha direita mas bem visível. “Pelo menos”, pensei, “ainda tenho nos bolsos suficiente minério aurífero -mais metal do que ouro pelo que parece -que tenho condição de carregar, agora que minha força, nascida do medo, desapareceu. Mesmo que eu não possa reaver o que deixei para trás, ainda tenho uma grande riqueza. Portanto, Incal, honra a Ti!” O quanto as vinte libras de quartzo aurífero, aproximadamente, eram inadequadas para pagar as despesas de sete anos de colégio, o colégio na capital da nação, onde o custo era mais elevado que em qualquer outra parte, minha inexperiência não podia me dizer. Mas que aquele era o maior tesouro que eu já tinha possuído na vida, ou mesmo visto, era um fato inegável; portanto, eu estava contente.
A crença numa Providência poderosa é necessária para a maioria dos homens, melhor dizendo, para todos os homens, sendo a única diferença a de que as pessoas de mais amplo conhecimento requerem uma Divindade de poder mais próximo do infinito do que as de menor experiência; assim, os que apreendem a infinita amplitude da vida reconhecem um Deus cujo conceito se projeta quase à onipotência, em comparação com o conceito que satisfaz a mente humana comum. Pouco importa, portanto, que a divindade cultuada seja uma pedra ou um ídolo de madeira, uma figura inanimada qualquer, ou um Espírito Supremo de natureza andrógina. Os Seres que ordenam o curso dos acontecimentos, perscutando a lei cármica do Eterno Deus, enxergam a fé no coração dos mortais e não impõem que aquela lei siga seu curso com uma severidade destituída de misericórdia. Se a fé no ídolo, no “deus” animado, ou no Espírito Supremo de Deus, fosse extinta por causa das destruidoras forças da dor e do desespero, então a bondade humana estremeceria em temor por sua segurança e pela sua continuidade.
Uma catástrofe dessa espécie não se harmonizaria com Deus, pois, de acordo com a lei, nunca poderia ser admitida. Daí minha crença em Incal, uma crença compartilhada por meus compatriotas. Incal era um conceito puramente espiritual, afora a Causa Eterna (o Absoluto Infinito), da qual nenhuma mente de qualquer era do mundo poderia em sã consciência duvidar, só existia na mente de seus devotos. E essa era uma fé nobre, que tendia para a mais alta moralidade, nutrindo a fé, a esperança e a caridade. Que importância teria então que o Incal-pessoa, simbolizado pelo escudo rutilante do Sol, só existisse na mente dos homens? Nosso conceito poseidano representava o Espírito da Vida, o Pai UNO de todos (inclusive de todos os deuses), o que bastava para assegurar a observância dos princípios que supostamente mais O agradavam.
Certamente os anjos do Altíssimo Deus Incriado, ministrando (misericórdia e justiça) então como agora aos filhos do Pai, viram minha crença, engastada em meu coração e no coração de meus irmãos e irmãs de nação, e disseram enquanto ministravam-, “que recebas de acordo com tua fé”. Os anjos, contemplando minha esperança interior de tornar-me excelente entre os homens, haviam me disciplinado pelo medo quando fugia da montanha em fogo, mas nenhum desastre havia me acontecido. Continuei correndo tão depressa quanto me permitia a natureza do terreno. Eu tinha a minha vida e o ouro, e por isso louvava Incal enquanto corria.
E o Espírito da Vida foi misericordioso, pois eu não saberia o quanto o meu tesouro era insuficiente para minhas necessidades até a ferroada do desapontamento ser removida por eu ter encontrado uma provisão mais abundante. Meu caminho se estendia por várias milhas ao longo da crista de pedra, afiada como uma faca. Em muitos lugares abismos terríveis se abriam ao lado da trilha de pedra, tão próximos que me via obrigado a engatinhar. Por vezes os penhascos se estendiam nos dois lados da trilha, fazendo dela uma passarela estreita. Eu me sentia grato pelas pequenas bênçãos que recebia e agradecia a Incal porque o deus da montanha não havia demonstrado sua agitação com um terremoto enquanto eu me encontrava naquela perigosa situação.
A uma distância de três milhas a contar do seu início, a trilha alcançava a beira de um precipício aterrador, e acima dela erguia-se a parede de um segundo penhasco. Só a luz da montanha incandescente agora iluminava meus passos. Foi naquele ponto que, no momento em que eu descia cautelosamente na direção da pedra basáltica que formava a beira do abismo, um grande choque me atirou de joelhos no chão e eu quase caí no vazio. Um instante depois, uma explosão abafada encheu o ar com uma insistente intensidade de som, e olhei para trás, assustado. Uma grande pluma de fumaça avermelhada pelo fogo estava se levantando na direção do céu, misturada com pedras tão grandes que podiam ser vistas de onde eu me encontrava. Abaixo de onde eu estava, ouviam-se terríveis ruídos; a terra tremia convulsivamente e choques repetidos me obrigaram a me agarrar nas rochas, com um medo desesperado de ser jogado para baixo.
Na frente, o desfiladeiro que estava aos meus pés havia ladeado outros penhascos e contrafortes. Até poucos instantes antes os penhascos e contrafor-tes tinham existido – mas não existiam mais! Contemplei aquela cena de confusa e terrível desordem, iluminada pelo brilho vulcânico apenas o suficiente para ser perceptível. As sólidas rochas e colinas pareciam mover-se, instáveis como as vagas marinhas, subindo e descendo de um modo assustador, rangendo e rugindo num verdadeiro pandemônio. Por sobre tudo isso desciam cinzas vulcânicas numa chuva densa e incessante, enquanto vapores e poeira enchiam o ar e pendiam como uma
mortalha por sobre um mundo aparentemente agonizante.
mortalha por sobre um mundo aparentemente agonizante.
Finalmente o louco barulho e o nauseante movimento cessaram; só o brilho constante da lava que continuava a correr e um espasmo ocasional de tremor de terra continuavam sua narrativa plutônica. Permaneci no meu lugar, sentindo-me fraco e abalado. Gradualmente, a lava parou de correr e ficou tudo escuro; os choques só aconteciam a longos intervalos e uma paz como a da morte desceu sobre a região, enquanto a cinza silenciosa caía, cobrindo a terra ferida. A escuridão passou a reinar. Acho que fiquei inconsciente por algum tempo, pois quando voltei a mim senti uma dor aguda na cabeça; passando a mão por ela senti uma região úmida com sangue quente escorrendo de um ponto que doía ao toque. Tateando a minha volta, encontrei uma pedra áspera e cheia de pontas que tinha caído de algum lugar e me atingido na cabeça. Fazendo outros movimentos, concluí que o ferimento não era sério e sentei. A madrugada já se anunciava e eu, fraco de dor, fome e frio, voltei a me estender na pedra, para aguardar o novo dia.
Que paisagem diferente os raios de Incal encontraram no lugar que ali existira na manhã anterior! Quando olhei para o majestoso pico, a luz vermelha do Sol me mostrou que metade dele havia sido arrancado e engolira-se numa misteriosa caverna. Sim, é verdade, “as montanhas elevam para o céu suas penhas – e os picos nus e enegrecidos curvam suas enormes cabeças para a planície. Perto dali, onde tinham existido outros contrafortes e onde tinha ocorrido o terrível retorcimento dos penhascos, bem a meus pés, não havia mais pontas de pedra, nem pico, nem penhasco! Em lugar de tudo isso havia um grande lago de água fervente, as suas margens estavam veladas pelas cinzas que ainda pousavam com suavidade e pelas nuvens de vapor condensadas em fino gás pelo ar frio, lágrimas do globo abatido por sua recente agonia! Todo ruído havia se dispersado e o férvido fluxo da lava também tinha cessado.
A parte da saliência onde eu tinha caído tinha escapado da demolição geral, em sua maior parte, embora também tivesse sido atingida, tanto que a trilha em frente, que eu me acostumara a usar em minhas excursões ao pico, tinha sumido; um enorme bloco de pedra, que provavelmente pesaria milhares de toneladas, tinha escorregado para o abismo embaixo, destruindo o caminho por sua passagem. Procurei uma saída e, escalando as pedras na luz mortiça, cheguei a uma parte da saliência que se dirigia para o caminho oposto ao do Sol e que não passava de duas estreitas pedras salientes sobre o lago de água fervente, intransponível na parte de cima, quando de repente um pálido raio de luz brilhou em diagonal no meu caminho!
Procurando sua fonte, vi que a luz se irradiava por uma larga fenda no penhasco, acima de mim. A parte inferior da fenda ficava pouco abaixo de onde eu estava e, ao invés de se estreitar, alargava-se formando um soalho tão amplo quanto qualquer parte da fissura, como se acima daquele ponto tivesse sido empurrada para um lado -sem dúvida a única explicação. Baixei o corpo até esse soalho e, verificando que a fissura era suficientemente larga, pisei nela, sem ligar para a possibilidade de que a qualquer momento novas convulsões do vulcão pudessem fechar a abertura e esmagar-me. Pensei nessa possibilidade, mas à maneira poseidana, deixei o medo de lado refletindo que devia confiar em Incal, que faria o que fosse melhor para mim. O penhasco ruído mostrava, aqui e ali, veios de quartzo com faixas de pórfiro, formando saliências que corriam ao longo de massas de granito.
Perto do topo, a estreita fenda se estendia e, embora tivesse realmente dois ou três pés de largura, sua altura a fazia parecer muito estreita. Quando me detive, deleitado com a idéia de que nos dois lados meus olhos contemplavam rocha virgem que jamais estivera exposta ao olhar de qualquer homem desde o nascimento da Terra, notei algo que fez meu pulso se acelerar de louca alegria. Bem perto de mim, mas um pouco à frente, estava um veio de rocha amarela, de aparência ocre, na qual vi muitas manchas de rocha branca e mais dura, cuja aparência se devia a núcleos de quartzo partidos pelo mesmo choque que havia formado a fenda.
Essas manchas estavam fartamente pontilhadas por pepitas de ouro nativo e de minério de prata. A ductilidade dos preciosos metais se exibia em curiosos efeitos, com o ouro e a prata saindo da superfície fraturada em cordões que em alguns casos mediam várias polegadas. Novamente a fraqueza da fome me abandonou e a dor do ferimento na cabeça foi momentaneamente esquecida, enquanto eu cantava um hino de gratidão ao meu Deus. O majestoso pico havia sido obliterado; destruído fora o único acesso ao elevado topo; mas ali, após terminada a batalha dos fogos subterrâneos, estava um tesouro ainda maior, mais próximo de casa, mais fácil de ser explorado. A excitação do júbilo foi excessiva para os meus nervos já tão enfraquecidos e desmaiei! Entretanto, a juventude é elástica e a saúde dos que não têm vícios, maravilhosa. Logo recobrei a consciência e tive a sabedoria de tomar o caminho de casa sem parar mais e desgastar mais minha força, sabendo que meu instinto de alpinista seria um guia infalível num retorno subseqüente.
Aconselhado por minha mãe, senti que sua crença de que eu não poderia explorar a mina sozinho era baseada na realidade. Mas em quem poderia confiar para me ajudar e receber uma justa parte da riqueza assim obtida como recompensa? Não bastaria que eu encontrasse a ajuda de que precisava? Certos amigos professos entraram numa sociedade comigo e, pelo privilégio de ficarem com o restante dos lucros, deram-me um terço do apurado, concordando em fazê-lo sem que eu tivesse de trabalhar na mineração e, com certa indecisão, concordando também cm que nenhuma parte do veio pertenceria a quem quer que fosse além de mim.
Fiz com que assinassem um documento contendo essas regras, lacrando-o com o mais inviolável sinal existente em Poseid, a saber, a assinatura deles com o próprio sangue. Nós três assim fizemos. Insisti em todas essas formalidades porque não consegui reprimir a suspeita de que eles pudessem alegar que eram os descobridores do tesouro e de que, por conseqüência, eu não tivesse então nenhum direito ao mesmo. Hoje sei que seria bem esse o caso. Sei que a cláusula do contrato declarando que toda a mina que eles, meus sócios, exploraram naquele ano era propriedade inalienável de Zailm Numinos, foi o que impediu o roubo que eles tencionavam levar a cabo.
Essa estipulação não fazia referência ao descobridor da mina, mas declarava em termos inegáveis que o título de propriedade pertencia ao possuidor daquele nome. No caso de uma disputa entre nós eu não teria necessidade de provar como me tornara dono da mina-, nenhuma afirmação de que outra pessoa além de mim fosse o descobridor serviria aos defraudadores em potencial, pois fosse quem fosse o primeiro a encontrar o veio, permaneceria o fato de ser eu o proprietário, caso em que todas as vantagens da lei estariam do meu lado. Pelo menos, assim acreditei em minha ignorância. Meus associados não eram tão ignorantes quanto eu. Sabiam que o contrato não tinha valor por ter sido executado em violação à lei. Um dia vim a saber de tudo. Soube posteriormente que as leis de Poseid tornam cada mina pagadora de dízimo ao império e que qualquer mina explorada sem o reconhecimento desse laço legal estava sujeita a confisco.
Também era aparente que, se meus sócios não se tivessem deixado levar pela avareza, mantendo em segredo o nosso acordo que os tornava partícipes numa infração da lei, teriam se tornado proprietários legais simplesmente pelo fornecimento de informações sobre meus atos ao agente do governo mais próximo. Mas eu não sabia dessas coisas na época e os outros dois julgaram melhor guardar silêncio, pela única razão de que nada sabiam a não ser que estavam violando ordens aparentemente sem importância. E assim o segredo foi guardado para uma revelação posterior. Tendo conseguido os meios necessários, o passo seguinte foi minha mudança do campo para a cidade de Rai. Nosso adeus ao antigo lar nas montanhas e nossa instalação na nova residência em Caiphul ficará em branco nestas reminiscências.
Fim do CAPÍTULO I – Atlântida, Rainha do mar e do mundo. A peregrinação deZailm ao topo do Monte Pitach Rhok para adorar a Divindade. Ele encontra ouro. A erupção vulcânica. Ele é quase alcançado pelo rio de lava, mas escapa.
CAPÍTULO 2 - ATLÂNTIDA, A RAINHA DOS OCEANOS
“O propósito desta história é relatar o que conheci pela experiência, e não me cabe expor idéias teóricas. Se levares alguns pequenos pontos deixados sem explicação para o santuário interior de tua alma, e ali meditares neles, verás que se tornarão claros para ti, como a água que mitiga a tua sede. . . “Este é o espírito com que o autor propõe que seja lido este livro. E chama de história o relato que faz de sua experiência. Que é história?. . . Ao leitor a decisão…
“Nunca pronuncies estas palavras: “isto eu desconheço, portanto é falso“. Devemos estudar para conhecer; conhecer para compreender; compreender para julgar“. - Aforismo de Narada.
“Em época por vir, uma glória refulgente,
A glória de uma raça feita livre e pujante.
Vista por poetas, sábios, santos e videntes,
Num vislumbre da aurora inda distante.
Junto ao mar do Futuro, uma praia cintilante
Onde cada homem seus pares ombreará,
em igualdade, e a ninguém o joelho dobrará.
Desperta, minh’alma, de dúvidas e medos te desanuvia;
Contempla da face da Manhã toda a Magia
E ouve a melodia de prodigiosa suavidade
Que para nós flutua de remota e áurea graça —
E o canto como um coral da Liberdade
E o hino lírico da vindoura Raça.” (Philos, o Tibetano)
CAIPHUL
O povo atlante vivia sob um governo que tinha o caráter de uma monarquia limitada. Seu sistema oficial reconhecia um imperador (cuja função era eletiva e de modo algum hereditária) e seus ministros, conhecidos por um nome que significava “Príncipes do Reino”. Todos esses ministros eram vitalícios, a não ser em casos de má conduta, um termo rigorosamente definido com prescrições impostas com severidade -, e a operação da lei a isso relativa era tal que nenhum cargo, por mais exaltado que fosse, era suficiente para isentar os ofensores.
Nenhum cargo governamental era eletivo, com exceção de uma função eclesiástica, ao passo que cargos menores do serviço público eram objeto de nomeação em todos os casos e os nomeados tinham de prestar contas estritas ao poder que os indicava para a função, fosse esse poder o imperador ou um príncipe, que, para usufruir do poder, era responsável perante o povo pela conduta dos que havia nomeado. Entretanto, não é a finalidade deste capítulo discutir o sistema político de Poseid, mas descrever os palácios ministeriais e monárquicos fornecidos pela nação a cada funcionário eleito, sendo um para cada príncipe e três para o imperador.
No geral, a descrição de uma dessas edificações, interior e exteriormente, tipifica todas as outras, assim como nos Estados Unidos da América e outros países modernos um edifício governamental é facilmente reconhecido como tal por suas características gerais de arquitetura. A descrição de um palácio, por conseguinte, servirá a um duplo propósito: o de dar uma idéia da mais notável residência do grande império atlante, visto que tenciono descrever o principal palácio do imperador; o segundo propósito é o de ilustrar o estilo que prevalecia na arquitetura do período em que residi em Poseid.
Imagine, se assim lhe aprouver, uma elevação de aproximadamente quinze pés, dez vezes essa medida em largura, e cinqüenta vezes em comprimento. Externamente às dimensões planas, em cada um dos quatro lados da plataforma feita de pórfiro talhado, vários degraus em aclive suave elevavam-se do gramado até o topo da elevação. Nos lados, esses degraus eram divididos em quinze seções, ao passo que nas extremidades as divisões eram apenas três, cada uma dividida em extensões de quinze pés. Entre as duas seções mais próximas dos cantos, cada divisão consistia em um profundo recesso quadrangular, com a escadaria descendo e passando em volta dele em ininterrupta continuidade.
A seção seguinte, a terceira, era separada das outras duas, de cada lado por uma serpente esculpida, de enorme tamanho, feita de arenito e tão fiel à realidade quanto a arte o permitisse. As cabeças dessas serpentes imóveis descansavam no gramado verde em frente à escada, enquanto o corpo ficava em relevo sobre a escadaria, indo até o topo da plataforma, enrolado em torno das imensas colunas que suportavam os frontões das varandas do superes-truturado palácio erigido sobre a plataforma já descrita; as colunas formavam um mui imponente peristilo entre as amplas varandas e os degraus.
A divisão seguinte era um quadrângulo inserido nos degraus e, a outra, mais uma serpente, e assim sucessivamente, em torno de todo o edifício. Espero que esta descrição seja suficientemente detalhada para dar uma ideia daquele tremendo paralelogramo, rodeado de escadarias, guardado por formas ornamentais, e também úteis, de serpentes monstruosas, emblemas religiosos significando não só a sabedoria mas também o aparecimento de uma serpente de fogo nos céus da antiga Terra, iniciando o evento da separação do Homem de Deus. Alternados com essas formas ficavam os recessos, suavizando formas que de outro modo seriam severamente retas e monótonas.
Coroando tudo isso havia o primeiro andar do palácio propriamente dito, com seu peristilo envolto em serpentes elevando o grande teto das varandas sobre as quais descansavam enormes vasos cheios de terra a nutrir todos os tipos de plantas tropicais, arbustos e muitas variedades de pequenas árvores, e um luxuriante jardim que perfumava o ar já refrescado por numerosas fontes ali colocadas. Acima do primeiro andar, com seus pórticos cheios de flores, erguia-se mais um nível com aposentos, cercado de galerias abertas, cujo piso era formado pelo teto que cobria o andar inferior. O terceiro e mais elevado nível de aposentos não tinha varandas, embora tivesse passarelas em todos os lados, formadas pelo teto do pórtico inferior.
A mesma variada exuberância de flores e folhagens tornava todos os andares igualmente atraentes. Em todos eles, aves canoras e de plumagem eram hóspedes bem-vindos, sem gaiolas mas mansas por nunca terem sido maltratadas. Servidores armados de zagaias que projetavam flechas silenciosas, destruíam discretamente todas as espécies predatórias e também aquelas que, sendo desprovidas do poder de cantar, de plumagem de vividas cores ou de hábitos insetívoros para recomendá-las, eram por isso indesejáveis. Graciosas torres redondas ou afiladas erguiam-se acima do telhado principal do palácio, enquanto que os muitos aposentos com projeções, ângulos e arcos abobadados, contrafortes elegantes, cornijas e outros efeitos arquitetônicos, impediam que o conjunto parecesse pesado ou sólido demais.
Em torno da maior das torres subia uma escada em espiral, conduzindo ao espaço protegido por um corrimão, no alto, cem pés acima das chapas de alumínio que formavam o telhado do palácio. O palácio de Agacoe era único por causa de sua torre, que o tornava diferente dos outros edifícios ministeriais. Deve ser explicado que a torre tinha sido erigida em memória de uma bela princesa que partira dos amorosos cuidados de seu imperial esposo para Navazzamin, a sombria terra das almas dos mortos havia muitos séculos.
Assim era o palácio de Agacoe. Seu andar superior era um grande museugovernamental; o do meio abrigava os gabinetes dos principais funcionários do governo, enquanto que o primeiro estava magnificentemente decorado para servir como residência particular do imperador. Por não ser um lato desprovido de interesse, anotamos que as bocas escancaradas das serpentes de pedra recentemente descritas serviam como portais de entrada (do tamanho usual) para certos aposentos do subsolo, fato que serve para dar uma idéia clara do enorme tamanho daqueles sáurios líti-cos. Os monstros haviam sido feitos levando em conta a proporção artística; seus corpos eram de arenito cinzento, vermelho ou amarelo, os olhos de cornalina, jaspe, sárdio ou outra pedra de silício colorido, enquanto as presas em suas bocas enormes eram de quartzo branco brilhante, uma em cada lado do portal.
Tantas pedras cortadas e alisadas forçam a mente moderna a indagar se os atlantes obtinham o produto acabado por meio do incansável labor de escravos -e nesse caso teríamos sido um povo bárbaro, cuja autonomia política estaria sempre ameaçada pelas forças do vulcão social que a escravatura sempre cria – ou se possuíamos máquinas para o corte de pedras, de peculiar eficiência. Esta última é a resposta correta, pois nossas máquinas especiais para isso, assim como uma quase infinita variedade de outros implementos para todos os tipos de trabalho, eram um motivo de orgulho para a nossa nação e nos distinguiam das demais.
Permite-me fazer uma afirmação, não como argumentação mas para que ela possa ser compreendida à luz dos capítulos subsequentes: se nós, atlantes, não tivéssemos possuído esse grande número de invenções mecânicas nem o talento inventivo que nos conduziu a esses triunfos, então vós, habitantes modernos da Terra, também não teríeis essa capacidade criativa nem os resultados dela. É possível que tu, leitor, não compreendas a ligação que existe entre as duas eras e raças ao ler esta afirmação, mas ao chegares mais perto do final desta história tua mente para ela se voltará com plena compreensão.
Na esperança de que meu esforço em descrever com palavras a aparência dos edifícios governamentais da Atlântida tenha tido êxito, tentemos agora adquirir uma idéia do promontório no qual estava entronizada Caiphul, a Cidade Real, a maior daqueles antigos tempos, na qual vivia uma população de dois milhões de almas, e que não tinha muralhas fortificadas. Na verdade, nenhuma cidade ou capital daquele tempo era cercada por muros, e neste respeito diferiam das cidades conhecidas em épocas históricas posteriores. Chamar meus registros de Poseid de história não é exagero, pois o que relato nestas páginas é a história derivada dos registros da luz astral (n.T. Registro Akáshico).
Não obstante, ela precede as narrativas históricas transmitidas por manuscritos, papiros e inscrições em pedras por tantos séculos, visto que Poseid já não era mais conhecida na Terra quando as primeiras páginas da história foram registradas em papiros pelos primeiros historiadores, e nem mesmo antes, quando os escultores dos obeliscos egípcios e os artistas encarregados de gravar as pedras dos templos imprimiram histórias pictóricas no duro granito. Poseid estava esquecida, pois hoje faz mais de dez mil anos que as águas do oceano Atlântico engolfaram nossa bela terra sem deixar sinal, como o que sobrou das duas cidades ocultas sob lava e cinzas e que durante dezessete séculos da era cristã permaneceram completamente desconhecidas.
Escavadores trouxeram à luz os restos de Pompéia, mas homem algum pode afastar as águas do Atlântico e revelar o que já não mais existe, pois ainda que cada dia fosse um século, teriam se passado três meses e dez dias desses longos dias desde o terrível (decreto) fiat de DEUS (n.T. Em 10.986 a.C, portanto à 13 mil anos):
“Que a terra (de Atlântida) seja coberta pelas águas, para que o Sol que tudo vê não a distinga mais em seu curso.“
E assim se fez. Em páginas anteriores, o promontório de Caiphul foi descrito como se estendendo pelo oceano a partir da planície caiphaliana, sendo visível de grande distância à noite por causa da luz irradiada pela capital. A península se projetava por trezentas milhas, na direção oeste a partir de Numéia, medindo cinqüenta milhas de largura quase até o extremo, e erguendo-se como os penhascos de talco da Inglaterra a quase cem pés, até alcançar uma planície sem elevações, quase tão plana quanto o soalho de uma casa. Na extremidade dessa grande península ficava Caiphul ou “Atlântida, Rainha do Mar”. Linda, pacífica, com seus amplos jardins encantadoramente tropicais:
“Onde as folhas jamais esmaecem nos floridos e mansos galhos, “E as abelhas se fartam com as flores o ano inteiro.”
Suas largas avenidas sombreadas por enormes árvores, suas colinas artificiais, cortadas por avenidas que se irradiavam do centro da cidade como os raios de uma roda. Cinqüenta delas corriam numa direção, enquanto que, formando ângulos retos com elas, atravessando a largura da península, com quarenta milhas de comprimento, situavam-se as avenidas menores. Assim era a mais poderosa cidade de mundo antigo, como se fosse um esplêndido sonho. Em nenhum ponto Caiphul se encontrava a menos de cinco milhas do oceano. Embora não tivesse muralhas, em torno de toda a cidade estendia-se um imenso canal, com três quartos de milha de largura por aproximadamente sessenta pés de profundidade, alimentado pelas águas do Atlântico.
No lado norte, um canal maior adentrava esse fosso circular - um canal no qual as águas profusas de um grande rio, o Nomis, criavam uma correnteza de considerável força. Conseqüentemente, formava-se uma corrente em todo o círculo do fosso, e a água do mar entrava pelo lado sul. Dessa maneira, efluía para o mar todo o sistema de drenagem da ilha circular artificial onde ficava a cidade. Imensas bombas a motor forçavam a água fresca do oceano a passar por toda a cidade por meio de grandes canos e condutos de pedra, fazendo a limpeza dos drenos e fornecendo força motriz para todas as finalidades, iluminação elétrica e serviços de eletricidade muito variados. . .
Mas, um momento! Serviços de eletricidade? Sim, na verdade tínhamos um grande conhecimento sobre a força motriz do universo: nós a utilizávamos em incontáveis formas que ainda estão por ser descobertas neste mundo moderno, além de formas que a cada dia estão voltando em grande número à memória de homens e mulheres do passado, reencarnados nesta época. Não é estranha a tua incredulidade, meu amigo, quando falo dessas invenções que consideras uma propriedade típica de hoje? O fato é que falo com o conhecimento nascido da experiência, posto que vivi naquele tempo, e também neste de agora. Vivi não só na Poseid de doze mil anos atrás, mas também nos Estados Unidos da América antes, durante e depois da Guerra de Secessão.
Tirávamos nossa energia elétrica das ondas do mar que se abatiam sobre as praias; das torrentes das montanhas e de produtos químicos, mas principalmente do que poderia ser adequadamente chamado de “Lado Noturno da Natureza”. Explosivos de alto poder eram conhecidos por nós, mas o emprego que deles fazíamos era muito mais amplo que o de hoje. Se pudesses feizer essas substâncias entregarem gradualmente sua enorme força aprisionada sem temer uma explosão, imaginas que tuas máquinas seriam movidas por motores elétricos ou a vapor, tão desajeitados por causa de seu peso?
Se um grande navio a vapor pudesse dispensar suas caldeiras e fornalhas e em seu lugar usar dinamite num recipiente perfeitamente seguro, possível de ser carregado numa bolsa, transmitindo poder suficiente para levar o navio da Inglaterra até a América, ou impelir um trem por seis mil milhas, por quanto tempo ainda usarias teus motores a vapor? Contudo, essa energia foi conhecida por nós – por ti talvez, por mim com certeza – na vida atlante. Certamente ressurgirá, pois Nossa Raça está novamente voltando da vida após a morte para a terra. Esse não era o único recurso energético que tínhamos.
As forças do Lado Escuro da Natureza eram para nós o que o vapor é para teus motores. E o que são elas? Neste ponto só responderei fazendo uma contra-pergunta: a força da Natureza, da gravidade, do Sol, da luz, de onde vem? Se me responderes “vem de Deus”, então explicarei que, da mesma forma, o Homem é Herdeiro do Pai, e tudo que é Dele também pertence ao Filho. Se Incal é impelido por Deus, o Filho descobrirá como o Pai o faz e chegará a fazê-lo também, como o Homem fez em Poseid, no passado. Mas podemos fazer coisas ainda maiores: és hoje, foste ontem. És Poseid que retorna, num plano mais elevado!
O propósito original para o qual havia sido construído o grande fosso ou canal que envolvia a capital tinha sido cumprido havia muitos séculos. Esse propósito fora puramente marítimo, ligado aos dias em que navios eram usados como transporte, antes do uso posterior de aeronaves, e havia cumprido sua finalidade tão bem que dera a Caiphul o título de “Soberana dos Mares”, um título que continuou a existir mesmo depois que os usos originais do fosso já tinham se tornado coisa do passado. Quando melhores meios de transporte suplantaram os antigos, os navios que por dez séculos tinham visitado todos os mares e rios navegáveis do globo foram abandonados ou convertidos para outros usos. Só algumas embarcações singravam as águas e eram barcos de recreio pertencentes a pessoas amantes de novidades e que dessa forma satisfaziam seu gosto pelo esporte.
Essa mudança radical, entretanto, não fez com que as docas de alvenaria do fosso, medindo cento e quarenta milhas aproximadamente, fossem abandonadas à destruição. Isto teria causado a perda de valiosas propriedades pela invasão das águas, assim como a deterioração do sistema sanitário da cidade, além de que tal desgraça teria destruído a beleza do canal e suas proximidades. Por conseguinte, nos sete séculos decorridos desde que deixamos de usar o transporte marítimo, não foi permitido que o menor sinal de fraqueza ameaçasse aquela grande extensão de alvenaria.
Uma característica marcante de Caiphul era a grande variedade e rara beleza de suas árvores e arbustos tropicais, ladeando as avenidas, cobrindo as muitas colinas coroadas por palácios, muitos dos quais tinham sido construídos de forma a se elevarem a duzentos e até trezentos pés acima do nível da planície. Arvores, folhagens, arbustos, trepadeiras e flores, anuais e perenes, enchiam os desfiladeiros, gargantas e terraços artificiais que os poseidanos, amantes da arte, haviam criado. As plantas cobriam os declives, envolviam os penhascos em miniatura, as paredes dos prédios e até, em grande parte, os degraus que levavam das margens até a beira do grande canal, como se vestissem tudo com uma gloriosa roupagem verde.
Talvez o leitor esteja se perguntando onde vivia a população. A pergunta vem bem a tempo e a resposta, segundo creio, será interessante. No trabalho de alteração da configuração da superfície do grande promontório, fazendo da planície uma bela variação de colinas e vales, o plano seguido tinha sido o de lazer uso de grandes suportes de rochas, de enorme resistência, na forma de terraços, deixando passagens em arco onde as avenidas faziam interseções com essas elevações, e preenchendo os vazios remanescentes com concreto feito com argila, pedrisco e cimento, cuidadosamente misturados e socados. O exterior era então coberto com terra fértil para ali se plantar vida vegetal de todas as espécies.
Essas elevações cobriam muitas milhas quadradas do espaço antes existente, deixando poucas áreas planas a não ser as avenidas; mas nem todas, pois muitas ruas ascendiam as colinas ou seguiam o declive ascendente de algumas gargantas até alcançarem o topo. Então atingiam a divisa e passavam para o outro lado por um viaduto em arco, do qual tubos de cristal a vácuo transmitiam uma luz contínua fornecida pelas forças do “Lado Noturno”. As faces verticais e as inclinações dos terraços, assim como os lados das gargantas, serviam para a construção de aposentos de variado e amplo tamanho. As portas e janelas dessas construções eram disfarçadas por saliências artificiais de rocha, cobertas de hera e outras plantas que crescem em pedras, dessa forma escondendo das vistas a deselegância das armações metálicas existentes por baixo.
Esses apartamentos formavam conjuntos artísticos para acomodar as famílias. A forração de metal evitava a umidade no interior, enquanto que sua localização no interior assegurava uma temperança constante em todas as estações do ano. Como essas residências eram projetadas e construídas pelo governo, e eram de propriedade do mesmo, os moradores as alugavam no Ministério de Obras Públicas. O aluguel era módico, suficiente apenas para manter a propriedade em boas condições, pagar as despesas de iluminação e aquecimento, o fornecimento de água e os salários dos funcionários que se ocupavam em cumprir esses deveres.
Tudo isso custava não mais que dez ou quinze por cento do salário de um mecânico especializado. A menção de tantos detalhes deverá ser perdoada, pois se eu os omitisse, só uma concepção vaga e insatisfatória seria obtida pelo leitor. O grande atrativo dessas residências era sua localização retirada, evitando a triste aparência de grandes números de casas angulares, um efeito extremamente desagradável muito visto em nossos dias de hoje mas raramente, ou nunca, nas cidades atlantes. O resultado desse planejamento era que, para quem olhasse de qualquer elevação, a cidade pareceria muito agradável em comparação com nossas modernas aberrações feitas de pedra, tijolos ou madeira, especialmente pela falta de arranha-céus separados por túneis estreitos e sem árvores, em muitos casos imundos, indevidamente chamados de ruas.
O visitante veria uma colina e depois outra e mais outra, até incluir todas em sua visão -eram cento e dezenove no total; aqui um lago, ou um penhasco ao lado de um lago, ou um parque coberto de árvores; mini gargantas com ar grandioso, pequenas florestas, tão regularmente irregulares. . . Cascatas e torrentes, alimentadas pelo inesgotável suprimento de água fresca da cidade, as margens e prainhas cobertas com árvores, arbustos e folhagens que amam a contiguidade da água. Estas, caro amigo, teriam sido as cenas apresentadas aos teus olhos, se pudesses ter contemplado Caiphul comigo. Talvez o fizeste, quem sabe? Mas Caiphul possuía também casas construídas à maneira moderna, pois a autorização da cidade para a construção de algumas casas belas, em locais e estilos calculados para aumentar a beleza do cenário, era um privilégio que pessoas abastadas podiam obter oficialmente.
Muitas a haviam obtido. Museus de arte, teatros e outras estruturas não destinadas a moradia também existiam em razoável número. Passeando pela cidade, descobri que as avenidas, em certos casos, pareciam interromper-se bruscamente diante de uma gruta, cujo interior geralmente estava enfeitado por estalactites pendentes do teto. Por vezes um ligeiro desvio do curso acontecia, impedindo a visão do interior da gruta. Nesses locais, lâmpadas cilíndricas de alta tensão, a vácuo e sem quebra-luz, enviavam um brilho suave ao interior, criando um afeito de luar muito agradável para quem entrasse, vindo do exter-ior brilhantemente iluminado pelo Sol.
Embora os habitantes fossem excelentes cavaleiros, em sua maioria, esse tipo de transporte não era usado a não ser como meio de cultura e graça físicas, uma vez que havia o transporte elétrico fornecido pelo governo. Certamente os reformadores deste século dezenove da era cristã se sentiriam na terra ideal se fossem caifalianos, isto porque o governo exercia o princípio paternalista, tão sistematicamente quanto o feria se fosse o dono da terra, de todos os meios de transporte e comunicações públicas, fábricas, enfim, todas as propriedades.
O sistema era de natureza muito beneficente, e nenhum poseidano desejava que fosse interrompido ou suplementado por algum outro. Se um cidadão desejava um vailx (aeronave) para qualquer finalidade, dirigia-se aos funcionários próprios que sempre estavam de plantão nos depósitos de vailx em todo o reino. Se quisesse cultivar a terra, contatava o Departamento de Solos e Agricultura. Talvez desejasse fabricar um produto; as máquinas estavam à disposição por um aluguel módico necessário para cobrir as despesas de operação e os salários das pessoas encarregadas daquela parte da propriedade pública.
Creio que estes exemplos são o suficiente. Cabe dizer que não existe harmonia política como a que provinha do paternalismo de nossos oficiais eleitos. O paternalismo governamental é encarado com desconfiança e um certo alarma pelas repúblicas modernas. É que hoje sua qualidade difere da que existia então. O nosso era um paternalismo observado de perto e devidamente contido pelos eleitores da nação, e sua existência era essencialmente um expoente de princípios verdadeiramente socialistas. Até aqui não entrei em detalhes precisos a respeito dos muitos acordospeculiares mantidos entre os pais políticos (governo) e seus filhos, ou entre trabalho e capital.
Não creio que deva fazê-lo nestas páginas com propriedade, pois não é o caso de uma petição de readoção, nesta época do mundo, dos métodos seguidos naquele remoto período. Creio que será suficiente dizer, o que não deverá ser inadequado nesta conjuntura, que Poseid não era incomodada no meu tempo pelo problema moderno e ao mesmo tempo muito antigo das greves, que bloqueiam o capital e a empresa, fazem morrer de fome o artesão e causam mais sofrimento aos pobres do que aos ricos. O segredo dessa imunidade às greves não precisa ser buscado muito longe numa nação cujo governo era a voz de um povo com suficiente educação para conceder o poder sem consideração de sexo, porque estava indelevelmente marcado em nossa vida nacional o seguinte princípio: “uma base de educação a cada eleitor; o sexo do eleitor não tem importância”.
Numa nação assim, seria muito estranho que desarmonias industriais pudessem perturbar a política social por muito tempo. O amplo princípio da igualdade entre empregador e empregado reinava em Poseid; não importava o que uma pessoa fizesse para a outra, toda a equação se firmava nesta pergunta: algum serviço foi prestado por uma pessoa a outra? Em caso afirmativo, o fato desse serviço ter sido prestado ou não através de um esforço físico não contava. Um serviço devia ser compensado, fosse físico ou intelectual, e também não era importante saber se o empregador representava um ou mais indivíduos, ou o empregado uma ou mais pessoas.
Nossas leis locais relativas à questão da igualdade industrial eram completas e bastante volumosas. Embora não pretenda dar uma versão completa do que se poderia chamar de leis trabalhistas, algumas partes merecem atenção. Será melhor prefaciá-las com uma breve história dessas regras para mostrar como, naquele tempo remoto, problemas trabalhistas muito semelhantes, e tão ameaçadores para a paz e a ordem quanto qualquer revolta industrial moderna, foram final e equanimemente resolvidos. Na “Pedra Maxin”, a cujo código legal será feita referência no devido tempo, encontramos esta semente vital de resolução de uma terrível ameaça envolvendo trabalho e capital, a saber:
“Quando aqueles que trabalham por um salário estiverem oprimidos e se levantarem em fúria para destruir seu opressor, que sejam impedidos e que Me obedeçam. A eles eu digo: não causes dano à pessoa ou à propriedade de qualquer homem, mesmo que sejais oprimido por ele. Pois não sois todos irmãos e irmãs? Não sois todos filhos de um só Pai, o inominado Criador? Mas isto eu ordeno: que eles acabem com a opressão. Busca com diligência o significado de minhas palavras.”
O estudante de ética interpretava esse comando com o significado de que as classes trabalhadoras oprimidas não deveriam prejudicar o capitalista opressor nem sua propriedade. As classes privilegiadas talvez fossem tão vítimas das circunstâncias quanto as mais pobres; o remédio estava, não na anarquia cega, mas na erradicação das condições errôneas. Isso seria fácil, desde que adequadamente tratado. Os oprimidos eram na proporção de milhares para um, em relação ao opressor. A maioria deles tinha o poder do voto e foi determinado que, sendo o governo servidor do povo, o método correto era lidar com a questão por meio de eleições e não pelo uso da violência contra os ricos. Portanto, fez-se a convocação para que o povo em peso votasse pela adoção de um código de regulamentos trabalhistas e o submetesse respeitosamente ao RAI. Dos muitos artigos e seções citarei apenas aqueles que são pertinentes aos tempos e problemas modernos, de modo que, se minha seleção não contém artigos e seções de maneira sequencial, a razão é óbvia.
EXCERTOS DAS LEIS TRABALHISTAS DE POSEID
“Nenhum empregador exigirá de qualquer empregado a prestação de serviços além dos horários legais de trabalho sem remuneração extra.”
“Seção 4. Essas horas não serão menos nem mais que nove horas de labor físico em cada período de vinte e quatro horas; não serão mais nem menos que oito horas de trabalho sedentário requerendo principalmente o esforço intelectual.”
Este estatuto permitiu que as duas partes de um contrato de trabalho decidissem quando o horário de trabalho começaria ou terminaria, com relação à primeira hora do dia, isto é, a hora moderna do meio-dia. Quanto ao caso dos salários, a lei era muito clara, explicando que, como o homem é egoísta por natureza -quer dizer, em sua natureza inferior – aplicaria com base no auto-engrandecimento a moderna doutrina do autogoverno. Assim, se ele não fosse movido pelo senso do dever para com seu semelhante a tratá-lo com justiça, não sendo a justiça ditada pela força, então caberia à lei compeli-lo a ser justo.
É neste ponto que o moderno mundo anglo-saxão, que é o mundo de Poseid (e Suern) ressurgindo, mostra um sinal do lento mas seguro progresso gerado pelo tempo -, prova que embora o homem, como tudo o mais, dotado ou não de inteligência, se movimente em um círculo, esse círculo é como a rosca de um parafuso, sempre progredindo para o alto, a cada volta para um plano mais elevado. Poseid deve ser compelida por suas mentes avançadas a fazer o que é justo pelos fracos. A América e a Europa estão se tornando mais propensas a agir corretamente e com justiça, porque isso é parte do dever. Vemos então empregadores modernos oferecendo de livre vontade o que os antigos poseidanos faziam por força da lei: partilhar lucros com os empregados.
Tendo a lei sido entregue aos juristas, os eleitores decretaram que o governo deveria estabelecer um Departamento de Intendência, cuja incumbência seria a de coletar todos os dados estatísticos referentes a produtos alimentícios comerciáveis, todos os têxteis necessários ao vestuário e, em suma, todos os artigos necessários para a manutenção social adequada dos cidadãos. Com base nesses relatórios estatísticos, seria feita uma estimativa do custo desses bens, entre os quais estavam os livros, reconhecidos como alimento mental. Foi calculado o custo anual desses itens e, os salários, com base no resultado da divisão do custo anual pelo número de dias. Essa tabela era atualizada a cada noventa dias, por causa da verificação de que certos itens principais flutuavam, não sendo o cálculo totalmente estável, e os salários de um trimestre poderiam diferir dos salários do trimestre anterior. Permite-me fazer uma citação:
“Seção VII, Art. V. Os empregadores dividirão os lucros brutos das operações comerciais da seguinte forma: O salário, ganhos ou emolumentos de cada empregado serão pagos com base na soma trimestral estimada do custo de vida determinado pelo Departamento de Intendência. Do restante, seis partes de cada cem do capital investido serão reservadas. Este incremento será e representará os lucros líquidos do empregador. Da receita restante serão deduzidas as despesas normais e, de qualquer soma remanescente, metade será investida para prover anuidades aos doentes ou incapacitados, ou como seguro aos dependentes de empregados falecidos. A metade restante será periodicamente distribuída entre os empregados com base em suas diferentes compensações.”
“Seção VII, Art. V. Um conjunto de empregados é apenas equivalente ao seu Superintendente. Este equivale a todos os seus subordinados. Portanto, os empregadores, se não forem eles mesmos os administradores do seu negócio, pagarão aos gerentes um salário igual à soma dos salários dos subordinados.”
Essas e outras leis trabalhistas realmente têm um sabor de modernidade. Mas a civilização de todas as eras, em todas as nações, unde a expressar-se de maneiras tais que, se usarmos a linguagem moderna para exprimi-las, parecerão quase idênticas. Tanto é assim que na antiga Atlântida e na moderna América o termo “greve” pode ser apropriadamente empregado para designar uma revolta de trabalhadores; o mesmo princípio caracteriza todas as outras fases-, de uma era para outra, o mundo progride com lentidão, e hoje ainda não está tão avançado nem tão civilizado, em seu atual subciclo, quanto estava no tempo de Poseid. Estas podem ser palavras duras, mas logo serão compreendidas.
Essas eram as principais características do mundo industrial de Poseid. As antigas greves e tumultos que deram nascimento a essas leis desapareceram e a paz tomou o seu lugar. A mudança foi benéfica, mas os fortes sempre procuravam descobrir um meio de burlar a lei e, embora não tivessem tido êxito suficiente para causar grandes danos, seu desejo foi adicionado à soma do Carma. Assim, quando o mundo moderno da época cris-(ã chegou aos séculos dezoito e dezenove, especialmente este último, começou a reencarnação daquele período de Poseid e, por algum tempo, a opressão novamente predominou. Contra essa tendência, hoje surge timidamente o desejo de agir com jus-i iça pela justiça em si, o que, aplicado a assuntos industriais, manifestou-se em anos muito, muito recentes -um sinal do brilho derradeiro no crepúsculo do dia quase chegado à hora final, lembrando uma era acabada.
Refiro-me particularmente ao desejo mais presente do homem de tratar corretamente os outros sem ser forçado a isso por decretos legais. É verdade que isso é feit0 ainda porque o homem descobriu que é conveniente; mas essa descoberta nunca teria sido feita se o desejo reencarna-do do bem não tivesse induzido experimentos de participação nos lucros, na esperança de exterminar-se a iniqüidade das greves e com a ideia de harmonizar a sociedade e levá-la a agir como gostaria que agissem com ela.
Finalmente, por mais estranho e paradoxal que pareça, essa melhoria é resultado direto de antigos direitos conseguidos à força em Poseid, hoje filhos reencarnados da opressão reencarnada, assim como na Atlântida a opressão surgiu como reencarnação de eras ainda mais antigas, anteriores ao espantoso memorial de Gizé. Mas ir além de uma simples menção disso seria invadir a seara entregue a outrem pelo Messias; portanto, só um indício poderei dar agora e transmitirei outros mais tarde. Basta dizer, então, que aqueles foram tempos em que os homens lutavam contra nossa ancestralidade caída com uni movimento ascendente que era praticamente imperceptível, (glória seja dada ao Pai, pois Seus filhos, segura embora lentamente, estão por meios tortuosos ascendendo a Suas alturas; muitas são suas quedas, mas eles se levantarão de novo, não permitindo que o inimigo triunfe.
Pode parecer uma intrusão inoportuna, mas devo introduzir neste ponto uma breve descrição do sistema de transporte elétrico de Caiphul e das outras cidades, grandes e pequenas, espalhadas pelo império e suas colônias. Farei somente a descrição dos veículos de transporte local. Em cada lado das amplas avenidas havia uma larga calçada de mosaico para os pedestres. Uma linha de enormes e pesados vasos de pedra, sem fundo e onde cresciam arbustos ornamentais e folhagens, estavam no meio-fio, e de cada lado deles havia um trilho de metal, a uma altura de uns nove pés, apoiados em suportes semelhantes aos que serviam para amarrar navios.
A distâncias regulares, outros trilhos cruzavam as vias principais, podendo ser levantados ou abaixados para formar um desvio como os dos trens de hoje, com uma simples alavanca efetuando esse processo. O espaço abaixo dos trilhos servia como cruzamento de ruas, havendo raramente uma rua pavimentada por baixo, a não ser nas avenidas maiores. Nos mapas do Departamento Municipal de Trânsito, esses trilhos principais e secundários formavam uma espécie de teia de aranha. Para cada distrito havia grande número de veículos com mecanismo automático, que permitia o transporte de seus passageiros a tremendas velocidades e grandes distâncias. Não ocorriam colisões, porque o sistema era formado por trilhos duplos.
“O propósito desta história é relatar o que conheci pela experiência, e não me cabe expor idéias teóricas. Se levares alguns pequenos pontos deixados sem explicação para o santuário interior de tua alma, e ali meditares neles, verás que se tornarão claros para ti, como a água que mitiga a tua sede. . . “Este é o espírito com que o autor propõe que seja lido este livro. E chama de história o relato que faz de sua experiência. Que é história?. . . Ao leitor a decisão…
“Nunca pronuncies estas palavras: “isto eu desconheço, portanto é falso“. Devemos estudar para conhecer; conhecer para compreender; compreender para julgar“. - Aforismo de Narada.
“Em época por vir, uma glória refulgente,
A glória de uma raça feita livre e pujante.
Vista por poetas, sábios, santos e videntes,
Num vislumbre da aurora inda distante.
Junto ao mar do Futuro, uma praia cintilante
Onde cada homem seus pares ombreará,
em igualdade, e a ninguém o joelho dobrará.
Desperta, minh’alma, de dúvidas e medos te desanuvia;
Contempla da face da Manhã toda a Magia
E ouve a melodia de prodigiosa suavidade
Que para nós flutua de remota e áurea graça —
E o canto como um coral da Liberdade
E o hino lírico da vindoura Raça.” (Philos, o Tibetano)
A glória de uma raça feita livre e pujante.
Vista por poetas, sábios, santos e videntes,
Num vislumbre da aurora inda distante.
Junto ao mar do Futuro, uma praia cintilante
Onde cada homem seus pares ombreará,
em igualdade, e a ninguém o joelho dobrará.
Desperta, minh’alma, de dúvidas e medos te desanuvia;
Contempla da face da Manhã toda a Magia
E ouve a melodia de prodigiosa suavidade
Que para nós flutua de remota e áurea graça —
E o canto como um coral da Liberdade
E o hino lírico da vindoura Raça.” (Philos, o Tibetano)
CAIPHUL
O povo atlante vivia sob um governo que tinha o caráter de uma monarquia limitada. Seu sistema oficial reconhecia um imperador (cuja função era eletiva e de modo algum hereditária) e seus ministros, conhecidos por um nome que significava “Príncipes do Reino”. Todos esses ministros eram vitalícios, a não ser em casos de má conduta, um termo rigorosamente definido com prescrições impostas com severidade -, e a operação da lei a isso relativa era tal que nenhum cargo, por mais exaltado que fosse, era suficiente para isentar os ofensores.
Nenhum cargo governamental era eletivo, com exceção de uma função eclesiástica, ao passo que cargos menores do serviço público eram objeto de nomeação em todos os casos e os nomeados tinham de prestar contas estritas ao poder que os indicava para a função, fosse esse poder o imperador ou um príncipe, que, para usufruir do poder, era responsável perante o povo pela conduta dos que havia nomeado. Entretanto, não é a finalidade deste capítulo discutir o sistema político de Poseid, mas descrever os palácios ministeriais e monárquicos fornecidos pela nação a cada funcionário eleito, sendo um para cada príncipe e três para o imperador.
No geral, a descrição de uma dessas edificações, interior e exteriormente, tipifica todas as outras, assim como nos Estados Unidos da América e outros países modernos um edifício governamental é facilmente reconhecido como tal por suas características gerais de arquitetura. A descrição de um palácio, por conseguinte, servirá a um duplo propósito: o de dar uma idéia da mais notável residência do grande império atlante, visto que tenciono descrever o principal palácio do imperador; o segundo propósito é o de ilustrar o estilo que prevalecia na arquitetura do período em que residi em Poseid.
Imagine, se assim lhe aprouver, uma elevação de aproximadamente quinze pés, dez vezes essa medida em largura, e cinqüenta vezes em comprimento. Externamente às dimensões planas, em cada um dos quatro lados da plataforma feita de pórfiro talhado, vários degraus em aclive suave elevavam-se do gramado até o topo da elevação. Nos lados, esses degraus eram divididos em quinze seções, ao passo que nas extremidades as divisões eram apenas três, cada uma dividida em extensões de quinze pés. Entre as duas seções mais próximas dos cantos, cada divisão consistia em um profundo recesso quadrangular, com a escadaria descendo e passando em volta dele em ininterrupta continuidade.
A seção seguinte, a terceira, era separada das outras duas, de cada lado por uma serpente esculpida, de enorme tamanho, feita de arenito e tão fiel à realidade quanto a arte o permitisse. As cabeças dessas serpentes imóveis descansavam no gramado verde em frente à escada, enquanto o corpo ficava em relevo sobre a escadaria, indo até o topo da plataforma, enrolado em torno das imensas colunas que suportavam os frontões das varandas do superes-truturado palácio erigido sobre a plataforma já descrita; as colunas formavam um mui imponente peristilo entre as amplas varandas e os degraus.
A divisão seguinte era um quadrângulo inserido nos degraus e, a outra, mais uma serpente, e assim sucessivamente, em torno de todo o edifício. Espero que esta descrição seja suficientemente detalhada para dar uma ideia daquele tremendo paralelogramo, rodeado de escadarias, guardado por formas ornamentais, e também úteis, de serpentes monstruosas, emblemas religiosos significando não só a sabedoria mas também o aparecimento de uma serpente de fogo nos céus da antiga Terra, iniciando o evento da separação do Homem de Deus. Alternados com essas formas ficavam os recessos, suavizando formas que de outro modo seriam severamente retas e monótonas.
Coroando tudo isso havia o primeiro andar do palácio propriamente dito, com seu peristilo envolto em serpentes elevando o grande teto das varandas sobre as quais descansavam enormes vasos cheios de terra a nutrir todos os tipos de plantas tropicais, arbustos e muitas variedades de pequenas árvores, e um luxuriante jardim que perfumava o ar já refrescado por numerosas fontes ali colocadas. Acima do primeiro andar, com seus pórticos cheios de flores, erguia-se mais um nível com aposentos, cercado de galerias abertas, cujo piso era formado pelo teto que cobria o andar inferior. O terceiro e mais elevado nível de aposentos não tinha varandas, embora tivesse passarelas em todos os lados, formadas pelo teto do pórtico inferior.
A mesma variada exuberância de flores e folhagens tornava todos os andares igualmente atraentes. Em todos eles, aves canoras e de plumagem eram hóspedes bem-vindos, sem gaiolas mas mansas por nunca terem sido maltratadas. Servidores armados de zagaias que projetavam flechas silenciosas, destruíam discretamente todas as espécies predatórias e também aquelas que, sendo desprovidas do poder de cantar, de plumagem de vividas cores ou de hábitos insetívoros para recomendá-las, eram por isso indesejáveis. Graciosas torres redondas ou afiladas erguiam-se acima do telhado principal do palácio, enquanto que os muitos aposentos com projeções, ângulos e arcos abobadados, contrafortes elegantes, cornijas e outros efeitos arquitetônicos, impediam que o conjunto parecesse pesado ou sólido demais.
Em torno da maior das torres subia uma escada em espiral, conduzindo ao espaço protegido por um corrimão, no alto, cem pés acima das chapas de alumínio que formavam o telhado do palácio. O palácio de Agacoe era único por causa de sua torre, que o tornava diferente dos outros edifícios ministeriais. Deve ser explicado que a torre tinha sido erigida em memória de uma bela princesa que partira dos amorosos cuidados de seu imperial esposo para Navazzamin, a sombria terra das almas dos mortos havia muitos séculos.
Assim era o palácio de Agacoe. Seu andar superior era um grande museugovernamental; o do meio abrigava os gabinetes dos principais funcionários do governo, enquanto que o primeiro estava magnificentemente decorado para servir como residência particular do imperador. Por não ser um lato desprovido de interesse, anotamos que as bocas escancaradas das serpentes de pedra recentemente descritas serviam como portais de entrada (do tamanho usual) para certos aposentos do subsolo, fato que serve para dar uma idéia clara do enorme tamanho daqueles sáurios líti-cos. Os monstros haviam sido feitos levando em conta a proporção artística; seus corpos eram de arenito cinzento, vermelho ou amarelo, os olhos de cornalina, jaspe, sárdio ou outra pedra de silício colorido, enquanto as presas em suas bocas enormes eram de quartzo branco brilhante, uma em cada lado do portal.
Tantas pedras cortadas e alisadas forçam a mente moderna a indagar se os atlantes obtinham o produto acabado por meio do incansável labor de escravos -e nesse caso teríamos sido um povo bárbaro, cuja autonomia política estaria sempre ameaçada pelas forças do vulcão social que a escravatura sempre cria – ou se possuíamos máquinas para o corte de pedras, de peculiar eficiência. Esta última é a resposta correta, pois nossas máquinas especiais para isso, assim como uma quase infinita variedade de outros implementos para todos os tipos de trabalho, eram um motivo de orgulho para a nossa nação e nos distinguiam das demais.
Permite-me fazer uma afirmação, não como argumentação mas para que ela possa ser compreendida à luz dos capítulos subsequentes: se nós, atlantes, não tivéssemos possuído esse grande número de invenções mecânicas nem o talento inventivo que nos conduziu a esses triunfos, então vós, habitantes modernos da Terra, também não teríeis essa capacidade criativa nem os resultados dela. É possível que tu, leitor, não compreendas a ligação que existe entre as duas eras e raças ao ler esta afirmação, mas ao chegares mais perto do final desta história tua mente para ela se voltará com plena compreensão.
Na esperança de que meu esforço em descrever com palavras a aparência dos edifícios governamentais da Atlântida tenha tido êxito, tentemos agora adquirir uma idéia do promontório no qual estava entronizada Caiphul, a Cidade Real, a maior daqueles antigos tempos, na qual vivia uma população de dois milhões de almas, e que não tinha muralhas fortificadas. Na verdade, nenhuma cidade ou capital daquele tempo era cercada por muros, e neste respeito diferiam das cidades conhecidas em épocas históricas posteriores. Chamar meus registros de Poseid de história não é exagero, pois o que relato nestas páginas é a história derivada dos registros da luz astral (n.T. Registro Akáshico).
Não obstante, ela precede as narrativas históricas transmitidas por manuscritos, papiros e inscrições em pedras por tantos séculos, visto que Poseid já não era mais conhecida na Terra quando as primeiras páginas da história foram registradas em papiros pelos primeiros historiadores, e nem mesmo antes, quando os escultores dos obeliscos egípcios e os artistas encarregados de gravar as pedras dos templos imprimiram histórias pictóricas no duro granito. Poseid estava esquecida, pois hoje faz mais de dez mil anos que as águas do oceano Atlântico engolfaram nossa bela terra sem deixar sinal, como o que sobrou das duas cidades ocultas sob lava e cinzas e que durante dezessete séculos da era cristã permaneceram completamente desconhecidas.
Escavadores trouxeram à luz os restos de Pompéia, mas homem algum pode afastar as águas do Atlântico e revelar o que já não mais existe, pois ainda que cada dia fosse um século, teriam se passado três meses e dez dias desses longos dias desde o terrível (decreto) fiat de DEUS (n.T. Em 10.986 a.C, portanto à 13 mil anos):
“Que a terra (de Atlântida) seja coberta pelas águas, para que o Sol que tudo vê não a distinga mais em seu curso.“
E assim se fez. Em páginas anteriores, o promontório de Caiphul foi descrito como se estendendo pelo oceano a partir da planície caiphaliana, sendo visível de grande distância à noite por causa da luz irradiada pela capital. A península se projetava por trezentas milhas, na direção oeste a partir de Numéia, medindo cinqüenta milhas de largura quase até o extremo, e erguendo-se como os penhascos de talco da Inglaterra a quase cem pés, até alcançar uma planície sem elevações, quase tão plana quanto o soalho de uma casa. Na extremidade dessa grande península ficava Caiphul ou “Atlântida, Rainha do Mar”. Linda, pacífica, com seus amplos jardins encantadoramente tropicais:
“Onde as folhas jamais esmaecem nos floridos e mansos galhos, “E as abelhas se fartam com as flores o ano inteiro.”
Suas largas avenidas sombreadas por enormes árvores, suas colinas artificiais, cortadas por avenidas que se irradiavam do centro da cidade como os raios de uma roda. Cinqüenta delas corriam numa direção, enquanto que, formando ângulos retos com elas, atravessando a largura da península, com quarenta milhas de comprimento, situavam-se as avenidas menores. Assim era a mais poderosa cidade de mundo antigo, como se fosse um esplêndido sonho. Em nenhum ponto Caiphul se encontrava a menos de cinco milhas do oceano. Embora não tivesse muralhas, em torno de toda a cidade estendia-se um imenso canal, com três quartos de milha de largura por aproximadamente sessenta pés de profundidade, alimentado pelas águas do Atlântico.
No lado norte, um canal maior adentrava esse fosso circular - um canal no qual as águas profusas de um grande rio, o Nomis, criavam uma correnteza de considerável força. Conseqüentemente, formava-se uma corrente em todo o círculo do fosso, e a água do mar entrava pelo lado sul. Dessa maneira, efluía para o mar todo o sistema de drenagem da ilha circular artificial onde ficava a cidade. Imensas bombas a motor forçavam a água fresca do oceano a passar por toda a cidade por meio de grandes canos e condutos de pedra, fazendo a limpeza dos drenos e fornecendo força motriz para todas as finalidades, iluminação elétrica e serviços de eletricidade muito variados. . .
Mas, um momento! Serviços de eletricidade? Sim, na verdade tínhamos um grande conhecimento sobre a força motriz do universo: nós a utilizávamos em incontáveis formas que ainda estão por ser descobertas neste mundo moderno, além de formas que a cada dia estão voltando em grande número à memória de homens e mulheres do passado, reencarnados nesta época. Não é estranha a tua incredulidade, meu amigo, quando falo dessas invenções que consideras uma propriedade típica de hoje? O fato é que falo com o conhecimento nascido da experiência, posto que vivi naquele tempo, e também neste de agora. Vivi não só na Poseid de doze mil anos atrás, mas também nos Estados Unidos da América antes, durante e depois da Guerra de Secessão.
Tirávamos nossa energia elétrica das ondas do mar que se abatiam sobre as praias; das torrentes das montanhas e de produtos químicos, mas principalmente do que poderia ser adequadamente chamado de “Lado Noturno da Natureza”. Explosivos de alto poder eram conhecidos por nós, mas o emprego que deles fazíamos era muito mais amplo que o de hoje. Se pudesses feizer essas substâncias entregarem gradualmente sua enorme força aprisionada sem temer uma explosão, imaginas que tuas máquinas seriam movidas por motores elétricos ou a vapor, tão desajeitados por causa de seu peso?
Se um grande navio a vapor pudesse dispensar suas caldeiras e fornalhas e em seu lugar usar dinamite num recipiente perfeitamente seguro, possível de ser carregado numa bolsa, transmitindo poder suficiente para levar o navio da Inglaterra até a América, ou impelir um trem por seis mil milhas, por quanto tempo ainda usarias teus motores a vapor? Contudo, essa energia foi conhecida por nós – por ti talvez, por mim com certeza – na vida atlante. Certamente ressurgirá, pois Nossa Raça está novamente voltando da vida após a morte para a terra. Esse não era o único recurso energético que tínhamos.
As forças do Lado Escuro da Natureza eram para nós o que o vapor é para teus motores. E o que são elas? Neste ponto só responderei fazendo uma contra-pergunta: a força da Natureza, da gravidade, do Sol, da luz, de onde vem? Se me responderes “vem de Deus”, então explicarei que, da mesma forma, o Homem é Herdeiro do Pai, e tudo que é Dele também pertence ao Filho. Se Incal é impelido por Deus, o Filho descobrirá como o Pai o faz e chegará a fazê-lo também, como o Homem fez em Poseid, no passado. Mas podemos fazer coisas ainda maiores: és hoje, foste ontem. És Poseid que retorna, num plano mais elevado!
O propósito original para o qual havia sido construído o grande fosso ou canal que envolvia a capital tinha sido cumprido havia muitos séculos. Esse propósito fora puramente marítimo, ligado aos dias em que navios eram usados como transporte, antes do uso posterior de aeronaves, e havia cumprido sua finalidade tão bem que dera a Caiphul o título de “Soberana dos Mares”, um título que continuou a existir mesmo depois que os usos originais do fosso já tinham se tornado coisa do passado. Quando melhores meios de transporte suplantaram os antigos, os navios que por dez séculos tinham visitado todos os mares e rios navegáveis do globo foram abandonados ou convertidos para outros usos. Só algumas embarcações singravam as águas e eram barcos de recreio pertencentes a pessoas amantes de novidades e que dessa forma satisfaziam seu gosto pelo esporte.
Essa mudança radical, entretanto, não fez com que as docas de alvenaria do fosso, medindo cento e quarenta milhas aproximadamente, fossem abandonadas à destruição. Isto teria causado a perda de valiosas propriedades pela invasão das águas, assim como a deterioração do sistema sanitário da cidade, além de que tal desgraça teria destruído a beleza do canal e suas proximidades. Por conseguinte, nos sete séculos decorridos desde que deixamos de usar o transporte marítimo, não foi permitido que o menor sinal de fraqueza ameaçasse aquela grande extensão de alvenaria.
Uma característica marcante de Caiphul era a grande variedade e rara beleza de suas árvores e arbustos tropicais, ladeando as avenidas, cobrindo as muitas colinas coroadas por palácios, muitos dos quais tinham sido construídos de forma a se elevarem a duzentos e até trezentos pés acima do nível da planície. Arvores, folhagens, arbustos, trepadeiras e flores, anuais e perenes, enchiam os desfiladeiros, gargantas e terraços artificiais que os poseidanos, amantes da arte, haviam criado. As plantas cobriam os declives, envolviam os penhascos em miniatura, as paredes dos prédios e até, em grande parte, os degraus que levavam das margens até a beira do grande canal, como se vestissem tudo com uma gloriosa roupagem verde.
Talvez o leitor esteja se perguntando onde vivia a população. A pergunta vem bem a tempo e a resposta, segundo creio, será interessante. No trabalho de alteração da configuração da superfície do grande promontório, fazendo da planície uma bela variação de colinas e vales, o plano seguido tinha sido o de lazer uso de grandes suportes de rochas, de enorme resistência, na forma de terraços, deixando passagens em arco onde as avenidas faziam interseções com essas elevações, e preenchendo os vazios remanescentes com concreto feito com argila, pedrisco e cimento, cuidadosamente misturados e socados. O exterior era então coberto com terra fértil para ali se plantar vida vegetal de todas as espécies.
Essas elevações cobriam muitas milhas quadradas do espaço antes existente, deixando poucas áreas planas a não ser as avenidas; mas nem todas, pois muitas ruas ascendiam as colinas ou seguiam o declive ascendente de algumas gargantas até alcançarem o topo. Então atingiam a divisa e passavam para o outro lado por um viaduto em arco, do qual tubos de cristal a vácuo transmitiam uma luz contínua fornecida pelas forças do “Lado Noturno”. As faces verticais e as inclinações dos terraços, assim como os lados das gargantas, serviam para a construção de aposentos de variado e amplo tamanho. As portas e janelas dessas construções eram disfarçadas por saliências artificiais de rocha, cobertas de hera e outras plantas que crescem em pedras, dessa forma escondendo das vistas a deselegância das armações metálicas existentes por baixo.
Esses apartamentos formavam conjuntos artísticos para acomodar as famílias. A forração de metal evitava a umidade no interior, enquanto que sua localização no interior assegurava uma temperança constante em todas as estações do ano. Como essas residências eram projetadas e construídas pelo governo, e eram de propriedade do mesmo, os moradores as alugavam no Ministério de Obras Públicas. O aluguel era módico, suficiente apenas para manter a propriedade em boas condições, pagar as despesas de iluminação e aquecimento, o fornecimento de água e os salários dos funcionários que se ocupavam em cumprir esses deveres.
Tudo isso custava não mais que dez ou quinze por cento do salário de um mecânico especializado. A menção de tantos detalhes deverá ser perdoada, pois se eu os omitisse, só uma concepção vaga e insatisfatória seria obtida pelo leitor. O grande atrativo dessas residências era sua localização retirada, evitando a triste aparência de grandes números de casas angulares, um efeito extremamente desagradável muito visto em nossos dias de hoje mas raramente, ou nunca, nas cidades atlantes. O resultado desse planejamento era que, para quem olhasse de qualquer elevação, a cidade pareceria muito agradável em comparação com nossas modernas aberrações feitas de pedra, tijolos ou madeira, especialmente pela falta de arranha-céus separados por túneis estreitos e sem árvores, em muitos casos imundos, indevidamente chamados de ruas.
O visitante veria uma colina e depois outra e mais outra, até incluir todas em sua visão -eram cento e dezenove no total; aqui um lago, ou um penhasco ao lado de um lago, ou um parque coberto de árvores; mini gargantas com ar grandioso, pequenas florestas, tão regularmente irregulares. . . Cascatas e torrentes, alimentadas pelo inesgotável suprimento de água fresca da cidade, as margens e prainhas cobertas com árvores, arbustos e folhagens que amam a contiguidade da água. Estas, caro amigo, teriam sido as cenas apresentadas aos teus olhos, se pudesses ter contemplado Caiphul comigo. Talvez o fizeste, quem sabe? Mas Caiphul possuía também casas construídas à maneira moderna, pois a autorização da cidade para a construção de algumas casas belas, em locais e estilos calculados para aumentar a beleza do cenário, era um privilégio que pessoas abastadas podiam obter oficialmente.
Muitas a haviam obtido. Museus de arte, teatros e outras estruturas não destinadas a moradia também existiam em razoável número. Passeando pela cidade, descobri que as avenidas, em certos casos, pareciam interromper-se bruscamente diante de uma gruta, cujo interior geralmente estava enfeitado por estalactites pendentes do teto. Por vezes um ligeiro desvio do curso acontecia, impedindo a visão do interior da gruta. Nesses locais, lâmpadas cilíndricas de alta tensão, a vácuo e sem quebra-luz, enviavam um brilho suave ao interior, criando um afeito de luar muito agradável para quem entrasse, vindo do exter-ior brilhantemente iluminado pelo Sol.
Embora os habitantes fossem excelentes cavaleiros, em sua maioria, esse tipo de transporte não era usado a não ser como meio de cultura e graça físicas, uma vez que havia o transporte elétrico fornecido pelo governo. Certamente os reformadores deste século dezenove da era cristã se sentiriam na terra ideal se fossem caifalianos, isto porque o governo exercia o princípio paternalista, tão sistematicamente quanto o feria se fosse o dono da terra, de todos os meios de transporte e comunicações públicas, fábricas, enfim, todas as propriedades.
O sistema era de natureza muito beneficente, e nenhum poseidano desejava que fosse interrompido ou suplementado por algum outro. Se um cidadão desejava um vailx (aeronave) para qualquer finalidade, dirigia-se aos funcionários próprios que sempre estavam de plantão nos depósitos de vailx em todo o reino. Se quisesse cultivar a terra, contatava o Departamento de Solos e Agricultura. Talvez desejasse fabricar um produto; as máquinas estavam à disposição por um aluguel módico necessário para cobrir as despesas de operação e os salários das pessoas encarregadas daquela parte da propriedade pública.
Creio que estes exemplos são o suficiente. Cabe dizer que não existe harmonia política como a que provinha do paternalismo de nossos oficiais eleitos. O paternalismo governamental é encarado com desconfiança e um certo alarma pelas repúblicas modernas. É que hoje sua qualidade difere da que existia então. O nosso era um paternalismo observado de perto e devidamente contido pelos eleitores da nação, e sua existência era essencialmente um expoente de princípios verdadeiramente socialistas. Até aqui não entrei em detalhes precisos a respeito dos muitos acordospeculiares mantidos entre os pais políticos (governo) e seus filhos, ou entre trabalho e capital.
Não creio que deva fazê-lo nestas páginas com propriedade, pois não é o caso de uma petição de readoção, nesta época do mundo, dos métodos seguidos naquele remoto período. Creio que será suficiente dizer, o que não deverá ser inadequado nesta conjuntura, que Poseid não era incomodada no meu tempo pelo problema moderno e ao mesmo tempo muito antigo das greves, que bloqueiam o capital e a empresa, fazem morrer de fome o artesão e causam mais sofrimento aos pobres do que aos ricos. O segredo dessa imunidade às greves não precisa ser buscado muito longe numa nação cujo governo era a voz de um povo com suficiente educação para conceder o poder sem consideração de sexo, porque estava indelevelmente marcado em nossa vida nacional o seguinte princípio: “uma base de educação a cada eleitor; o sexo do eleitor não tem importância”.
Numa nação assim, seria muito estranho que desarmonias industriais pudessem perturbar a política social por muito tempo. O amplo princípio da igualdade entre empregador e empregado reinava em Poseid; não importava o que uma pessoa fizesse para a outra, toda a equação se firmava nesta pergunta: algum serviço foi prestado por uma pessoa a outra? Em caso afirmativo, o fato desse serviço ter sido prestado ou não através de um esforço físico não contava. Um serviço devia ser compensado, fosse físico ou intelectual, e também não era importante saber se o empregador representava um ou mais indivíduos, ou o empregado uma ou mais pessoas.
Nossas leis locais relativas à questão da igualdade industrial eram completas e bastante volumosas. Embora não pretenda dar uma versão completa do que se poderia chamar de leis trabalhistas, algumas partes merecem atenção. Será melhor prefaciá-las com uma breve história dessas regras para mostrar como, naquele tempo remoto, problemas trabalhistas muito semelhantes, e tão ameaçadores para a paz e a ordem quanto qualquer revolta industrial moderna, foram final e equanimemente resolvidos. Na “Pedra Maxin”, a cujo código legal será feita referência no devido tempo, encontramos esta semente vital de resolução de uma terrível ameaça envolvendo trabalho e capital, a saber:
“Quando aqueles que trabalham por um salário estiverem oprimidos e se levantarem em fúria para destruir seu opressor, que sejam impedidos e que Me obedeçam. A eles eu digo: não causes dano à pessoa ou à propriedade de qualquer homem, mesmo que sejais oprimido por ele. Pois não sois todos irmãos e irmãs? Não sois todos filhos de um só Pai, o inominado Criador? Mas isto eu ordeno: que eles acabem com a opressão. Busca com diligência o significado de minhas palavras.”
O estudante de ética interpretava esse comando com o significado de que as classes trabalhadoras oprimidas não deveriam prejudicar o capitalista opressor nem sua propriedade. As classes privilegiadas talvez fossem tão vítimas das circunstâncias quanto as mais pobres; o remédio estava, não na anarquia cega, mas na erradicação das condições errôneas. Isso seria fácil, desde que adequadamente tratado. Os oprimidos eram na proporção de milhares para um, em relação ao opressor. A maioria deles tinha o poder do voto e foi determinado que, sendo o governo servidor do povo, o método correto era lidar com a questão por meio de eleições e não pelo uso da violência contra os ricos. Portanto, fez-se a convocação para que o povo em peso votasse pela adoção de um código de regulamentos trabalhistas e o submetesse respeitosamente ao RAI. Dos muitos artigos e seções citarei apenas aqueles que são pertinentes aos tempos e problemas modernos, de modo que, se minha seleção não contém artigos e seções de maneira sequencial, a razão é óbvia.
EXCERTOS DAS LEIS TRABALHISTAS DE POSEID
“Nenhum empregador exigirá de qualquer empregado a prestação de serviços além dos horários legais de trabalho sem remuneração extra.”
“Seção 4. Essas horas não serão menos nem mais que nove horas de labor físico em cada período de vinte e quatro horas; não serão mais nem menos que oito horas de trabalho sedentário requerendo principalmente o esforço intelectual.”
Este estatuto permitiu que as duas partes de um contrato de trabalho decidissem quando o horário de trabalho começaria ou terminaria, com relação à primeira hora do dia, isto é, a hora moderna do meio-dia. Quanto ao caso dos salários, a lei era muito clara, explicando que, como o homem é egoísta por natureza -quer dizer, em sua natureza inferior – aplicaria com base no auto-engrandecimento a moderna doutrina do autogoverno. Assim, se ele não fosse movido pelo senso do dever para com seu semelhante a tratá-lo com justiça, não sendo a justiça ditada pela força, então caberia à lei compeli-lo a ser justo.
É neste ponto que o moderno mundo anglo-saxão, que é o mundo de Poseid (e Suern) ressurgindo, mostra um sinal do lento mas seguro progresso gerado pelo tempo -, prova que embora o homem, como tudo o mais, dotado ou não de inteligência, se movimente em um círculo, esse círculo é como a rosca de um parafuso, sempre progredindo para o alto, a cada volta para um plano mais elevado. Poseid deve ser compelida por suas mentes avançadas a fazer o que é justo pelos fracos. A América e a Europa estão se tornando mais propensas a agir corretamente e com justiça, porque isso é parte do dever. Vemos então empregadores modernos oferecendo de livre vontade o que os antigos poseidanos faziam por força da lei: partilhar lucros com os empregados.
Tendo a lei sido entregue aos juristas, os eleitores decretaram que o governo deveria estabelecer um Departamento de Intendência, cuja incumbência seria a de coletar todos os dados estatísticos referentes a produtos alimentícios comerciáveis, todos os têxteis necessários ao vestuário e, em suma, todos os artigos necessários para a manutenção social adequada dos cidadãos. Com base nesses relatórios estatísticos, seria feita uma estimativa do custo desses bens, entre os quais estavam os livros, reconhecidos como alimento mental. Foi calculado o custo anual desses itens e, os salários, com base no resultado da divisão do custo anual pelo número de dias. Essa tabela era atualizada a cada noventa dias, por causa da verificação de que certos itens principais flutuavam, não sendo o cálculo totalmente estável, e os salários de um trimestre poderiam diferir dos salários do trimestre anterior. Permite-me fazer uma citação:
“Seção VII, Art. V. Os empregadores dividirão os lucros brutos das operações comerciais da seguinte forma: O salário, ganhos ou emolumentos de cada empregado serão pagos com base na soma trimestral estimada do custo de vida determinado pelo Departamento de Intendência. Do restante, seis partes de cada cem do capital investido serão reservadas. Este incremento será e representará os lucros líquidos do empregador. Da receita restante serão deduzidas as despesas normais e, de qualquer soma remanescente, metade será investida para prover anuidades aos doentes ou incapacitados, ou como seguro aos dependentes de empregados falecidos. A metade restante será periodicamente distribuída entre os empregados com base em suas diferentes compensações.”
“Seção VII, Art. V. Um conjunto de empregados é apenas equivalente ao seu Superintendente. Este equivale a todos os seus subordinados. Portanto, os empregadores, se não forem eles mesmos os administradores do seu negócio, pagarão aos gerentes um salário igual à soma dos salários dos subordinados.”
Essas e outras leis trabalhistas realmente têm um sabor de modernidade. Mas a civilização de todas as eras, em todas as nações, unde a expressar-se de maneiras tais que, se usarmos a linguagem moderna para exprimi-las, parecerão quase idênticas. Tanto é assim que na antiga Atlântida e na moderna América o termo “greve” pode ser apropriadamente empregado para designar uma revolta de trabalhadores; o mesmo princípio caracteriza todas as outras fases-, de uma era para outra, o mundo progride com lentidão, e hoje ainda não está tão avançado nem tão civilizado, em seu atual subciclo, quanto estava no tempo de Poseid. Estas podem ser palavras duras, mas logo serão compreendidas.
Essas eram as principais características do mundo industrial de Poseid. As antigas greves e tumultos que deram nascimento a essas leis desapareceram e a paz tomou o seu lugar. A mudança foi benéfica, mas os fortes sempre procuravam descobrir um meio de burlar a lei e, embora não tivessem tido êxito suficiente para causar grandes danos, seu desejo foi adicionado à soma do Carma. Assim, quando o mundo moderno da época cris-(ã chegou aos séculos dezoito e dezenove, especialmente este último, começou a reencarnação daquele período de Poseid e, por algum tempo, a opressão novamente predominou. Contra essa tendência, hoje surge timidamente o desejo de agir com jus-i iça pela justiça em si, o que, aplicado a assuntos industriais, manifestou-se em anos muito, muito recentes -um sinal do brilho derradeiro no crepúsculo do dia quase chegado à hora final, lembrando uma era acabada.
Refiro-me particularmente ao desejo mais presente do homem de tratar corretamente os outros sem ser forçado a isso por decretos legais. É verdade que isso é feit0 ainda porque o homem descobriu que é conveniente; mas essa descoberta nunca teria sido feita se o desejo reencarna-do do bem não tivesse induzido experimentos de participação nos lucros, na esperança de exterminar-se a iniqüidade das greves e com a ideia de harmonizar a sociedade e levá-la a agir como gostaria que agissem com ela.
Finalmente, por mais estranho e paradoxal que pareça, essa melhoria é resultado direto de antigos direitos conseguidos à força em Poseid, hoje filhos reencarnados da opressão reencarnada, assim como na Atlântida a opressão surgiu como reencarnação de eras ainda mais antigas, anteriores ao espantoso memorial de Gizé. Mas ir além de uma simples menção disso seria invadir a seara entregue a outrem pelo Messias; portanto, só um indício poderei dar agora e transmitirei outros mais tarde. Basta dizer, então, que aqueles foram tempos em que os homens lutavam contra nossa ancestralidade caída com uni movimento ascendente que era praticamente imperceptível, (glória seja dada ao Pai, pois Seus filhos, segura embora lentamente, estão por meios tortuosos ascendendo a Suas alturas; muitas são suas quedas, mas eles se levantarão de novo, não permitindo que o inimigo triunfe.
Pode parecer uma intrusão inoportuna, mas devo introduzir neste ponto uma breve descrição do sistema de transporte elétrico de Caiphul e das outras cidades, grandes e pequenas, espalhadas pelo império e suas colônias. Farei somente a descrição dos veículos de transporte local. Em cada lado das amplas avenidas havia uma larga calçada de mosaico para os pedestres. Uma linha de enormes e pesados vasos de pedra, sem fundo e onde cresciam arbustos ornamentais e folhagens, estavam no meio-fio, e de cada lado deles havia um trilho de metal, a uma altura de uns nove pés, apoiados em suportes semelhantes aos que serviam para amarrar navios.
A distâncias regulares, outros trilhos cruzavam as vias principais, podendo ser levantados ou abaixados para formar um desvio como os dos trens de hoje, com uma simples alavanca efetuando esse processo. O espaço abaixo dos trilhos servia como cruzamento de ruas, havendo raramente uma rua pavimentada por baixo, a não ser nas avenidas maiores. Nos mapas do Departamento Municipal de Trânsito, esses trilhos principais e secundários formavam uma espécie de teia de aranha. Para cada distrito havia grande número de veículos com mecanismo automático, que permitia o transporte de seus passageiros a tremendas velocidades e grandes distâncias. Não ocorriam colisões, porque o sistema era formado por trilhos duplos.
CAPÍTULO 3
A Fé também é conhecimento e remove montanhas.
Zailm determina seu curso de estudos, conforme acredita ser o que Incal lhe comandou.
Existe um ditado cuja origem se perde na obscuridade do tempo e que diz“Conhecimento é poder“. Dentro de limites bem definidos, isto é uma verdade. Se por trás do conhecimento está a energia necessária para efetivar seus benefícios, então e só então esse ditado é uma verdade. Para o exercício do controle da natureza e suas forças, o operador em potencial deve ter perfeita compreensão (e aceitação) das leis naturais pertinentes.
É o grau de consecução inserido nesse conhecimento que marca a maior ou menor capacidade desse operador, e aqueles que adquiriram a compreensão mais profunda da Lei (Lex Magnum) são mestres cujos poderes parecem maravilhosos a ponto de parecerem mágicos. As mentes não-iniciadas ficam absolutamente alarmadas por suas incompreensíveis manifestações. Em todos os pontos para onde eu olhasse quando me vi em minha morada citadina ao chegar de meu lar nas montanhas, via inexplicáveis maravilhas, mas a dignidade natural evitou que eu parecesse um ignorante.
Pouco a pouco eu iria me familiarizar com meu novo ambiente e com isso adquirir o conhecimento das coisas a que me referi quando mencionei pela primeira vez a troca da vida no interior pela cidade. Mas essas consecuções relativas a uma confortadora autoridade sobre a natureza exigiam um curso especial. Esse curso de estudo ainda não tinha sido determinado por mim antes de minha entrada na cidade, pois parecia-me que seria uma atitude inteligente concentrar minhas energias em especializações, sem dispersar forças com generalidades.
Com base nessa idéia, resolvi passar um período mais ou menos extenso sem solicitar admissão ao Xioquithlon, período esse que seria aplicado à observação. Eu tinha sido um ávido leitor de livros obtidos na biblioteca pública do distrito onde ficava minha casa nas montanhas. Com essas leituras havia adquirido uma compreensão nada desprezível da organização do governo.
O fato de haver apenas noventa e um cargos eletivos para o povo, enquanto havia quase trezentos milhões de Poseidanos na Atlântida e suas colônias naqueles tempos e, segundo um censo recente que eu tinha visto, quase trinta e oito milhões de eleitores detentores de diplomas de Primeira Classe, induziu-me a achar extremamente improvável que tão elevado privilégio me fosse concedido.
Ora, como eu dificilmente poderia esperar ter um cargo ministerial, então seria possível, caso eu me candidatasse a um diploma Superior, obter um elevado nível político e um cargo nomeado, entre os quais vários eram quase tão honrosos quanto os de conselheiro. Em quais matérias especiais deveria eu me concentrar? A pesquisa geológica me agradava muito e seus inúmeros ramos ofereciam amplos e atraentes campos de oportunidades.
Mas a filologia era dotada de uma atração quase igual e minha capacidade de aprender idiomas estrangeiros não era pequena, como eu tinha constatado estudando um pequeno volume descritivo de uma terra conhecida pelo nome de Suernis (Hoje território da ÍNDIA), um país estranho de cuja língua muitos exemplos ali apareciam. Esses exemplos aprendi sem esforço e perfeitamente com uma só leitura.
Vários meses de residência na cidade finalmente me encontraram decidido a adquirir todo o conhecimento geológico que pudesse, pois eu acreditava que esse era um estudo que Incal me havia indicado, junto com o conhecimento de minas e mineralogia. Como matérias concomitantes resolvi me educar seriamente em literatura sintética e analítica, não só com relação a Poseid mas também às línguas dos Suernis eNecropânicos.
Eis que acabo de dar os nomes das três maiores nações dos tempos pré-Noachios (pré-Nepthianos, PRÉ DILÚVIO, com o afundamento final de Atlântida). Uma dessas nações foi varrida da face da Terra mas as outras duas conseguiram sobreviver apesar de terríveis vicissitudes. Destas falarei mais adiante. Os motivos que me levaram a escolher o currículo que mencionei
foram os de que, como geólogo e cientista, eu esperava fazer novas
descobertas de valor e colocá-las diante do mundo em forma de livro, ou pelo menos diante do povo de Poseid que se considerava o melhor do mundo.
Esse desejo dificilmente poderia ser realizado sem esses estudos de que falei. A influência que eu esperava conquistar através de minhas publicações poderia me conduzir ao cargo de Superintendente Geral de Minas, um cargo político não inferior a qualquer outro cargo nomeado. Certamente outros estudos seriam necessários, caso eu entrasse na disputa por um diploma superior, mas os que citei eram os mais agradáveis e constituiriam minha aspiração principal.
De passagem eu poderia observar que os estudos que escolhi naquela oportunidade, e que depois dominei perfeitamente, fizeram minha natureza assumir uma tendência que me levou na atual existência, não faz muitos anos, a tornar-me dono de minas no Estado da Califórnia; bem-sucedido, devo dizer. Também fixou muito mais firmemente minhas inclinações lingüísticas, tanto que, enquanto era cidadão dos Estados Unidos (da América, dominei não só minha língua nativa mas igualmente treze outras línguas modernas como francês, alemão, espanhol, chinês, vários dialetos do hindustani, e sânscrito, como uma espécie de relaxação mental.
Não tomes estas palavras como auto-engrandecimento, pois não é este o caso. Só as formulei para te mostrar, amigo, que teus próprios poderes não são apenas uma questão de herança genética, mas de memórias de uma ou quem sabe de todas as tuas vidas passadas; também tive a intenção de lazer uma alusão proveitosa, qual seja a de que os estudos empreendidos hoje, não importa quão próximo estejas do ocaso de meus dias, certamente darão frutos, não só nesta tua vida terrena mas em encarnações subseqüentes.
Vemos com a visão de tudo que já vimos antes, agimos com base em tudo que já fizemos antes, pensamos através de tudo que já pensamos no passado distante. Verbum sul Sapienti. No próximo capítulo pretendo dedicar algumas páginas a considerações sobre a ciência física, tal como era entendida pelos poseidanos. Referirme-ei mais especialmente aos princípios superiores em que essa ciência se baseava, visto que negligenciar essas explicações requereria muitas declarações ex-cathedra posteriores que de outra forma poderiam ser clara e imediatamente compreendidas.
“Em época por vir, uma glória refulgente,
A glória de uma raça feita livre e pujante.
Vista por poetas, sábios, santos e videntes,
Num vislumbre da aurora inda distante.
Junto ao mar do Futuro, uma praia cintilante
Onde cada homem seus pares ombreará,
em igualdade, e a ninguém o joelho dobrará.
Desperta, minh’alma, de dúvidas e medos te desanuvia;
Contempla da face da Manhã toda a Magia
E ouve a melodia de prodigiosa suavidade
Que para nós flutua de remota e áurea graça —
E o canto como um coral da Liberdade
E o hino lírico da vindoura Raça.” (Philos, o Tibetano)
CAPÍTULO 4 - “AXTE INCAL, AXTUCE MUN – Conhecer a Deus é conhecer todos os mundos"
Considerando as leis naturais, os filósofos de Poseid tinham chegado à hipótese final e à teoria prática de que o universo material não era uma entidade complexa mas, ao contrário, primordialmente muito simples. A gloriosa verdade (“Incal malixetho”) era clara para eles, ou seja, que “Incal (Deus) é imanente na Natureza”. A isso anexaram a declaração de que “Axte Incal, axtuce mun” – “Conhecer a Deus é conhecer todos os mundos”.
Após séculos de experimentação, registros de fenômenos, deduções, análise e síntese, aqueles estudiosos haviam chegado à proposição final de que o universo com todos os seus variados fenômenos – sem contar seu extraordinário conhecimento de astronomia – tinha sido criado e mantido em operação por duas forças – princípios primais, básicos. Falando resumidamente, esses fatores básicos eram que a matéria e a energia dinâmica (que eram Incal manifesto), poderiam facilmente explicar todas as outras coisas. Essa concepção partia do princípio de que só existia Uma Substância e Uma Energia, sendo uma energia Incal externalizado e a outra Sua Vida em ação em Seu Corpo.*
* Nota – Como, em seu impulso de emanação, aquilo que é criado sempre se afasta do Criador, ele olha para sua origem e nota seus marcos de progresso, ou seja, as multiplicadas percepções de sua crescente separação da Fonte. Quanto maior essa separação, maior é o campo (Matéria) em que esses pontos aparecem, porque o elemento daquilo que é criado e que se distancia notou mais pontos ou, em outras palavras, mais coisas, mais objetos materiais entre ele e sua Fonte ORIGINAL. Só quando olhamos para trás, para essas coisas que sentimos, para essas formas mentais de Deus, percebemos a matéria, pois, quando olhamos para a frente, para a reunião com Ele, a matéria desaparece e dá lugar ao Espirito.
Essa Substância Única assumia muitas formas pela ação de graus variáveis de força dinâmica. O fato de que esse era o princípio básico de todos os fenômenos naturais e psíquicos, mas não espirituais, permite-me transmitir aqui um postulado que muitos de meus amigos reconhecerão ao menos parcialmente, ou quem sabe; na íntegra. Começando com a energia dinâmica tal como primeiro se manifesta de forma sensível no exemplo dado pela vibração simples, a posição poseidana pode ser esboçada da seguinte forma: uma freqüência muito baixa de vibração pode ser sentida; um aumento de freqüência pode ser ouvido. Por exemplo, sentimos primeiro o pulsar da corda da harpa e depois, se a freqüência da vibração aumenta, ouvimos seu som. Mas substâncias de outras espécies, capazes de suportar impulsos vibratórios maiores, manifestam-se por uma ação mais intensa, seguindo-se ao som o calor, e depois a luz.
Pois bem, a luz varia de cor. A primeira cor produzida é o vermelho e, a partir daí, aumentando-se constantemente a energia vibrátil, o alaranjado, o amarelo, o verde, o azul, o índigo, o violeta, cada faixa do espectro devendo-se a um aumento exato e definido no número de vibrações. Sucedendo-se ao violeta, o aumento de freqüência nos dá o branco puro, depois o cinza; além desse ponto a luz se extingue e dá lugar à eletricidade, e assim por diante, através de uma voltagem crescente, até que se alcance o reino da força psíquica ou força vital. Podemos verdadeiramente considerar isso como uma interiorização a partir das manifestações da natureza, de Incal ou Deus, ou do Criador, que são externas; como um movimento para o interno, a partir do externo.
Um breve estudo mostrará que as leis do mundo físico seguem para dentro em busca de sua fonte espiritual; que elas verdadeiramente são prolongamentos uma da outra. Mas, entrando no reino da vibração, cujo guardião do umbral é o som, vemos que a Substância Única vibra em grau dinâmico variante mas definido, e que disso resultam todos os diversos tipos de matéria; em suma, a diferença entre determinadas substâncias, como ouro e prata, ferro e chumbo, açúcar e areia, não é uma diferença de substância mas de grau dinâmico. Estarei te entediando, meu amigo? Tem paciência um pouco mais, pois este é um ponto importante.
Nessa tendência dinâmica, a gradação não é mais uma limitação vaga, pois se a freqüência vibratória variar ligeiramente, tornando-se mais elevada ou menor em qualquer material especial que possa estar sendo observado, a variação será diferente em aparência e em sua natureza química-, assim, específicas mas poderosas vibrações por segundo podem ser conferidas a entidades substanciais apropriadas e a substância resultante (pois a luz é substancial) é, digamos, vermelha*; mas, se a vibração for um oitavo maior, ela será laranja e, se for mais ou menos elevada, então a substância resultante será inevitavelmente um laranja avermelhado ou amarelado, respectivamente.
Ao que parece, portanto, há certas gradações definidas, tão claras quanto marcos de quilometragem, e essas gradações são absolutas. Em outras palavras, a Substância Una não é mantida entre essas definições maiores e sim sobre elas, fato que explica a tendência dos compostos, ou propriedades intermediárias, de se decomporem em elementos definidos ou simples-, os compostos químicos não são tão estáveis quanto as substâncias químicas básicas ou primárias.
* Nota – Diz-se que a luz vermelha ocorre a 395 trilhões de vibrações do “éter” que Phylos chama de a última forma de matéria abaixo da qual a matéria deixa de existir e a mente começa. E a mais alta vibração de luz visível é situada a 790 trilhões. É o que diz a ciência. Mas Phylos diz: “Muitíssimo mais alto do que a elevada faixa púrpura em que a luz deixa de ser ordinariamente visível, a Substância Una vibra novamente de modo visível. Assim como uma corda síncrona de harpa que responde a um Dó grave, por exemplo, tocado numa outra harpa, responde também a todas as notas Dó da escala total, sejam graves, médias ou agudas, assim a Substância Una responde a 831 trilhões e novamente na oitava seguinte, depois na seguinte, tomando-se então visível como a fatal Luz Não-nutrida, chamada em Atla “Maxin” e em Tchin “Vis Mortuus”.
A moderna “teoria das ondas” segundo a qual som, calor, luz e correlatos são apenas formas de força, está só 50% correta, pois eles são isso, é verdade, mas também são algo mais. Em suma, são tendências da Substância Una por graus específicos da Energia Una, e a não ser pelo fato de que a freqüência dessa propriedade é muito maior no caso da eletricidade do que no chumbo OU no ouro, não há diferença entre essas coisas de aparências tão diversas. Essa é a energia que os rosacruzes denominavam “Fogo” e que permite a entrada naquele misterioso reino da natureza só penetrado pelo taumaturgo, pelo mago adepto. Podes chamar esses estudantes a cuja vontade a natureza se curva obediente – pelo nome que mais te agrade, mas tem em mente que o verdadeiro Mago nunca fala do Eu ou de sua obra, nem seus amigos e conhecidos sabem o que ele é, a não ser que o segredo seja revelado por acidente.
A essa sociedade pertenceu Aquele cujo comando fez parar o vento e as ondas na tempestuosa Galiléia. Mas Ele não falava de Si Mesmo. Falarei daquela sublime fraternidade em breve. Não é necessário melhor prova de que todas as manifestações variantes são simplesmente variantes da força ódica, o “Fogo” rosacruz, do que esta: ofereça-se resistência a uma corrente elétrica, dessa forma reduzindo-a ou desviando-a contra uma força contrária, e se fará a luz; oponha-se a esta luz (arco) uma obstrução inflamável, e disso resultará uma chama. Assim poderá chegar em breve a descoberta a ser feita pelo mundo científico de que a luz, qualquer luz, do Sol ou de outra fonte, pode ser levada a produzir som -, nessa descoberta repousam algumas das mais espantosas invenções que tua era poderá sonhar em suas visões.
Mas a descoberta básica e primaria desse maravilhoso elo, o primeiro da seqüência, será a maior de todas e como tal anunciada. Isto será correto, pois o fato de ser apenas um desenvolvimento tecnológico reencarnado não diminuirá sua importância para a humanidade nem o crédito de seu descobridor. Ou seja, as verdades do Reino do Pai são eternas; sempre existiram e existirão, e só os descobridores serão algo novo em relação aos fatos, que não serão novos em si, nem novos inclusive para o mundo, mas inéditos apenas para esta época. Poseid sabia que a luz gera o som quando a ela se opõe uma resistência adequada. Sabia que o magnetismo gera a eletricidade da mesma maneira e pela mesma razão.
Assim, a magnetita tem magnetismo; girando-a no campo de um dínamo, cortando a corrente e empilhando-a sobre si mesma, por assim dizer, eis que se desenvolve a eletricidade. Portanto: oponha-se resistência a isso e a luz surge; resista-se mais e vem o calor; e com mais resistência adequada, surge o som, e a energia seguinte aparece como movimento pulsante. No entanto, esses vários processos podem ser objeto de um “curto-circuito” e então todos os fenômenos intermediários serão eliminados. Terei sido cansativo com este discurso? Se o fui, como desconfio, a recompensa está próxima. Os poseidanos descobriram que no reino além do magnetismo existiam outras forças, superiores e mais intensas em pulsação, forças operadas pela mente.
A Mente é do Pai, é a fonte que constantemente cria todas as coisas. Se a perpétua vis a tergo da divina criação parasse por um só instante, nesse mesmo instante o Universo deixaria de existir. Eis que agora verás a sublime beleza do postulado atlante que não faz muito tempo expressei: “Incal malixetho, Axte Incal, axtuce mun”. Pois de Suas alturas, marcando a descida com “cascatas de força” como o rio marca as declividades de seu leito com cataratas, provém esse supremo poder; oh! ele vem por uma longa distância, em seu curso descendente até as cascatas do magnetismo, da eletricidade, da luz, do calor, do som, do movimento -e muito além, onde o leito de Sua divina torrente se torna quase plano -e mostra as pequeninas ondas de diferenciação material que chamas de elementos químicos, insistindo em que existem sessenta e três, quando há apenas Um.
Desse conhecimento vieram todos os maravilhosos triunfos daquela prisca era, e um por um estão emergindo após um longo esquecimento, e no amanhã acordarão em grande número, pedindo para serem descobertos primeiro em número de três ou quatro, e depois em pelotões e companhias e legiões, até que todos os tesouros de Poseid estejam de volta na terra, no ar e no mar. Ó radioso amanhã do tempo e tu, afortunado, que abrirás teus olhos para contemplá-los com todas as suas maravilhas! E não obstante seres tão afortunado, descobrirás que é bem melhor temperar todas as coisas com o espírito e não permitir que a marcha da descoberta física sobrepuje o progresso da alma. Ah, triste será o dia em que o homem se aproxime do arcano tesouro de seu Pai só com seu cego olho físico, pois se com isso ele ganhar o mundo inteiro, de que lhe servirá se perder sua alma?
Tendo obtido essa percepção de um novo reino, se é que o reino que descrevi é novo para ti, permite-me perguntar e pedir tua resposta: como explicas estes dois fenômenos, luz e calor? Eles são difíceis de explicar, pois frio e trevas não são apenas a ausência de luz e calor. Tendo dado a base disso, exponho agora uma nova filosofia: Eu disse que os atlantes reconheciam a Natureza em sua totalidade como a Divindade externalizada. A filosofia atlante afirmava que a força se movia, não em linha reta mas em círculos, para sempre voltar para ela mesma. Se a dinâmica que opera o universo atua em progressão circular, segue-se que um aumento infinito na vibração possível para a Substância Una seria um conceito insustentável. Deve haver um ponto no círculo onde os extremos se tocam e novamente percorrem o mesmo circuito, o que confirmamos existir entre a catodicidade e o magnetismo. Assim como a vibração trouxe a substância até o campo da luz, assim também deve levá-la de volta.
É o que ela faz. E a leva para o que os poseidanos denominaram “Navaz, o Lado-Noite (FEMININO) da Natureza”, onde a dualidade se torna manifesta, com o frio se opondo ao calor, a obscuridade à luz, e onde a polaridade positiva se contrapõe à negativa, e todas as coisas são antípodas. O frio é uma entidade substancial como é o calor, as trevas como é a luz. Existe um prisma de sete cores em cada raio de luz branca; também há um prisma sétuplo de entidades negras na mais negra escuridão -a noite é tão prolífica quanto o dia. O pesquisador poseidano tornou-se, pois, conhecedor de espantosas forças da natureza que ele poderia adaptar aos usos da humanidade.
O segredo tinha sido revelado, sendo a grande descoberta a de que a atração da gravidade, a lei do peso, era contraria e oposta pela “repulsão pela levitação”; que a primeira pertencia ao Lado-Luz da Natureza, e a segunda a Navaz, o Lado-Noite; que a vibração regia a obscuridade e o frio. Assim Poseid, como o antigo Jó, conhecia o caminho para a morada das trevas e para os tesouros do granizo (frio). Por meio dessa sabedoria a Atlântida aprendeu que era possível ajustar o peso (condição positiva) à ausência de peso (condição negativa) com tanto equilíbrio que não se manifestava qualquer repulsão. Essa conquista significou muito. Ela tornou viável a navegação aérea sem asas e sem pesados reservatórios de combustível, pelo uso da repulsão pela levitação opondo-se poderosamente à atração da gravidade.
Que a vibração da Substância Una regia e compunha todos os reinos, foi uma descoberta que resolveu o problema da transmissão de imagens de luz, formas e também som e calor, como o telefone que, como sabes, transmite imagens de som; só que em Poseid não se requeriam cabos, fios ou outra ligação material para esse uso, por maior que fosse a distância, nem aparelhos telefônicos, ou dispositivos para a transmissão de imagens ou condução de calor. Para fazer uma digressão, eu gostaria de dizer que graças ao emprego dessas e outras forças do Lado-Noite os feitos aparentemente mágicos e ocultos dos adeptos, do Homem de Nazaré ao último dos yogues, foram e são realizados.
E agora, encerro este capítulo dizendo que quando a ciência moderna tiver encontrado o caminho para a aceitação do conhecimento de Poseid que aqui foi esboçado, a natureza física não mais terá recessos ocultos nem mistérios para o pesquisador científico. A terra, o ar, a profundidade dos mares e os espaços inte-restelares não mais terão segredos para o homem que os confronte pelo lado de Deus, como o faziam os poseidanos. Não afirmo que os atlantes sabiam tudo; sabiam muito mais do que foi descoberto até hoje, mas não tudo. A busca por eles iniciada naqueles tempos deverá ser continuada por teu povo, pois tu, América, foste atlante. De uma nação e de outra posso cantar, “Meu país, isso é teu”.
Fim do capítulo 4.
A ciência física como foi compreendida pelos poseidanos de Atlântida, e seus princípios básicos. “Incal Malixetho”, isto é, “Deus é imanente na Natureza”, foi o primeiro princípio. A isto acrescentou-se “Axte Incal Axtuce Mun”, significando “Conhecer Deus é conhecer todos os mundos”.
Eles afirmavam que uma Única Substância e só Uma Energia existiam – Incalexternalizado e Sua Vida em ação em Seu Corpo, o Universo. Aplicando este princípio ao trabalho científico obtiveram a navegação aérea sem combustível nem velas, fazendo a volta ao globo em um dia, a transmissão de som com a imagem do emissor (Televisão), a transmissão de energia a qualquer distância sem QUALQUER ligação material (fios), a obtenção de metais transmutados por ação elétrica, água tirada da atmosfera, latas e muitas outras técnicas eram comumente usadas (algumas delas já estão sendo redescobertas, mas o leitor deve lembrar que este livro foi terminado em 1886, quando o mundo moderno não as conhecia. O Raio Catódico só foi descoberto em 1896).
CAPÍTULO 5 - A VIDA EM CAIPHUL
A Fé também é conhecimento e remove montanhas.
Zailm determina seu curso de estudos, conforme acredita ser o que Incal lhe comandou.
Existe um ditado cuja origem se perde na obscuridade do tempo e que diz“Conhecimento é poder“. Dentro de limites bem definidos, isto é uma verdade. Se por trás do conhecimento está a energia necessária para efetivar seus benefícios, então e só então esse ditado é uma verdade. Para o exercício do controle da natureza e suas forças, o operador em potencial deve ter perfeita compreensão (e aceitação) das leis naturais pertinentes.
É o grau de consecução inserido nesse conhecimento que marca a maior ou menor capacidade desse operador, e aqueles que adquiriram a compreensão mais profunda da Lei (Lex Magnum) são mestres cujos poderes parecem maravilhosos a ponto de parecerem mágicos. As mentes não-iniciadas ficam absolutamente alarmadas por suas incompreensíveis manifestações. Em todos os pontos para onde eu olhasse quando me vi em minha morada citadina ao chegar de meu lar nas montanhas, via inexplicáveis maravilhas, mas a dignidade natural evitou que eu parecesse um ignorante.
Pouco a pouco eu iria me familiarizar com meu novo ambiente e com isso adquirir o conhecimento das coisas a que me referi quando mencionei pela primeira vez a troca da vida no interior pela cidade. Mas essas consecuções relativas a uma confortadora autoridade sobre a natureza exigiam um curso especial. Esse curso de estudo ainda não tinha sido determinado por mim antes de minha entrada na cidade, pois parecia-me que seria uma atitude inteligente concentrar minhas energias em especializações, sem dispersar forças com generalidades.
Com base nessa idéia, resolvi passar um período mais ou menos extenso sem solicitar admissão ao Xioquithlon, período esse que seria aplicado à observação. Eu tinha sido um ávido leitor de livros obtidos na biblioteca pública do distrito onde ficava minha casa nas montanhas. Com essas leituras havia adquirido uma compreensão nada desprezível da organização do governo.
O fato de haver apenas noventa e um cargos eletivos para o povo, enquanto havia quase trezentos milhões de Poseidanos na Atlântida e suas colônias naqueles tempos e, segundo um censo recente que eu tinha visto, quase trinta e oito milhões de eleitores detentores de diplomas de Primeira Classe, induziu-me a achar extremamente improvável que tão elevado privilégio me fosse concedido.
Ora, como eu dificilmente poderia esperar ter um cargo ministerial, então seria possível, caso eu me candidatasse a um diploma Superior, obter um elevado nível político e um cargo nomeado, entre os quais vários eram quase tão honrosos quanto os de conselheiro. Em quais matérias especiais deveria eu me concentrar? A pesquisa geológica me agradava muito e seus inúmeros ramos ofereciam amplos e atraentes campos de oportunidades.
Mas a filologia era dotada de uma atração quase igual e minha capacidade de aprender idiomas estrangeiros não era pequena, como eu tinha constatado estudando um pequeno volume descritivo de uma terra conhecida pelo nome de Suernis (Hoje território da ÍNDIA), um país estranho de cuja língua muitos exemplos ali apareciam. Esses exemplos aprendi sem esforço e perfeitamente com uma só leitura.
Vários meses de residência na cidade finalmente me encontraram decidido a adquirir todo o conhecimento geológico que pudesse, pois eu acreditava que esse era um estudo que Incal me havia indicado, junto com o conhecimento de minas e mineralogia. Como matérias concomitantes resolvi me educar seriamente em literatura sintética e analítica, não só com relação a Poseid mas também às línguas dos Suernis eNecropânicos.
Eis que acabo de dar os nomes das três maiores nações dos tempos pré-Noachios (pré-Nepthianos, PRÉ DILÚVIO, com o afundamento final de Atlântida). Uma dessas nações foi varrida da face da Terra mas as outras duas conseguiram sobreviver apesar de terríveis vicissitudes. Destas falarei mais adiante. Os motivos que me levaram a escolher o currículo que mencionei
foram os de que, como geólogo e cientista, eu esperava fazer novas
descobertas de valor e colocá-las diante do mundo em forma de livro, ou pelo menos diante do povo de Poseid que se considerava o melhor do mundo.
foram os de que, como geólogo e cientista, eu esperava fazer novas
descobertas de valor e colocá-las diante do mundo em forma de livro, ou pelo menos diante do povo de Poseid que se considerava o melhor do mundo.
Esse desejo dificilmente poderia ser realizado sem esses estudos de que falei. A influência que eu esperava conquistar através de minhas publicações poderia me conduzir ao cargo de Superintendente Geral de Minas, um cargo político não inferior a qualquer outro cargo nomeado. Certamente outros estudos seriam necessários, caso eu entrasse na disputa por um diploma superior, mas os que citei eram os mais agradáveis e constituiriam minha aspiração principal.
De passagem eu poderia observar que os estudos que escolhi naquela oportunidade, e que depois dominei perfeitamente, fizeram minha natureza assumir uma tendência que me levou na atual existência, não faz muitos anos, a tornar-me dono de minas no Estado da Califórnia; bem-sucedido, devo dizer. Também fixou muito mais firmemente minhas inclinações lingüísticas, tanto que, enquanto era cidadão dos Estados Unidos (da América, dominei não só minha língua nativa mas igualmente treze outras línguas modernas como francês, alemão, espanhol, chinês, vários dialetos do hindustani, e sânscrito, como uma espécie de relaxação mental.
Não tomes estas palavras como auto-engrandecimento, pois não é este o caso. Só as formulei para te mostrar, amigo, que teus próprios poderes não são apenas uma questão de herança genética, mas de memórias de uma ou quem sabe de todas as tuas vidas passadas; também tive a intenção de lazer uma alusão proveitosa, qual seja a de que os estudos empreendidos hoje, não importa quão próximo estejas do ocaso de meus dias, certamente darão frutos, não só nesta tua vida terrena mas em encarnações subseqüentes.
Vemos com a visão de tudo que já vimos antes, agimos com base em tudo que já fizemos antes, pensamos através de tudo que já pensamos no passado distante. Verbum sul Sapienti. No próximo capítulo pretendo dedicar algumas páginas a considerações sobre a ciência física, tal como era entendida pelos poseidanos. Referirme-ei mais especialmente aos princípios superiores em que essa ciência se baseava, visto que negligenciar essas explicações requereria muitas declarações ex-cathedra posteriores que de outra forma poderiam ser clara e imediatamente compreendidas.
“Em época por vir, uma glória refulgente,
A glória de uma raça feita livre e pujante.
Vista por poetas, sábios, santos e videntes,
Num vislumbre da aurora inda distante.
Junto ao mar do Futuro, uma praia cintilante
Onde cada homem seus pares ombreará,
em igualdade, e a ninguém o joelho dobrará.
Desperta, minh’alma, de dúvidas e medos te desanuvia;
Contempla da face da Manhã toda a Magia
E ouve a melodia de prodigiosa suavidade
Que para nós flutua de remota e áurea graça —
E o canto como um coral da Liberdade
E o hino lírico da vindoura Raça.” (Philos, o Tibetano)
A glória de uma raça feita livre e pujante.
Vista por poetas, sábios, santos e videntes,
Num vislumbre da aurora inda distante.
Junto ao mar do Futuro, uma praia cintilante
Onde cada homem seus pares ombreará,
em igualdade, e a ninguém o joelho dobrará.
Desperta, minh’alma, de dúvidas e medos te desanuvia;
Contempla da face da Manhã toda a Magia
E ouve a melodia de prodigiosa suavidade
Que para nós flutua de remota e áurea graça —
E o canto como um coral da Liberdade
E o hino lírico da vindoura Raça.” (Philos, o Tibetano)
CAPÍTULO 4 - “AXTE INCAL, AXTUCE MUN – Conhecer a Deus é conhecer todos os mundos"
Considerando as leis naturais, os filósofos de Poseid tinham chegado à hipótese final e à teoria prática de que o universo material não era uma entidade complexa mas, ao contrário, primordialmente muito simples. A gloriosa verdade (“Incal malixetho”) era clara para eles, ou seja, que “Incal (Deus) é imanente na Natureza”. A isso anexaram a declaração de que “Axte Incal, axtuce mun” – “Conhecer a Deus é conhecer todos os mundos”.
Após séculos de experimentação, registros de fenômenos, deduções, análise e síntese, aqueles estudiosos haviam chegado à proposição final de que o universo com todos os seus variados fenômenos – sem contar seu extraordinário conhecimento de astronomia – tinha sido criado e mantido em operação por duas forças – princípios primais, básicos. Falando resumidamente, esses fatores básicos eram que a matéria e a energia dinâmica (que eram Incal manifesto), poderiam facilmente explicar todas as outras coisas. Essa concepção partia do princípio de que só existia Uma Substância e Uma Energia, sendo uma energia Incal externalizado e a outra Sua Vida em ação em Seu Corpo.*
* Nota – Como, em seu impulso de emanação, aquilo que é criado sempre se afasta do Criador, ele olha para sua origem e nota seus marcos de progresso, ou seja, as multiplicadas percepções de sua crescente separação da Fonte. Quanto maior essa separação, maior é o campo (Matéria) em que esses pontos aparecem, porque o elemento daquilo que é criado e que se distancia notou mais pontos ou, em outras palavras, mais coisas, mais objetos materiais entre ele e sua Fonte ORIGINAL. Só quando olhamos para trás, para essas coisas que sentimos, para essas formas mentais de Deus, percebemos a matéria, pois, quando olhamos para a frente, para a reunião com Ele, a matéria desaparece e dá lugar ao Espirito.
Essa Substância Única assumia muitas formas pela ação de graus variáveis de força dinâmica. O fato de que esse era o princípio básico de todos os fenômenos naturais e psíquicos, mas não espirituais, permite-me transmitir aqui um postulado que muitos de meus amigos reconhecerão ao menos parcialmente, ou quem sabe; na íntegra. Começando com a energia dinâmica tal como primeiro se manifesta de forma sensível no exemplo dado pela vibração simples, a posição poseidana pode ser esboçada da seguinte forma: uma freqüência muito baixa de vibração pode ser sentida; um aumento de freqüência pode ser ouvido. Por exemplo, sentimos primeiro o pulsar da corda da harpa e depois, se a freqüência da vibração aumenta, ouvimos seu som. Mas substâncias de outras espécies, capazes de suportar impulsos vibratórios maiores, manifestam-se por uma ação mais intensa, seguindo-se ao som o calor, e depois a luz.
Pois bem, a luz varia de cor. A primeira cor produzida é o vermelho e, a partir daí, aumentando-se constantemente a energia vibrátil, o alaranjado, o amarelo, o verde, o azul, o índigo, o violeta, cada faixa do espectro devendo-se a um aumento exato e definido no número de vibrações. Sucedendo-se ao violeta, o aumento de freqüência nos dá o branco puro, depois o cinza; além desse ponto a luz se extingue e dá lugar à eletricidade, e assim por diante, através de uma voltagem crescente, até que se alcance o reino da força psíquica ou força vital. Podemos verdadeiramente considerar isso como uma interiorização a partir das manifestações da natureza, de Incal ou Deus, ou do Criador, que são externas; como um movimento para o interno, a partir do externo.
Um breve estudo mostrará que as leis do mundo físico seguem para dentro em busca de sua fonte espiritual; que elas verdadeiramente são prolongamentos uma da outra. Mas, entrando no reino da vibração, cujo guardião do umbral é o som, vemos que a Substância Única vibra em grau dinâmico variante mas definido, e que disso resultam todos os diversos tipos de matéria; em suma, a diferença entre determinadas substâncias, como ouro e prata, ferro e chumbo, açúcar e areia, não é uma diferença de substância mas de grau dinâmico. Estarei te entediando, meu amigo? Tem paciência um pouco mais, pois este é um ponto importante.
Nessa tendência dinâmica, a gradação não é mais uma limitação vaga, pois se a freqüência vibratória variar ligeiramente, tornando-se mais elevada ou menor em qualquer material especial que possa estar sendo observado, a variação será diferente em aparência e em sua natureza química-, assim, específicas mas poderosas vibrações por segundo podem ser conferidas a entidades substanciais apropriadas e a substância resultante (pois a luz é substancial) é, digamos, vermelha*; mas, se a vibração for um oitavo maior, ela será laranja e, se for mais ou menos elevada, então a substância resultante será inevitavelmente um laranja avermelhado ou amarelado, respectivamente.
Ao que parece, portanto, há certas gradações definidas, tão claras quanto marcos de quilometragem, e essas gradações são absolutas. Em outras palavras, a Substância Una não é mantida entre essas definições maiores e sim sobre elas, fato que explica a tendência dos compostos, ou propriedades intermediárias, de se decomporem em elementos definidos ou simples-, os compostos químicos não são tão estáveis quanto as substâncias químicas básicas ou primárias.
* Nota – Diz-se que a luz vermelha ocorre a 395 trilhões de vibrações do “éter” que Phylos chama de a última forma de matéria abaixo da qual a matéria deixa de existir e a mente começa. E a mais alta vibração de luz visível é situada a 790 trilhões. É o que diz a ciência. Mas Phylos diz: “Muitíssimo mais alto do que a elevada faixa púrpura em que a luz deixa de ser ordinariamente visível, a Substância Una vibra novamente de modo visível. Assim como uma corda síncrona de harpa que responde a um Dó grave, por exemplo, tocado numa outra harpa, responde também a todas as notas Dó da escala total, sejam graves, médias ou agudas, assim a Substância Una responde a 831 trilhões e novamente na oitava seguinte, depois na seguinte, tomando-se então visível como a fatal Luz Não-nutrida, chamada em Atla “Maxin” e em Tchin “Vis Mortuus”.
A moderna “teoria das ondas” segundo a qual som, calor, luz e correlatos são apenas formas de força, está só 50% correta, pois eles são isso, é verdade, mas também são algo mais. Em suma, são tendências da Substância Una por graus específicos da Energia Una, e a não ser pelo fato de que a freqüência dessa propriedade é muito maior no caso da eletricidade do que no chumbo OU no ouro, não há diferença entre essas coisas de aparências tão diversas. Essa é a energia que os rosacruzes denominavam “Fogo” e que permite a entrada naquele misterioso reino da natureza só penetrado pelo taumaturgo, pelo mago adepto. Podes chamar esses estudantes a cuja vontade a natureza se curva obediente – pelo nome que mais te agrade, mas tem em mente que o verdadeiro Mago nunca fala do Eu ou de sua obra, nem seus amigos e conhecidos sabem o que ele é, a não ser que o segredo seja revelado por acidente.
A essa sociedade pertenceu Aquele cujo comando fez parar o vento e as ondas na tempestuosa Galiléia. Mas Ele não falava de Si Mesmo. Falarei daquela sublime fraternidade em breve. Não é necessário melhor prova de que todas as manifestações variantes são simplesmente variantes da força ódica, o “Fogo” rosacruz, do que esta: ofereça-se resistência a uma corrente elétrica, dessa forma reduzindo-a ou desviando-a contra uma força contrária, e se fará a luz; oponha-se a esta luz (arco) uma obstrução inflamável, e disso resultará uma chama. Assim poderá chegar em breve a descoberta a ser feita pelo mundo científico de que a luz, qualquer luz, do Sol ou de outra fonte, pode ser levada a produzir som -, nessa descoberta repousam algumas das mais espantosas invenções que tua era poderá sonhar em suas visões.
Mas a descoberta básica e primaria desse maravilhoso elo, o primeiro da seqüência, será a maior de todas e como tal anunciada. Isto será correto, pois o fato de ser apenas um desenvolvimento tecnológico reencarnado não diminuirá sua importância para a humanidade nem o crédito de seu descobridor. Ou seja, as verdades do Reino do Pai são eternas; sempre existiram e existirão, e só os descobridores serão algo novo em relação aos fatos, que não serão novos em si, nem novos inclusive para o mundo, mas inéditos apenas para esta época. Poseid sabia que a luz gera o som quando a ela se opõe uma resistência adequada. Sabia que o magnetismo gera a eletricidade da mesma maneira e pela mesma razão.
Assim, a magnetita tem magnetismo; girando-a no campo de um dínamo, cortando a corrente e empilhando-a sobre si mesma, por assim dizer, eis que se desenvolve a eletricidade. Portanto: oponha-se resistência a isso e a luz surge; resista-se mais e vem o calor; e com mais resistência adequada, surge o som, e a energia seguinte aparece como movimento pulsante. No entanto, esses vários processos podem ser objeto de um “curto-circuito” e então todos os fenômenos intermediários serão eliminados. Terei sido cansativo com este discurso? Se o fui, como desconfio, a recompensa está próxima. Os poseidanos descobriram que no reino além do magnetismo existiam outras forças, superiores e mais intensas em pulsação, forças operadas pela mente.
A Mente é do Pai, é a fonte que constantemente cria todas as coisas. Se a perpétua vis a tergo da divina criação parasse por um só instante, nesse mesmo instante o Universo deixaria de existir. Eis que agora verás a sublime beleza do postulado atlante que não faz muito tempo expressei: “Incal malixetho, Axte Incal, axtuce mun”. Pois de Suas alturas, marcando a descida com “cascatas de força” como o rio marca as declividades de seu leito com cataratas, provém esse supremo poder; oh! ele vem por uma longa distância, em seu curso descendente até as cascatas do magnetismo, da eletricidade, da luz, do calor, do som, do movimento -e muito além, onde o leito de Sua divina torrente se torna quase plano -e mostra as pequeninas ondas de diferenciação material que chamas de elementos químicos, insistindo em que existem sessenta e três, quando há apenas Um.
Desse conhecimento vieram todos os maravilhosos triunfos daquela prisca era, e um por um estão emergindo após um longo esquecimento, e no amanhã acordarão em grande número, pedindo para serem descobertos primeiro em número de três ou quatro, e depois em pelotões e companhias e legiões, até que todos os tesouros de Poseid estejam de volta na terra, no ar e no mar. Ó radioso amanhã do tempo e tu, afortunado, que abrirás teus olhos para contemplá-los com todas as suas maravilhas! E não obstante seres tão afortunado, descobrirás que é bem melhor temperar todas as coisas com o espírito e não permitir que a marcha da descoberta física sobrepuje o progresso da alma. Ah, triste será o dia em que o homem se aproxime do arcano tesouro de seu Pai só com seu cego olho físico, pois se com isso ele ganhar o mundo inteiro, de que lhe servirá se perder sua alma?
Tendo obtido essa percepção de um novo reino, se é que o reino que descrevi é novo para ti, permite-me perguntar e pedir tua resposta: como explicas estes dois fenômenos, luz e calor? Eles são difíceis de explicar, pois frio e trevas não são apenas a ausência de luz e calor. Tendo dado a base disso, exponho agora uma nova filosofia: Eu disse que os atlantes reconheciam a Natureza em sua totalidade como a Divindade externalizada. A filosofia atlante afirmava que a força se movia, não em linha reta mas em círculos, para sempre voltar para ela mesma. Se a dinâmica que opera o universo atua em progressão circular, segue-se que um aumento infinito na vibração possível para a Substância Una seria um conceito insustentável. Deve haver um ponto no círculo onde os extremos se tocam e novamente percorrem o mesmo circuito, o que confirmamos existir entre a catodicidade e o magnetismo. Assim como a vibração trouxe a substância até o campo da luz, assim também deve levá-la de volta.
É o que ela faz. E a leva para o que os poseidanos denominaram “Navaz, o Lado-Noite (FEMININO) da Natureza”, onde a dualidade se torna manifesta, com o frio se opondo ao calor, a obscuridade à luz, e onde a polaridade positiva se contrapõe à negativa, e todas as coisas são antípodas. O frio é uma entidade substancial como é o calor, as trevas como é a luz. Existe um prisma de sete cores em cada raio de luz branca; também há um prisma sétuplo de entidades negras na mais negra escuridão -a noite é tão prolífica quanto o dia. O pesquisador poseidano tornou-se, pois, conhecedor de espantosas forças da natureza que ele poderia adaptar aos usos da humanidade.
O segredo tinha sido revelado, sendo a grande descoberta a de que a atração da gravidade, a lei do peso, era contraria e oposta pela “repulsão pela levitação”; que a primeira pertencia ao Lado-Luz da Natureza, e a segunda a Navaz, o Lado-Noite; que a vibração regia a obscuridade e o frio. Assim Poseid, como o antigo Jó, conhecia o caminho para a morada das trevas e para os tesouros do granizo (frio). Por meio dessa sabedoria a Atlântida aprendeu que era possível ajustar o peso (condição positiva) à ausência de peso (condição negativa) com tanto equilíbrio que não se manifestava qualquer repulsão. Essa conquista significou muito. Ela tornou viável a navegação aérea sem asas e sem pesados reservatórios de combustível, pelo uso da repulsão pela levitação opondo-se poderosamente à atração da gravidade.
Que a vibração da Substância Una regia e compunha todos os reinos, foi uma descoberta que resolveu o problema da transmissão de imagens de luz, formas e também som e calor, como o telefone que, como sabes, transmite imagens de som; só que em Poseid não se requeriam cabos, fios ou outra ligação material para esse uso, por maior que fosse a distância, nem aparelhos telefônicos, ou dispositivos para a transmissão de imagens ou condução de calor. Para fazer uma digressão, eu gostaria de dizer que graças ao emprego dessas e outras forças do Lado-Noite os feitos aparentemente mágicos e ocultos dos adeptos, do Homem de Nazaré ao último dos yogues, foram e são realizados.
E agora, encerro este capítulo dizendo que quando a ciência moderna tiver encontrado o caminho para a aceitação do conhecimento de Poseid que aqui foi esboçado, a natureza física não mais terá recessos ocultos nem mistérios para o pesquisador científico. A terra, o ar, a profundidade dos mares e os espaços inte-restelares não mais terão segredos para o homem que os confronte pelo lado de Deus, como o faziam os poseidanos. Não afirmo que os atlantes sabiam tudo; sabiam muito mais do que foi descoberto até hoje, mas não tudo. A busca por eles iniciada naqueles tempos deverá ser continuada por teu povo, pois tu, América, foste atlante. De uma nação e de outra posso cantar, “Meu país, isso é teu”.
Fim do capítulo 4.
A ciência física como foi compreendida pelos poseidanos de Atlântida, e seus princípios básicos. “Incal Malixetho”, isto é, “Deus é imanente na Natureza”, foi o primeiro princípio. A isto acrescentou-se “Axte Incal Axtuce Mun”, significando “Conhecer Deus é conhecer todos os mundos”.
Eles afirmavam que uma Única Substância e só Uma Energia existiam – Incalexternalizado e Sua Vida em ação em Seu Corpo, o Universo. Aplicando este princípio ao trabalho científico obtiveram a navegação aérea sem combustível nem velas, fazendo a volta ao globo em um dia, a transmissão de som com a imagem do emissor (Televisão), a transmissão de energia a qualquer distância sem QUALQUER ligação material (fios), a obtenção de metais transmutados por ação elétrica, água tirada da atmosfera, latas e muitas outras técnicas eram comumente usadas (algumas delas já estão sendo redescobertas, mas o leitor deve lembrar que este livro foi terminado em 1886, quando o mundo moderno não as conhecia. O Raio Catódico só foi descoberto em 1896).
CAPÍTULO 5 - A VIDA EM CAIPHUL
Minha nova vida trouxe inúmeras novidades para minha mãe e eu, recém-chegados das montanhas a um grande centro urbano. Após ter aprendido mais algumas coisas sobre suas conveniências, logo me harmonizei com a nova situação. Adaptei meu modo de vestir ao estilo citadino-, sendo minha atitude natural reservada, pude dar a impressão de estar à vontade, algo que foi apoiado cada vez mais pelo grau crescente de segurança que fui adquirindo.
A vida de um estudante no ambiente da escola, como aprendi após matricular-me no Xioquithlon, mostrou ser tão enervante para alguém acostumado à total liberdade que me vi obrigado a criar um esquema que
me permitisse fazer o necessário exercício físico. Depois de pensar por algum tempo, e tendo conseguido algumas informações fortuitas, procurei o Superintendente Distrital de Solos e Agricultura e solicitei que ele me indicasse um pedaço de terra que eu pudesse cultivar, não necessariamente com fins lucrativos mas pela prática contando-lhe que era um estudante.
O Superintendente, com oficial indiferença, abriu um mapa das terras adjacentes a Caiphul. Ao falar de distâncias, consultei a provável conveniência de meus leitores e usei pés, jardas, milhas e assim por diante, como medidas nominais. Usarei o mesmo método nesta oportunidade, lembrando que nosso sistema de medição era fundamentado em um princípio similar ao moderno sistema gálico ou métrico. Sua unidade, entretanto, não era a décima milionésima parte do quadrante terrestre. Originava-se, ao invés, no grande Rai das Leis Maxin. Como foi observado anteriormente, esse monarca havia introduzido todas as reformas concebíveis, entre outras a de substituir por um sistema uniforme de mensuração o método anterior desajeitado, embora não totalmente anti-científico.
A circunferência da Terra no equador, tal como fora determinada pelos astrônomos, tinha servido de base, assim como o moderno sistema métrico que usa uma fração da quadratura da divisão polar norte e sul da Terra. Esse padrão, entretanto, não era considerado totalmente confiável; temia-se que algum erro tivesse se insinuado no cálculo original; mesmo que fosse o caso, o bastão de ouro usado como referência teria servido a todas as finalidades, uma vez que era imutável, mas o desejo humano de ser tão perfeito quanto possível era tal que, como eu disse, o medo do erro destruía a confiança. Todo homem que quisesse podia instituir um padrão particular, baseado em qualquer esquema que lhe servisse, um estado de coisas que levou a fraudes deploráveis em todo o império.
O Rai Maxin instituiu um sistema tão admirável que foi imediatamente aceito como autoridade absoluta, especialmente porque ninguém duvidou que tivesse vindo do próprio Incal. O Rai mandou construir um recipiente com um material que sofria a menor expansão ou contração conhecida sob a influência do calor ou do frio. Esse recipiente era, interiormente, um cubo oco perfeito, do tamanho exato da Pedra-Maxin. Um tubo maciço foi feito da mesma substância, com cerca de quatro polegadas de diâmetro interno. No recipiente cúbico foi despejada água destilada na quantidade exatamente suficiente para preenchê-lo, a uma temperatura de 398° Farenheit (203,33º C), de modo a não deixar nenhuma bolha de ar no interior do cubo.
Essa água foi então colocada no tubo, e a mesma temperatura baixa foi cuidadosamente mantida. A altura exata da água era então gravada num bastão feito com o mesmo metal dos dois recipientes (cúbico e tubular). O passo seguinte era aquecer a água a 211,95° Farenheit (99,44º C), sendo este processo e o anterior executados ao nível do mar num dia típico de verão. Com o calor, a água se expandia a um grau apropriado, e o ponto de quase ebulição era marcado como no passo anterior; a diferença marcada no bastão entre as duas linhas gravadas passou a ser a unidade de medição linear, da qual todas as outras medidas derivaram, sendo a medida do peso calcada no peso do cubo oco cheio de água a 398° F (203,33º C).
Uso a escala termométrica Farenheit porque a escala de Poseid não faria sentido para ti. Perdoa-me a digressão, já que a mesma revela outra fase da vida naquela era há tanto tempo decorrida. Voltando ao gabinete do Superintendente: tendo aberto um mapa de áreas não arrendadas à minha frente (lembra-te que não havia donos de terras, pois estas pertenciam ao governo) ele voltou a atenção para outras tarefas, deixando-me ali para estudar o assunto com calma. Passando os olhos pelas descrições ali impressas, descobri que um terreno de uns cinco acres, onde havia um antigo pomar com várias espécies de árvores frutíferas, estava disponível e ficava a uma distância aproximada de oito “vens” (quase o mesmo número de milhas) da cidade, mas adentrando a península.
Seu antigo arrendatário tinha contratado os direitos por cinqüenta anos, mas por motivo de sua morte a propriedade linha ficado abandonada e livre para ser ocupada. O fato de que os estudantes freqüentemente tinham pouco dinheiro para suas despesas gerais era levado em conta pelo governo, que em todas as suas negociações com essa classe oferecia condições melhores do que para qualquer outra categoria social. A propriedade em questão me atraiu por sua descrição: “uma área de aproximadamente oito vennines (cinco acres), com uma casa de quatro cômodos, água de fonte canalizada para a casa; um vennine plantado com flores ornamentais, seis destinados a árvores frutíferas com quinze anos de idade. Condições (com todas as benfeitorias) para estudantes: metade da colheita de frutas todas as flores próprias para perfume que forem cultivadas entregues ao Agente do Departamento de Solos e Agricultura.
Para outros que não sejam estudantes, quatro tekas por mês (dez dólares e vinte e três cents). Prazo mínimo de arrendamento, um ano. Resolvi arrendar o terreno, após verificar que “todas as conveniências” significava transporte por vailx, serviço telefônico (naim) e um instrumento de condução de calor que economizaria combustível; a energia para ser convertida em calor para cozinhar e outras finalidades seria transmitida pelo “Navaza”, um conjunto de forças materiais que em teus modernos dias se chamam “correntes telúricas”, mas que no caso incluíam também as do éter superior, algo que ainda descobrireis e utilizareis como o fez a Atlântida, pois que todos vós sois poseidanos renascidos. Eu o digo. Já vivestes e viveis agora de novo. Usastes todas essas forças naquele tempo e dentro de pouco tempo as usareis de novo.
Tendo decidido ficar com a propriedade que me fora mostrada, transmiti minha decisão ao funcionário, que imediatamente me deu um contrato e me ajudou a preenchê-lo corretamente. Apenas como um relance daquela época há muito passada, ofereço o teor do contrato de arrendamento:
“Eu,………………….., idade…………. anos, do sexo………., ocupação ………….., faço com o Departamento de Solos um contrato de arrendamento do terreno ………………………… no distrito de ……………. com as seguintes características:……………….., concordo em arrendá-lo pelo prazo de………….anos, com a aprovação do altíssimo Incal.”
Arrendei o terreno por oito anos, uma vez que esperava residir em Caiphul pelo menos por esse período de tempo como aluno do Xioquithlon. Não me pareceu nada desprezível ter a facilidade de me transportar por vailx dali até o Xioquithlon, podendo assim ter o prazer de uma viagem aérea diária. O vailx, como os táxis de hoje, podia ser pedido por telefone e chegava logo depois da chamada.
Era costume que todos os recém-chegados à cidade visitassem o palácio Agacoe e seus jardins tão logo fosse conveniente. Todas as semanas o Rai (imperador) ficava sentado no salão de audiências por duas horas. Nesse período os visitantes apinhavam-se nos corredores e passavam diante do trono em fila dupla. Depois dessa cerimônia, os que quisessem tinham liberdade de passear à vontade pelos jardins, observar o zoológico onde todas as espécies conhecidas de animais eram mantidas, ou entrar no grande museu e na biblioteca real. Para muitos, era um costume agradável passar com freqüência o dia em Agacoe; nessas ocasiões os visitantes traziam seu almoço e faziam um piquenique tranqüilo sob as grandes árvores ao lado do chafariz, do lago ou da catarata.
Devo agora voltar ao tempo em que minha mãe e eu ainda estávamos completamente desacostumados ao comportamento citadino, para que o leitor possa nos acompanhar em nossas descobertas. Iniciemos pela visita ao Agacoe. Um homem que conhecemos por acaso nos guiou até o palácio, numa viatura que partilhamos os três. Carros ainda eram uma novidade para mim e a maneira de dirigi-los tornou-se mais um assunto sobre o qual quis ser informado. Nosso amigo tirou uma moeda da bolsa e inseriu-a na abertura existente numa caixa de vidro em uma extremidade do carro. A moeda tinha de cair de forma a chegar ao fundo de um cilindro de vidro, bem pouco maior em diâmetro do que a moeda. Duas pontas de metal que se projetavam na extremidade inferior do cilindro, mas não se aproximavam uma da outra mais do que um quarto de polegada, encontravam-se no fundo.
Quando a moeda caiu nessas projeções, uma pequena campainha soou; meu amigo então mexeu numa alavanca com uma barra de trava até a camisinha soar. Quando a moeda fechou o circuito ao cair, essa trava automaticamente se deslocou, ao mesmo tempo fazendo soar a campainha como observei acima e destravando a alavanca. Quando esta foi erguida o carro se moveu súbita mas suavemente e saiu da sua estação. O veículo estava preso ao trilho suspenso, e as periferias de suas grandes rodas suspensas eram visíveis, pois, juntamente com seus eixos, elas estavam em sua maior parte ocultas por uma cobertura de metal que se estendia de uma roda a outra; dentro dessa cobertura podia-se ouvir um zumbido baixo e cantante, produzido pelo mecanismo do motor. A ideia de fazer o passageiro servir como engenheiro e condutor era muito boa, já que os processos requeriam tão pouco conhecimento ou trabalho.
Quando deixamos o carro no abrigo abaixo do terraço de Agacoe, nosso amigo recolocou a alavanca no lugar, a sineta tocou de novo, a moeda caiu em uma caixa reforçada em baixo, e o veículo estava pronto para outros passageiros. Na grande entrada, um portal que era uma maravilha arquitetônica, nosso amigo se despediu e logo desapareceu a grande velocidade, dirigindo-se para algum local mais distante do que o que havíamos alcançado. Olhando para a lista colocada acima daquela linha particular, vi que ali estava escrito em caracteres poseidanos: “Aagak mnoiinc sus“, ou seja, “Frente da Cidade e Grande Canal”, isso em uma tradução livre.
Desejando me informar sobre nosso amigável guia, perguntei quem era ele a alguém que tinha observado nossa chegada com interesse. A resposta que recebi foi:
“Um grande pregador, que prevê a destruição deste continente e conclama todos para que vivam de forma a não temer enfrentar o Uno que, segundo ele, é o Filho de Incal, que virá para a Terra em um dia que não tardará muito. Ele diz que esse Filho de Deus será o Salvador da humanidade, mas que muitos não O reconhecerão até que tenha sido morto. Doze o conhecerão, mas um deles O negará na hora de Seu derradeiro perigo. Na verdade, o assunto é extremamente interessante, apesar de eu não compreendê-lo muito bem; mas como Rai Gwauxln que Incal o proteja! – trata esse pregador com favorecimento e diz a seu respeito, “ele fala verdades” é recebido com atenção por todos.”
Leitor, mesmo naquela época tão remota, a verdade estava surgindo no mundo. Na manhã do novo ciclo já aparecera um raio do brilhante Sol do cristianismo, que ainda não havia iluminado o céu com a plenitude de sua glória. Naquele dia eu havia viajado no carro junto com o primeiro profeta
a anunciar a vinda de osso Senhor Jesus Cristo, exortando os que o ouviam a viverem de modo que suas almas se tornassem um solo virgem para permitir o surgimento do Sol da Verdade, tornando-se preparadas para receber o Mestre quando, após a morte do corpo físico que então possuíam, tivessem voltado do Devachan à terra como almas reencarnadas. A semente estava sendo plantada!
Essa ideia me ocorreu quando, num período posterior, ouvi o profeta falar com apaixonada eloqüência para a assembléia especial de Xioquithli (estudantes) especialmente reunida. Sei que a semente caiu em solo sem cultivo, quando comparo minha vida de agora com as vidas passadas; por muito tempo a semente permaneceu dormente e, enquanto assim ficou, as amargas experiências do pecado e do erro se impuseram e arrasaram minha vida com uma onda de fogo ardente que precisou de outra encarnação para curar as feridas por ela causadas. Enquanto ficamos parados sob o pórtico da grande entrada de Agacoe, nós – montanheses sem sofisticação que éramos! – não podíamos saber, quando um guia uniformizado nos abordou, que o imperador, sentado em seu trono a meia milha de distância, estava naquele mesmo momento perfeitamente informado de nossa aparência e também sabia que palavras usávamos e o tom com que as pronunciávamos. O soldado me perguntou:
- “E tu de onde vens e qual é o teu nome?”
- “Chamo-me Zailm Numinos e venho de Querdno Aru.”
- “Esta visita é a primeira ou estiveste aqui antes?”
- “Nunca estive aqui, nem minha mãe que está aqui ao meu lado.”
- “Pois se assim é, providenciarei um acompanhante para ambos. Ele se encontra naquele portão. Mais uma pergunta, por favor.- qual a tua missão em Caiphul?”
- “Vim para estudar xioq no Inithlon; trouxe minha mãe para cuidar de nossa casa.”
- “Está bem. Podeis ir.”
Esse colóquio ocorreu no grande portal que dava entrada para o terraço acima. A sentinela estava postada atrás de um portão de bronze e ouro ricamente trabalhado, muito delicado mas suficiente para impedir a entrada de alguém indesejável. Atrás do soldado havia um grande espelho, no pesado anexo do portal. Esse espelho estava suspenso por duas hastes de cobre polido de modo a impedir que tocasse os lados do nicho em qualquer ponto. Se eu tivesse podido olhar atrás dele, teria visto o conjunto de cordas metálicas, bastante parecido com as de piano, junto com outras peças de um mecanismo que naquela ocasião nada diriam a minha mente ainda deseducada.
Como poderia eu sequer suspeitar que aquela chapa de brilhante metal Polido no qual se refletia todo o interior daquela arcada, como se fosse num lago tranqüilo, era um engenhoso mensageiro automático? Que aqueles inúmeros fios de metal vibravam em sintonia, com toda inflexão possível de voz ou outros sons, e que quando falei todos os sons que emiti foram levados velozmente ao longo de correntes-terra naturais (telúricas), próprias do Lado-Noite (feminino) da Natureza e que reagiam ao controle do homem, sendo todas as palavras e sons ouvidos pelo Rai em seu trono?
Nem podia eu sonhar que, simultaneamente, o reflexo de nossa imagem era igualmente transmitido à mesma augusta presença. Mas esses eram os fatos. Uns poucos passos nos levaram até um portão interno feito de chapas de ferro fenestrado que com o simples apertar de um botão se erguia para permitir a passagem por baixo. Nesse ponto encontramos o guia que o guarda havia providenciado. Julguei que seu silêncio era uma indicação de grosseria, pois não sabia que ele tinha recebido ordens, antes de nos aproximarmos, para nos conduzir até a presença real, o que tornava inútil que expressássemos o nosso desejo. Sua observação em voz baixa dizendo “compreendo”, quando comecei a dizer o que queria, impediu que eu continuasse, pois senti-me ofendido em meu orgulho por sua reserva, tão diferente da liberdade com que meus associados montanheses se comunicavam.
E havia tantas pessoas assim arrogantes na cidade! Resolvi dar-lhe uma lição e ponderei a melhor forma de lhe dizer que eu considerava seus modos totalmente fora de propósito em alguém de sua posição. Eu não podia imaginar que ele já tivesse todas as informações necessárias sobre nós, pois embora a distância entre seu posto e o grande portal não fosse grande, era obviamente longe demais para que nossas palavras ditas em voz baixa pudessem ter sido ouvidas. O insuspeitado espelho havia feito o seu trabalho, embora não soubéssemos disso. “Vem”, disse o emproado guia, “conduzirei a ti e à tua mãe.”
“Mãe?” – pensei. “Como ele sabe que alguém tão bonita e de aparência tão jovem é minha mãe? Ela poderia ser minha irmã ou minha esposa, entretanto ele a chamou de minha mãe”. A suposta presunção do rapaz me irritou, pois eu tinha orgulho não só da aparência juvenil dela, como também do meu jeito maduro, de que eu gostava; muitas vezes tinham me dito que eu parecia sete ou oito anos mais velho do que realmente era. Se me tivessem chamado a atenção para a tolice desse orgulho por minha aparência, em vez de sentir aquele vago ressentimento eu teria rido achando-o absurdo, deixando-o de lado por ser indigno de alguém como eu, com ambições tão grandiosas.
Naquele caso, isso resultou numa certa rigidez de postura, como reação àquela imaginária arrogância e, em grande parte para meu prejuízo, deixei de prestar total atenção nas vistas e detalhes que eu deveria ter observado. Embora eu não risse naquela oportunidade por causa da visão obtusa causada por minha ignorância, ri muitas vezes ao rever os registros do passado. Tantos milhares de anos decorridos desde então podem fazer parecer que o riso de que falo é tardio demais, mas “antes tarde do que nunca” se aplica muito bem a esse fato!
Conforme nos foi indicado, sentamo-nos num carro mais leve do que o utilizado nas avenidas públicas e com forma também diferente. Só depois que já estávamos em movimento foi que percebi o quanto era diferente em construção e método de propulsão. Embora eu desejasse parecer bem acostumado a essas novidades, fiz um movimento brusco de espanto, que foi bastante revelador, quando o condutor tocou numa alavanca e o veículo ergueu-se no ar como uma bolha de sabão, endireitou-se e depois subiu seguindo o aclive na direção da parte plana onde se encontrava o palácio.
Ali deixamos o veículo em forma de charuto e entramos em outro carro, este se movendo sobre trilhos. Fizemos um meio-circuito do edifício e depois nos dirigimos em alta velocidade atravessando o platô até chegarmos à boca escancarada de uma das grandes serpentes de pedra. Em vez de subir no mesmo ângulo do corpo da serpente, nosso carro se moveu num plano horizontal. Quando entramos, uma luz se acendeu repentinamente, afastando em um segundo a obscuridade do interior. Após essa agradável surpresa, minha atenção foi atraída para o brilho das paredes que pareciam arder com um fogo vermelho, azul, verde, amarelo e de todas as outras cores, tanto que não consigo encontrar uma comparação mais adequada do que a do Sol batendo nas gotas de orvalho presas a miríades de teias de aranha, nas primeiras horas da manhã.
Esqueci minha irritação e perguntei o que causava aquele deslumbrante efeito; o guia respondeu que os pedreiros tinham feito o acabamento das paredes com um reboco ao qual tinham sido incorporados grãos de vidro colorido. Enquanto nossa admiração ainda nos envolvia, paramos e vi que estávamos no fundo de uma espécie de poço; em volta deste, os trilhos subiam em espiral até aparentemente terminar sob um teto vagamente visível graças à luz que o carro irradiava para cima enquanto subíamos. Quando chegamos perto, um sino tocou agradavelmente duas vezes e imediatamente o teto se abriu silenciosamente para um lado, permitindo a passagem do veículo.
Atrás de nós o poço voltou a se fechar automaticamente e nos vimos num esplêndido aposento, cujas dimensões eram difíceis de calcular devido a muitos biombos suspensos de seda (vermelho vivo) carmim, a cor real, e folhagens que formavam paisagens de selva em miniatura. As flores e as aves canoras, os repuxos e o ar perfumado, mais a sombra fresca após o calor lá de fora, pois não havíamos ficado tempo suficiente no poço-elevador para nos refrescarmos, fizeram o lugar parecer um paraíso. Só se viam partes do teto do grande salão, pois o mesmo estava quase todo cobert0 de trepadeiras de ramos pendentes. Em meio a toda essa harmonia visual, tremulando no ar, acima, abaixo, em toda parte, soavam encantadoras cadências musicais a que os pássaros, como que inspirados por elas, respondiam em coro.
Nessa cena paradisíaca de cor, som e perfume, passando por belas estátuas e graciosas fontes, nosso carro se movia silenciosamente, de um modo que nos dava a ilusão de estarmos parados e de que a visão de todas aquelas delícias é que passava por nós, posicionados no centro. Era a união perfeita de arte e ciência, da qual era gerado aquele lindo sonho, um triunfo da capacidade e do conhecimento humano! Carros se moviam em todas as direções, vindo, indo, parando, com pessoas vestidas como se fosse para uma recepção de gala, com as diferentes cores de seus turbantes mostrando sua categoria social. Poseid, como outras nações daquele e de outros tempos, tinha suas castas, como a governamental, dos literatos, eclesiásticos, artesãos, militares que serviam como polícia e brigada sanitária, e assim por diante.
As vestimentas de todas as classes seguiam um estilo geral, a não ser pelos turbantes que todos os habitantes usavam e que diferia na cor conforme a casta. O turbante do Soberano, por exemplo, era de seda pura carmim; o dos conselheiros, vermelho-vinho; o dos oficiais menores, rosa pálido. Osturbantes dos militares eram laranja forte para os soldados e cor de limãopara os oficiais. O branco puro era próprio do sacerdócio, o cinza das classes científica, literária e artística. O azul distinguia os artesãos, mecânicos e operários, enquanto o verde distinguia todos os que, por qualquer razão – imaturidade ou falta de educação – não gozavam do direito de voto. Apesar de que o sistema de castas era estritamente obedecido, resultava num bem e não num mal, pois não havia rivalidade de classes, porque a dignidade do trabalho era um sentimento tão forte que uma classe não invejava a outra.
Somente os que usavam verde eram discriminados. Os que usavam essa cor por ainda não serem maiores de idade deixariam de usá-la mais tarde, enquanto que os que não tinham estudos suficientes para obter o direito de usar outra cor, sentiam que o estigma que os acompanhava era uma motivação para alcançarem uma posição mais honrosa na vida. Enquanto eu observava esses vários detalhes que seriam alimento para minha mente, nosso carro foi eficientemente manobrado para evitar uma colisão com o de uma dama que vinha em frente, aparentemente distraída enquanto arrumava uma ponta solta de seu turbante cinza, mostrando, ao fazê-lo, o brilho de um rubi, gema que só a realeza podia usar. Nosso carro chegou a um ponto onde havia grande quantidade de carros e nos conduziu até um segundo aposento.
Quanto à jovem real usando turbante cinza e o rubi. . . Meus pensamentos continuavam com ela! Como era radiosa sua beleza! Foi aquela a primeira vez que vi a Princesa Anzimee. . . mas não devo me adiantar! O recinto onde entramos era menor do que o que tínhamos acabado de deixar, mas ainda assim estava longe de ser pequeno. Tudo ali tinha a cor carmim, brilhante e cintilante, a não ser por uma elevação no centro. Esta tinha degraus ou pequenos terraços de mármore negro, e a parte superior, que media uns doze pés de lado, sustentava uma espécie de trono de madeira escura, coberto de veludo negro. Devo observar neste ponto que o preto era uma cor representativa , incluindo o simbolismo de todas as cores, mostrando, no caso do trono, que aquele que o ocupava pertencia a todas as classes.
Isso era um fato, porque o Rai Gwauxln não só era soberano e chefe do exército, mas era também um sumo sacerdote, literato, cientista, artista e músico, tendo bom conhecimento ainda das tarefas dos artesãos e maquinistas. Em frente ao corrimão de prata que existia em torno do trono, nosso veículo parou ao lado da fila em movimento, obedecendo ao gesto do imperador. O guia nos fez descer e, abrindo um pequeno portão, indicou que devíamos galgar os degraus e chegar nos pés do Rai. Meu coração bateu forte enquanto eu seguia as Instruções, e embora tivesse ficado pálido de emoção, tive auto-controle suficiente para oferecer o braço à minha mãe, para apoiá-la. Acho que nunca andei mais orgulhosamente ereto em toda a minha vida. No alto dos degraus nos ajoelhamos e aguardamos o momento de nos levantarmos, o que não tardou a acontecer. Quando estávamos novamente de pé, o Rai Gwauxln disse suavemente:
-“Zailm, és muito jovem para um estudante tão ambicioso quanto sei
que és.”
-“Se te agrada que eu seja assim, fico contente” – respondi.
-“Já aprendeste o que as escolas primárias têm a ensinar aos jovens?” Pois isso é necessário para que possas obter admissão ao Inithlon”.
-“Já o fiz, Zo Rai.”
-“Seria agradável para ti, Zailm, contar-me quais estudos são de tua maior preferência?”
-“Sim, Zo Rai, considero uma elevada honra te dizer. Não escolhi meus estudos com base em minhas preferências, mas não tenho dúvida de que o próprio Incal ordenou qual seria minha escolha, indicando a geologia acima de qualquer outra. Também Ele me concedeu uma disposição natural que aponta para o estudo de línguas e literatura. Não tomei a decisão final, mas tenho uma boa opinião a respeito desses ramos de Xioq. A geologia foi por Mim indicada através de uma experiência incomum.”
-“Tu me interessas, jovem. Entretanto, esta é uma hora de cumprimento de deveres de estado e não devo negligenciar meu povo que vem prestar homenagem ao seu monarca. Toma este passe e na quarta hora retorna ao portal pelo qual entraste em Agacoe. Serás bem-vindo.”
Tomei o passe que o Rai me oferecera e, ao descer os degraus de mármore, vi que trazia a inscrição: “Presença do Rai. Portador de permissão”. Tínhamos trazido um pacote de tâmaras e por isso não precisávamos deixar os jardins para almoçar. Nosso guia voltou a se ocupar de nós e, depois de ser informado de que queríamos ficar no perímetro do palácio, dirigiu nosso carro pelo labirinto de construções mais uma vez, fazendo-nos descer do veículo ao lado de um dos pilares do peristilo. Daquele ponto em que nos separamos do guia, olhei em torno para me certificar de onde ficava a entrada principal; verificando que ficava a oeste, escoltei minha mãe até um banco à sombra de um deodar (árvore) gigante, que em séculos posteriores passou a ser chamado “Cedro do Líbano”.
Num dos seus ramos estava um pássaro imitador que nós chamávamos de “nossuri”, significando “cantor do luar” por causa do hábito desses encantadores pássaros cor de cinza de trinar sua maravilhosa melodia no ar calmo das noites de luar. Não que eles não cantem de dia; na verdade, a ave estava cantando, mas o fato de chamá-los “nossuri”, de “nosses” (a Lua) e “surada” (eu canto) era um termo ornitológico distintamente poseidano. Na hora aprazada fomos até o local designado e, apresentando o passe, fomos conduzidos a um carro e depois de novamente ascendermos, o guia nos levou a um pequeno aposento luxuosamente decorado. Junto a uma mesa quase oculta por livros estava o Rai, ouvindo uma voz bem modulada que contava as últimas novidades do dia, cujo dono não podia ser visto.
O Rai voltou-se para nós quando fomos anunciados, dispensou o servidor, e nos cumprimentou amavelmente. Então voltou-se para uma caixa parecida de certa forma com o agradável instrumento que chamamos rádio e virou uma chave com um leve ruído. No mesmo instante a voz se calou no meio de uma palavra e fiquei sabendo, ao obedecermos o convite do Rai para nos sentarmos, que eu tinha visto pela primeira vez uma gravação de notícias sobre a qual tinha lido muitas vezes. Na hora que se seguiu relatei a história de minha vida, suas esperanças, tristezas, triunfos e ambições, respondendo as perguntas daquele homem cordial, aparentemente pouco velho, a quem qualquer pessoa viva podia render homenagem sem perda de dignidade, pois sua nobre cortesia mostrava como pode um rei ser um homem e como pode um homem ser um soberano.
Contei como cada acontecimento tinha aumentado meu apetite por um conhecimento cada vez maior. Depois contei as experiências vividas em minha viagem ao pico do Rhok, narrativa que foi interrompida quando mencionei o nome da montanha. “Rhok!” Perguntou o meu imperial ouvinte.
“Estás me dizendo que ascendeu aquela terrível altura, à noite, sozinho, uma montanha que indicam os nossos mapas que afirmam ser inacessível a não ser por vailx?”
“Provavelmente, Zo Rai, a única rota só é conhecida por uns poucos montanheses; li que a montanha era considerada inacessível, mas. . . “-Hesitei, e o Rai disse rapidamente:
“Sim, fala! Foi para julgar-te que ouvi tua narrativa, pois sei muito bem de tudo que me relataste. Eu poderia ter dito tudo o que tu dissestes, e contar tudo que dirás; desejei ouvir-te para julgar; conheço a tua história desde que te vi pela primeira vez. Sou um “filho da Solitude” – acrescentou.
Fiquei em silêncio, pois me confundia a ideia de que ele já sabia de tudo. Percebendo isso, o Rai falou:
“Continua, filho. Conta-me tudo; desejo conhecer os fatos pelos teus lábios, pois estou interessado em tua pessoa”.
Então retomei a história interrompida e descrevi minhas homenagens a Incal e a petição por seu auxílio -, sua rápida resposta à minha prece; a erupção do vulcão e o perigo que isso representou para mim. Sobre isto disse o Rai:
“Então testemunhaste pessoalmente aquela explosão das forças terrestres? Fui informado de que ela provocou grandes mudanças locais e que agora há um extenso lago onde não havia lago algum, ao pé do Rhok. Ele mede nove vens”.
Eu ainda era pouco sofisticado para me sentir curioso em saber se o Rai havia visto a erupção, pois eu não compreendia o significado de ele ser Filho da Solitude e conhecer todas as minhas aventuras, e embora não duvidasse que isso fosse um fato, atribuí esse conhecimento a um agudo julgamento de possibilidades; para aumentar minha falta de sofisticação perguntei ao Rai se ele tinha visto aquelas coisas. “Jovem inexperiente!” – disse o Monarca sorrindo –“poucas vezes encontro alguém tão franco! És mesmo um filho das montanhas! Mas temo que não o serás por muito tempo, no ambiente em que ora te encontras! Responderei tua pergunta.
“Nenhuma grande convulsão da natureza pode ocorrer que não seja automaticamente registrada quanto à sua extensão aproximada e à sua localização; uma prova fotográfica de cada parte da localidade afetada é mostrada a cada instante. No caso em questão, tudo que tive a fazer foi ir até o gabinete apropriado, que fica neste edifício, e toda a cena se desenrolou diante de mim tão vividamente quanto deve ter se mostrado para ti, pois pude ver a explosão, e até ouvi-la, por meio do naim. E verdade que ao que vi faltava um elemento que o tornou um pouco mais vivido para ti do que para mim, que foi o do perigo físico; mas como para mim esse perigo não existe – um dia saberás por que – a cena para mim esteve completa e não faltou nenhum elemento que minha presença real tivesse podido acrescentar”.
Fiquei profundamente maravilhado com as instrumentalidades descritas pelo Rai Gwauxln e ponderei com deleite na possibilidade de algum dia conhecê-las pessoalmente e ter acesso a elas. O Rai continuou:
“Dissestes que encontrastes um tesouro de ouro nativo em dois locais separados. Procurastes reaver o que obtivestes antes da erupção? Não? Isso importa pouco. Zailm, é fato conhecido que a ignorância da lei não é uma desculpa válida para desobedecê-la.”
O rosto do Rai tinha se tornado muito grave e senti uma impressão nada agradável.
“Contudo, estou convencido de que nada sabias sobre a violação dos estatutos quando deixaste de comunicar o achado. Por isso não te punirei”. Aqui o imperador fez uma pausa, perdendo-se em pensamentos, enquanto eu, que até então havia ignorado que tivesse feito algo que violasse a lei, empalideci tanto que Gwauxln sorriu de leve e disse:
“Mas aqueles que agora exploram essa mina e os que recebem o pó de ouro e o mineral ali produzido não escaparão. No caso deles é um crime consciente, agravado pelo fato de que eles não desconhecem a lei e ainda por cima te defraudam. De ti exigirei apenas a expiação que possa existir em denunciar seus nomes.”
Obedeci essa ordem, embora pensasse com tristeza nas esposas e filhos daqueles ladrões, que eram inocentes. Deveriam sofrer da mesma forma que os transgressores? O Rai pareceu conhecer meu pensamento. Se não o conheceu, falou como se concordasse comigo, dizendo:
“Esses homens têm esposa, família?”
“Sim, é verdade!” – repliquei com tanto ardor que o monarca novamente sorriu e eu, encorajado, supliquei que fosse clemente por causa dos inocentes.
“Nada sabes sobre nosso sistema de punição, Zailm?”
“Muito pouco, Zo Rai; ouvi dizer que nenhum malfeitor sai das mãos da justiça sem ter se tornado alguém melhor, mas imagino que o tratamento seja bastante severo”.
“Quanto a severidade, a resposta é não. Quanto ao outro ponto, se os homens são reformados após terem errado, para que não incorram novamente em erro, não redundaria isso em vantagem para as esposas e filhos dos criminosos? Mandarei que esses homens sejam trazidos ao tribunal competente e tu testemunharás o processo de reforma. Julgo que depois disso desejaras aprender anatomia e a ciência da punição reformatória, em acréscimo aos teus outros estudos em Xio. Além disso, asseguro-te que em caso algum sofrerás o confisco daquela mina, que será tua propriedade-, se a doares ao tesouro nacional, enquanto fores estudante não te faltará dinheiro. Mais tarde, quando os anos de estudo tiverem passado, se tiveres êxito como aluno, ah!, então te nomearei superintendente da mina. E se te mostrares fiel quanto a isso, farei de ti um senhor de muitas coisas. Tenho dito”.
Rai Gwauxln tocou num botão e imediatamente um serviçal entrou. A ele o Rai incumbiu de nos acompanhar, dizendo: “Que a paz de Incal esteja com ambos”.
Assim terminou a audiência que influenciou o curso dos anos e modelou a grande árvore da vida, fazendo-me sentir orgulhosamente um depositário da confiança de um amigo reverenciado. Esse estado de consciência sempre se mostrou muito potente neste mundo de provas e tentações.
CAPÍTULO 6 - Nenhum bem pode perecer
Minha nova vida trouxe inúmeras novidades para minha mãe e eu, recém-chegados das montanhas a um grande centro urbano. Após ter aprendido mais algumas coisas sobre suas conveniências, logo me harmonizei com a nova situação. Adaptei meu modo de vestir ao estilo citadino-, sendo minha atitude natural reservada, pude dar a impressão de estar à vontade, algo que foi apoiado cada vez mais pelo grau crescente de segurança que fui adquirindo.
A vida de um estudante no ambiente da escola, como aprendi após matricular-me no Xioquithlon, mostrou ser tão enervante para alguém acostumado à total liberdade que me vi obrigado a criar um esquema que
me permitisse fazer o necessário exercício físico. Depois de pensar por algum tempo, e tendo conseguido algumas informações fortuitas, procurei o Superintendente Distrital de Solos e Agricultura e solicitei que ele me indicasse um pedaço de terra que eu pudesse cultivar, não necessariamente com fins lucrativos mas pela prática contando-lhe que era um estudante.
O Superintendente, com oficial indiferença, abriu um mapa das terras adjacentes a Caiphul. Ao falar de distâncias, consultei a provável conveniência de meus leitores e usei pés, jardas, milhas e assim por diante, como medidas nominais. Usarei o mesmo método nesta oportunidade, lembrando que nosso sistema de medição era fundamentado em um princípio similar ao moderno sistema gálico ou métrico. Sua unidade, entretanto, não era a décima milionésima parte do quadrante terrestre. Originava-se, ao invés, no grande Rai das Leis Maxin. Como foi observado anteriormente, esse monarca havia introduzido todas as reformas concebíveis, entre outras a de substituir por um sistema uniforme de mensuração o método anterior desajeitado, embora não totalmente anti-científico.
A circunferência da Terra no equador, tal como fora determinada pelos astrônomos, tinha servido de base, assim como o moderno sistema métrico que usa uma fração da quadratura da divisão polar norte e sul da Terra. Esse padrão, entretanto, não era considerado totalmente confiável; temia-se que algum erro tivesse se insinuado no cálculo original; mesmo que fosse o caso, o bastão de ouro usado como referência teria servido a todas as finalidades, uma vez que era imutável, mas o desejo humano de ser tão perfeito quanto possível era tal que, como eu disse, o medo do erro destruía a confiança. Todo homem que quisesse podia instituir um padrão particular, baseado em qualquer esquema que lhe servisse, um estado de coisas que levou a fraudes deploráveis em todo o império.
O Rai Maxin instituiu um sistema tão admirável que foi imediatamente aceito como autoridade absoluta, especialmente porque ninguém duvidou que tivesse vindo do próprio Incal. O Rai mandou construir um recipiente com um material que sofria a menor expansão ou contração conhecida sob a influência do calor ou do frio. Esse recipiente era, interiormente, um cubo oco perfeito, do tamanho exato da Pedra-Maxin. Um tubo maciço foi feito da mesma substância, com cerca de quatro polegadas de diâmetro interno. No recipiente cúbico foi despejada água destilada na quantidade exatamente suficiente para preenchê-lo, a uma temperatura de 398° Farenheit (203,33º C), de modo a não deixar nenhuma bolha de ar no interior do cubo.
Essa água foi então colocada no tubo, e a mesma temperatura baixa foi cuidadosamente mantida. A altura exata da água era então gravada num bastão feito com o mesmo metal dos dois recipientes (cúbico e tubular). O passo seguinte era aquecer a água a 211,95° Farenheit (99,44º C), sendo este processo e o anterior executados ao nível do mar num dia típico de verão. Com o calor, a água se expandia a um grau apropriado, e o ponto de quase ebulição era marcado como no passo anterior; a diferença marcada no bastão entre as duas linhas gravadas passou a ser a unidade de medição linear, da qual todas as outras medidas derivaram, sendo a medida do peso calcada no peso do cubo oco cheio de água a 398° F (203,33º C).
Uso a escala termométrica Farenheit porque a escala de Poseid não faria sentido para ti. Perdoa-me a digressão, já que a mesma revela outra fase da vida naquela era há tanto tempo decorrida. Voltando ao gabinete do Superintendente: tendo aberto um mapa de áreas não arrendadas à minha frente (lembra-te que não havia donos de terras, pois estas pertenciam ao governo) ele voltou a atenção para outras tarefas, deixando-me ali para estudar o assunto com calma. Passando os olhos pelas descrições ali impressas, descobri que um terreno de uns cinco acres, onde havia um antigo pomar com várias espécies de árvores frutíferas, estava disponível e ficava a uma distância aproximada de oito “vens” (quase o mesmo número de milhas) da cidade, mas adentrando a península.
Seu antigo arrendatário tinha contratado os direitos por cinqüenta anos, mas por motivo de sua morte a propriedade linha ficado abandonada e livre para ser ocupada. O fato de que os estudantes freqüentemente tinham pouco dinheiro para suas despesas gerais era levado em conta pelo governo, que em todas as suas negociações com essa classe oferecia condições melhores do que para qualquer outra categoria social. A propriedade em questão me atraiu por sua descrição: “uma área de aproximadamente oito vennines (cinco acres), com uma casa de quatro cômodos, água de fonte canalizada para a casa; um vennine plantado com flores ornamentais, seis destinados a árvores frutíferas com quinze anos de idade. Condições (com todas as benfeitorias) para estudantes: metade da colheita de frutas todas as flores próprias para perfume que forem cultivadas entregues ao Agente do Departamento de Solos e Agricultura.
Para outros que não sejam estudantes, quatro tekas por mês (dez dólares e vinte e três cents). Prazo mínimo de arrendamento, um ano. Resolvi arrendar o terreno, após verificar que “todas as conveniências” significava transporte por vailx, serviço telefônico (naim) e um instrumento de condução de calor que economizaria combustível; a energia para ser convertida em calor para cozinhar e outras finalidades seria transmitida pelo “Navaza”, um conjunto de forças materiais que em teus modernos dias se chamam “correntes telúricas”, mas que no caso incluíam também as do éter superior, algo que ainda descobrireis e utilizareis como o fez a Atlântida, pois que todos vós sois poseidanos renascidos. Eu o digo. Já vivestes e viveis agora de novo. Usastes todas essas forças naquele tempo e dentro de pouco tempo as usareis de novo.
Tendo decidido ficar com a propriedade que me fora mostrada, transmiti minha decisão ao funcionário, que imediatamente me deu um contrato e me ajudou a preenchê-lo corretamente. Apenas como um relance daquela época há muito passada, ofereço o teor do contrato de arrendamento:
“Eu,………………….., idade…………. anos, do sexo………., ocupação ………….., faço com o Departamento de Solos um contrato de arrendamento do terreno ………………………… no distrito de ……………. com as seguintes características:……………….., concordo em arrendá-lo pelo prazo de………….anos, com a aprovação do altíssimo Incal.”
Arrendei o terreno por oito anos, uma vez que esperava residir em Caiphul pelo menos por esse período de tempo como aluno do Xioquithlon. Não me pareceu nada desprezível ter a facilidade de me transportar por vailx dali até o Xioquithlon, podendo assim ter o prazer de uma viagem aérea diária. O vailx, como os táxis de hoje, podia ser pedido por telefone e chegava logo depois da chamada.
Era costume que todos os recém-chegados à cidade visitassem o palácio Agacoe e seus jardins tão logo fosse conveniente. Todas as semanas o Rai (imperador) ficava sentado no salão de audiências por duas horas. Nesse período os visitantes apinhavam-se nos corredores e passavam diante do trono em fila dupla. Depois dessa cerimônia, os que quisessem tinham liberdade de passear à vontade pelos jardins, observar o zoológico onde todas as espécies conhecidas de animais eram mantidas, ou entrar no grande museu e na biblioteca real. Para muitos, era um costume agradável passar com freqüência o dia em Agacoe; nessas ocasiões os visitantes traziam seu almoço e faziam um piquenique tranqüilo sob as grandes árvores ao lado do chafariz, do lago ou da catarata.
Devo agora voltar ao tempo em que minha mãe e eu ainda estávamos completamente desacostumados ao comportamento citadino, para que o leitor possa nos acompanhar em nossas descobertas. Iniciemos pela visita ao Agacoe. Um homem que conhecemos por acaso nos guiou até o palácio, numa viatura que partilhamos os três. Carros ainda eram uma novidade para mim e a maneira de dirigi-los tornou-se mais um assunto sobre o qual quis ser informado. Nosso amigo tirou uma moeda da bolsa e inseriu-a na abertura existente numa caixa de vidro em uma extremidade do carro. A moeda tinha de cair de forma a chegar ao fundo de um cilindro de vidro, bem pouco maior em diâmetro do que a moeda. Duas pontas de metal que se projetavam na extremidade inferior do cilindro, mas não se aproximavam uma da outra mais do que um quarto de polegada, encontravam-se no fundo.
Quando a moeda caiu nessas projeções, uma pequena campainha soou; meu amigo então mexeu numa alavanca com uma barra de trava até a camisinha soar. Quando a moeda fechou o circuito ao cair, essa trava automaticamente se deslocou, ao mesmo tempo fazendo soar a campainha como observei acima e destravando a alavanca. Quando esta foi erguida o carro se moveu súbita mas suavemente e saiu da sua estação. O veículo estava preso ao trilho suspenso, e as periferias de suas grandes rodas suspensas eram visíveis, pois, juntamente com seus eixos, elas estavam em sua maior parte ocultas por uma cobertura de metal que se estendia de uma roda a outra; dentro dessa cobertura podia-se ouvir um zumbido baixo e cantante, produzido pelo mecanismo do motor. A ideia de fazer o passageiro servir como engenheiro e condutor era muito boa, já que os processos requeriam tão pouco conhecimento ou trabalho.
Quando deixamos o carro no abrigo abaixo do terraço de Agacoe, nosso amigo recolocou a alavanca no lugar, a sineta tocou de novo, a moeda caiu em uma caixa reforçada em baixo, e o veículo estava pronto para outros passageiros. Na grande entrada, um portal que era uma maravilha arquitetônica, nosso amigo se despediu e logo desapareceu a grande velocidade, dirigindo-se para algum local mais distante do que o que havíamos alcançado. Olhando para a lista colocada acima daquela linha particular, vi que ali estava escrito em caracteres poseidanos: “Aagak mnoiinc sus“, ou seja, “Frente da Cidade e Grande Canal”, isso em uma tradução livre.
Desejando me informar sobre nosso amigável guia, perguntei quem era ele a alguém que tinha observado nossa chegada com interesse. A resposta que recebi foi:
“Um grande pregador, que prevê a destruição deste continente e conclama todos para que vivam de forma a não temer enfrentar o Uno que, segundo ele, é o Filho de Incal, que virá para a Terra em um dia que não tardará muito. Ele diz que esse Filho de Deus será o Salvador da humanidade, mas que muitos não O reconhecerão até que tenha sido morto. Doze o conhecerão, mas um deles O negará na hora de Seu derradeiro perigo. Na verdade, o assunto é extremamente interessante, apesar de eu não compreendê-lo muito bem; mas como Rai Gwauxln que Incal o proteja! – trata esse pregador com favorecimento e diz a seu respeito, “ele fala verdades” é recebido com atenção por todos.”
Leitor, mesmo naquela época tão remota, a verdade estava surgindo no mundo. Na manhã do novo ciclo já aparecera um raio do brilhante Sol do cristianismo, que ainda não havia iluminado o céu com a plenitude de sua glória. Naquele dia eu havia viajado no carro junto com o primeiro profeta
a anunciar a vinda de osso Senhor Jesus Cristo, exortando os que o ouviam a viverem de modo que suas almas se tornassem um solo virgem para permitir o surgimento do Sol da Verdade, tornando-se preparadas para receber o Mestre quando, após a morte do corpo físico que então possuíam, tivessem voltado do Devachan à terra como almas reencarnadas. A semente estava sendo plantada!
Essa ideia me ocorreu quando, num período posterior, ouvi o profeta falar com apaixonada eloqüência para a assembléia especial de Xioquithli (estudantes) especialmente reunida. Sei que a semente caiu em solo sem cultivo, quando comparo minha vida de agora com as vidas passadas; por muito tempo a semente permaneceu dormente e, enquanto assim ficou, as amargas experiências do pecado e do erro se impuseram e arrasaram minha vida com uma onda de fogo ardente que precisou de outra encarnação para curar as feridas por ela causadas. Enquanto ficamos parados sob o pórtico da grande entrada de Agacoe, nós – montanheses sem sofisticação que éramos! – não podíamos saber, quando um guia uniformizado nos abordou, que o imperador, sentado em seu trono a meia milha de distância, estava naquele mesmo momento perfeitamente informado de nossa aparência e também sabia que palavras usávamos e o tom com que as pronunciávamos. O soldado me perguntou:
- “E tu de onde vens e qual é o teu nome?”
- “Chamo-me Zailm Numinos e venho de Querdno Aru.”
- “Esta visita é a primeira ou estiveste aqui antes?”
- “Nunca estive aqui, nem minha mãe que está aqui ao meu lado.”
- “Pois se assim é, providenciarei um acompanhante para ambos. Ele se encontra naquele portão. Mais uma pergunta, por favor.- qual a tua missão em Caiphul?”
- “Vim para estudar xioq no Inithlon; trouxe minha mãe para cuidar de nossa casa.”
- “Está bem. Podeis ir.”
Esse colóquio ocorreu no grande portal que dava entrada para o terraço acima. A sentinela estava postada atrás de um portão de bronze e ouro ricamente trabalhado, muito delicado mas suficiente para impedir a entrada de alguém indesejável. Atrás do soldado havia um grande espelho, no pesado anexo do portal. Esse espelho estava suspenso por duas hastes de cobre polido de modo a impedir que tocasse os lados do nicho em qualquer ponto. Se eu tivesse podido olhar atrás dele, teria visto o conjunto de cordas metálicas, bastante parecido com as de piano, junto com outras peças de um mecanismo que naquela ocasião nada diriam a minha mente ainda deseducada.
Como poderia eu sequer suspeitar que aquela chapa de brilhante metal Polido no qual se refletia todo o interior daquela arcada, como se fosse num lago tranqüilo, era um engenhoso mensageiro automático? Que aqueles inúmeros fios de metal vibravam em sintonia, com toda inflexão possível de voz ou outros sons, e que quando falei todos os sons que emiti foram levados velozmente ao longo de correntes-terra naturais (telúricas), próprias do Lado-Noite (feminino) da Natureza e que reagiam ao controle do homem, sendo todas as palavras e sons ouvidos pelo Rai em seu trono?
Nem podia eu sonhar que, simultaneamente, o reflexo de nossa imagem era igualmente transmitido à mesma augusta presença. Mas esses eram os fatos. Uns poucos passos nos levaram até um portão interno feito de chapas de ferro fenestrado que com o simples apertar de um botão se erguia para permitir a passagem por baixo. Nesse ponto encontramos o guia que o guarda havia providenciado. Julguei que seu silêncio era uma indicação de grosseria, pois não sabia que ele tinha recebido ordens, antes de nos aproximarmos, para nos conduzir até a presença real, o que tornava inútil que expressássemos o nosso desejo. Sua observação em voz baixa dizendo “compreendo”, quando comecei a dizer o que queria, impediu que eu continuasse, pois senti-me ofendido em meu orgulho por sua reserva, tão diferente da liberdade com que meus associados montanheses se comunicavam.
E havia tantas pessoas assim arrogantes na cidade! Resolvi dar-lhe uma lição e ponderei a melhor forma de lhe dizer que eu considerava seus modos totalmente fora de propósito em alguém de sua posição. Eu não podia imaginar que ele já tivesse todas as informações necessárias sobre nós, pois embora a distância entre seu posto e o grande portal não fosse grande, era obviamente longe demais para que nossas palavras ditas em voz baixa pudessem ter sido ouvidas. O insuspeitado espelho havia feito o seu trabalho, embora não soubéssemos disso. “Vem”, disse o emproado guia, “conduzirei a ti e à tua mãe.”
“Mãe?” – pensei. “Como ele sabe que alguém tão bonita e de aparência tão jovem é minha mãe? Ela poderia ser minha irmã ou minha esposa, entretanto ele a chamou de minha mãe”. A suposta presunção do rapaz me irritou, pois eu tinha orgulho não só da aparência juvenil dela, como também do meu jeito maduro, de que eu gostava; muitas vezes tinham me dito que eu parecia sete ou oito anos mais velho do que realmente era. Se me tivessem chamado a atenção para a tolice desse orgulho por minha aparência, em vez de sentir aquele vago ressentimento eu teria rido achando-o absurdo, deixando-o de lado por ser indigno de alguém como eu, com ambições tão grandiosas.
Naquele caso, isso resultou numa certa rigidez de postura, como reação àquela imaginária arrogância e, em grande parte para meu prejuízo, deixei de prestar total atenção nas vistas e detalhes que eu deveria ter observado. Embora eu não risse naquela oportunidade por causa da visão obtusa causada por minha ignorância, ri muitas vezes ao rever os registros do passado. Tantos milhares de anos decorridos desde então podem fazer parecer que o riso de que falo é tardio demais, mas “antes tarde do que nunca” se aplica muito bem a esse fato!
Conforme nos foi indicado, sentamo-nos num carro mais leve do que o utilizado nas avenidas públicas e com forma também diferente. Só depois que já estávamos em movimento foi que percebi o quanto era diferente em construção e método de propulsão. Embora eu desejasse parecer bem acostumado a essas novidades, fiz um movimento brusco de espanto, que foi bastante revelador, quando o condutor tocou numa alavanca e o veículo ergueu-se no ar como uma bolha de sabão, endireitou-se e depois subiu seguindo o aclive na direção da parte plana onde se encontrava o palácio.
Ali deixamos o veículo em forma de charuto e entramos em outro carro, este se movendo sobre trilhos. Fizemos um meio-circuito do edifício e depois nos dirigimos em alta velocidade atravessando o platô até chegarmos à boca escancarada de uma das grandes serpentes de pedra. Em vez de subir no mesmo ângulo do corpo da serpente, nosso carro se moveu num plano horizontal. Quando entramos, uma luz se acendeu repentinamente, afastando em um segundo a obscuridade do interior. Após essa agradável surpresa, minha atenção foi atraída para o brilho das paredes que pareciam arder com um fogo vermelho, azul, verde, amarelo e de todas as outras cores, tanto que não consigo encontrar uma comparação mais adequada do que a do Sol batendo nas gotas de orvalho presas a miríades de teias de aranha, nas primeiras horas da manhã.
Esqueci minha irritação e perguntei o que causava aquele deslumbrante efeito; o guia respondeu que os pedreiros tinham feito o acabamento das paredes com um reboco ao qual tinham sido incorporados grãos de vidro colorido. Enquanto nossa admiração ainda nos envolvia, paramos e vi que estávamos no fundo de uma espécie de poço; em volta deste, os trilhos subiam em espiral até aparentemente terminar sob um teto vagamente visível graças à luz que o carro irradiava para cima enquanto subíamos. Quando chegamos perto, um sino tocou agradavelmente duas vezes e imediatamente o teto se abriu silenciosamente para um lado, permitindo a passagem do veículo.
Atrás de nós o poço voltou a se fechar automaticamente e nos vimos num esplêndido aposento, cujas dimensões eram difíceis de calcular devido a muitos biombos suspensos de seda (vermelho vivo) carmim, a cor real, e folhagens que formavam paisagens de selva em miniatura. As flores e as aves canoras, os repuxos e o ar perfumado, mais a sombra fresca após o calor lá de fora, pois não havíamos ficado tempo suficiente no poço-elevador para nos refrescarmos, fizeram o lugar parecer um paraíso. Só se viam partes do teto do grande salão, pois o mesmo estava quase todo cobert0 de trepadeiras de ramos pendentes. Em meio a toda essa harmonia visual, tremulando no ar, acima, abaixo, em toda parte, soavam encantadoras cadências musicais a que os pássaros, como que inspirados por elas, respondiam em coro.
Nessa cena paradisíaca de cor, som e perfume, passando por belas estátuas e graciosas fontes, nosso carro se movia silenciosamente, de um modo que nos dava a ilusão de estarmos parados e de que a visão de todas aquelas delícias é que passava por nós, posicionados no centro. Era a união perfeita de arte e ciência, da qual era gerado aquele lindo sonho, um triunfo da capacidade e do conhecimento humano! Carros se moviam em todas as direções, vindo, indo, parando, com pessoas vestidas como se fosse para uma recepção de gala, com as diferentes cores de seus turbantes mostrando sua categoria social. Poseid, como outras nações daquele e de outros tempos, tinha suas castas, como a governamental, dos literatos, eclesiásticos, artesãos, militares que serviam como polícia e brigada sanitária, e assim por diante.
As vestimentas de todas as classes seguiam um estilo geral, a não ser pelos turbantes que todos os habitantes usavam e que diferia na cor conforme a casta. O turbante do Soberano, por exemplo, era de seda pura carmim; o dos conselheiros, vermelho-vinho; o dos oficiais menores, rosa pálido. Osturbantes dos militares eram laranja forte para os soldados e cor de limãopara os oficiais. O branco puro era próprio do sacerdócio, o cinza das classes científica, literária e artística. O azul distinguia os artesãos, mecânicos e operários, enquanto o verde distinguia todos os que, por qualquer razão – imaturidade ou falta de educação – não gozavam do direito de voto. Apesar de que o sistema de castas era estritamente obedecido, resultava num bem e não num mal, pois não havia rivalidade de classes, porque a dignidade do trabalho era um sentimento tão forte que uma classe não invejava a outra.
Somente os que usavam verde eram discriminados. Os que usavam essa cor por ainda não serem maiores de idade deixariam de usá-la mais tarde, enquanto que os que não tinham estudos suficientes para obter o direito de usar outra cor, sentiam que o estigma que os acompanhava era uma motivação para alcançarem uma posição mais honrosa na vida. Enquanto eu observava esses vários detalhes que seriam alimento para minha mente, nosso carro foi eficientemente manobrado para evitar uma colisão com o de uma dama que vinha em frente, aparentemente distraída enquanto arrumava uma ponta solta de seu turbante cinza, mostrando, ao fazê-lo, o brilho de um rubi, gema que só a realeza podia usar. Nosso carro chegou a um ponto onde havia grande quantidade de carros e nos conduziu até um segundo aposento.
Quanto à jovem real usando turbante cinza e o rubi. . . Meus pensamentos continuavam com ela! Como era radiosa sua beleza! Foi aquela a primeira vez que vi a Princesa Anzimee. . . mas não devo me adiantar! O recinto onde entramos era menor do que o que tínhamos acabado de deixar, mas ainda assim estava longe de ser pequeno. Tudo ali tinha a cor carmim, brilhante e cintilante, a não ser por uma elevação no centro. Esta tinha degraus ou pequenos terraços de mármore negro, e a parte superior, que media uns doze pés de lado, sustentava uma espécie de trono de madeira escura, coberto de veludo negro. Devo observar neste ponto que o preto era uma cor representativa , incluindo o simbolismo de todas as cores, mostrando, no caso do trono, que aquele que o ocupava pertencia a todas as classes.
Isso era um fato, porque o Rai Gwauxln não só era soberano e chefe do exército, mas era também um sumo sacerdote, literato, cientista, artista e músico, tendo bom conhecimento ainda das tarefas dos artesãos e maquinistas. Em frente ao corrimão de prata que existia em torno do trono, nosso veículo parou ao lado da fila em movimento, obedecendo ao gesto do imperador. O guia nos fez descer e, abrindo um pequeno portão, indicou que devíamos galgar os degraus e chegar nos pés do Rai. Meu coração bateu forte enquanto eu seguia as Instruções, e embora tivesse ficado pálido de emoção, tive auto-controle suficiente para oferecer o braço à minha mãe, para apoiá-la. Acho que nunca andei mais orgulhosamente ereto em toda a minha vida. No alto dos degraus nos ajoelhamos e aguardamos o momento de nos levantarmos, o que não tardou a acontecer. Quando estávamos novamente de pé, o Rai Gwauxln disse suavemente:
-“Zailm, és muito jovem para um estudante tão ambicioso quanto sei
que és.”
-“Se te agrada que eu seja assim, fico contente” – respondi.
-“Já aprendeste o que as escolas primárias têm a ensinar aos jovens?” Pois isso é necessário para que possas obter admissão ao Inithlon”.
-“Já o fiz, Zo Rai.”
-“Seria agradável para ti, Zailm, contar-me quais estudos são de tua maior preferência?”
-“Sim, Zo Rai, considero uma elevada honra te dizer. Não escolhi meus estudos com base em minhas preferências, mas não tenho dúvida de que o próprio Incal ordenou qual seria minha escolha, indicando a geologia acima de qualquer outra. Também Ele me concedeu uma disposição natural que aponta para o estudo de línguas e literatura. Não tomei a decisão final, mas tenho uma boa opinião a respeito desses ramos de Xioq. A geologia foi por Mim indicada através de uma experiência incomum.”
-“Tu me interessas, jovem. Entretanto, esta é uma hora de cumprimento de deveres de estado e não devo negligenciar meu povo que vem prestar homenagem ao seu monarca. Toma este passe e na quarta hora retorna ao portal pelo qual entraste em Agacoe. Serás bem-vindo.”
Tomei o passe que o Rai me oferecera e, ao descer os degraus de mármore, vi que trazia a inscrição: “Presença do Rai. Portador de permissão”. Tínhamos trazido um pacote de tâmaras e por isso não precisávamos deixar os jardins para almoçar. Nosso guia voltou a se ocupar de nós e, depois de ser informado de que queríamos ficar no perímetro do palácio, dirigiu nosso carro pelo labirinto de construções mais uma vez, fazendo-nos descer do veículo ao lado de um dos pilares do peristilo. Daquele ponto em que nos separamos do guia, olhei em torno para me certificar de onde ficava a entrada principal; verificando que ficava a oeste, escoltei minha mãe até um banco à sombra de um deodar (árvore) gigante, que em séculos posteriores passou a ser chamado “Cedro do Líbano”.
Num dos seus ramos estava um pássaro imitador que nós chamávamos de “nossuri”, significando “cantor do luar” por causa do hábito desses encantadores pássaros cor de cinza de trinar sua maravilhosa melodia no ar calmo das noites de luar. Não que eles não cantem de dia; na verdade, a ave estava cantando, mas o fato de chamá-los “nossuri”, de “nosses” (a Lua) e “surada” (eu canto) era um termo ornitológico distintamente poseidano. Na hora aprazada fomos até o local designado e, apresentando o passe, fomos conduzidos a um carro e depois de novamente ascendermos, o guia nos levou a um pequeno aposento luxuosamente decorado. Junto a uma mesa quase oculta por livros estava o Rai, ouvindo uma voz bem modulada que contava as últimas novidades do dia, cujo dono não podia ser visto.
O Rai voltou-se para nós quando fomos anunciados, dispensou o servidor, e nos cumprimentou amavelmente. Então voltou-se para uma caixa parecida de certa forma com o agradável instrumento que chamamos rádio e virou uma chave com um leve ruído. No mesmo instante a voz se calou no meio de uma palavra e fiquei sabendo, ao obedecermos o convite do Rai para nos sentarmos, que eu tinha visto pela primeira vez uma gravação de notícias sobre a qual tinha lido muitas vezes. Na hora que se seguiu relatei a história de minha vida, suas esperanças, tristezas, triunfos e ambições, respondendo as perguntas daquele homem cordial, aparentemente pouco velho, a quem qualquer pessoa viva podia render homenagem sem perda de dignidade, pois sua nobre cortesia mostrava como pode um rei ser um homem e como pode um homem ser um soberano.
Contei como cada acontecimento tinha aumentado meu apetite por um conhecimento cada vez maior. Depois contei as experiências vividas em minha viagem ao pico do Rhok, narrativa que foi interrompida quando mencionei o nome da montanha. “Rhok!” Perguntou o meu imperial ouvinte.
“Estás me dizendo que ascendeu aquela terrível altura, à noite, sozinho, uma montanha que indicam os nossos mapas que afirmam ser inacessível a não ser por vailx?”
“Provavelmente, Zo Rai, a única rota só é conhecida por uns poucos montanheses; li que a montanha era considerada inacessível, mas. . . “-Hesitei, e o Rai disse rapidamente:
“Sim, fala! Foi para julgar-te que ouvi tua narrativa, pois sei muito bem de tudo que me relataste. Eu poderia ter dito tudo o que tu dissestes, e contar tudo que dirás; desejei ouvir-te para julgar; conheço a tua história desde que te vi pela primeira vez. Sou um “filho da Solitude” – acrescentou.
Fiquei em silêncio, pois me confundia a ideia de que ele já sabia de tudo. Percebendo isso, o Rai falou:
“Continua, filho. Conta-me tudo; desejo conhecer os fatos pelos teus lábios, pois estou interessado em tua pessoa”.
Então retomei a história interrompida e descrevi minhas homenagens a Incal e a petição por seu auxílio -, sua rápida resposta à minha prece; a erupção do vulcão e o perigo que isso representou para mim. Sobre isto disse o Rai:
“Então testemunhaste pessoalmente aquela explosão das forças terrestres? Fui informado de que ela provocou grandes mudanças locais e que agora há um extenso lago onde não havia lago algum, ao pé do Rhok. Ele mede nove vens”.
Eu ainda era pouco sofisticado para me sentir curioso em saber se o Rai havia visto a erupção, pois eu não compreendia o significado de ele ser Filho da Solitude e conhecer todas as minhas aventuras, e embora não duvidasse que isso fosse um fato, atribuí esse conhecimento a um agudo julgamento de possibilidades; para aumentar minha falta de sofisticação perguntei ao Rai se ele tinha visto aquelas coisas. “Jovem inexperiente!” – disse o Monarca sorrindo –“poucas vezes encontro alguém tão franco! És mesmo um filho das montanhas! Mas temo que não o serás por muito tempo, no ambiente em que ora te encontras! Responderei tua pergunta.
“Nenhuma grande convulsão da natureza pode ocorrer que não seja automaticamente registrada quanto à sua extensão aproximada e à sua localização; uma prova fotográfica de cada parte da localidade afetada é mostrada a cada instante. No caso em questão, tudo que tive a fazer foi ir até o gabinete apropriado, que fica neste edifício, e toda a cena se desenrolou diante de mim tão vividamente quanto deve ter se mostrado para ti, pois pude ver a explosão, e até ouvi-la, por meio do naim. E verdade que ao que vi faltava um elemento que o tornou um pouco mais vivido para ti do que para mim, que foi o do perigo físico; mas como para mim esse perigo não existe – um dia saberás por que – a cena para mim esteve completa e não faltou nenhum elemento que minha presença real tivesse podido acrescentar”.
Fiquei profundamente maravilhado com as instrumentalidades descritas pelo Rai Gwauxln e ponderei com deleite na possibilidade de algum dia conhecê-las pessoalmente e ter acesso a elas. O Rai continuou:
“Dissestes que encontrastes um tesouro de ouro nativo em dois locais separados. Procurastes reaver o que obtivestes antes da erupção? Não? Isso importa pouco. Zailm, é fato conhecido que a ignorância da lei não é uma desculpa válida para desobedecê-la.”
O rosto do Rai tinha se tornado muito grave e senti uma impressão nada agradável.
“Contudo, estou convencido de que nada sabias sobre a violação dos estatutos quando deixaste de comunicar o achado. Por isso não te punirei”. Aqui o imperador fez uma pausa, perdendo-se em pensamentos, enquanto eu, que até então havia ignorado que tivesse feito algo que violasse a lei, empalideci tanto que Gwauxln sorriu de leve e disse:
“Mas aqueles que agora exploram essa mina e os que recebem o pó de ouro e o mineral ali produzido não escaparão. No caso deles é um crime consciente, agravado pelo fato de que eles não desconhecem a lei e ainda por cima te defraudam. De ti exigirei apenas a expiação que possa existir em denunciar seus nomes.”
Obedeci essa ordem, embora pensasse com tristeza nas esposas e filhos daqueles ladrões, que eram inocentes. Deveriam sofrer da mesma forma que os transgressores? O Rai pareceu conhecer meu pensamento. Se não o conheceu, falou como se concordasse comigo, dizendo:
“Esses homens têm esposa, família?”
“Sim, é verdade!” – repliquei com tanto ardor que o monarca novamente sorriu e eu, encorajado, supliquei que fosse clemente por causa dos inocentes.
“Nada sabes sobre nosso sistema de punição, Zailm?”
“Muito pouco, Zo Rai; ouvi dizer que nenhum malfeitor sai das mãos da justiça sem ter se tornado alguém melhor, mas imagino que o tratamento seja bastante severo”.
“Quanto a severidade, a resposta é não. Quanto ao outro ponto, se os homens são reformados após terem errado, para que não incorram novamente em erro, não redundaria isso em vantagem para as esposas e filhos dos criminosos? Mandarei que esses homens sejam trazidos ao tribunal competente e tu testemunharás o processo de reforma. Julgo que depois disso desejaras aprender anatomia e a ciência da punição reformatória, em acréscimo aos teus outros estudos em Xio. Além disso, asseguro-te que em caso algum sofrerás o confisco daquela mina, que será tua propriedade-, se a doares ao tesouro nacional, enquanto fores estudante não te faltará dinheiro. Mais tarde, quando os anos de estudo tiverem passado, se tiveres êxito como aluno, ah!, então te nomearei superintendente da mina. E se te mostrares fiel quanto a isso, farei de ti um senhor de muitas coisas. Tenho dito”.
Rai Gwauxln tocou num botão e imediatamente um serviçal entrou. A ele o Rai incumbiu de nos acompanhar, dizendo: “Que a paz de Incal esteja com ambos”.
Assim terminou a audiência que influenciou o curso dos anos e modelou a grande árvore da vida, fazendo-me sentir orgulhosamente um depositário da confiança de um amigo reverenciado. Esse estado de consciência sempre se mostrou muito potente neste mundo de provas e tentações.
CAPÍTULO 6 - Nenhum bem pode perecer
Chamo a atenção para um período de tempo abrangendo quase 11.340 anos, anterior ao reinado de Gwauxln, período esse que inclui os principais acontecimentos da história de Poseid. Esse intervalo de tempo, não obstante sua longa duração, foi singularmente isento de guerras destrutivas e, embora não tenha sido totalmente livre de eventos marciais, foi com certeza mais pacífico do que qualquer época mundial de igual extensão que tenha ocorrido nos cento e vinte séculos que abrangem os incidentes desta história.
Ao iniciar-se o período em questão, os poseidanos, uma numerosa e poderosa raça de montanheses, no máximo semicivilizada mas de físico esplêndido, tinham se precipitado “como lobos” e, em muitos embates sanguinários, finalmente subjugado o povo pastoril das planícies, os atlântidas. A guerra foi longa e feroz, consumindo muitos anos. A admirável bravura das tribos das montanhas encontrou uma reação de quase idêntica força na desesperada coragem de seus primitivos inimigos; um corpo de combatentes lutou por sua vida e, como os sabinos em Roma, pela preservação de suas mulheres da captura por tribos que queriam obter companheiras, enquanto a outra parte lutava com o desejo da conquista, como os romanos, e para conseguir esposas. Foi a estratégia superior que finalmente deu a vitória às hostes poseidanas.
Com o passar do tempo, a miscigenação entre as raças obliterou todas as diferenças e essa união resultou na formação da mais grandiosa nação da Terra. Guerras civis inconseqüentes por várias vezes produziram mudanças na organização política, de forma que Poseid se viu governada por autocratas absolutistas, por oligarcas, por dirigentes masculinos e femininos, finalmente por um sistema monárquico republicano, do qual Rai Gwauxln era a cabeça, quando vivi na Atlântida como Zailm. Gwauxln provinha de uma longa linha de honrados ancestrais e sua casa por várias vezes havia fornecido candidatos valiosos colocados no trono pelo povo, nos sete séculos do atual sistema politico.
Esta é a sinopse da história de Poseid que encontrei num volume retirado da biblioteca de Agacoe. Eu poderia relatar outros fetos, outras características daquele longo período histórico, e mostrar como Poseid fundou grandes colônias nas Américas do Norte (Incalia) e do Sul (Umaur), e nos três grandes remanescentes da Lemúria, da qual a Austrália representa um terço do que sobrou no mundo após o cataclismo que afundou a Atlântida; também poderia falar sobre como a Atlântida fundou certas colônias na Europa, numa época em que a EUROPA OCIDENTAL AINDA não existia, bem como em partes da Ásia (Suernis) e da África (Necropan). Mas não o farei, muito embora faça referências em certos pontos a nossas possessões Umauranas (em Umaur, atual América do Sul), quando essas referências sejam relevantes para o tema desta história.
Fatigado de ficar até tarde lendo a absorvente história, levantei e saí para a tranqüila rua em aclive onde ficava minha casa, e meus olhos cansados contemplaram um cenário que, à gloriosa luz da Lua, tinha a beleza dos contos de fadas. Na parte baixa da rua, bem perto, havia um lago em miniatura, que embora tivesse a aparência de lago era na realidade um tanque de bom tamanho. Pequeninas praias, seguidas por margens abruptas, cobertas de flores; o canto do nossuri (um pássaro de Atlântida) e as vozes de várias outras aves e animais noturnos misturavam-se ao som macio de água caindo, a voz da cascata que alimentava o pequeno lago, belo como uma joia.
De algum lugar vinha o som de flautas, harpas e violas tocando em harmonia, elevando-se em poderosa cadência ou suavizando-se com sonhadora languidez, conforme a brisa soprava com maior ou menor intensidade. Por sobre isso tudo brilhavam os raios prateados de Nosses, (Lua) redonda como um escudo em sua suave radiosidade, bela, oh! Tão bela! Depois de algum tempo voltei as costas ao lago e olhei para o declive onde algumas pessoas ainda estavam caminhando apesar da hora tardia, a décima quarta desde o início do dia no meridiano. Aqui e ali eu podia ver os raios brancos e luminosos das lâmpadas acesas nas casas dos vizinhos, brilhando e revelando a presença de singulares portas e janelas.
Mas não olhei para essas luzes por muito tempo. Era impossível, com o grande Maxt, a maior torre já construída pelo homem no mundo, elevando-se em perspectiva. Ela parecia subir da própria boca da rua, que formava uma garganta, e nada havia entre ela e eu para atrapalhar a visão. Embora aparentemente estivesse bem próxima, ficava a uma milha de distância de minha morada. Agora neste ano de 1886 d.C, os químicos consideram caro o processo de produção do metal alumínio. Naquele tempo, as forças do Lado (Feminino) Noite tornavam barata a produção de qualquer metal encontrado na natureza, puro ou misturado com outros minerais.
Tal como poderia ser feito hoje, se apenas tua ciência soubesse o método – e não está longe o dia em que ela descobrirá esse conhecimento – naquele tempo transmutávamos a argila, primeiro elevando sua velocidade atômica para que se transformasse em luz branca palidamente luminosa e depois reduzindo-a, por assim dizer, ao “marco inicial” do alumínio, a um custo que não alcançava o que exige nestes dias modernos a obtenção do ferro de minerais terrosos. As minas de metais brutos como ouro, prata, cobre e tantos outros eram valiosas naquele tempo como o são agora, e não requeriam outro processamento além do derretimento. Mas um metal que podia ser encontrado em qualquer camada de ardósia ou leito de argila era tão barato que se tornou o metal básico para uso geral.
A gigantesca torre de Maxt fora construída de alumínio. De onde eu estava podia ver sua base, um enorme cubo de alvenaria, depois o corpo redondo com superestrutura de metal sólido que formava a torre propriamente dita, uma coluna de cor branca opaca, afilada em cima, e que eu via iluminada pelos raios lunares. Meu olhar a examinou da base para o alto até descansar no topo, um ápice com quase três mil pés (912 metros) de altura. Fascinado por essa triunfal torre que dominava o cenário, olhei para a ponta que parecia perfurar o céu, sentinela guardando a cidade-jardim, desviando os raios quando o senhor das tempestades estava à solta. Meu pensamento se voltou completamente para sua grandiosidade e majestosa beleza.
“Quantas, quantas vezes, Em dias que já se foram. . . “
Fiquei parado, embevecido com alguma coisa bela da paisagem, ou com algo sublime, obra de Deus ou do homem – Deus no homem! Sempre que assim contemplei, minha alma cantou em louvor e meu hálito foi o sopro da inspiração. Nesse tipo de experiência sempre a alma, do homem ou da fera, dá um passo para a frente. Por mais que uma alma esteja embebida em pecado ou desalento, duas palavras sinônimas, uma inspiração a envolve e a afasta um pouco de sua sordidez, de sua dor, de sua febre. Portanto as glórias e maravilhas da Atlântida não foram em vão. Tu e eu, leitor, as vivenciamos então e antes, no tempo. As glórias daqueles séculos há muito mortos, vistas por nós, encastelaram-se em nossa alma e fizeram-nos em grande parte o que somos, influenciaram nossos atos, afagaram-nos com sua beleza.
Que importa, pois, que as formas do obscuro e misterioso passado tenham sido apagadas e só existam no registro do grande livro da vida, a alma? Sua influência vive perenemente. Não devemos então nos esforçar para que nossos labores sejam nobres, vivendo em alma e espírito, e para que possam ser vistos por nós e por outros assim como eu agora olho para o registro do meu passado morto e no entanto cheio de vida?
É uma grande alegria ter alcançado as eminências do espírito que me permitem ver a história das vidas das quais saí pelo portal da tumba; vidas que agora examino com os olhos de uma personalidade diferente, a personalidade maior (a ALMA) de todas, engastada na longa corrente da vida como pérola num fio, ensinando-me que EU SOU EU!
Algumas dessas pérolas são sem lustro, outras são negras, brancas, rosadas, algumas até são vermelhas! Se as lágrimas pudessem ser adicionadas ao seu número, eu teria mais, tantas mais!. . . pois as brancas são tão poucas, enquanto as cinzentas, negras e vermelhas são tantas. . . Mas minha pérola de maior preço é minha última vida.
É branca e meu Mestre lapidou-a para que fosse cruciforme. Quando Ele a entregou a mim, disse: “Está feito”. Verdadeiramente assim é! Ela marca a junção do finito com o infinito. E assim seu período ficou marcado para sempre, a menos que eu faça outra escolha.
Chamo a atenção para um período de tempo abrangendo quase 11.340 anos, anterior ao reinado de Gwauxln, período esse que inclui os principais acontecimentos da história de Poseid. Esse intervalo de tempo, não obstante sua longa duração, foi singularmente isento de guerras destrutivas e, embora não tenha sido totalmente livre de eventos marciais, foi com certeza mais pacífico do que qualquer época mundial de igual extensão que tenha ocorrido nos cento e vinte séculos que abrangem os incidentes desta história.
Ao iniciar-se o período em questão, os poseidanos, uma numerosa e poderosa raça de montanheses, no máximo semicivilizada mas de físico esplêndido, tinham se precipitado “como lobos” e, em muitos embates sanguinários, finalmente subjugado o povo pastoril das planícies, os atlântidas. A guerra foi longa e feroz, consumindo muitos anos. A admirável bravura das tribos das montanhas encontrou uma reação de quase idêntica força na desesperada coragem de seus primitivos inimigos; um corpo de combatentes lutou por sua vida e, como os sabinos em Roma, pela preservação de suas mulheres da captura por tribos que queriam obter companheiras, enquanto a outra parte lutava com o desejo da conquista, como os romanos, e para conseguir esposas. Foi a estratégia superior que finalmente deu a vitória às hostes poseidanas.
Com o passar do tempo, a miscigenação entre as raças obliterou todas as diferenças e essa união resultou na formação da mais grandiosa nação da Terra. Guerras civis inconseqüentes por várias vezes produziram mudanças na organização política, de forma que Poseid se viu governada por autocratas absolutistas, por oligarcas, por dirigentes masculinos e femininos, finalmente por um sistema monárquico republicano, do qual Rai Gwauxln era a cabeça, quando vivi na Atlântida como Zailm. Gwauxln provinha de uma longa linha de honrados ancestrais e sua casa por várias vezes havia fornecido candidatos valiosos colocados no trono pelo povo, nos sete séculos do atual sistema politico.
Esta é a sinopse da história de Poseid que encontrei num volume retirado da biblioteca de Agacoe. Eu poderia relatar outros fetos, outras características daquele longo período histórico, e mostrar como Poseid fundou grandes colônias nas Américas do Norte (Incalia) e do Sul (Umaur), e nos três grandes remanescentes da Lemúria, da qual a Austrália representa um terço do que sobrou no mundo após o cataclismo que afundou a Atlântida; também poderia falar sobre como a Atlântida fundou certas colônias na Europa, numa época em que a EUROPA OCIDENTAL AINDA não existia, bem como em partes da Ásia (Suernis) e da África (Necropan). Mas não o farei, muito embora faça referências em certos pontos a nossas possessões Umauranas (em Umaur, atual América do Sul), quando essas referências sejam relevantes para o tema desta história.
Fatigado de ficar até tarde lendo a absorvente história, levantei e saí para a tranqüila rua em aclive onde ficava minha casa, e meus olhos cansados contemplaram um cenário que, à gloriosa luz da Lua, tinha a beleza dos contos de fadas. Na parte baixa da rua, bem perto, havia um lago em miniatura, que embora tivesse a aparência de lago era na realidade um tanque de bom tamanho. Pequeninas praias, seguidas por margens abruptas, cobertas de flores; o canto do nossuri (um pássaro de Atlântida) e as vozes de várias outras aves e animais noturnos misturavam-se ao som macio de água caindo, a voz da cascata que alimentava o pequeno lago, belo como uma joia.
De algum lugar vinha o som de flautas, harpas e violas tocando em harmonia, elevando-se em poderosa cadência ou suavizando-se com sonhadora languidez, conforme a brisa soprava com maior ou menor intensidade. Por sobre isso tudo brilhavam os raios prateados de Nosses, (Lua) redonda como um escudo em sua suave radiosidade, bela, oh! Tão bela! Depois de algum tempo voltei as costas ao lago e olhei para o declive onde algumas pessoas ainda estavam caminhando apesar da hora tardia, a décima quarta desde o início do dia no meridiano. Aqui e ali eu podia ver os raios brancos e luminosos das lâmpadas acesas nas casas dos vizinhos, brilhando e revelando a presença de singulares portas e janelas.
Mas não olhei para essas luzes por muito tempo. Era impossível, com o grande Maxt, a maior torre já construída pelo homem no mundo, elevando-se em perspectiva. Ela parecia subir da própria boca da rua, que formava uma garganta, e nada havia entre ela e eu para atrapalhar a visão. Embora aparentemente estivesse bem próxima, ficava a uma milha de distância de minha morada. Agora neste ano de 1886 d.C, os químicos consideram caro o processo de produção do metal alumínio. Naquele tempo, as forças do Lado (Feminino) Noite tornavam barata a produção de qualquer metal encontrado na natureza, puro ou misturado com outros minerais.
Tal como poderia ser feito hoje, se apenas tua ciência soubesse o método – e não está longe o dia em que ela descobrirá esse conhecimento – naquele tempo transmutávamos a argila, primeiro elevando sua velocidade atômica para que se transformasse em luz branca palidamente luminosa e depois reduzindo-a, por assim dizer, ao “marco inicial” do alumínio, a um custo que não alcançava o que exige nestes dias modernos a obtenção do ferro de minerais terrosos. As minas de metais brutos como ouro, prata, cobre e tantos outros eram valiosas naquele tempo como o são agora, e não requeriam outro processamento além do derretimento. Mas um metal que podia ser encontrado em qualquer camada de ardósia ou leito de argila era tão barato que se tornou o metal básico para uso geral.
A gigantesca torre de Maxt fora construída de alumínio. De onde eu estava podia ver sua base, um enorme cubo de alvenaria, depois o corpo redondo com superestrutura de metal sólido que formava a torre propriamente dita, uma coluna de cor branca opaca, afilada em cima, e que eu via iluminada pelos raios lunares. Meu olhar a examinou da base para o alto até descansar no topo, um ápice com quase três mil pés (912 metros) de altura. Fascinado por essa triunfal torre que dominava o cenário, olhei para a ponta que parecia perfurar o céu, sentinela guardando a cidade-jardim, desviando os raios quando o senhor das tempestades estava à solta. Meu pensamento se voltou completamente para sua grandiosidade e majestosa beleza.
“Quantas, quantas vezes, Em dias que já se foram. . . “
Fiquei parado, embevecido com alguma coisa bela da paisagem, ou com algo sublime, obra de Deus ou do homem – Deus no homem! Sempre que assim contemplei, minha alma cantou em louvor e meu hálito foi o sopro da inspiração. Nesse tipo de experiência sempre a alma, do homem ou da fera, dá um passo para a frente. Por mais que uma alma esteja embebida em pecado ou desalento, duas palavras sinônimas, uma inspiração a envolve e a afasta um pouco de sua sordidez, de sua dor, de sua febre. Portanto as glórias e maravilhas da Atlântida não foram em vão. Tu e eu, leitor, as vivenciamos então e antes, no tempo. As glórias daqueles séculos há muito mortos, vistas por nós, encastelaram-se em nossa alma e fizeram-nos em grande parte o que somos, influenciaram nossos atos, afagaram-nos com sua beleza.
Que importa, pois, que as formas do obscuro e misterioso passado tenham sido apagadas e só existam no registro do grande livro da vida, a alma? Sua influência vive perenemente. Não devemos então nos esforçar para que nossos labores sejam nobres, vivendo em alma e espírito, e para que possam ser vistos por nós e por outros assim como eu agora olho para o registro do meu passado morto e no entanto cheio de vida?
É uma grande alegria ter alcançado as eminências do espírito que me permitem ver a história das vidas das quais saí pelo portal da tumba; vidas que agora examino com os olhos de uma personalidade diferente, a personalidade maior (a ALMA) de todas, engastada na longa corrente da vida como pérola num fio, ensinando-me que EU SOU EU!
Algumas dessas pérolas são sem lustro, outras são negras, brancas, rosadas, algumas até são vermelhas! Se as lágrimas pudessem ser adicionadas ao seu número, eu teria mais, tantas mais!. . . pois as brancas são tão poucas, enquanto as cinzentas, negras e vermelhas são tantas. . . Mas minha pérola de maior preço é minha última vida.
É branca e meu Mestre lapidou-a para que fosse cruciforme. Quando Ele a entregou a mim, disse: “Está feito”. Verdadeiramente assim é! Ela marca a junção do finito com o infinito. E assim seu período ficou marcado para sempre, a menos que eu faça outra escolha.
CAPÍTULO 7 - DOMINA A TI MESMO
CAPÍTULO 7 - DOMINA A TI MESMO
Foi no período do intervalo anual dos estudos que cheguei à capital. Os Xioqua e os Incala participavam dessas férias, a maioria procurava primeiro pelos seus lares, por uma temporada de descanso, mas em geral logo voltavam à Capital para usufruir dos programas especiais de lazer. Alguns, entretanto, dirigiam-se por mar para ( a colônia de) Umaur (América do Sul) ou para Incalia (América do Norte), ou seja, sul ou norte da América, respectivamente, outros se limitavam a visitar as províncias mais distantes da própria Atlântida.
Até agora, caro leitor, tiveste de tentar adivinhar que tipo de religião seria o culto a Incal; podes inclusive ter inferido que os poseidanos eram politeístas, por causa das referências que fiz a vários deuses deste ou daquele nome, classe ou grau. Na verdade eu disse que acreditávamos em Incal e o simbolizávamos na forma do Sol. Mas o Sol propriamente dito era apenas um emblema DELE. Afirmar que nós, a despeito de nosso esclarecimento, adorávamos o orbe do dia, séria tão absurdo quanto dizer que os católicos adorassem a cruz do Calvário pelo que ela é como objeto. Em ambos os casos foi o significado a eles atribuído que fez o Sol e a cruz receberem alguma espécie de consideração.
Os atlantes tinham a tendência de personificar os princípios da natureza e os objetos da terra, do mar e do ar. Isso era resultado do puro amor nacional pela poesia e poderia ser facilmente ligado ao favorecimento com que o gosto popular sempre tratara uma história épico-cronológica de Poseid, na qual os principais homens e mulheres figuravam como heróis e heroínas. Os poderes da natureza como o vento, a chuva, o raio, o calor, o frio e fenômenos afins eram deuses de variados graus, enquanto que o princípio germinativo da vida, o princípio destrutivo da morte e outros grandes mistérios eram caracterizados por deuses maiores.
Entretanto, todos e cada um desses deuses eram uma extensão do altíssimo Incal. Essa história épica foi contada em versos e rimas constituindo um poema em que todas as linhas denotavam o toque magistral do gênio. Supostamente foi seu autor um Filho da Solitude. Havia um adendo abrangendo acontecimentos e épocas posteriores, que era claramente um trabalho inferior, ao qual se atribuía menos valor que à parte principal do poema.
Temos como fato que o culto a Incal jamais abrangeu outra coisa além da adoração de Deus como entidade espiritual, e os “deuses” não eram incluídos nos serviços religiosos realizados nos dois domingos de cada semana, ou seja, o primeiro e décimo primeiro dia, pois a semana poseidana tinha onze dias, o mês compreendia três semanas, um ano onze meses, com um ou mais dias acrescentados ao final (como no nosso “ano bissexto”) conforme as exigências do calendário solar, sendo que esses dias a mais eram feriados, como o nosso Dia de Ano Novo atual. O feito de tantos deuses e deusas terem sido aparentemente venerados foi devido à influência nacional da história épica de que falei acima, sendo apenas um hábito mental falar a respeito deles.
Em nosso monoteísmo, diferíamos pouco da religião que domina a civilização hebraica; não reconhecíamos a Trindade divina, nem o espírito crístico, nem qualquer Salvador; só reconhecíamos a necessidade de agirmos da melhor maneira que nos fosse possível perante Incal. Considerávamos toda a raça humana filha de Deus, não apenas uma pessoa misteriosamente concebida como Seu único filho.
Milagres eram uma coisa impossível, pois considerávamos todas as coisas racionalmente passíveis de serem referidas a uma lei inegável. Mas os poseidanos acreditavam que Incal certa vez vivera em forma humana na Terra e depois lançara fora o grosseiro corpo mundano para assumir a forma de espírito livre.
Naquele tempo ele havia criado a humanidade e, como os poseidanos eram evolucionistas, a palavra “humanidade” também abrangia os animais inferiores. Com o decorrer do tempo, evoluiu o gênero homo na forma de um homem e uma mulher, quando então Incal colocou a mulher espiritualmente acima do homem, posição que ela perdeu pela tentativa de se deleitar com um fruto que crescia na árvore da Vida, no Jardim do Céu.
Segundo a lenda, ao agir dessa forma ela desobedeceu a Incal, que havia dito que Seus filhos mais superiores e avançados não deveriam provar daquele fruto, pois quem o fizesse certamente morreria, já que nenhum ser poderia ter a vida imortal e ao mesmo tempo reproduzir sua espécie. A lenda diz: “Eu disse a minhas criaturas, alcançai a perfeição e estudai-a sempre, e tereis a vida eterna. Mas aqueles que comerem dos frutos desta árvore não poderão conter o Eu”.
A punição que foi aplicada teve uma forma racionalista, já que a finalidade da mulher foi obter prazeres proibidos, o que ela, por não ser instruída, desconhecia. A mão com que ela pegou no fruto não firmou seu aperto e este se abriu, de modo que sua semente caiu na terra e se transformou em pedras de sílex, e o Fruto ainda aderido à árvore tornou-se igual a uma serpente de fogo (n.t. analogia à kundalini), cujo hálito queimou as mãos da culpada.
Sentindo grande dor, ela largou a Árvore da Vida e caiu no chão, jamais se recuperando totalmente dos seus ferimentos. E o homem se tornou superior pelo desenvolvimento de sua natureza, por causa da necessidade que sentiu de preservar a companheira e ele mesmo do frio e de condições semelhantes, trazidas pelas pedras de sílex (A última Era Glacial).
Tendo caído nessas condições materiais, a reprodução das espécies voltou a ser uma necessidade e a lei da continência, supostamente ordenada por Incal, foi violada. Então a morte (do corpo físico) voltou a ser parte do conhecimento humano e, até que a Palavra, o Verbo, fosse observado, nenhum ser humano conheceria a condição da não morte.
“DOMINA A TI MESMO! Desta capacidade de disciplina e autocontrole depende todo o conhecimento; nenhuma lei oculta é tão grandiosa quanto esta”.
“Use todas as coisas deste mundo sem abusar de nenhuma”. (I Corintios, 7, 31). Esta era a crença popular sobre a criação da humanidade por Incal. Os sumos sacerdotes seguiam uma religião que era virtualmente a essência, embora por razões óbvias o vulgo desconhecesse esse fato. A data dessa ocorrência mítica era teologicamente explicada como tendo acontecido pelo menos mil séculos antes (100 mil anos), e algumas autoridades a remontavam a um passado ainda mais distante. Não se supunha que Incal, o Pai da Vida, punisse Seus filhos, mas que apenas havia feito leis de natureza auto-executora, que eram fruto de Sua vontade imanente, e se alguém transgredisse essas leis seria inexoravelmente punido pela natureza, sendo inadmissível colocar uma causa em movimento sem o conseqüente efeito.
Se a causa fosse boa, bom também seria o seu efeito. Nisso eles estavam absolutamente corretos. Nenhum mediador pode evitar que soframos os resultados de nossas más ações.* A nação poseidana acreditava na existência de um céu de bons efeitos para os que pusessem boas causas em movimento, e que havia uma região cheia de maus efeitos para os maus; os dois locais eram adjacentes, e os que não fossem nem bons nem maus, supostamente viveriam num território intermediário, por assim dizer. Entretanto, ambas essas condições do pós-vida estavam inseridas na Terra das Sombras, pois poderíamos traduzir literalmente o termo “Navazzamin” como “O país das almas que partiram”. *NOTA: Não confundir “compensar” com “remir”. Cristo remiu, nós devemos fazer compensação.
Embora a religião de Incal fosse baseada em causa e efeito, havia uma leve incoerência na crença mais ou menos prevalecente de que Ele supostamente recompensaria os muito bons. Hoje, amigo, estás no umbral de um novo desabrochar. A religião de hoje ainda está tingida por esse conceito de um Criador onipotente mas antropomórfico, o que é legado de uma antigüidade já morta. Tu vives nos anos derradeiros de um antigo Ciclo Humano, o Sexto. Embora seja minha decisão não explicar o que isso significa, desejo-te a paz de Deus.
Mas direi que o novo conceito da Causa Eterna dessa humanidade será mais elevado, sublime, puro e amplo, uma maior aproximação do ilimitado, do que qualquer outro que eras há muito passadas já sonharam. Cristo efetivamente vive e está entre os Seus, que em breve o conhecerão como nenhum homem exotérico já o fez. Conhecendo-o, terão ciência das coisas do Pai e as farão, porque está escrito: “Faço a vontade de meu Pai”.
Em breve a fé será conhecimento. A crença será irmã gêmea da ciência e o Verbo arderá como um Sol de novo significado, pois a verdadeira religião significa “Eu faço a união”.
RESSURJAM CHRISTOS!
A Igreja (católica) Exotérica fechou as extremidades de Sua Cruz. Por isso ela é exotérica e nunca será esotérica até que abra os braços do Caminho de “Quatro Vias”. Abri os olhos e os ouvidos! “Não fecheis os braços de Minha Cruz”
CAPÍTULO 8 - UMA GRAVE PROFECIA
Era a primeira hora do primeiro dia do quinto mês após eu ter começado a freqüentar o Xioquithlon; era Bazix, conseqüentemente, a trigésima semana do ano, cujo fim se aproximava, restando Apenas três semanas para terminar o ano de 11.160 a.C.
Como o leitor já verificou, o dia para os poseidanos começava no meridiano e, portanto, a primeira hora do dia era contada do meio-dia à uma da tarde. A contar dessa hora, no último dia de cada semana até o final da vigésima quarta hora do dia seguinte, o primeiro dia da semana subseqüente, todos os negócios ficavam suspensos e o tempo era voltado para o culto religioso, uma observância que era imposta pela mais rígida de todas as leis, o costume. Hoje, em 1.886 d.C, existem os que argumentam que se um homem se empenha a semana inteira num trabalho sedentário, deve no domingo buscar a recreação natural, dedicando-se ociosamente a esportes atléticos ou a fatigantes passeios. Mas eu digo que assim como o corpo é a externalidade da alma, assim como é a alma também será o corpo.
Portanto, se a alma é de Deus, então voltar ao Pai com a freqüência possível é ser recriado, é obter repouso, renovação. Talvez não precise ser entre quatro paredes; melhor entre Suas obras (em meio à natureza), mas sempre com o pensamento natural, sem artificialidade, voltado principalmente para Ele. Por isso hoje continuo a favorecer a observância do Sabado, seja ele o sétimo ou qualquer outro dia da semana que atualmente tem sete dias, ou o décimo primeiro e o primeiro, como era na Atlântida.
Contudo, não farei de minhas preferências um argumento, apenas fazendo uma reasserção da bem conhecida lei psicológica segundo a qual um dia periódico de descanso é necessário para tua saúde, a felicidade e a espiritualidade. Na Atlântida, toda pessoa era livre para usar as horas da manhã, mesmo no décimo primeiro dia, da maneira que lhe fosse mais agradável, trabalhando ou se divertindo. Mas na primeira hora, um sino enorme e de bela tonalidade badalava com um som intenso e reverberante duas vezes, fazia uma pausa, e depois soava mais quatro vezes. Nesse momento cessavam todas as ocupações e se iniciava o culto religioso. No dia seguinte, o grande sino tocava novamente; outros sinos soavam em sincronia em toda a extensão do grande continente: O mesmo acontecia nas populosas colônias de Umaur e Incalia, com a diferença de tempo cuidadosamente calculada.
Havia um homem no grande templo de Incal em Caiphul que cumpria esse dever solene e docemente. Então o tempo de culto terminava e o resto do Inclut (primeiro dia) era dedicado a recreações de toda sorte. Não deve minha descrição levar-te a pensar que esse culto fosse de natureza tristonha ou severa; não o era, nem avançava pela noite adentro, mas só até o momento em que todas as luzes permitidas naquela oportunidade se tornassem da cor vermelho-carmim pela fusão da velocidade atômica da força ódica, formando uma combinação dos elementos da luz e do estrôncio, realizada nas estações ódicas.
Por volta da terceira hora após ter terminado o Dia-Solar, um acontecimento peculiar aconteceu em minha vida em Poseid. Caminhando vagarosamente para casa e não tendo ainda chamado um vailx, preferindo andar, tomado da sonhadora calma produzida por influência da música ouvida num concerto público realizado nos jardins de Agacoe, encontrei um homem velho de nobre porte, também a pé. Eu o havia visto muitas vezes em ocasiões anteriores e sabia ser um príncipe por causa do turbante cor de vinho. Ao vê-lo, na oportunidade de que falo, a direção de meu pensamento foi alterada e resolvi não ir diretamente para casa e permanecer na cidade por mais algum tempo, talvez toda a noite.
No momento em que tomei essa decisão, o homem sorriu, mas continuou a caminhar. Notei então que, embora parecesse mesmo o príncipe que eu tinha em mente, não se tratava da mesma pessoa; eu me iludira com certeza, pois seu turbante era branco puro, e não cor de vinho. Senti que ele tinha desejado falar comido mas por alguma razão não o fizera. Se eu estivesse por ali em uma hora mais tardia, poderia novamente encontrá-lo e descobrir o que ele tinha para me dizer. Ponderando nisso entrei num café localizado num dos túneis em forma de caverna, onde uma avenida transpunha uma colina; pedi o almoço e fiquei esperando ser servido. Nesse meio tempo entrou no local um xioquene, ou estudante, com quem eu havia
feito amizade, para fazer o mesmo que eu.
Almoçamos juntos e terminada a refeição fomos até o canal, onde tomamos um barco que era alugado por um homem pobre que ganhava a vida alugando esses barcos para quem gostasse dessa distração raramente utilizada por ser o vailx o transporte comum. Havia uma brisa fresca e navegamos na direção do oceano pela saída formada pelo Nomis, o grande rio que fazia um circuito completo da cidade, atravessando o fosso, ou canal, e depois desembocando no mar. Por causa desse demorado passeio não consegui voltar à avenida a não ser depois da caída da noite. Quando cheguei perto do ponto onde havia acontecido meu encontro com o desconhecido de turbante branco, desta vez de carro, vi sua imponente figura imóvel à luz brilhante da lua tropical.
Eu tinha desejado bastante re-vê-lo, e desta vez inclinei a cabeça numa saudação cortês. Diante disso o estranho disse: “Um momento! Eu gostaria de falar contigo, jovem, em particular.” Quase mecanicamente fiz o carro parar, obedecendo seu gesto indicando que eu descesse e, posicionando a alavanca para que o veículo se movesse à mesma velocidade de uma caminhada lenta, deixei que continuasse a se mover, sabendo que se ninguém o utilizasse logo chegaria a uma estação de parada onde se deteria automaticamente. Quando me vi diante do sacerdote, que é o que eu pensava que fosse, ele disse:
“Teu nome, pelo que julgo, é Zailm Numinos?”
“Sim, é esse o meu nome.”
“Eu te vi muitas vezes e estou informado a teu respeito. Tens uma louvável vontade de te aprimorares e alcançares elevadas honrarias entre os homens. Ainda és um menino, mas a bom caminho de teres êxito como homem, no sentido comum dado ao termo “êxito”. Um menino consciencioso entretanto, olhado com simpatia pelo soberano. Serás bem sucedido e chegarás a posições de elevada honra e abundância, e terás a consideração de todos os teus semelhantes. Contudo, não viverás o período completo concedido ao homem na Terra. Em tua breve vida conhecerás o amor. Vivenciarás a mais pura afeição que o homem é capaz de sentir por uma mulher. Mas não obstante tudo isso, esse não será um amor plenamente realizado neste período de existência”.
“E amarás novamente e derramaras lágrimas por causa disso. Farás algum bem ao mundo mas, ah, bastante mal também. E por causa de um destino sombrio, muitas tristezas te advirão. Por tua causa, alguém sofrerá profunda infelicidade e angústia; terás de pagar caro por isso e não estarás livre até que o tenhas feito. Entretanto, eis que nesta vida não te será exigido muito. Quando menos pensares em pecado, tropeçarás nele e cometerás uma grave ofensa que representará uma sina perseguidora e inexorável. Mesmo agora, nos teus dias de inocência, já palmilhas o caminho do destino”.
Ah, assim é. Certa vez chegaste perto de compreender a tua morte, que é apenas a menor parte do que te acontecerá; mas acordaste e fugiste das cavernas da montanha ardente para a segurança.Não obstante, pássaras finalmente para Navazzamin, o inundo das almas que daqui partem e -atenta! – eu te digo que perecerás numa caverna. E eu serei o último ser vivo em quem o teu olhar de poseidano pousará. Não terei então a aparência que tenho agora e não saberás que sou aquele que dará fim ao malfeitor que te terá atraído insidiosamente para a tua destruição. Tenho dito. Que a paz esteja contigo.”
Muito me espantei ao ouvir essas palavras, julgando a princípio que quem as pronunciara tivesse fugido do Nossinithlon (literalmente a “Casa dos Lunáticos” ou pessoas loucas), isso a despeito das circunstâncias em que nos havíamos encontrado. Mas à medida que ele falava eu me convencia de que tinha feito um julgamento falso. Finalmente, confuso, olhei para o chão, não sabendo o que pensar, tomado por um indefinível temor. Quando ele se calou e me desejou paz, levantei os olhos para fitá-lo de frente e, para meu espanto, não vi mais viva alma, pois eu estava sozinho na grande praça com uma fonte no centro, cujo jato parecia praia líquida à luz da Lua. Olhei para todos os lados. Teria sonhado? Certamente não. Seriam as palavras do misterioso estranho verdadeiras ou falsas? O tempo satisfará tua curiosidade, amigo, assim como satisfez a minha.
CAPÍTULO 9 - A CURA DO CRIME
Nos quatro anos que se seguiram ao meu estranho encontro com o homem alto e ereto, de cabelos brancos, que havia profetizado acontecimentos a mim ligados, estes se sucederam em harmonia com sua predição. Nunca mais nos havíamos visto, a não ser uma vez, antes de minha morte. Antes de continuar, devo lembrar e em seguida tirar de cena meus sócios na mina de ouro e o homem que comprou o ouro sabendo que esse ato era ilegal.
Vários meses tinham se passado desde minha entrevista com o Rai Gwauxln em seus aposentos particulares, quando um jovem usando um turbante de cor laranja com um alfinete de ouro e uma granada nele engastada, o que o distinguia como um guarda do serviço imperial, entrou na sala de geologia do Xioquithlon e, dirigindo-se ao instrutor-chefe, falou com ele em voz baixa. Batendo na mesa para chamar a atenção dos noventa ou mais alunos que assistiam à aula sobre minerais, o chefe perguntou se um Xioquene de nome Zailm Numinos estava presente.
Levantei em resposta à pergunta, apresentando-me. “Vem até aqui.” Os outros Xioquene observaram com interesse quando me dirigi à frente da sala, não sem alguma agitação pois eu sabia muito bem qual serviço era representado pelo mensageiro, e o instrutor falara num tom severo nada agradável. “Este mensageiro deseja que o acompanhes à presença do Rai, pois este assim ordenou. Ele está nas Tribunas da Corte Criminal e precisa de ti como testemunha.” Lembrando o que o Rai havia dito, fiquei mais confiante pela importância das palavras a mim dirigidas e, já não estando tão apreensivo, fiz o que pediam. Chegando à Corte dos Tribunos, vi meus sócios na mina de ouro ali, sob custódia, junto com o comprador do ouro que também havia sido indiciado.
O juiz estava sentado no divã judicial em sua plataforma elevada e ao seu lado estava sentado, com simples dignidade, o Rai Gwauxln, Rai (o rei) da maior nação da Terra de então, apesar de sua posição, ele observava respeitosamente o feito de que o juiz tinha a precedência enquanto na corte. Vários espectadores estavam sentados nos assentos providenciados para o público no auditório. Só podia ser dado um veredito relativo aos contraventores: “Culpados”. Esta decisão foi tomada rapidamente e os réus admitiram esse fato. Imediatamente um dos funcionários judiciais levou os prisioneiros a outra parte do edifício onde havia um aposento bem iluminado, aparelhado com vários instrumentos portáteis e fixos. Ele foi acompanhado por todos os presentes.
Uma cadeira com encosto para a cabeça, com presilhas, e outros encostos com presilhas e tiras de couro para prender os membros e o corpo do ocupante estava no centro da sala. Um guarda fez sentar um dos prisioneiros e prendeu-o firmemente na cadeira. Tendo sido tomada essa medida preliminar, um Xioqa se aproximou, trazendo nas mãos um pequeno instrumento que percebi ser de natureza magnética, por sua aparência. Ele colocou os dois pólos do mesmo nas mãos do homem condenado e, após uma breve manipulação, ouviu-se um som leve e ronronante. No mesmo instante os olhos do prisioneiro se fecharam e sua aparência denotou um profundo estupor.
Na realidade, ele fora magneticamente anestesiado. Então o operador apalpou cuidadosamente todo o crânio do homem inconsciente; concluído o exame, ordenou ao seu atendente que raspasse todo o cabelo. Quando essa ordem tinha sido cumprida, ele fez uma marca azul na superfície raspada, na frente e acima das orelhas. Continuando a apalpar, escreveu o numeral poseidano 2, acima e um pouco atrás de cada orelha. Feito isso, voltou a atenção para os espectadores mas, ouvindo as palavras do Rai Gwauxln, fez uma pausa antes do discurso que se propusera fazer aos presentes e me chamou para o seu lado, para onde me dirigi, deixando o local onde estava, além da grade. Então ele falou:
“Neste prisioneiro, verifiquei que as faculdades dominantes e mais positivas são as que marquei um e dois; o número um é um ambicioso desejo de ter propriedades, e sua disposição é fazer todas as coisas secretamente, como se pode ver pela proeminência excessiva dos órgãos do sigilo. Como o crânio não se alongasse muito para cima, mas é bastante largo entre as orelhas, no número dois, concluo que temos aqui um indivíduo muito ganancioso a quem faltam consciência e espiritualidade e, por conseqüência, uma natureza moral, quase que totalmente. Como ele também possui um temperamento muito destrutivo, temos aqui uma pessoa muito perigosa e me surpreende que ainda não tenha vindo a este lugar para ser corrigido.
Por que alguém hesitaria em se submeter a um tratamento corretivo voluntário, causa-me estranheza. Suponho que seja algo explicável pela teoria de que alguém que esteja no baixo plano moral deste pobre homem é incapaz de perceber a vantagem de se encontrar num plano superior, mas é capaz de ver as vantagens imediatas de seguir métodos execrâveis para atingir seus objetivos. Em resumo, trata-se de um homem que não hesitaria em cometer um assassinato se isso lhe desse um ganho imediato, sem ter ideia das conseqüências futuras de seu ato. Isto é verdade, Zo Rai?” “Sim”, respondeu o Rai. “Tendo meu diagnóstico deste caso”, continuou o Xioqa, “sido confirmado por tão alta autoridade, farei a aplicação da cura”.
Ele chamou um atendente, que se aproximou com outro aparelho magnético sobre rodas, contido numa pesada caixa de metal, tendo colocado o mesmo em atividade de forma satisfatória. O Xioqa aplicou seu pólo positivo no ponto marcado pelo número um na cabeça do prisioneiro e o outro pólo na nuca. Então pegou seu marcador de tempo e colocou-o sobre a caixa de metal do instrumento, perto de um dial cujo ponteiro ele ajustou. Houve silêncio geral, a não ser por conversas em voz muito baixa em várias partes da sala, durante a meia hora seguinte. Ao fim desse período o Xioqa se levantou de sua cadeira e mudou o pólo positivo para o lado oposto da cabeça do réu, onde estava a duplicata do número um.
Houve outra meia hora de espera silenciosa, só interrompida pela saída de alguns espectadores e entrada de outros. Quando a segunda meia hora passou, o operador passou o pólo para o local marcado “dois”. Desta vez só meia hora foi dada para os dois lados da cabeça. O imperador tinha me ordenado que ficasse na sala. Ele só havia ficado alguns instantes após o início da operação que não tinha novidades para ele. Ao final da sessão com o primeiro homem, este foi tirado da anestesia pela influência do aparelho magnético, cuja operação foi invertida numa segunda aplicação. O Xioqa fez uma preleção sobre o tema da operação enquanto o primeiro paciente era removido do local. Ele disse o seguinte ao grupo de espectadores que tinha aumentado bastante:
“Vistes o tratamento das qualidades mentais que tendiam, por sua proeminência, a distorcer sua natureza moral apenas parcialmente desenvolvida. O processo consistiu em atrofiar parcialmente os canais vasculares que irrigam a parte do cérebro onde se localizam os órgãos da ganância e da destruição. Mas dito isso, deveis observar que a alma é superior ao cérebro físico e é na alma, na natureza do homem, que residem essas tendências criminosas (sendo o cérebro e outros órgãos apenas a sede da expressão psíquica) – o escritório administrativo, por assim dizer. Portanto, a mera hipnotização desse homem não cumpriria nosso propósito.
No estado hipnótico há uma atração para dentro, e os vasos sangüíneos do cérebro se contraem e ficam parcialmente sem sangue; podem, inclusive, tornar-se fatalmente esvaziados. Esta arte é verdadeiramente muito perigosa. Mas o efeito oposto é produzido no afaísmo (o equivalente poseidano de “mesmerismo”). O cérebro fica cheio de sangue e a reversão do instrumento inicia o processo (hipnótico) afáico. Nesse momento a mente do operador pode assumir o controle da mente do paciente e sugerir à alma pecadora uma permanente cessação do pecado. Este homem foi tratado dessa forma, duplamente, porque o suprimento de sangue foi parcialmente interrompido para os órgãos que sediam sua fraqueza, mas também, através de minha vontade, comuniquei à alma que deixasse de errar e incumbi-a de executar um trabalho que terá uma ação contrária.
Ele poderá se sentir adoentado por alguns dias, mas suas tendências pecaminosas terão desaparecido. É preciso uma mente superior, que tenha cometido erros de diferentes espécies, para termos um malfeitor bem-sucedido, e onde estiver a natureza mais baixa, principalmente uma natureza sexual pervertida, estará o criminoso. Na Atlântida ele não tem saída, pois, se uma pessoa denota essa disposição, o Estado a toma pela mão e age sobre os órgãos pertinentes. Mas creio que não é necessário que eu me alongue mais sobre este assunto.” Tendo o primeiro homem sido levado para receber cuidados, o segundo dos meus sócios foi colocado na cadeira.
O exame do desenvolvimento cerebral revelou que ele era mais um fraco que um malvado: um prevaricador habitual e com tendências libertinas; tinha um crânio que estava colocado principalmente para trás e para cima das orelhas. Não acho necessário descrever seu tratamento, que seguiu as mesmas linhas do anterior; a sugestão (hipnótica) mesmérica foi o principal método de cura. Ao voltar para casa aquela tarde, decidi acrescentar a ciência da frenologia profilática ao meu currículo. E assim fiz.
Pela prática do conhecimento dos homens, que então eu adquiri, eu interferi com o carma de não poucos indivíduos, mas, como o resultado provou, a interferência não foi em nenhum, prejudicial, de modo que eu não tenho para responder por nenhum dano provocado. De vez em quando eu desejei que eu mesmo tivesse me submetido para tratamento nas mãos do Estado, por que se isso tivesse sido feito, no mínimo, eu teria evitado o cometimento de erros que causaram muita miséria mais tarde, para mim, e para os outros, por mim provocado.
Que eu não o tivesse feito, foi assim, melhor, mas também porque ninguém pode de qualquer forma que seja, fugir das suas próprias responsabilidades com seu personagem, com o carma de todas as suas encarnações anteriores. Pois ter assim eu mesmo me submetido à correção teria sido uma evasão do calvário (do carma e consequente aprendizado) que me esperava, uma espécie de tentativa covarde semelhante ao ato de um suicida que procura evitar problemas na terra praticando o suicídio, e que em cada vida assim terminada não se escapa de nada, nem um jota ou til da lei de Deus. Em vez disso, ele acumula suas montanhas de misérias e penalidades mais alto e prolonga através do karma inexorável, em mais outras encarnações terrenas, a sua própria angústia.
Assim é com os que morrem pela auto-destruição (suicídio); mas aqueles que morrem por causas inevitáveis involuntariamente, não são visitados por essas sanções. Então, os culpados Poseidanos que não poderiam evitar o tratamento foram sabiamente beneficiados, enquanto que para mim a submissão voluntária teria semeado dentes de dragão para o meu caminho futuro. As penalidades, aos que observam a Lei, não preocupam aqueles que a conhecem e, assim sabendo, se submetem à vontade de Deus, a aceitam, enfrentam e aprendem com o seu próprio carma.
CAPÍTULO 10 - REALIZAÇÃO
O governo estava acostumado a fiscalizar sistematicamente os mais proeminentes Xioqueni (estudantes) a quem concedia bolsas de estudo, mas a supervisão não era ostensiva; na verdade mal era percebida pelos que estavam sob sua paternal vigilância. Aqueles que além de serem inteligentes e estudiosos, aproximavam-se do final do seu termo colegial, eram admitidos às sessões do Conselho dos Noventa que não fossem de caráter executivo ou secreto. Havia alguns Xioqueni favoritos especiais que, mediante votos estritos, não eram excluídos de qualquer reunião dos conselheiros. Nenhum dos muitos milhares de estudantes deixava de dar valor ao menor «desses privilégios, pois além da honra que eles conferiam, as lições sobre a arte de governar que eles aprendiam representavam uma incalculável vantagem em sua formação.
Na segunda metade de meu quarto ano de freqüência à escola, procurou-me um certo Príncipe Menax que desejava saber se eu aceitaria o cargo de Secretário dos Registros, o qual me daria a oportunidade de me familiarizar com todos os detalhes do governo de Poseid. Ele assim falou: “Este é um privilégio verdadeiramente importante, que estou feliz em te oferecer porque tens capacidade de desempenhá-lo de modo a satisfazer o conselho. Esse cargo te colocará em estreito contato com o Rai e todos os príncipes, e também te dará certo grau de autoridade. Que me respondes?”
“Príncipe Menax, estou ciente de que esta é uma grande honra. Mas permite-me perguntar por que ofereces tão grande oportunidade a alguém que se considera um quase completo estranho para ti?” “Porque, Zailm Numinos, decidi que és digno e agora te dou ocasião para provar isso. Não és desconhecido para mim, embora eu o seja para ti; tenho confiança em ti; não queres me provar que essa confiança está bem fundamentada?” “Certamente.” “Pois então ergue tua mão direita para o fulgurante Incal e por esse símbolo sublime declara que em caso algum revelarás coisa alguma que se passe nas sessões secretas, e nenhum dos atos acontecidos no Salão Nobre das Leis.”
Fiz o voto e, ao fazê-lo, fiquei obrigado por um juramento inviolável aos olhos de todos os poseidanos. Dessa forma tornei-me um dos sete secretários não eleitos e não oficiais, que eram incumbidos de escrever os relatórios especiais e cuidar de muitos documentos de estado importantes. Certamente não era pequena essa distinção conferida a um dentre nove mil
Xioqueni, um homem ainda sem direito a voto numa nação de cerca de trezentos milhões de habitantes. Se por algum motivo eu pudesse atribuir esse fato ao meu mérito, nem por isso me consideraria melhor que cem dos meus colegas. O oferecimento se deveu em grande parte à minha popularidade pessoal junto aos poderosos, uma popularidade, entretanto, que eu não teria se não tivesse demonstrado em todos os campos a mesma sólida determinação que havia regido minhas ações no solitário pico do (Pitak) Rhok, a grande montanha.
O Príncipe Menax continuou, dizendo: “Gostaria de ver-te esta noite no meu palácio, se te for conveniente, pois tenho algumas coisas para te dizer. Agradar-me-ia provar teu erro em acreditar que me és desconhecido, apenas porque és um entre os muitos estudantes Xioqueni, cada um deles perseguindo igualmente o conhecimento. Partiu de mim e não do teu Xioql (preceptor-chefe), como imaginaste, o convite para assistires às sessões do conselho ordinário. Os Astiki (príncipes de estado) estão sempre muito interessados nos Xioqueni de maior mérito; por isso tantos pequenos deveres te foram dados a cumprir. Mas nada mais direi agora, para não atrapalhar tuas aulas. Lembra-te da hora marcada, a oitava.”
Menax exercia o mais alto cargo ministerial de todos os Astiki, pois era o primeiro-ministro e, como tal, principal consultor do Rai. Minha autoestima aumentou quando percebi que era contemplado com tão elevado favorecimento, mas isso me encheu de gratidão e não de convencimento. Tratava-se realmente de auto-estima, não de vaidade. Embora aquela não fosse minha primeira visita ao palácio desse príncipe, de forma alguma eu poderia dizer que estava familiarizado com o interior de seu astikithlon. Enrolando o meu melhor turbante verde em volta da cabeça e fechando-o com um alfinete que trazia uma pedra de quartzo cinzento com veios verdes como azinhavre nele engastada, o que denotava minha categoria social, entrei no naim e chamei um vailx citadino, como chamarias um taci.
O veículo logo chegou; embora pequeno, era amplo o bastante para acomodar dois, três e até quatro passageiros. Dando boa noite à minha mãe, logo me pus a caminho. O condutor me deixou sossegado e eu fiquei ouvindo a furiosa arremetida das torrentes de chuva que faziam a noite inclemente ao extremo. O palácio de Menax não ficava distante do cais interior do canal, no ponto mais próximo entre este e minha casa suburbana. A distância era de dez milhas e por isto a viagem aérea de lá até o canal durou o mesmo tempo que durou para o vailx encostar no amplo piso de mármore da estação, arrastando um pouco o fundo, anunciando assim a sua chegada.
Um sentinela se aproximou para saber o que eu queria e, tendo sido atendido, chamou um servidor para me escoltar até onde estava o príncipe Menax. Vários funcionários categorizados do séquito do príncipe estavam no grande aposento, laboriosamente ocupados em fazer nada em particular, ocupação na qual estavam sendo auxiliados por várias damas que residiam no palácio. O Príncipe Menax estava deitado num diva colocado na frente de uma grade cheia de pedaços de alguma substância refratária aquecida pela força universal.
No tempo que levou para o atendente me conduzir à presença do príncipe e anunciar minha chegada, tive oportunidade de notar um grupo de funcionários e senhoras reunidos no espaço ao redor de uma mulher de tão grande graça e beleza que nem sua evidente tristeza e aflição nem a distância entre a entrada e o canto onde ela estava sentada conseguiram ocultá-la completamente. Suas roupas, suas feições e sua tez mostravam que ela não era filha de Poseid, pois não tinha os olhos e cabelos escuros, e a pele clara mas distintamente acobreada. Aquela mulher triste e aflita era ao contrário disso tudo, pelo que minha rápida vista de olhos pôde discernir na distância que nos separava.
O príncipe Menax disse, saudando-me: “Sê bem-vindo. Senta-te. A noite está tempestuosa mas eu te conheço bem. Como prometeste vir, viestes.” Ele ficou em silêncio por algum tempo, olhando fixamente para a grelha que ardia, e então perguntou: “Zailm, tu participarás na competição em Xio nos nove dias reservados para o exame anual dos Xioqueni?” “Tenho essa intenção, meu Astika.” “Tens o direito de adiar o exame até o último ano do seu termo.” “É assim para todos os Xioqueni?” “Aprovo enfaticamente tua determinação. Eu mesmo agi assim, quando era estudante. Espero que sejas aprovado, para que te alegres com teu êxito, embora isso não diminua o número de teus anos de estudo. Mas o que acontecerá após o exame?
Terás um mês para fazer o que tiveres vontade. Quisera eu ter trinta e três dias de descanso dos meus deveres!” Menax fez uma pausa meditativa e continuou: “Zailm, tens algum plano especial para estas férias?” “Nenhum, meu príncipe.” “Nenhum. . . Muito bem. Agradar-te-ia me prestar um serviço, indo para um país distante para fazer-me esta gentileza? Após completares esse rápido dever, poderás ficar lá pelo tempo que quiseres, ou ir para onde a fantasia te chame.” Não vi razão para me negar a fazer o que ele queria, e como o serviço solicitado me levou a uma terra até aqui só de passagem mencionada, considero justificado prefaciar meu relato sobre aquela longínqua viagem com uma descrição de Suernis, hoje chamada como ÍNDIA, e de Necropan ou hoje o EGITO, as mais civilizadas nações que não estavam sob a supremacia E O GOVERNO de Poseid.
Quando as nações tentam tornar a religião absolutamente dominante em seus assuntos, o resultado não pode deixar de ser marcado pelo desastre. A política teocrática dos israelitas é uma ilustração disso e, como o leitor deve ter percebido há muito, Suernis (ÍNDIA) e Necropan (EGITO) foram exemplos ainda mais antigos na história do mundo. A razão disso não é a de que a religião seja um fracasso; a força deste registro de minha vida deve transmitir a verdade de que julgo nada haver de melhor do que a religião pura, sem máculas. Não, a razão por que uma teocracia bem-sucedida não pode durar é que a atenção de seus dirigentes deve ser dada às coisas espirituais para que o espiritual tenha êxito, e as coisas do Reino de Deus nunca podem ser as coisas da terra. Pelo menos não até que o homem esteja totalmente desenvolvido em seu sexto ou o princípio psíquico e tenha se purificado de toda mancha de animalidade, pelo fogo do Espírito.
Suernis e Necropan tinham uma civilização que hoje percebo ter sido tão adiantada quanto a nossa, embora diferente. Mas, porque não tinha quase nenhum ponto em comum com a de Poseid, o povo deste país a considerava com certo desprezo quando a ela se referia entre seus iguais. Entretanto, os poseidanos eram muito respeitosos em seus contatos com aqueles povos, por razões que ficarão claras no decorrer da narrativa.
As diferenças entre essas duas civilizações contemporâneas se encontravam no fato de que Poseid tendia para o cultivo das artes mecânicas (desenvolvimento e endeusamento da TECNOLOGIA), para as ciências ligadas às coisas materiais, e se contentava em aceitar sem questionamento a religião de seus ancestrais, enquanto que os suernis e necropanos davam grande importância a tudo que fosse oculto e tivesse significação religiosa – princípios verdadeiramente práticos, pois as leis ocultas têm influência sobre a materialidade – mas descuidavam-se dos assuntos materiais, salvo quanto à adequada manutenção da existência física.
Sua regra de vida estava resumida no princípio de não tomar grande conhecimento da existência presente e preocupar-se com o futuro. O princípio vital de Poseid era estender seu domínio sobre todas as coisas naturais (e se possível sobre todo o planeta). Havia os que filosofavam a respeito do espírito; eram os teóricos poseidanos, que desenhavam o quadro do destino da Atlântida. Eles apontavam para o fato de que nossos esplêndidos triunfos materiais, nossas artes, ciências e progresso, dependiam absolutamente da utilização do poder oculto extraído do Lado-Noite (feminino) da Natureza. Este fato era comparado com a verdade de que os misteriosos poderes dos suernis e necropanos deviam sua existência ao mesmo reino oculto, concluindo que com o tempo também daríamos menos importância ao progresso material e empregaríamos nossa energia em estudos ocultos.
Seus presságios (sobe o futuro de Atlântida-Poseid), por conseguinte, eram extremamente sombrios; mas, embora o povo os ouvisse com respeito, a incapacidade desses profetas para sugerir uma solução os tornava objeto de um secreto desprezo, a algum grau. Qualquer um que encontre defeitos no estado de coisas existente e se mostre obviamente incapaz de oferecer um substitutivo superior, não pode deixar de ser publicamente ridicularizado. Nós, poseidanos, sabíamos que as duas misteriosas nações de além-mar possuíam capacidades que virtualmente superava de longe nossas realizações, como o nosso poder de navegar pelo espaço aéreo e nas profundezas das águas, nossos velozes carros, nossas embarcações submarinas.
Não, eles não se jactavam de tais conveniências, pois não precisavam delas para levar adiante sua existência, não tendo o desejo, como supúnhamos, de terem tais aparelhos, talvez nosso desprezo fosse mais uma afetação que uma realidade, pois em nossos momentos de pensar mais sobriamente nós reconhecíamos sua supremacia com grande admiração. Mas com quem falaríamos, quem veríamos e ouviríamos, sendo vistos e ouvidos, no desejo de nos comunicarmos a qualquer distância e sem fios, por meio das correntes magnéticas do globo? Verdadeiramente, nunca conhecemos a dor da separação de nossos amigos; podíamos atender as demandas do comércio e transportar nossos exércitos em tempo de guerra em um dia para qualquer lugar do mundo, tudo isso enquanto nossos dispositivos mecânicos e elétricos estivessem disponíveis.
Mas de que valia toda essa esplêndida capacidade? Se um dos mais competentes Xioqueni fosse encerrado numa masmorra, todo o seu conhecimento seria nulo; privado de todos os implementos e meios costumeiros, ele não poderia ter a esperança de ver, ouvir ou escapar sem ajuda externa. Suas maravilhosas capacidades dependiam das criações de sua inteligência. Não era assim no caso dos suernis e necropanos. Nenhum poseidano saberia a maneira de aprisionar qualquer desses cidadãos. Se um suerni ou necropano fosse encerrado numa masmorra, simplesmente se levantaria e iria embora como Paulo de Tarso; podia ver e ouvir a qualquer distância, sem o naim (telefone); andar entre inimigos sem ser visto. De que valiam então nossos triunfos tecnológicos diante desses poderosos suernis e necropanos?
Que utilidade teriam nossos instrumentos de guerra contra esse tipo de povo, se um só de seus homens, olhando com olhos em que queimava a terrível luz do poder da vontade e usando contra nós as forças invisíveis do Lado- Noite (feminino da Natureza), poderia nos destruir como o faz o hálito ardente do fogo com as folhas verdes num campo incendiado? Nossos mísseis teriam alguma utilidade nesse caso? Se a pessoa contra quem fossem atirados poderia impedir seu trajeto rápido como um raio, fazendo-os cair a seus pés como a lanugem do cardo? E os explosivos mais poderosos que a nitroglicerina, atirados do céu de vailxes planando várias milhas acima no domo azul do firmamento? Seriam inúteis, pois o inimigo, com seu presciente olhar e perfeito controle de forças do Lado-Noite que desconhecíamos, poderia deter o petardo em sua queda e, ao invés de sofrer danos, poderia aniquilar a aeronave vailx e toda a sua tripulação.
A criança que já se queimou teme o fogo, pois em tempos passados tínhamos tentado conquistar aquelas nações, com desastroso fracasso (n.t. Fato histórico narrado no épico Ramayana, que narra um conflito entre Suerni (ÍNDIA) e Atlântida). Eles só se preocuparam em repelir nossos ataques, e tendo sido vitoriosos, deixaram-nos partir em paz. (Foram os anos se transformando em séculos e milênios, e a nossa atitude também se tornou apenas defensiva, deixando de ser ofensiva e, por causa dessa mudança de comportamento por parte de Poseid, desenvolveram-se relações amigáveis entre as três nações.
A Atlântida tinha finalmente aprendido uma boa parte do segredo do uso de forças magnéticas para destruir inimigos, dispensando mísseis, projéteis e explosivos como meios de defesa. Ainda assim, o conhecimento de Suerni (ÍNDIA) continuava a ser muito superior. Superior porque nossas armas magnéticas só espalhavam a morte numa área restrita, próxima ao operador; as deles atingiam qualquer ponto desejado por eles, por mais longínquo que fosse. Nossas armas destruíam indiscriminadamente todas as coisas existentes no alvo – inanimadas e animadas – todas as pessoas, amigas ou inimigas; animais e árvores, tudo ficava condenado. O poder das armas deles era controlado, atingindo o âmago da força oponente, e não destruía vidas desnecessariamente; aliás, não causava danos ao inimigo em geral, só aos OFICIAIS, GENERAIS e GOVERNANTES do lado contrário.
Eu havia tomado conhecimento desses fatos relativos aos suernis muito tempo antes. O Príncipe Menax tinha me pedido para cumprir uma missão junto àquele povo. Eu nunca tinha visitado Suerni e, como tinha o desejo de fazê-lo, fiquei satisfeito porque esse desejo seria gratificado. Após consentir em atender o pedido, perguntei ao príncipe qual seria a missão com as seguintes palavras: “Se o Astika disser a este filho o que deseja, satisfará sua crescente curiosidade”. “Eu o farei”, respondeu o príncipe. “Quero mandar um presente ao Rai de Suerni como retribuição de certas dádivas enviadas por ele ao Rai Gwauxln.
Embora tenhamos poucas dúvidas de que essas dádivas foram enviadas para nos induzir a aceitar cento e quarenta mulheres, prisioneiras do Rai Ernon de Suern, não podemos aceitar que eles de certa forma nos imponham uma espécie de suborno; embora as mulheres possam receber permissão para ficar ou ir para onde quiserem a não ser para onde os suernis as proíbam, decidimos considerar as jóias e o ouro que eles nos deram como um presente, e retribuí-lo adequadamente. Assim resolveu o conselho em assembléia. Parece que essas mulheres são membros de certas poderosas forças de imprudentes invasores cujo país se encontra a oeste de Suern. Esses grupos insensatamente guerrearam contra a terrível Suern.
Eles nunca tinham experimentado, nem visto outros experimentarem, a ira e o PODER com que Incal reveste Seus filhos de Suern, uma ira que devasta os inimigos como a foice sega o trigo. Ora, Ernon tem um país fértil, e esses selvagens ignorantes ambicionavam possuí-lo, e por isso declararam guerra a Ernon. A isso Ernon respondeu que não aceitava; que aqueles que o atacassem com arcos e viessem vestidos de couraças seriam enfrentados por ele e muito se arrependeriam, visto que Jeohvah como os Suerni preferiam chamar Aquele que denominamos Incal, o protegeria e ao povo de Suern, sem luta e sem derramamento de sangue. Diante disso os bárbaros responderam com linguagem arrogante, declarando que invadiriam aquela terra e destruiriam seu povo pela espada.
Então eles reuniram um grande exército, de muitos milhares de combatentes e acompanhantes, os quais, liderados por um destemido Astiki (Príncipe), arremeteram para o leste vindos pelo sul, para devastar o reino de Suern. Mas espera – há alguém nesta sala que sem dúvida poderá te dizer mais e melhor do que eu. Mailzis!” – disse ele ao seu criado particular – “traz à minha presença aquela estrangeira de pele clara”. Mailzis obedeceu e a estrangeira que eu tinha visto ao entrar no salão do príncipe levantou-se com uma atitude leve e graciosa que despertou minha admiração. Alisando a roupa calmamente, sem absolutamente se comportar como alguém que obedece a ordem de um superior, aproximou-se de Menax.
Levantando-se com deferência, o príncipe disse: “Senhora, farieis a gentileza de repetir o que narraste ao meu soberano? Sei que tua história é muitíssimo interessante”. Enquanto ouvia essas observações a estrangeira não olhou para o príncipe e sim para mim. Seus olhos tinham se fixado em meu rosto, não ousadamente mas com profunda atenção, embora sem ter consciência da fixidez de seu olhar. Seja como for, havia nele um tão grande poder magnético que tive de desviar os olhos, estranhamente intimidado, sentindo que continuava a ser observado a despeito disso. Ocorreu-me que ter respondido na língua poseidana indicava que ela possuía uma boa educação.
“Se te for agradável, Astika, que eu o faça, então será agradável para mim também”, disse ela. “Terei prazer em repetir a história para o jovem a quem tratas com favor. Entretanto preferiria que tua jovem filha não permanecesse aqui” – disse ela a meia-voz, com um olhar de antagonismo para Anzimee que estava sentada perto de nós, aparentemente ocupada em ler um livro, mas sem fazê-lo realmente, em minha opinião. O laivo de ciúme na voz da estrangeira não foi percebido por Menax, mas o foi por Anzimee, que se levantou e deixou o salão.
Desgostou-me esse ato e me ressenti do que o causara, o que a Saldu (n.t. da tribo Saldeia, que mais tarde na história humana seria conhecida como Caldeus) percebeu de imediato, mordendo o lábio, vexada. “Não deve ser agradável ficar de pé; senta-te aqui à minha direita e tu, Zailm, muda de lugar e senta à minha esquerda”, disse Menax, voltando a se acomodar no divã. Quando todos estavam devidamente sentados, mostramo-nos prontos para ouvir a narrativa. Nesse momento Mailzis, o criado, aproximou-se respeitosamente e, quando perguntado sobre o que desejava, disse: “É da vontade de teus oficiais e das senhoras do astikithlon também ouvir o relato.”
“Concedido; podes também conduzir o naim até aqui, perto de nós, para que o escriba dos Registros anote tudo.” Tendo recebido permissão, os peticionários logo estavam acomodados à nossa volta, alguns em assentos baixos e os mais altos oficiais que tinham mais familiaridade com o príncipe se estenderam de lado, apoiando-se no cotovelo, nos ricos tapetes de veludo que cobriam o chão, na frente de Menax. (…)
CAPITULO 11- O RELATO da Princesa Lolix
“Mailzis”, disse o príncipe, “sirva-nos vinho com especiarias”- Enquanto apreciávamos a refrescante bebida, que não era fermentada, passamos a ouvir a emocionante narrativa que se segue: “Creio que tendes conhecimento de meu país natal, visto que fazeis comércio com a nação Sald (n.t. o povo SALDEU, que muito mais tarde se chamariam Caldeus, depois do Dilúvio, quando se mudaram para a Mesopotâmia). Deveis igualmente ter sido informados a respeito do grande exército enviado por nosso governante contra a terrível Suern. Ah! Como sabíamos pouco sobre aquele povo!” -exclamou a bela mulher, apertando as pequenas e delicadas mãos numa agonia de aterrorizada retrospecção.
“Cento e sessenta mil guerreiros tinha meu pai sob seu comando. Metade desse número era formado por acompanhantes. Nossa cavalaria era o nosso orgulho, com seus veteranos experimentados e tão sedentos de sangue! Eram esplêndidas as nossas armas, cintilantes espadas e lanças. . . Oh, era um maravilhoso conjunto de bravos homens!” Diante dessa exaltação a armas tão primitivas os ouvintes não conseguiram reprimir um sorriso. Por um momento isto pareceu desconcertar a princesa, mas não por muito tempo, pois ela continuou: “Dessa poderosa e esplêndida maneira – ah, como eu amo o poder! -avançamos saqueando tudo pelo caminho que nos levava à cidade de Suern.
Quando chegamos perto, depois de muitos dias, não pudemos vê-la, pois se encontrava numa parte baixa da região. Não obstante, estávamos seguros de obter uma vitória fácil, pois alguns prisioneiros que havíamos feito nos informaram que Suern não tinha muralhas nem defesas semelhantes, e que nenhum exército se reuniria para nos combater. Efetivamente, em parte alguma tínhamos visto cidades muradas no país de Suern, nem havíamos encontrado resistência; por isso não derramáramos sangue, contentando-nos em torturar os cativos para nos divertirmos, libertando-os em seguida.” “Que horror!” – murmurou Menax entre dentes. “Bárbaros sem coração!” “Que dissestes, meu senhor?” – perguntou imediatamente a jovem. “Nada, senhora, nada! Apenas pensei alto na esplêndida marcha das hostes de Sald.”
Embora parecesse duvidar um pouco da exatidão dessas palavras, a Saldu continuou seu relato. “Tendo chegado a Suern, como eu estava dizendo, detivemos nossa marcha à beira de um desfiladeiro pouco profundo mas bastante largo, onde o Rai de Suern, pouco sábio e pouco belicoso, tinha construído sua capital, e assim mandamos um mensageiro oferecendo-lhe condições de guerra favoráveis. Como resposta, veio até nós um velho desarmado e sozinho, acompanhando nosso mensageiro. Ele era alto, ereto e tinha um porte tão cheio de dignidade que dava prazer contemplá-lo. Em verdade, ele pareceria o próprio poder encarnado! Eu deveria odiá-lo, mas não pude deixar de amá-lo! Se ele fosse mais jovem, eu o cortejaria para fazer dele meu companheiro.”
Diante dessa inesperada observação olhamos com espanto e outras emoções para a narradora, e ouvimos Menax perguntar: “Astiku, estou ouvindo bem? Cortejar um homem? É costume de teu povo permitir que a mulher tome a iniciativa? Pensei ser versado nos costumes de todas as nações antigas e modernas, mas desconhecia este fato. Entretanto, é de se esperar coisas estranhas de. . . bem, de uma raça que só tem números para ser reconhecida por um povo como o de Poseid.” Ela retrucou, “Por que não ser franco, Zo Astika? Por que não dizer o que pensas, que nações civilizadas como a tua consideram uma raça como a Saldu inferior a ponto de seus costumes serem desconhecidos para ti?”
O Príncipe Menax corou fortemente com envergonhado embaraço, pois não estava acostumado a prevaricações, e replicou: “Admito que a franqueza é melhor, mas não queria ferir teus sentimentos, Astika.” Com uma risada musical, divertida, a Astiki disse: “Zo Astika, permita-me dizer que em Sald ambos os sexos têm liberdade para cortejar seu escolhido ou escolhida. Por que não? Julgo sensato, penso. Seguirei nosso costume nesse sentido quando tiver oportunidade. Meu escolhido deverá agradar a vista e ter a coragem do leão do deserto -, sim, do deserto de onde veio o grande leão, no continente de Suernota. Sim, eu o farei se a oportunidade surgir” – reiterou a jovem com um pequeno suspiro.
Por fim ela retomou o fio da história, com voz desanimada e triste.- “O Astika meu pai, chefe de nossos exércitos, disse ao garboso velho: “Que diz teu governante?” “Ele diz: “Que o estrangeiro parta antes que minha ira desperte, pois atenta que eu o destruirei se não me obedecer! Terrível é a minha ira”. “O que tu dizes! E o teu exército? Não vi nenhum sinal dele” – disse meu pai com o sorriso de um veterano a quem oferecem uma resistência desprezível. “Chefe” – disse o enviado em tom baixo e sério -“será melhor que partas. Eu sou esse Rai e também sozinho sou o meu exército. Abandona essa terra agora mesmo, pois em breve isto será impossível. Vai embora, eu te imploro!”
“Tu és o Rai? Homem imprudente! Digo que quando o Sol tiver alcançado o próximo signo tua coragem não te salvará, a menos que retornes agora mesmo e reúnas teu exército. Ou então mandarei tua cabeça para o teu povo. Só te dou esta opção. Após o prazo dado, atacarei e saquearei a cidade. Não precisas temer pela tua segurança pessoal neste momento. Eu não posso ferir um inimigo desarmado! Vai em paz. De manhã atacarei teu exército. Devo ter um oponente digno.” “Tens em mim um oponente à altura. Nunca ouviste falar de Suerni? Sim? E não acreditaste! Oh, é verdade! Vais embora, eu te peço, enquanto podes fazê-lo com segurança!” “Homem seu juízo! – disse o chefe. “Este é o teu ultimato? Que seja! Afasta-te! Não irei embora; avançarei”.
Então o chefe chamou os capitães das legiões de soldados e comandou: “Para a frente, marchem e conquistem!” “Reconsidera tua ordem por um instante. Desejo fazer uma pergunta” – disse o Rai de Suern. “Respeitando esse pedido, nossos homens, que haviam se enfileirado e apresentado armas, detiveram-se em posição de descanso. À frente das fileiras do exército de Sald, postada na pequena colina de onde se via a capital suerni, estava a fina flor de nossa hoste militar. Eram veteranos leais e experientes, homens de gigantesca estatura, em número de dois mil oficiais, líderes dos homens menos experimentados. Jamais esquecerei seu garbo, jamais. Tão fortes; eram a própria juba do nosso poderoso leão, cada homem capaz de carregar um boi nas costas.
O Sol batia em suas lanças criando uma gloriosa fogueira de luz. Olhando para esses homens o Suerni disse: “Astika, não são estes os teus melhores homens?” “Sim.” “São estes de quem me disseram que torturaram meu povo por mero divertimento? E chamaram as vítimas de covardes, dizendo que homens que não resistem devem morrer e efetivamente mataram alguns de meus súditos?” “Não o nego” – disse meu pai. “Acaso pensas, Astika, que isso estava em teu direito? Não são dignos da morte homens que se vangloriam por derramar sangue?” “Possivelmente, mas que importa isso? Por acaso pensas em punir-me por esses atos?” – disse meu pai, com desprezo. “Sim, Astika. E depois partirás?” “Ora se o farei! Que boa brincadeira! Só que não estou com disposição para bravatas!” “Então te recusas a fazer a retirada, embora eu diga que permanecer é morrer?”
“Acaba com tuas tolices! Elas estão me cansando.” “Astika, sinto muito. Que seja como queres. Foste avisado de que devias partir. Ouviste falar do poder de Suern e não acreditastes. Pois agora prova dele!” “Com estas palavras o Rai fez um gesto amplo, apontando o dedo indicador para onde se encontrava o nosso maior orgulho – aqueles maravilhosos dois mil guerreiros. Seus lábios se moveram e mal consegui ouvir as palavras que ele murmurou-. “Senhor, fortalece minha fraqueza. Assim morre o culpado renitente.” “O que aconteceu então encheu todos os espectadores de tamanho horror, atingiu tanto sua superstição, que por cinco minutos não se ouviu qualquer som. De todos aqueles guerreiros veteranos, nenhum estava vivo.
A um gesto do velho mago Rai de Suerni suas cabeças penderam para a frente, as mãos soltaram as lanças e eles caíram no solo como bêbados. Nenhum som, a não ser o de sua queda; nenhuma reação; a morte chegara para eles como acontece com quem morre do coração. Ah, que assustador poder tens, Suernis!”
“E o Anjo da Morte estendeu suas asas sobre o mal E soprou fogo na face do inimigo ao passar.”
Senaqueribe era desconhecido naqueles tempos antediluvianos; a princesa saldu nunca ouvira o poema, mas nós o conhecemos, meu leitor, tu e eu, e isso é o bastante, pois a história repete-se a si mesmo. Ao descrever a ação do Rai de Suern, a princesa tinha ficado de pé, simulando ao mesmo tempo o gesto fatal do Rai Ernon de Suern.
Sua mímica foi tão convincente que o grupo de ouvintes à nossa esquerda se encolheu involuntariamente quando o braço dela passou por sobre suas cabeças. A Saldu percebeu isso e seus lábios se crisparam com desprezo. “Covardes!” – murmurou ela. Um poseidano ouviu e seu rosto corou quando ele disse: “Não, Astiku, não somos covardes! Considera nosso involuntário encolhimento um cumprimento aos teus poderes de comuni-tação.” Ela sorriu e disse: “Talvez seja assim”. Em seguida, abatida pela lembrança da aterradora força do poder invocado por Ernon, força que até a orgulhosa Atlântida temia, sentou-se molemente na cadeira, chorando.
Um pouco de vinho refez-lhe as forças e a narração foi retomada. “Depois do ominoso silêncio que se abateu sobre os que haviam testemunhado a horrível visão, as mulheres, viúvas e filhas dos mais altos oficiais que haviam morrido, começaram a gritar aflitivamente. Muitos de nossos homens, assim que conseguiram compreender que as histórias que tinham ouvido e desacreditado não eram boatos inconseqüentes, caíram por terra numa agonia de intenso terror. Ah! Naqueles momentos poderíeis ter ouvido súplicas a todos os deuses grandes e pequenos, os deuses em quem nosso povo confiava. Ha, ha!” – riu a princesa, amarga e desdenhosamente -“apelando para deuses de madeira, barro e metal, pedindo proteção contra aquele imenso poder! Bah! Como não posso viver em Suern por ter sido banida, também não viveria outra vez em minha terra natal!
Não quero mais saber de um povo que idolatra objetos insensíveis e os desafia. Não, Astika” – disse ela em resposta a uma pergunta de Menax -“nunca adorei ídolos; a maioria dos meus concidadãos o faz, mas nem todos. Não sou apóstata, mas reverencio o poder. Eu deveria odiar Ernon de Suern, mas não o odeio. Na verdade, se me fosse permitido, viveria em sua presença e idolatraria sua maravilhosa força que leva a morte aos seus inimigos com apenas um gesto de suas mãos. Como não me é permitido isso, prefiro permanecer entre teu povo que é uma grande raça, embora não se iguale à de Suern, é melhor e mais poderosa que a minha; oh, muito, muito mais!”
“Meu pai era inteligente demais para imaginar que aquilo fosse um truque tramado por um povo astuto e compreendeu, por aquela amarga lição, que a reputação atribuída a Suern pelos viajantes não era invenção de desocupados. Mas não se acovardou diante do Rai, pois tinha o espírito altaneiro demais para isso. Enquanto olhávamos estarrecidos para aquela terrível cena de morte, outra coisa não menos apavorante aconteceu. Nós, os sobreviventes, toda a hoste menos os dois mil, estávamos colocados entre os mortos e o rio a oeste da cidade. O Rai Ernon baixou a cabeça e orou – que profundo temor esse ato causou em nosso povo! Ouvi-o dizer: “Senhor, eu te suplico, concede o que teu servo pede!” “Então, vi as vítimas se levantarem uma por uma, tomando cada uma sua lança, escudo e elmo. Em seguida, em esquadras irregulares marcharam em nossa direção, em minha direção.
Oh, meu Deus! Passaram por nós na direção do rio. Percebi que seus olhos estavam semicerrados e opacos; o movimento de seus membros era mecânico; eles caminhavam como se estivessem presos por fios e suas armaduras ressoavam fazendo um barulho fantasmagórico… Então, um por um, os esquadrões foram direto para o rio, onde entraram na corrente, mais e mais, até que as águas se fecharam sobre as suas cabeças, e eles se foram para sempre, alimentando os crocodilos que já rugiam e rosnavam sobre suas presas para baixo do fluxo das águas do grande rio Gunja (n.t. hoje o rio Ganges).
Ninguém havia para liderá-los, não havia ninguém para carregar seus corpos; cada um deles entrando no rio como se ainda estivesse vivo, embora estivessem todos mortos; aquela soturna procisão, a mil passos de distância, completou a horrível sensação de medo e desesperado terror que se apossou do grande exército, que então e finalmente debandou horrorizado, deixando tudo para trás. Em breve só um punhado de soldados fiéis havia restado. Eles haviam ficado com seu comandante e estado-maior, prontos a partilhar com eles a morte a que estavam certos de que seriam submetidos. Também permaneceram ali algumas mulheres.
O Rai Ernon então falou: “Não te disse que devias partir ou que eu te puniria? Estás pronto para partir agora? Olha teu exército em fuga! Essa debandada não terá bom termo; milhares nunca mais verão Sald porque perecerão no caminho, contudo uma boa parte chegará ao seu lar. Mas tu nunca mais irás para casa, nem tu nem tuas mulheres. Contudo, elas não ficarão em minha terra, nem na terra delas, mas num país estranho para onde enviarei-as.” “Aquele antes altivo e agora humilhado soldado, meu pai, colocou um joelho em terra diante do Rai, e disse:
“Poderoso Rai, o que farias com essas inocentes mulheres? Disseste que meus guerreiros eram culpados; eu o admito e não me isento de culpa. Mas estas minhas mulheres não feriram homem algum. Tuas palavras me fizeram acreditar que a justiça é o teu princípio guia; teus atos dizem outra coisa, pois quando podias abater todos nós, fizeste um exemplo de uns poucos culpados. Imploro-te, portanto, que tenhas misericórdia das mulheres e talvez dos meus oficiais.”
“Terei clemência por teus oficiais, que te são fiéis, embora só esperem a morte como recompensa. Ordena-lhes que partam com o que sobre de teu exército. Eles não estão acostumados a cuidar das necessidades do corpo; portanto, com toda certeza perecerão, a menos que eu os salve. Tendo o poder, eu o usarei com misericórdia. Nenhum morrerá no caminho; nenhum passará fome e sede, nem sofrerá de qualquer doença. Ó Senhor! No caminho para casa nenhum se perderá, embora nenhum precise comer. Em volta deles as feras se agitarão e, ainda que estejam desarmados, nenhum animal lhes fará mal, pois o espírito do Senhor com eles, será seu abrigo e salvaguarda. Sim, Ele fará muito mais, pois entrará em suas almas para que esses que agora são guerreiros um dia se tornem Seus profetas, e elevarão teu povo e farão com que o Seu nome seja conhecido em todas as eras; serão uma raça de homens educados, de astrólogos, falando de Deus por suas obras celestiais.
Mas ainda assim chegará um dia daqui a cerca de seis mil anos, tempo que os homens da futura Caldeia tentarão mais uma vez prevalecer sobre o meu povo e novamente falharão como aconteceu agora; mas tu estarás há longo tempo com teus pais, adormecido após uma segunda vida, seguro no Nome do Senhor através do qual eu obro. Chamas inocentes as mulheres que voluntariamente vieram, envoltas na insolência de um suposto poder e invencibilidade, para assassinar meu povo? Inocentes! Elas que vieram testemunhar a rapina de minhas cidades e se deleitar com os sofrimentos de meus súditos? Inocentes! Não, não é assim! Portanto, ficarás retido aqui com tuas mulheres e moças. Atenta! Eu disse que não sairás daqui; as mulheres ficarão retidas por algum tempo, mas tu jamais sairás destas terras. Irás para uma prisão que não tem grades nem paredes; contudo, não há esperança de que tu possas fugir dela.”
“Queres dizer que vamos todos morrer, Zo Rai?” – perguntou meu pai com voz baixa e triste. “Não será assim. Zo Astika, pensas que posso condenar o assassínio e eu mesmo cometê-lo desnecessariamente? Não. Eu disse que não podes sair de Suern e que isso não será possível no futuro, apesar de que não estarás impedido por grades, nem vigiado por qualquer homem.” “Foi uma coisa trágica assistir à despedida entre os que tinham de ir e os que deviam ficar. Mas afinal, assim são as sinas da guerra e os fracos devem obedecer aos fortes. Eu havia me rejubilado com nosso imaginado , mas falso poderio e não me importava quem havia sido derrotado. Poder, ah, o poder! Penso que senti uma sombria satisfação em te contemplar,
Poder, meu ídolo, causando uma destruição tão rápida!” A princesa disse as últimas palavras pensativamente, aparentemente alheia ao ambiente, sentada com as mãos apertadas, com a admiração estampada no belo rosto, os olhos distantes, mas tão cruel afinal de contas! De porte real, personalidade dominadora, bela, maravilhosamente bela – diria o mundo de hoje como o de então. Ela tinha a aparência espantosamente parecida com a das mulheres americanas louras de hoje. Só que estas com certeza, não são como ela que se inclinava sempre para o poder triunfante, como as leoas. A verdadeira mulher americana (n.t. o livro foi escrito no final do século XIX), compassiva, autêntica, graciosa como um pássaro, doce como uma rosa recém «desabrochada, é como Lolix nesses traços, cessando aí qualquer paralelo, pois essa mulher de hoje se apega ao pai, ao irmão, ao amado, chova ou faça Sol, no triunfo e na derrota, fiel até a morte.
Tais mulheres sempre recebem sua recompensa. Houve um dia em que Lolix foi alterada para se tornar como as modernas jovens de hoje, mas isso foi anos depois. Existem alguns tipos de rosa que parecem cheias de espinhos enquanto estão em botão, mas que maravilhas de beleza são elas quando finalmente abrem o coração para o Sol e para o orvalho! Ao que parece, o Príncipe Menax ainda não tinha ouvido Lolix lalar tanto tempo, tendo esperado aquela ocasião, para que eu também pudesse ouvi-la. Conseqüentemente, foi uma revelação para ele ouvir de alguém tão bela e doce demonstrar uma natureza tão sem coração com seu relato, que tinha sido também uma reintrospecção meditativa para ela.
Após alguns momentos, Menax disse: “Astiku, contaste que sua Majestade de Suern não agiu contigo e tuas companheiras conforme tinhas antecipado, pois era o costume nacional de teu povo usar as prisioneiras mulheres para satisfazer o desejo lúbrico dos homens e suas paixões mais grosseiras.” “Astika Menax, não me julgarás desrespeitosa se te chamar amigo daqui por diante? Confesso que fiquei muito surpresa quando o Rai Ernon não agiu dessa forma. Eu não teria reclamado, pois assim são as vicissitudes da guerra. Mas ele, em vez disso, declarou que nem ele nem o povo de Suern precisavam de nós e mandou-nos para uma terra estrangeira, Atlântida. Será essa a nossa sorte aqui?”
“Não! De forma alguma!” – replicou Menax, os lábios se apertando de desgosto diante dessa crua insinuação. “Aqui tereis o apoio do governo até que cidadãos de Poseid escolham algumas de vós como esposas, se assim desejarem. Nosso povo às vezes revela preferências bem estranhas!” “És sarcástico, Astika!” A não ser por um leve erguer de sobrancelhas, ele não se dignou responder a essa observação; mesmo esse gesto foi tão discreto que eu não o teria percebido se não estivesse perto, olhando para o seu rosto. Depois de um silêncio um tanto prolongado, Menax disse que elas estavam proibidas para sempre de voltar para Sald porque. . . “Não é mais o meu lar!” – interrompeu apressadamente a mulher. “Mas é a terra de teu nascimento!” – disse Menax com certa aspereza, para voltar a ficar calado.
Lolix se levantou e, entrelaçando as mãos, exclamou com veemência : “Não desejo rever minha terra natal, nunca mais! Daqui por diante escolho lançar minha sorte em Poseid – e chamá-la meu lar!” “Como quiseres” -disse Menax. “Sem dúvida és uma mulher muito estranha. Por amor ao poder abandonaste teus deuses, teu lar e tua pátria. E as outras, tuas amigas cativas – não, espera! Talvez não sejam tuas amigas, uma vez que caíram em desgraça! Elas se esqueceram de seu país como tu?” Inclinando a encantadora cabeça, a princesa fixou os seus gloriosos olhos azuis no rosto do seu crítico. Duas lágrimas caíram de suas espessas pestanas, seus lábios tremeram e ela juntou as pequeninas mãos enquanto dizia: “Ah, Astika, és cruel!” – voltando-se e andando em pranto para o lugar onde eu a vira ao entrar.
Dessa forma, o botão de rosa não desabrochado foi confundido com a flor do espinheiro. Quanto a mim, uma estranha mistura de sentimentos tomou conta de mim, uma mistura de dúvida e aprovação. Tentei saber que tipo de natureza era aquela que podia ser tão desapiedada e ler tanta sede de poder a ponto de romper todo laço natural para ir atrás dele e, ao mesmo tempo, ser tão essencialmente feminina a ponto de se magoar tão profundamente diante da expressão de uma reprovação natural de sua conduta. Tive pena dela por ser tão ingênua e tão sinceramente honesta em sua falta de espírito, contando tão simplesmente sua história mais recente, obviamente esperando aprovação e ficando tão magoada pelo efeito contrário que havia obtido.
Finalmente a aprovação dividiu minhas emoções, porque o príncipe tinha feito uma censura bem merecida que, embora tivesse doído, não podia deixar de ter um efeito salutar. Minhas reflexões foram interrompidas nesse ponto por Menax, que disse: “Zailm, vamos ao Xanatithlon (construção própria para flores) onde tudo é silencioso e bonito entre as flores. Estaremos a sós lá. Eu poderia dispensar as pessoas do palácio, mas prefiro não perturbar mais essa jovem saldéia.”
CAPITULO 12 - UM ACONTECIMENTO INESPERADO
O inesperado acontece. O Príncipe Menax revela sua afeição por Zailm e pede que ele se torne seu filho.
Alguns passos nos fizeram alcançar a grande estufa ou Xanatithlon, onde cresciam todas as espécies de flores. Em seu centro havia uma fonte cujos graciosos jatos de água se erguiam até o cume do grande domo e, durante o dia, cintilavam à luz do Sol que se filtrava por milhares de vitrais coloridos. Mas naquele momento, em que o ruído monótono da chuva se misturava ao doce murmúrio da fonte, aquele monumento à beleza brilhava sob os raios de numerosas fontes elétricas que imitavam o Deus do Dia.
Misturadas às miríades de flores naturais havia centenas de outras, esculpidas em vidro com tanta perfeição que só pelo toque seria possível dizer quais eram produzidas pela Flora e quais pelo artista. Esses dispositivos de iluminação estavam em harmonia com as flores naturais dos arbustos, árvores e trepadeiras onde estavam colocados. Eram em pequeno número nos arbustos, mais numerosos nas árvores, havendo grande quantidade deles nas trepadeiras que cobriam arcos e pilares ou pendiam do alto, iluminando aquele paraíso floral com um brilho suave e constante, extremamente agradável.
Nesse deleitoso ambiente nos sentamos no que, à primeira vista, parecia ser um conjunto de pedras cobertas de musgo, contendo convidativas depressões, mas que na realidade eram confortáveis assentos. O musgo tinha sido fabricado pelos bichos-da-seda. . . “Senta-te aqui perto de mim, filho” – disse o benigno príncipe, indicando uma depressão ao lado da que ele havia escolhido para sentar. “Zailm” – começou ele -“nem sei por que te chamei aqui esta noite, por que não esperei para fazê-lo mais tarde. Mas ao mesmo tempo eu sei, pois tinha uma missão a ser confiada a uma pessoa apropriada. Embora existam outros com mais experiência, decidi confiá-la a ti. Já sabes do que se trata”.
Para mim estava claro que não fora essa a razão que levara o Astika a me escolher e que ele não tinha me convidado para visitar o conservatório por causa disso. O príncipe ficou em silêncio por algum tempo e depois me perguntou: “Já te contaram que minha esposa me deu um filho e que ambos foram arrebatados pela morte? Aí, tive um filho e uma filha. Incal seja louvado, ainda tenho uma filha! Mas meu filho, o orgulho de minha vida, foi para o Navazzamin, o destino de todos os mortais. Meu filho, ah, meu filho!”
Quando sua emoção arrefeceu um pouco, ele continuou: “Zailm, quando te vi, durante tua primeira conversa com o Rai faz quatro anos, se não me engano, fiquei espantado com a semelhança que tens com meu filho perdido, e te amei. Muitas vezes fui ao Xioquithlon para te observar em tuas atividades de estudante. Todas as vezes que foste convocado a vir a este astikithlon foi porque eu queria te ver! Sim, olhar para ti, menino!” -murmurou ele, afagando meus cabelos por alguns momentos. “Poucos foram os dias em que não te vi, pessoalmente ou através do naim; sim, muitas vezes saí à noite e fiquei parado diante de tua janela para alegrar meu coração com o som de tua voz, quando lias para tua mãe.
Tenho te observado e me orgulhado de ti, Zailm, pois em tudo pareces ser um filho meu; teus triunfos nos estudos têm alegrado meus dias, como também a capacidade com que tens cumprido teus serviços governamentais, pois ages como meu filho agia! Por tudo isso, meu rapaz, vem viver aqui, pois quero ver-te ao meu lado nestes meus anos de velhice. Juntos navegaremos pelo rio da vida, tu e eu! Provavelmente serei o primeiro a cruzar o grande oceano da eternidade e ficarei esperando por ti na terra dos sonhos onde não há despedidas, dor ou tristeza. Vem, Zailm, vem!”
A esse terno apelo, respondi da seguinte forma: “Menax, nestes anos em que vivi em Caiphul, muitas vezes me perguntei o que significavam os favores que me concedias. Sempre foste mais bondoso comigo que com qualquer outro, contudo permanecias reservado e distante, mais que outros que certamente não se importariam com o que pudesse me acontecer. Agora tudo ficou claro. Tenho te considerado com afeto e reverência, valorizando tuas atenções e agindo de acordo com as palavras de aconselhamento que me dirigiste algumas vezes. Sim, Menax, iremos juntos, de braços dados, caminhar para a sombria terra das almas, e tu me aguardarás ou eu esperarei por ti, conforme qual de nós a Grande Ceifadora decida levar primeiro.”
Ficamos de pé e nos abraçamos com ternura. Quando nos separamos, vi a filha única do príncipe, rodeada de trepadeiras que emolduravam sua encantadora figura. Ao vê-la, lembrei de outra jovem, a Saldu cuja história tinha ouvido pouco antes. Quase da mesma idade, ambas um ano mais novas do que eu, mas muito diferentes entre si como tipos de beleza. É difícil descrever uma pessoa em quem focalizamos o interesse mais profundo do nosso coração; e quanto maior esse sentimento, mais difícil é pintar o seu retrato com palavras. Pelo menos, assim era para mim. Já te informei, leitor, a respeito da aparência da jovem provinciana da terra distante de Sald, com seus cabelos castanhos dourados, seus olhos azuis e seu porte elegante; podes imaginar quanto era delicada sua pele clara; sensível e atenta sua natureza, que a despeit0 disso era muito cruel.
Mas como posso descrever aquela que eu amava, com quem um encontro por acaso, mesmo de longe, representava grande parte do prazer que me dava ir ao palácio de Menax? Aquela por quem eu tinha me apaixonado e que eu tinha entronizado em meu coração quase que desde meus primeiros dias de residência em Caiphul – como posso descrever seus encantos? A Princesa Lolix estava no limiar de sua condição de mulher feita, a linda Princesa Anzimee também. Esguia, delicada, feminina, derradeira flor de uma antiga linhagem de nobres ancestrais, ela estava acima de mim nos estudos do Xioquithlon, embora fosse mais nova que eu. Eu a amava, mas escondia cuidadosamente este fato. Todos os meus amigos que leiam estas palavras saberão como eu me sinto quando declaro minha hesitação em descrever Anzimee, pedindo a cada um que coloque nesta moldura poseidana a imagem de sua própria amada.
“Cada coração lembrou um diferente nome, Mas todos cantaram a mesma melodia.” O Príncipe Menax viu a filha quase no mesmo instante que eu e um ar de surpresa espalhou-se por seu rosto, pois supunha que o Xanatithlon estivesse deserto. Ao perceber sua expressão, a Rainu adiantou-se, beijou-o e disse: “Meu pai, estou atrapalhando? Ouvi quando tu e. . . este jovem entraram, mas como não sabia que desejavas estar em privacidade, continuei minha leitura.” “Minha querida, não precisas te desculpar. Na verdade estou feliz por estares aqui. Posso saber o que estavas lendo? Não deves estudar demais e creio que foi isto que quiseste dizer com a palavra “leitura”.”
Com um sorriso a passear por seu rosto e a iluminar seus olhos azul cinza, ela replicou: “Darias um ótimo leitor de pensamentos ocultos! Eu estava mesmo estudando, mas o meu objetivo justifica isso. Quem adquirir um profundo conhecimento da ciência médica terá condições de aliviar até pessoas que estão à mercê da mais dolorosa agonia, e curar as menos gravemente enfermas. Não é esse um serviço a Incal e Seus filhos? E não é verdade que o bem feito a qualquer um deles é feito também a Incal?” Duas jovens -Lolix de Sald e Anzimee de Poseid! Um vasto continente separava os dois países e uma distância ainda maior separava essas duas filhas dessas diferentes terras. Lolix, sem compaixão pelos sofredores, sem tristeza pelos agonizantes; Anzimee, no pólo oposto desses traços de caráter.
Houve um longo silêncio, enquanto Menax olhava para a graciosa menina de coração tão nobre. Então, pegando minha mão com sua mão direita e a de Anzimee com a esquerda, uniu-as e disse: “Filha minha, dou-te um irmão, este que julgo digno. Zailm, dou-te uma irmã mais preciosa que os rubis! E a ti, Incal, meu Deus, a melodia do louvor que enche meu peito pelas bênçãos que me concedes!” Nesse ponto ele soltou as mãos que tinham se tocado pela primeira vez e levantou as suas para o alto. Como o toque daquela mãozinha me emocionou! Seria eu digno de tanto amor?
Nenhum pecado tinha até então manchado minha boa fama e naquele momento eu me sentia totalmente merecedor de tudo. Se algum pecado viria manchar o livro de minha vida, isso ainda não havia acontecido; mas pensei com inquietação na estranha profecia ouvida naquela noite já distante. Por um momento essa sensação tomou conta de mim e depois desapareceu. Eu tinha o hábito de analisar os homens e suas motivações. Era uma espécie de segunda natureza considerar os possíveis aspectos de uma questão. Mesmo naquele instante eu me perguntei qual seria o significado daquela nova experiência.
Eu sabia que por Menax, que tão afetuosamente me havia pedido para ser seu filho, eu tinha o mais profundo respeito e afeição. Minha vida não me pareceria um preço alto demais para pagar se com isso eu pudesse beneficiá-lo. Contudo eu amava a vida. Nada havia de mórbido em minha natureza, a menos que a excessiva amizade que tinha por meus amigos fosse sinal de morbidez. Meditei por algum tempo no que minha adoção significava do ponto de vista social e político. Não preciso explicar que vinha ao encontro de minhas ambições ser colocado em um lugar tão elevado como o que dali por diante ocuparia como filho legal de um alto conselheiro, irmão do Rai por afinidade.
Enquanto decorria aquela cena, eu reservava para mais tarde, como uma sensação especial, o prazer de analisar que tipo de amor eu sentia pela jovem que se tornara minha irmã, é verdade que por adoção apenas, mas que, favorita dos círculos mais fechados, adorada pelo povo de Caiphul, apareceria diante do mundo como minha irmã, a partir do momento em que o Rai Gwauxln aprovasse oficialmente a decisão de seu irmão. Deveria eu sentir prazer ou aflição? Olhei para aquela com quem eu sonhara casar se Incal em sua bondade me permitisse chegar a uma elevada posição. Poderia eu ter esperança de realizar meu sonho depois daquela inesperada virada da fortuna? Se eu tivesse conquistado uma exaltada posição por outros meios, poderia ter a esperança de obter a mão de Anzimee em casamento.
Mas agora! Minha grande sorte me pareceu como a maçã de Sodoma, provocando um travo amargo em minha boca, pois eu me tornaria legalmente seu irmão, mesmo que não o fosse por laços de sangue. Havia uma chance de que as coisas não fossem tão sombrias quanto pareciam, já que tais adoções eram freqüentes e não representavam um obstáculo ao casamento. Com esse pensamento o Sol saiu de trás das nuvens e voltou a brilhar em meu céu pessoal. A característica mais marcante da aparência da jovem era a simplicidade de seu vestuário. Naquela noite, seus gloriosos cabelos castanhos estavam presos atrás com uma simples fivela de ouro e caíam soltos pelas costas.
Uma longa veste de tecido macio vestia sua esguia forma de menina-moça. Nenhuma roupa poderia ser mais artisticamente simples nem mais elegante que aquele pedaço de pano diáfano e sem cor definida, de um tom azul tão claro que parecia branco-pérola. O vestido tinha alças de puro carmim, indicando a realeza de quem o vestia. Um broche de ouro, onde brilhavam grandes rubis agrupados em volta de um centro de pérolas e esmeraldas, drapeava o vestido no decote, e o conjunto dessas gemas realçava a cor das faces de Anzimee, fazendo seu rosto parecer uma encantadora rosa.
Tão rica quanto discreta, sua roupa não escondia a doce e digna beleza da jovem. As pérolas, emblema de sua classe como Xioqeni; as esmeraldas, a marca de quem ainda não tinha voz política; os rubis, pedras da realeza, usadas exclusivamente pelo Rai e seus parentes mais próximos. A irmã do próprio Rai Gwauxln era a mãe de Anzimee e esposa de Menax.
Poseid (Atlântida) fundamentava sua glória na superioridade de sua educação; uma riqueza que não escolhia sexo. Mas se a Atlântida devia tudo ao conhecimento, não era menos verdade que a capacidade de seu povo não seria o que era não fosse pelas esposas, irmãs e filhas e, em especial, pelas mães de nossa altiva terra. Nosso grandioso sistema social tinha sua base nos esforços dos filhos e filhas que por séculos tinham respeitado as lições que lhes tinham sido inculcadas por suas patrióticas, amorosas e leais mães. As homenagens feitas ao Criador só eram secundadas pela reverência que os poseidanos tinham pela mulher.
Amávamos nossos governantes, o Rai e os Astiki (príncipes); tínhamos por eles o maior respeito já votado a chefes de estado, mas honrávamos ainda mais nossas mulheres, tanto que Rais e príncipes, soberanos e súditos, orgulhavam-se em reconhecer a sagrada influência que tornava nossa terra gloriosa um grande lar. América, hoje és amada por mim como Poseid o era. Primeira entre as nações, só o és por causa da mulher e de Cristo.
Continuarás poderosa por causa dela e eclipsarás o mundo quando chegar o feliz dia cármico em que a mulher não estará abaixo, nem acima, mas ao lado do homem, sobre a rocha da educação cristã esotérica, no granito do conhecimento e da fé que resiste aos ventos e tormentos da ignorância. Construída sobre essas fundações, a Casa Nacional não cairá, mas se for construída em outras bases, grande será sua queda.
Eis a sabedoria: no homem e na mulher estão miríades de serpentes. Guardai-vos delas. Hoje sois escravos (dos sentidos). Sejais senhores de SI MESMOS! Mas, triste verdade, esse Caminho é muito estreito e poucos o encontrarão.
CAPÍTULO 13: A LINGUAGEM DA ALMA
“Zailm, meu filho, ouviste a narrativa da Saldu, Lolix. Como sabes, é por causa de coisas oriundas das ocorrências que ela relatou que vais em missão a Suern (Bharata, Arya Vata, hoje a ÍNDIA). Não é uma tarefa difícil, constando apenas de confirmar o recebimento dos presentes enviados e negar nossa intenção de manter como prisioneiras as pessoas que o Rai Ernon para cá enviou. Dar-lhes-emos asilo, mas Rai Ernon não deve pensar que permitimos sua presença aqui para fazer-lhe um favor. Além disso, Rai Gwauxln deseja que vás a Agacoe amanhã para falar sobre um outro assunto. Mas não queres passar a noite aqui?”
“Meu pai, teria prazer em ficar, mas não achas que é meu dever estar com minha mãe para tranqüilizá-la? Ela sofre de uma enfermidade nervosa que não lhe permite suportar bem minha ausência à noite.” “Tens razão, Zailm. Logo mandarei providenciar para que tua mãe seja acomodada em uma parte bem agradável deste astikithlon, e assim poderás passar as noites sob o teto de teu pai.” Despedi-me do príncipe e da doce menina que tinha permanecido em nossa companhia uma parte do tempo, e saí.
A chuva tinha cessado e as nuvens, movendo-se pelo céu, negras e ameaçadoras, só mostravam uma abertura na grande massa sombria. Ali brilhava uma única estrela que às vezes mostrava-se avermelhada. Olhei para ela, que estava próxima do horizonte, parecendo ter surgido naquele preciso instante das águas fosforescentes do oceano, podendo ser vista do palácio de Menax.
Pensei no passado, pois aquela mesma estrela havia brilhado vivamente enquanto eu esperava o nascer do Sol no Pitach Rhok. Pareciam ter passado tantos anos desde aquela manhã! Hoje essa estrela é chamada de “Sirius”(da Constelação do Cão Maior, a mais brilhante do céu da Terra), mas nós a conhecíamos pelo nome “Coristos”. Enquanto a fitava, senti que era um auspicioso augúrio de sucesso presente e futuro, como o fora no passado. Levantando os braços para ela, murmurei. “Phyris, Phyrisooa Pertos!”, que significa: “Estrela, ó estrela de minha vida!”
Parece um tanto singular que a linguagem que traduzi dessa forma tenha tonalidade e importância semelhantes à da linguagem usada hoje pelo povo de meu planeta (Sol) natal (Sírius). Naquele longínquo dia elevei as mãos para o alto e exclamei: “Estrela, ó estrela de minha vida!” Hoje contento-me um pouco para não precipitar minha história em palavras astrais; volto-me para meu Alter Ego e digo: “Phyris, Phyrisa”. É este seu nome amado e significa “Estrela de minha alma”. Não é peculiar que mais de doze mil anos tenham se passado e eu, membro de outra raça de seres humanos, agora em outra mansão (a Terra), veja tão pouca mudança na linguagem da alma humana?
CAPÍTULO 14 - A DOAÇÃO DE ZAILM
Foi no período do intervalo anual dos estudos que cheguei à capital. Os Xioqua e os Incala participavam dessas férias, a maioria procurava primeiro pelos seus lares, por uma temporada de descanso, mas em geral logo voltavam à Capital para usufruir dos programas especiais de lazer. Alguns, entretanto, dirigiam-se por mar para ( a colônia de) Umaur (América do Sul) ou para Incalia (América do Norte), ou seja, sul ou norte da América, respectivamente, outros se limitavam a visitar as províncias mais distantes da própria Atlântida.
Até agora, caro leitor, tiveste de tentar adivinhar que tipo de religião seria o culto a Incal; podes inclusive ter inferido que os poseidanos eram politeístas, por causa das referências que fiz a vários deuses deste ou daquele nome, classe ou grau. Na verdade eu disse que acreditávamos em Incal e o simbolizávamos na forma do Sol. Mas o Sol propriamente dito era apenas um emblema DELE. Afirmar que nós, a despeito de nosso esclarecimento, adorávamos o orbe do dia, séria tão absurdo quanto dizer que os católicos adorassem a cruz do Calvário pelo que ela é como objeto. Em ambos os casos foi o significado a eles atribuído que fez o Sol e a cruz receberem alguma espécie de consideração.
Os atlantes tinham a tendência de personificar os princípios da natureza e os objetos da terra, do mar e do ar. Isso era resultado do puro amor nacional pela poesia e poderia ser facilmente ligado ao favorecimento com que o gosto popular sempre tratara uma história épico-cronológica de Poseid, na qual os principais homens e mulheres figuravam como heróis e heroínas. Os poderes da natureza como o vento, a chuva, o raio, o calor, o frio e fenômenos afins eram deuses de variados graus, enquanto que o princípio germinativo da vida, o princípio destrutivo da morte e outros grandes mistérios eram caracterizados por deuses maiores.
Entretanto, todos e cada um desses deuses eram uma extensão do altíssimo Incal. Essa história épica foi contada em versos e rimas constituindo um poema em que todas as linhas denotavam o toque magistral do gênio. Supostamente foi seu autor um Filho da Solitude. Havia um adendo abrangendo acontecimentos e épocas posteriores, que era claramente um trabalho inferior, ao qual se atribuía menos valor que à parte principal do poema.
Temos como fato que o culto a Incal jamais abrangeu outra coisa além da adoração de Deus como entidade espiritual, e os “deuses” não eram incluídos nos serviços religiosos realizados nos dois domingos de cada semana, ou seja, o primeiro e décimo primeiro dia, pois a semana poseidana tinha onze dias, o mês compreendia três semanas, um ano onze meses, com um ou mais dias acrescentados ao final (como no nosso “ano bissexto”) conforme as exigências do calendário solar, sendo que esses dias a mais eram feriados, como o nosso Dia de Ano Novo atual. O feito de tantos deuses e deusas terem sido aparentemente venerados foi devido à influência nacional da história épica de que falei acima, sendo apenas um hábito mental falar a respeito deles.
Em nosso monoteísmo, diferíamos pouco da religião que domina a civilização hebraica; não reconhecíamos a Trindade divina, nem o espírito crístico, nem qualquer Salvador; só reconhecíamos a necessidade de agirmos da melhor maneira que nos fosse possível perante Incal. Considerávamos toda a raça humana filha de Deus, não apenas uma pessoa misteriosamente concebida como Seu único filho.
Milagres eram uma coisa impossível, pois considerávamos todas as coisas racionalmente passíveis de serem referidas a uma lei inegável. Mas os poseidanos acreditavam que Incal certa vez vivera em forma humana na Terra e depois lançara fora o grosseiro corpo mundano para assumir a forma de espírito livre.
Naquele tempo ele havia criado a humanidade e, como os poseidanos eram evolucionistas, a palavra “humanidade” também abrangia os animais inferiores. Com o decorrer do tempo, evoluiu o gênero homo na forma de um homem e uma mulher, quando então Incal colocou a mulher espiritualmente acima do homem, posição que ela perdeu pela tentativa de se deleitar com um fruto que crescia na árvore da Vida, no Jardim do Céu.
Segundo a lenda, ao agir dessa forma ela desobedeceu a Incal, que havia dito que Seus filhos mais superiores e avançados não deveriam provar daquele fruto, pois quem o fizesse certamente morreria, já que nenhum ser poderia ter a vida imortal e ao mesmo tempo reproduzir sua espécie. A lenda diz: “Eu disse a minhas criaturas, alcançai a perfeição e estudai-a sempre, e tereis a vida eterna. Mas aqueles que comerem dos frutos desta árvore não poderão conter o Eu”.
A punição que foi aplicada teve uma forma racionalista, já que a finalidade da mulher foi obter prazeres proibidos, o que ela, por não ser instruída, desconhecia. A mão com que ela pegou no fruto não firmou seu aperto e este se abriu, de modo que sua semente caiu na terra e se transformou em pedras de sílex, e o Fruto ainda aderido à árvore tornou-se igual a uma serpente de fogo (n.t. analogia à kundalini), cujo hálito queimou as mãos da culpada.
Sentindo grande dor, ela largou a Árvore da Vida e caiu no chão, jamais se recuperando totalmente dos seus ferimentos. E o homem se tornou superior pelo desenvolvimento de sua natureza, por causa da necessidade que sentiu de preservar a companheira e ele mesmo do frio e de condições semelhantes, trazidas pelas pedras de sílex (A última Era Glacial).
Tendo caído nessas condições materiais, a reprodução das espécies voltou a ser uma necessidade e a lei da continência, supostamente ordenada por Incal, foi violada. Então a morte (do corpo físico) voltou a ser parte do conhecimento humano e, até que a Palavra, o Verbo, fosse observado, nenhum ser humano conheceria a condição da não morte.
“DOMINA A TI MESMO! Desta capacidade de disciplina e autocontrole depende todo o conhecimento; nenhuma lei oculta é tão grandiosa quanto esta”.
“Use todas as coisas deste mundo sem abusar de nenhuma”. (I Corintios, 7, 31). Esta era a crença popular sobre a criação da humanidade por Incal. Os sumos sacerdotes seguiam uma religião que era virtualmente a essência, embora por razões óbvias o vulgo desconhecesse esse fato. A data dessa ocorrência mítica era teologicamente explicada como tendo acontecido pelo menos mil séculos antes (100 mil anos), e algumas autoridades a remontavam a um passado ainda mais distante. Não se supunha que Incal, o Pai da Vida, punisse Seus filhos, mas que apenas havia feito leis de natureza auto-executora, que eram fruto de Sua vontade imanente, e se alguém transgredisse essas leis seria inexoravelmente punido pela natureza, sendo inadmissível colocar uma causa em movimento sem o conseqüente efeito.
Se a causa fosse boa, bom também seria o seu efeito. Nisso eles estavam absolutamente corretos. Nenhum mediador pode evitar que soframos os resultados de nossas más ações.* A nação poseidana acreditava na existência de um céu de bons efeitos para os que pusessem boas causas em movimento, e que havia uma região cheia de maus efeitos para os maus; os dois locais eram adjacentes, e os que não fossem nem bons nem maus, supostamente viveriam num território intermediário, por assim dizer. Entretanto, ambas essas condições do pós-vida estavam inseridas na Terra das Sombras, pois poderíamos traduzir literalmente o termo “Navazzamin” como “O país das almas que partiram”. *NOTA: Não confundir “compensar” com “remir”. Cristo remiu, nós devemos fazer compensação.
Embora a religião de Incal fosse baseada em causa e efeito, havia uma leve incoerência na crença mais ou menos prevalecente de que Ele supostamente recompensaria os muito bons. Hoje, amigo, estás no umbral de um novo desabrochar. A religião de hoje ainda está tingida por esse conceito de um Criador onipotente mas antropomórfico, o que é legado de uma antigüidade já morta. Tu vives nos anos derradeiros de um antigo Ciclo Humano, o Sexto. Embora seja minha decisão não explicar o que isso significa, desejo-te a paz de Deus.
Mas direi que o novo conceito da Causa Eterna dessa humanidade será mais elevado, sublime, puro e amplo, uma maior aproximação do ilimitado, do que qualquer outro que eras há muito passadas já sonharam. Cristo efetivamente vive e está entre os Seus, que em breve o conhecerão como nenhum homem exotérico já o fez. Conhecendo-o, terão ciência das coisas do Pai e as farão, porque está escrito: “Faço a vontade de meu Pai”.
Em breve a fé será conhecimento. A crença será irmã gêmea da ciência e o Verbo arderá como um Sol de novo significado, pois a verdadeira religião significa “Eu faço a união”.
RESSURJAM CHRISTOS!
A Igreja (católica) Exotérica fechou as extremidades de Sua Cruz. Por isso ela é exotérica e nunca será esotérica até que abra os braços do Caminho de “Quatro Vias”. Abri os olhos e os ouvidos! “Não fecheis os braços de Minha Cruz”
CAPÍTULO 8 - UMA GRAVE PROFECIA
Era a primeira hora do primeiro dia do quinto mês após eu ter começado a freqüentar o Xioquithlon; era Bazix, conseqüentemente, a trigésima semana do ano, cujo fim se aproximava, restando Apenas três semanas para terminar o ano de 11.160 a.C.
Como o leitor já verificou, o dia para os poseidanos começava no meridiano e, portanto, a primeira hora do dia era contada do meio-dia à uma da tarde. A contar dessa hora, no último dia de cada semana até o final da vigésima quarta hora do dia seguinte, o primeiro dia da semana subseqüente, todos os negócios ficavam suspensos e o tempo era voltado para o culto religioso, uma observância que era imposta pela mais rígida de todas as leis, o costume. Hoje, em 1.886 d.C, existem os que argumentam que se um homem se empenha a semana inteira num trabalho sedentário, deve no domingo buscar a recreação natural, dedicando-se ociosamente a esportes atléticos ou a fatigantes passeios. Mas eu digo que assim como o corpo é a externalidade da alma, assim como é a alma também será o corpo.
Portanto, se a alma é de Deus, então voltar ao Pai com a freqüência possível é ser recriado, é obter repouso, renovação. Talvez não precise ser entre quatro paredes; melhor entre Suas obras (em meio à natureza), mas sempre com o pensamento natural, sem artificialidade, voltado principalmente para Ele. Por isso hoje continuo a favorecer a observância do Sabado, seja ele o sétimo ou qualquer outro dia da semana que atualmente tem sete dias, ou o décimo primeiro e o primeiro, como era na Atlântida.
Contudo, não farei de minhas preferências um argumento, apenas fazendo uma reasserção da bem conhecida lei psicológica segundo a qual um dia periódico de descanso é necessário para tua saúde, a felicidade e a espiritualidade. Na Atlântida, toda pessoa era livre para usar as horas da manhã, mesmo no décimo primeiro dia, da maneira que lhe fosse mais agradável, trabalhando ou se divertindo. Mas na primeira hora, um sino enorme e de bela tonalidade badalava com um som intenso e reverberante duas vezes, fazia uma pausa, e depois soava mais quatro vezes. Nesse momento cessavam todas as ocupações e se iniciava o culto religioso. No dia seguinte, o grande sino tocava novamente; outros sinos soavam em sincronia em toda a extensão do grande continente: O mesmo acontecia nas populosas colônias de Umaur e Incalia, com a diferença de tempo cuidadosamente calculada.
Havia um homem no grande templo de Incal em Caiphul que cumpria esse dever solene e docemente. Então o tempo de culto terminava e o resto do Inclut (primeiro dia) era dedicado a recreações de toda sorte. Não deve minha descrição levar-te a pensar que esse culto fosse de natureza tristonha ou severa; não o era, nem avançava pela noite adentro, mas só até o momento em que todas as luzes permitidas naquela oportunidade se tornassem da cor vermelho-carmim pela fusão da velocidade atômica da força ódica, formando uma combinação dos elementos da luz e do estrôncio, realizada nas estações ódicas.
Por volta da terceira hora após ter terminado o Dia-Solar, um acontecimento peculiar aconteceu em minha vida em Poseid. Caminhando vagarosamente para casa e não tendo ainda chamado um vailx, preferindo andar, tomado da sonhadora calma produzida por influência da música ouvida num concerto público realizado nos jardins de Agacoe, encontrei um homem velho de nobre porte, também a pé. Eu o havia visto muitas vezes em ocasiões anteriores e sabia ser um príncipe por causa do turbante cor de vinho. Ao vê-lo, na oportunidade de que falo, a direção de meu pensamento foi alterada e resolvi não ir diretamente para casa e permanecer na cidade por mais algum tempo, talvez toda a noite.
No momento em que tomei essa decisão, o homem sorriu, mas continuou a caminhar. Notei então que, embora parecesse mesmo o príncipe que eu tinha em mente, não se tratava da mesma pessoa; eu me iludira com certeza, pois seu turbante era branco puro, e não cor de vinho. Senti que ele tinha desejado falar comido mas por alguma razão não o fizera. Se eu estivesse por ali em uma hora mais tardia, poderia novamente encontrá-lo e descobrir o que ele tinha para me dizer. Ponderando nisso entrei num café localizado num dos túneis em forma de caverna, onde uma avenida transpunha uma colina; pedi o almoço e fiquei esperando ser servido. Nesse meio tempo entrou no local um xioquene, ou estudante, com quem eu havia
feito amizade, para fazer o mesmo que eu.
Almoçamos juntos e terminada a refeição fomos até o canal, onde tomamos um barco que era alugado por um homem pobre que ganhava a vida alugando esses barcos para quem gostasse dessa distração raramente utilizada por ser o vailx o transporte comum. Havia uma brisa fresca e navegamos na direção do oceano pela saída formada pelo Nomis, o grande rio que fazia um circuito completo da cidade, atravessando o fosso, ou canal, e depois desembocando no mar. Por causa desse demorado passeio não consegui voltar à avenida a não ser depois da caída da noite. Quando cheguei perto do ponto onde havia acontecido meu encontro com o desconhecido de turbante branco, desta vez de carro, vi sua imponente figura imóvel à luz brilhante da lua tropical.
Eu tinha desejado bastante re-vê-lo, e desta vez inclinei a cabeça numa saudação cortês. Diante disso o estranho disse: “Um momento! Eu gostaria de falar contigo, jovem, em particular.” Quase mecanicamente fiz o carro parar, obedecendo seu gesto indicando que eu descesse e, posicionando a alavanca para que o veículo se movesse à mesma velocidade de uma caminhada lenta, deixei que continuasse a se mover, sabendo que se ninguém o utilizasse logo chegaria a uma estação de parada onde se deteria automaticamente. Quando me vi diante do sacerdote, que é o que eu pensava que fosse, ele disse:
“Teu nome, pelo que julgo, é Zailm Numinos?”
“Sim, é esse o meu nome.”
“Eu te vi muitas vezes e estou informado a teu respeito. Tens uma louvável vontade de te aprimorares e alcançares elevadas honrarias entre os homens. Ainda és um menino, mas a bom caminho de teres êxito como homem, no sentido comum dado ao termo “êxito”. Um menino consciencioso entretanto, olhado com simpatia pelo soberano. Serás bem sucedido e chegarás a posições de elevada honra e abundância, e terás a consideração de todos os teus semelhantes. Contudo, não viverás o período completo concedido ao homem na Terra. Em tua breve vida conhecerás o amor. Vivenciarás a mais pura afeição que o homem é capaz de sentir por uma mulher. Mas não obstante tudo isso, esse não será um amor plenamente realizado neste período de existência”.
“E amarás novamente e derramaras lágrimas por causa disso. Farás algum bem ao mundo mas, ah, bastante mal também. E por causa de um destino sombrio, muitas tristezas te advirão. Por tua causa, alguém sofrerá profunda infelicidade e angústia; terás de pagar caro por isso e não estarás livre até que o tenhas feito. Entretanto, eis que nesta vida não te será exigido muito. Quando menos pensares em pecado, tropeçarás nele e cometerás uma grave ofensa que representará uma sina perseguidora e inexorável. Mesmo agora, nos teus dias de inocência, já palmilhas o caminho do destino”.
Ah, assim é. Certa vez chegaste perto de compreender a tua morte, que é apenas a menor parte do que te acontecerá; mas acordaste e fugiste das cavernas da montanha ardente para a segurança.Não obstante, pássaras finalmente para Navazzamin, o inundo das almas que daqui partem e -atenta! – eu te digo que perecerás numa caverna. E eu serei o último ser vivo em quem o teu olhar de poseidano pousará. Não terei então a aparência que tenho agora e não saberás que sou aquele que dará fim ao malfeitor que te terá atraído insidiosamente para a tua destruição. Tenho dito. Que a paz esteja contigo.”
Muito me espantei ao ouvir essas palavras, julgando a princípio que quem as pronunciara tivesse fugido do Nossinithlon (literalmente a “Casa dos Lunáticos” ou pessoas loucas), isso a despeito das circunstâncias em que nos havíamos encontrado. Mas à medida que ele falava eu me convencia de que tinha feito um julgamento falso. Finalmente, confuso, olhei para o chão, não sabendo o que pensar, tomado por um indefinível temor. Quando ele se calou e me desejou paz, levantei os olhos para fitá-lo de frente e, para meu espanto, não vi mais viva alma, pois eu estava sozinho na grande praça com uma fonte no centro, cujo jato parecia praia líquida à luz da Lua. Olhei para todos os lados. Teria sonhado? Certamente não. Seriam as palavras do misterioso estranho verdadeiras ou falsas? O tempo satisfará tua curiosidade, amigo, assim como satisfez a minha.
CAPÍTULO 9 - A CURA DO CRIME
Nos quatro anos que se seguiram ao meu estranho encontro com o homem alto e ereto, de cabelos brancos, que havia profetizado acontecimentos a mim ligados, estes se sucederam em harmonia com sua predição. Nunca mais nos havíamos visto, a não ser uma vez, antes de minha morte. Antes de continuar, devo lembrar e em seguida tirar de cena meus sócios na mina de ouro e o homem que comprou o ouro sabendo que esse ato era ilegal.
Vários meses tinham se passado desde minha entrevista com o Rai Gwauxln em seus aposentos particulares, quando um jovem usando um turbante de cor laranja com um alfinete de ouro e uma granada nele engastada, o que o distinguia como um guarda do serviço imperial, entrou na sala de geologia do Xioquithlon e, dirigindo-se ao instrutor-chefe, falou com ele em voz baixa. Batendo na mesa para chamar a atenção dos noventa ou mais alunos que assistiam à aula sobre minerais, o chefe perguntou se um Xioquene de nome Zailm Numinos estava presente.
Levantei em resposta à pergunta, apresentando-me. “Vem até aqui.” Os outros Xioquene observaram com interesse quando me dirigi à frente da sala, não sem alguma agitação pois eu sabia muito bem qual serviço era representado pelo mensageiro, e o instrutor falara num tom severo nada agradável. “Este mensageiro deseja que o acompanhes à presença do Rai, pois este assim ordenou. Ele está nas Tribunas da Corte Criminal e precisa de ti como testemunha.” Lembrando o que o Rai havia dito, fiquei mais confiante pela importância das palavras a mim dirigidas e, já não estando tão apreensivo, fiz o que pediam. Chegando à Corte dos Tribunos, vi meus sócios na mina de ouro ali, sob custódia, junto com o comprador do ouro que também havia sido indiciado.
O juiz estava sentado no divã judicial em sua plataforma elevada e ao seu lado estava sentado, com simples dignidade, o Rai Gwauxln, Rai (o rei) da maior nação da Terra de então, apesar de sua posição, ele observava respeitosamente o feito de que o juiz tinha a precedência enquanto na corte. Vários espectadores estavam sentados nos assentos providenciados para o público no auditório. Só podia ser dado um veredito relativo aos contraventores: “Culpados”. Esta decisão foi tomada rapidamente e os réus admitiram esse fato. Imediatamente um dos funcionários judiciais levou os prisioneiros a outra parte do edifício onde havia um aposento bem iluminado, aparelhado com vários instrumentos portáteis e fixos. Ele foi acompanhado por todos os presentes.
Uma cadeira com encosto para a cabeça, com presilhas, e outros encostos com presilhas e tiras de couro para prender os membros e o corpo do ocupante estava no centro da sala. Um guarda fez sentar um dos prisioneiros e prendeu-o firmemente na cadeira. Tendo sido tomada essa medida preliminar, um Xioqa se aproximou, trazendo nas mãos um pequeno instrumento que percebi ser de natureza magnética, por sua aparência. Ele colocou os dois pólos do mesmo nas mãos do homem condenado e, após uma breve manipulação, ouviu-se um som leve e ronronante. No mesmo instante os olhos do prisioneiro se fecharam e sua aparência denotou um profundo estupor.
Na realidade, ele fora magneticamente anestesiado. Então o operador apalpou cuidadosamente todo o crânio do homem inconsciente; concluído o exame, ordenou ao seu atendente que raspasse todo o cabelo. Quando essa ordem tinha sido cumprida, ele fez uma marca azul na superfície raspada, na frente e acima das orelhas. Continuando a apalpar, escreveu o numeral poseidano 2, acima e um pouco atrás de cada orelha. Feito isso, voltou a atenção para os espectadores mas, ouvindo as palavras do Rai Gwauxln, fez uma pausa antes do discurso que se propusera fazer aos presentes e me chamou para o seu lado, para onde me dirigi, deixando o local onde estava, além da grade. Então ele falou:
“Neste prisioneiro, verifiquei que as faculdades dominantes e mais positivas são as que marquei um e dois; o número um é um ambicioso desejo de ter propriedades, e sua disposição é fazer todas as coisas secretamente, como se pode ver pela proeminência excessiva dos órgãos do sigilo. Como o crânio não se alongasse muito para cima, mas é bastante largo entre as orelhas, no número dois, concluo que temos aqui um indivíduo muito ganancioso a quem faltam consciência e espiritualidade e, por conseqüência, uma natureza moral, quase que totalmente. Como ele também possui um temperamento muito destrutivo, temos aqui uma pessoa muito perigosa e me surpreende que ainda não tenha vindo a este lugar para ser corrigido.
Por que alguém hesitaria em se submeter a um tratamento corretivo voluntário, causa-me estranheza. Suponho que seja algo explicável pela teoria de que alguém que esteja no baixo plano moral deste pobre homem é incapaz de perceber a vantagem de se encontrar num plano superior, mas é capaz de ver as vantagens imediatas de seguir métodos execrâveis para atingir seus objetivos. Em resumo, trata-se de um homem que não hesitaria em cometer um assassinato se isso lhe desse um ganho imediato, sem ter ideia das conseqüências futuras de seu ato. Isto é verdade, Zo Rai?” “Sim”, respondeu o Rai. “Tendo meu diagnóstico deste caso”, continuou o Xioqa, “sido confirmado por tão alta autoridade, farei a aplicação da cura”.
Ele chamou um atendente, que se aproximou com outro aparelho magnético sobre rodas, contido numa pesada caixa de metal, tendo colocado o mesmo em atividade de forma satisfatória. O Xioqa aplicou seu pólo positivo no ponto marcado pelo número um na cabeça do prisioneiro e o outro pólo na nuca. Então pegou seu marcador de tempo e colocou-o sobre a caixa de metal do instrumento, perto de um dial cujo ponteiro ele ajustou. Houve silêncio geral, a não ser por conversas em voz muito baixa em várias partes da sala, durante a meia hora seguinte. Ao fim desse período o Xioqa se levantou de sua cadeira e mudou o pólo positivo para o lado oposto da cabeça do réu, onde estava a duplicata do número um.
Houve outra meia hora de espera silenciosa, só interrompida pela saída de alguns espectadores e entrada de outros. Quando a segunda meia hora passou, o operador passou o pólo para o local marcado “dois”. Desta vez só meia hora foi dada para os dois lados da cabeça. O imperador tinha me ordenado que ficasse na sala. Ele só havia ficado alguns instantes após o início da operação que não tinha novidades para ele. Ao final da sessão com o primeiro homem, este foi tirado da anestesia pela influência do aparelho magnético, cuja operação foi invertida numa segunda aplicação. O Xioqa fez uma preleção sobre o tema da operação enquanto o primeiro paciente era removido do local. Ele disse o seguinte ao grupo de espectadores que tinha aumentado bastante:
“Vistes o tratamento das qualidades mentais que tendiam, por sua proeminência, a distorcer sua natureza moral apenas parcialmente desenvolvida. O processo consistiu em atrofiar parcialmente os canais vasculares que irrigam a parte do cérebro onde se localizam os órgãos da ganância e da destruição. Mas dito isso, deveis observar que a alma é superior ao cérebro físico e é na alma, na natureza do homem, que residem essas tendências criminosas (sendo o cérebro e outros órgãos apenas a sede da expressão psíquica) – o escritório administrativo, por assim dizer. Portanto, a mera hipnotização desse homem não cumpriria nosso propósito.
No estado hipnótico há uma atração para dentro, e os vasos sangüíneos do cérebro se contraem e ficam parcialmente sem sangue; podem, inclusive, tornar-se fatalmente esvaziados. Esta arte é verdadeiramente muito perigosa. Mas o efeito oposto é produzido no afaísmo (o equivalente poseidano de “mesmerismo”). O cérebro fica cheio de sangue e a reversão do instrumento inicia o processo (hipnótico) afáico. Nesse momento a mente do operador pode assumir o controle da mente do paciente e sugerir à alma pecadora uma permanente cessação do pecado. Este homem foi tratado dessa forma, duplamente, porque o suprimento de sangue foi parcialmente interrompido para os órgãos que sediam sua fraqueza, mas também, através de minha vontade, comuniquei à alma que deixasse de errar e incumbi-a de executar um trabalho que terá uma ação contrária.
Ele poderá se sentir adoentado por alguns dias, mas suas tendências pecaminosas terão desaparecido. É preciso uma mente superior, que tenha cometido erros de diferentes espécies, para termos um malfeitor bem-sucedido, e onde estiver a natureza mais baixa, principalmente uma natureza sexual pervertida, estará o criminoso. Na Atlântida ele não tem saída, pois, se uma pessoa denota essa disposição, o Estado a toma pela mão e age sobre os órgãos pertinentes. Mas creio que não é necessário que eu me alongue mais sobre este assunto.” Tendo o primeiro homem sido levado para receber cuidados, o segundo dos meus sócios foi colocado na cadeira.
O exame do desenvolvimento cerebral revelou que ele era mais um fraco que um malvado: um prevaricador habitual e com tendências libertinas; tinha um crânio que estava colocado principalmente para trás e para cima das orelhas. Não acho necessário descrever seu tratamento, que seguiu as mesmas linhas do anterior; a sugestão (hipnótica) mesmérica foi o principal método de cura. Ao voltar para casa aquela tarde, decidi acrescentar a ciência da frenologia profilática ao meu currículo. E assim fiz.
Pela prática do conhecimento dos homens, que então eu adquiri, eu interferi com o carma de não poucos indivíduos, mas, como o resultado provou, a interferência não foi em nenhum, prejudicial, de modo que eu não tenho para responder por nenhum dano provocado. De vez em quando eu desejei que eu mesmo tivesse me submetido para tratamento nas mãos do Estado, por que se isso tivesse sido feito, no mínimo, eu teria evitado o cometimento de erros que causaram muita miséria mais tarde, para mim, e para os outros, por mim provocado.
Que eu não o tivesse feito, foi assim, melhor, mas também porque ninguém pode de qualquer forma que seja, fugir das suas próprias responsabilidades com seu personagem, com o carma de todas as suas encarnações anteriores. Pois ter assim eu mesmo me submetido à correção teria sido uma evasão do calvário (do carma e consequente aprendizado) que me esperava, uma espécie de tentativa covarde semelhante ao ato de um suicida que procura evitar problemas na terra praticando o suicídio, e que em cada vida assim terminada não se escapa de nada, nem um jota ou til da lei de Deus. Em vez disso, ele acumula suas montanhas de misérias e penalidades mais alto e prolonga através do karma inexorável, em mais outras encarnações terrenas, a sua própria angústia.
Assim é com os que morrem pela auto-destruição (suicídio); mas aqueles que morrem por causas inevitáveis involuntariamente, não são visitados por essas sanções. Então, os culpados Poseidanos que não poderiam evitar o tratamento foram sabiamente beneficiados, enquanto que para mim a submissão voluntária teria semeado dentes de dragão para o meu caminho futuro. As penalidades, aos que observam a Lei, não preocupam aqueles que a conhecem e, assim sabendo, se submetem à vontade de Deus, a aceitam, enfrentam e aprendem com o seu próprio carma.
CAPÍTULO 10 - REALIZAÇÃO
O governo estava acostumado a fiscalizar sistematicamente os mais proeminentes Xioqueni (estudantes) a quem concedia bolsas de estudo, mas a supervisão não era ostensiva; na verdade mal era percebida pelos que estavam sob sua paternal vigilância. Aqueles que além de serem inteligentes e estudiosos, aproximavam-se do final do seu termo colegial, eram admitidos às sessões do Conselho dos Noventa que não fossem de caráter executivo ou secreto. Havia alguns Xioqueni favoritos especiais que, mediante votos estritos, não eram excluídos de qualquer reunião dos conselheiros. Nenhum dos muitos milhares de estudantes deixava de dar valor ao menor «desses privilégios, pois além da honra que eles conferiam, as lições sobre a arte de governar que eles aprendiam representavam uma incalculável vantagem em sua formação.
Na segunda metade de meu quarto ano de freqüência à escola, procurou-me um certo Príncipe Menax que desejava saber se eu aceitaria o cargo de Secretário dos Registros, o qual me daria a oportunidade de me familiarizar com todos os detalhes do governo de Poseid. Ele assim falou: “Este é um privilégio verdadeiramente importante, que estou feliz em te oferecer porque tens capacidade de desempenhá-lo de modo a satisfazer o conselho. Esse cargo te colocará em estreito contato com o Rai e todos os príncipes, e também te dará certo grau de autoridade. Que me respondes?”
“Príncipe Menax, estou ciente de que esta é uma grande honra. Mas permite-me perguntar por que ofereces tão grande oportunidade a alguém que se considera um quase completo estranho para ti?” “Porque, Zailm Numinos, decidi que és digno e agora te dou ocasião para provar isso. Não és desconhecido para mim, embora eu o seja para ti; tenho confiança em ti; não queres me provar que essa confiança está bem fundamentada?” “Certamente.” “Pois então ergue tua mão direita para o fulgurante Incal e por esse símbolo sublime declara que em caso algum revelarás coisa alguma que se passe nas sessões secretas, e nenhum dos atos acontecidos no Salão Nobre das Leis.”
Fiz o voto e, ao fazê-lo, fiquei obrigado por um juramento inviolável aos olhos de todos os poseidanos. Dessa forma tornei-me um dos sete secretários não eleitos e não oficiais, que eram incumbidos de escrever os relatórios especiais e cuidar de muitos documentos de estado importantes. Certamente não era pequena essa distinção conferida a um dentre nove mil
Xioqueni, um homem ainda sem direito a voto numa nação de cerca de trezentos milhões de habitantes. Se por algum motivo eu pudesse atribuir esse fato ao meu mérito, nem por isso me consideraria melhor que cem dos meus colegas. O oferecimento se deveu em grande parte à minha popularidade pessoal junto aos poderosos, uma popularidade, entretanto, que eu não teria se não tivesse demonstrado em todos os campos a mesma sólida determinação que havia regido minhas ações no solitário pico do (Pitak) Rhok, a grande montanha.
O Príncipe Menax continuou, dizendo: “Gostaria de ver-te esta noite no meu palácio, se te for conveniente, pois tenho algumas coisas para te dizer. Agradar-me-ia provar teu erro em acreditar que me és desconhecido, apenas porque és um entre os muitos estudantes Xioqueni, cada um deles perseguindo igualmente o conhecimento. Partiu de mim e não do teu Xioql (preceptor-chefe), como imaginaste, o convite para assistires às sessões do conselho ordinário. Os Astiki (príncipes de estado) estão sempre muito interessados nos Xioqueni de maior mérito; por isso tantos pequenos deveres te foram dados a cumprir. Mas nada mais direi agora, para não atrapalhar tuas aulas. Lembra-te da hora marcada, a oitava.”
Menax exercia o mais alto cargo ministerial de todos os Astiki, pois era o primeiro-ministro e, como tal, principal consultor do Rai. Minha autoestima aumentou quando percebi que era contemplado com tão elevado favorecimento, mas isso me encheu de gratidão e não de convencimento. Tratava-se realmente de auto-estima, não de vaidade. Embora aquela não fosse minha primeira visita ao palácio desse príncipe, de forma alguma eu poderia dizer que estava familiarizado com o interior de seu astikithlon. Enrolando o meu melhor turbante verde em volta da cabeça e fechando-o com um alfinete que trazia uma pedra de quartzo cinzento com veios verdes como azinhavre nele engastada, o que denotava minha categoria social, entrei no naim e chamei um vailx citadino, como chamarias um taci.
O veículo logo chegou; embora pequeno, era amplo o bastante para acomodar dois, três e até quatro passageiros. Dando boa noite à minha mãe, logo me pus a caminho. O condutor me deixou sossegado e eu fiquei ouvindo a furiosa arremetida das torrentes de chuva que faziam a noite inclemente ao extremo. O palácio de Menax não ficava distante do cais interior do canal, no ponto mais próximo entre este e minha casa suburbana. A distância era de dez milhas e por isto a viagem aérea de lá até o canal durou o mesmo tempo que durou para o vailx encostar no amplo piso de mármore da estação, arrastando um pouco o fundo, anunciando assim a sua chegada.
Um sentinela se aproximou para saber o que eu queria e, tendo sido atendido, chamou um servidor para me escoltar até onde estava o príncipe Menax. Vários funcionários categorizados do séquito do príncipe estavam no grande aposento, laboriosamente ocupados em fazer nada em particular, ocupação na qual estavam sendo auxiliados por várias damas que residiam no palácio. O Príncipe Menax estava deitado num diva colocado na frente de uma grade cheia de pedaços de alguma substância refratária aquecida pela força universal.
No tempo que levou para o atendente me conduzir à presença do príncipe e anunciar minha chegada, tive oportunidade de notar um grupo de funcionários e senhoras reunidos no espaço ao redor de uma mulher de tão grande graça e beleza que nem sua evidente tristeza e aflição nem a distância entre a entrada e o canto onde ela estava sentada conseguiram ocultá-la completamente. Suas roupas, suas feições e sua tez mostravam que ela não era filha de Poseid, pois não tinha os olhos e cabelos escuros, e a pele clara mas distintamente acobreada. Aquela mulher triste e aflita era ao contrário disso tudo, pelo que minha rápida vista de olhos pôde discernir na distância que nos separava.
O príncipe Menax disse, saudando-me: “Sê bem-vindo. Senta-te. A noite está tempestuosa mas eu te conheço bem. Como prometeste vir, viestes.” Ele ficou em silêncio por algum tempo, olhando fixamente para a grelha que ardia, e então perguntou: “Zailm, tu participarás na competição em Xio nos nove dias reservados para o exame anual dos Xioqueni?” “Tenho essa intenção, meu Astika.” “Tens o direito de adiar o exame até o último ano do seu termo.” “É assim para todos os Xioqueni?” “Aprovo enfaticamente tua determinação. Eu mesmo agi assim, quando era estudante. Espero que sejas aprovado, para que te alegres com teu êxito, embora isso não diminua o número de teus anos de estudo. Mas o que acontecerá após o exame?
Terás um mês para fazer o que tiveres vontade. Quisera eu ter trinta e três dias de descanso dos meus deveres!” Menax fez uma pausa meditativa e continuou: “Zailm, tens algum plano especial para estas férias?” “Nenhum, meu príncipe.” “Nenhum. . . Muito bem. Agradar-te-ia me prestar um serviço, indo para um país distante para fazer-me esta gentileza? Após completares esse rápido dever, poderás ficar lá pelo tempo que quiseres, ou ir para onde a fantasia te chame.” Não vi razão para me negar a fazer o que ele queria, e como o serviço solicitado me levou a uma terra até aqui só de passagem mencionada, considero justificado prefaciar meu relato sobre aquela longínqua viagem com uma descrição de Suernis, hoje chamada como ÍNDIA, e de Necropan ou hoje o EGITO, as mais civilizadas nações que não estavam sob a supremacia E O GOVERNO de Poseid.
Quando as nações tentam tornar a religião absolutamente dominante em seus assuntos, o resultado não pode deixar de ser marcado pelo desastre. A política teocrática dos israelitas é uma ilustração disso e, como o leitor deve ter percebido há muito, Suernis (ÍNDIA) e Necropan (EGITO) foram exemplos ainda mais antigos na história do mundo. A razão disso não é a de que a religião seja um fracasso; a força deste registro de minha vida deve transmitir a verdade de que julgo nada haver de melhor do que a religião pura, sem máculas. Não, a razão por que uma teocracia bem-sucedida não pode durar é que a atenção de seus dirigentes deve ser dada às coisas espirituais para que o espiritual tenha êxito, e as coisas do Reino de Deus nunca podem ser as coisas da terra. Pelo menos não até que o homem esteja totalmente desenvolvido em seu sexto ou o princípio psíquico e tenha se purificado de toda mancha de animalidade, pelo fogo do Espírito.
Suernis e Necropan tinham uma civilização que hoje percebo ter sido tão adiantada quanto a nossa, embora diferente. Mas, porque não tinha quase nenhum ponto em comum com a de Poseid, o povo deste país a considerava com certo desprezo quando a ela se referia entre seus iguais. Entretanto, os poseidanos eram muito respeitosos em seus contatos com aqueles povos, por razões que ficarão claras no decorrer da narrativa.
As diferenças entre essas duas civilizações contemporâneas se encontravam no fato de que Poseid tendia para o cultivo das artes mecânicas (desenvolvimento e endeusamento da TECNOLOGIA), para as ciências ligadas às coisas materiais, e se contentava em aceitar sem questionamento a religião de seus ancestrais, enquanto que os suernis e necropanos davam grande importância a tudo que fosse oculto e tivesse significação religiosa – princípios verdadeiramente práticos, pois as leis ocultas têm influência sobre a materialidade – mas descuidavam-se dos assuntos materiais, salvo quanto à adequada manutenção da existência física.
Sua regra de vida estava resumida no princípio de não tomar grande conhecimento da existência presente e preocupar-se com o futuro. O princípio vital de Poseid era estender seu domínio sobre todas as coisas naturais (e se possível sobre todo o planeta). Havia os que filosofavam a respeito do espírito; eram os teóricos poseidanos, que desenhavam o quadro do destino da Atlântida. Eles apontavam para o fato de que nossos esplêndidos triunfos materiais, nossas artes, ciências e progresso, dependiam absolutamente da utilização do poder oculto extraído do Lado-Noite (feminino) da Natureza. Este fato era comparado com a verdade de que os misteriosos poderes dos suernis e necropanos deviam sua existência ao mesmo reino oculto, concluindo que com o tempo também daríamos menos importância ao progresso material e empregaríamos nossa energia em estudos ocultos.
Seus presságios (sobe o futuro de Atlântida-Poseid), por conseguinte, eram extremamente sombrios; mas, embora o povo os ouvisse com respeito, a incapacidade desses profetas para sugerir uma solução os tornava objeto de um secreto desprezo, a algum grau. Qualquer um que encontre defeitos no estado de coisas existente e se mostre obviamente incapaz de oferecer um substitutivo superior, não pode deixar de ser publicamente ridicularizado. Nós, poseidanos, sabíamos que as duas misteriosas nações de além-mar possuíam capacidades que virtualmente superava de longe nossas realizações, como o nosso poder de navegar pelo espaço aéreo e nas profundezas das águas, nossos velozes carros, nossas embarcações submarinas.
Não, eles não se jactavam de tais conveniências, pois não precisavam delas para levar adiante sua existência, não tendo o desejo, como supúnhamos, de terem tais aparelhos, talvez nosso desprezo fosse mais uma afetação que uma realidade, pois em nossos momentos de pensar mais sobriamente nós reconhecíamos sua supremacia com grande admiração. Mas com quem falaríamos, quem veríamos e ouviríamos, sendo vistos e ouvidos, no desejo de nos comunicarmos a qualquer distância e sem fios, por meio das correntes magnéticas do globo? Verdadeiramente, nunca conhecemos a dor da separação de nossos amigos; podíamos atender as demandas do comércio e transportar nossos exércitos em tempo de guerra em um dia para qualquer lugar do mundo, tudo isso enquanto nossos dispositivos mecânicos e elétricos estivessem disponíveis.
Mas de que valia toda essa esplêndida capacidade? Se um dos mais competentes Xioqueni fosse encerrado numa masmorra, todo o seu conhecimento seria nulo; privado de todos os implementos e meios costumeiros, ele não poderia ter a esperança de ver, ouvir ou escapar sem ajuda externa. Suas maravilhosas capacidades dependiam das criações de sua inteligência. Não era assim no caso dos suernis e necropanos. Nenhum poseidano saberia a maneira de aprisionar qualquer desses cidadãos. Se um suerni ou necropano fosse encerrado numa masmorra, simplesmente se levantaria e iria embora como Paulo de Tarso; podia ver e ouvir a qualquer distância, sem o naim (telefone); andar entre inimigos sem ser visto. De que valiam então nossos triunfos tecnológicos diante desses poderosos suernis e necropanos?
Que utilidade teriam nossos instrumentos de guerra contra esse tipo de povo, se um só de seus homens, olhando com olhos em que queimava a terrível luz do poder da vontade e usando contra nós as forças invisíveis do Lado- Noite (feminino da Natureza), poderia nos destruir como o faz o hálito ardente do fogo com as folhas verdes num campo incendiado? Nossos mísseis teriam alguma utilidade nesse caso? Se a pessoa contra quem fossem atirados poderia impedir seu trajeto rápido como um raio, fazendo-os cair a seus pés como a lanugem do cardo? E os explosivos mais poderosos que a nitroglicerina, atirados do céu de vailxes planando várias milhas acima no domo azul do firmamento? Seriam inúteis, pois o inimigo, com seu presciente olhar e perfeito controle de forças do Lado-Noite que desconhecíamos, poderia deter o petardo em sua queda e, ao invés de sofrer danos, poderia aniquilar a aeronave vailx e toda a sua tripulação.
A criança que já se queimou teme o fogo, pois em tempos passados tínhamos tentado conquistar aquelas nações, com desastroso fracasso (n.t. Fato histórico narrado no épico Ramayana, que narra um conflito entre Suerni (ÍNDIA) e Atlântida). Eles só se preocuparam em repelir nossos ataques, e tendo sido vitoriosos, deixaram-nos partir em paz. (Foram os anos se transformando em séculos e milênios, e a nossa atitude também se tornou apenas defensiva, deixando de ser ofensiva e, por causa dessa mudança de comportamento por parte de Poseid, desenvolveram-se relações amigáveis entre as três nações.
A Atlântida tinha finalmente aprendido uma boa parte do segredo do uso de forças magnéticas para destruir inimigos, dispensando mísseis, projéteis e explosivos como meios de defesa. Ainda assim, o conhecimento de Suerni (ÍNDIA) continuava a ser muito superior. Superior porque nossas armas magnéticas só espalhavam a morte numa área restrita, próxima ao operador; as deles atingiam qualquer ponto desejado por eles, por mais longínquo que fosse. Nossas armas destruíam indiscriminadamente todas as coisas existentes no alvo – inanimadas e animadas – todas as pessoas, amigas ou inimigas; animais e árvores, tudo ficava condenado. O poder das armas deles era controlado, atingindo o âmago da força oponente, e não destruía vidas desnecessariamente; aliás, não causava danos ao inimigo em geral, só aos OFICIAIS, GENERAIS e GOVERNANTES do lado contrário.
Eu havia tomado conhecimento desses fatos relativos aos suernis muito tempo antes. O Príncipe Menax tinha me pedido para cumprir uma missão junto àquele povo. Eu nunca tinha visitado Suerni e, como tinha o desejo de fazê-lo, fiquei satisfeito porque esse desejo seria gratificado. Após consentir em atender o pedido, perguntei ao príncipe qual seria a missão com as seguintes palavras: “Se o Astika disser a este filho o que deseja, satisfará sua crescente curiosidade”. “Eu o farei”, respondeu o príncipe. “Quero mandar um presente ao Rai de Suerni como retribuição de certas dádivas enviadas por ele ao Rai Gwauxln.
Embora tenhamos poucas dúvidas de que essas dádivas foram enviadas para nos induzir a aceitar cento e quarenta mulheres, prisioneiras do Rai Ernon de Suern, não podemos aceitar que eles de certa forma nos imponham uma espécie de suborno; embora as mulheres possam receber permissão para ficar ou ir para onde quiserem a não ser para onde os suernis as proíbam, decidimos considerar as jóias e o ouro que eles nos deram como um presente, e retribuí-lo adequadamente. Assim resolveu o conselho em assembléia. Parece que essas mulheres são membros de certas poderosas forças de imprudentes invasores cujo país se encontra a oeste de Suern. Esses grupos insensatamente guerrearam contra a terrível Suern.
Eles nunca tinham experimentado, nem visto outros experimentarem, a ira e o PODER com que Incal reveste Seus filhos de Suern, uma ira que devasta os inimigos como a foice sega o trigo. Ora, Ernon tem um país fértil, e esses selvagens ignorantes ambicionavam possuí-lo, e por isso declararam guerra a Ernon. A isso Ernon respondeu que não aceitava; que aqueles que o atacassem com arcos e viessem vestidos de couraças seriam enfrentados por ele e muito se arrependeriam, visto que Jeohvah como os Suerni preferiam chamar Aquele que denominamos Incal, o protegeria e ao povo de Suern, sem luta e sem derramamento de sangue. Diante disso os bárbaros responderam com linguagem arrogante, declarando que invadiriam aquela terra e destruiriam seu povo pela espada.
Então eles reuniram um grande exército, de muitos milhares de combatentes e acompanhantes, os quais, liderados por um destemido Astiki (Príncipe), arremeteram para o leste vindos pelo sul, para devastar o reino de Suern. Mas espera – há alguém nesta sala que sem dúvida poderá te dizer mais e melhor do que eu. Mailzis!” – disse ele ao seu criado particular – “traz à minha presença aquela estrangeira de pele clara”. Mailzis obedeceu e a estrangeira que eu tinha visto ao entrar no salão do príncipe levantou-se com uma atitude leve e graciosa que despertou minha admiração. Alisando a roupa calmamente, sem absolutamente se comportar como alguém que obedece a ordem de um superior, aproximou-se de Menax.
Levantando-se com deferência, o príncipe disse: “Senhora, farieis a gentileza de repetir o que narraste ao meu soberano? Sei que tua história é muitíssimo interessante”. Enquanto ouvia essas observações a estrangeira não olhou para o príncipe e sim para mim. Seus olhos tinham se fixado em meu rosto, não ousadamente mas com profunda atenção, embora sem ter consciência da fixidez de seu olhar. Seja como for, havia nele um tão grande poder magnético que tive de desviar os olhos, estranhamente intimidado, sentindo que continuava a ser observado a despeito disso. Ocorreu-me que ter respondido na língua poseidana indicava que ela possuía uma boa educação.
“Se te for agradável, Astika, que eu o faça, então será agradável para mim também”, disse ela. “Terei prazer em repetir a história para o jovem a quem tratas com favor. Entretanto preferiria que tua jovem filha não permanecesse aqui” – disse ela a meia-voz, com um olhar de antagonismo para Anzimee que estava sentada perto de nós, aparentemente ocupada em ler um livro, mas sem fazê-lo realmente, em minha opinião. O laivo de ciúme na voz da estrangeira não foi percebido por Menax, mas o foi por Anzimee, que se levantou e deixou o salão.
Desgostou-me esse ato e me ressenti do que o causara, o que a Saldu (n.t. da tribo Saldeia, que mais tarde na história humana seria conhecida como Caldeus) percebeu de imediato, mordendo o lábio, vexada. “Não deve ser agradável ficar de pé; senta-te aqui à minha direita e tu, Zailm, muda de lugar e senta à minha esquerda”, disse Menax, voltando a se acomodar no divã. Quando todos estavam devidamente sentados, mostramo-nos prontos para ouvir a narrativa. Nesse momento Mailzis, o criado, aproximou-se respeitosamente e, quando perguntado sobre o que desejava, disse: “É da vontade de teus oficiais e das senhoras do astikithlon também ouvir o relato.”
“Concedido; podes também conduzir o naim até aqui, perto de nós, para que o escriba dos Registros anote tudo.” Tendo recebido permissão, os peticionários logo estavam acomodados à nossa volta, alguns em assentos baixos e os mais altos oficiais que tinham mais familiaridade com o príncipe se estenderam de lado, apoiando-se no cotovelo, nos ricos tapetes de veludo que cobriam o chão, na frente de Menax. (…)
CAPITULO 11- O RELATO da Princesa Lolix
“Mailzis”, disse o príncipe, “sirva-nos vinho com especiarias”- Enquanto apreciávamos a refrescante bebida, que não era fermentada, passamos a ouvir a emocionante narrativa que se segue: “Creio que tendes conhecimento de meu país natal, visto que fazeis comércio com a nação Sald (n.t. o povo SALDEU, que muito mais tarde se chamariam Caldeus, depois do Dilúvio, quando se mudaram para a Mesopotâmia). Deveis igualmente ter sido informados a respeito do grande exército enviado por nosso governante contra a terrível Suern. Ah! Como sabíamos pouco sobre aquele povo!” -exclamou a bela mulher, apertando as pequenas e delicadas mãos numa agonia de aterrorizada retrospecção.
“Cento e sessenta mil guerreiros tinha meu pai sob seu comando. Metade desse número era formado por acompanhantes. Nossa cavalaria era o nosso orgulho, com seus veteranos experimentados e tão sedentos de sangue! Eram esplêndidas as nossas armas, cintilantes espadas e lanças. . . Oh, era um maravilhoso conjunto de bravos homens!” Diante dessa exaltação a armas tão primitivas os ouvintes não conseguiram reprimir um sorriso. Por um momento isto pareceu desconcertar a princesa, mas não por muito tempo, pois ela continuou: “Dessa poderosa e esplêndida maneira – ah, como eu amo o poder! -avançamos saqueando tudo pelo caminho que nos levava à cidade de Suern.
Quando chegamos perto, depois de muitos dias, não pudemos vê-la, pois se encontrava numa parte baixa da região. Não obstante, estávamos seguros de obter uma vitória fácil, pois alguns prisioneiros que havíamos feito nos informaram que Suern não tinha muralhas nem defesas semelhantes, e que nenhum exército se reuniria para nos combater. Efetivamente, em parte alguma tínhamos visto cidades muradas no país de Suern, nem havíamos encontrado resistência; por isso não derramáramos sangue, contentando-nos em torturar os cativos para nos divertirmos, libertando-os em seguida.” “Que horror!” – murmurou Menax entre dentes. “Bárbaros sem coração!” “Que dissestes, meu senhor?” – perguntou imediatamente a jovem. “Nada, senhora, nada! Apenas pensei alto na esplêndida marcha das hostes de Sald.”
Embora parecesse duvidar um pouco da exatidão dessas palavras, a Saldu continuou seu relato. “Tendo chegado a Suern, como eu estava dizendo, detivemos nossa marcha à beira de um desfiladeiro pouco profundo mas bastante largo, onde o Rai de Suern, pouco sábio e pouco belicoso, tinha construído sua capital, e assim mandamos um mensageiro oferecendo-lhe condições de guerra favoráveis. Como resposta, veio até nós um velho desarmado e sozinho, acompanhando nosso mensageiro. Ele era alto, ereto e tinha um porte tão cheio de dignidade que dava prazer contemplá-lo. Em verdade, ele pareceria o próprio poder encarnado! Eu deveria odiá-lo, mas não pude deixar de amá-lo! Se ele fosse mais jovem, eu o cortejaria para fazer dele meu companheiro.”
Diante dessa inesperada observação olhamos com espanto e outras emoções para a narradora, e ouvimos Menax perguntar: “Astiku, estou ouvindo bem? Cortejar um homem? É costume de teu povo permitir que a mulher tome a iniciativa? Pensei ser versado nos costumes de todas as nações antigas e modernas, mas desconhecia este fato. Entretanto, é de se esperar coisas estranhas de. . . bem, de uma raça que só tem números para ser reconhecida por um povo como o de Poseid.” Ela retrucou, “Por que não ser franco, Zo Astika? Por que não dizer o que pensas, que nações civilizadas como a tua consideram uma raça como a Saldu inferior a ponto de seus costumes serem desconhecidos para ti?”
O Príncipe Menax corou fortemente com envergonhado embaraço, pois não estava acostumado a prevaricações, e replicou: “Admito que a franqueza é melhor, mas não queria ferir teus sentimentos, Astika.” Com uma risada musical, divertida, a Astiki disse: “Zo Astika, permita-me dizer que em Sald ambos os sexos têm liberdade para cortejar seu escolhido ou escolhida. Por que não? Julgo sensato, penso. Seguirei nosso costume nesse sentido quando tiver oportunidade. Meu escolhido deverá agradar a vista e ter a coragem do leão do deserto -, sim, do deserto de onde veio o grande leão, no continente de Suernota. Sim, eu o farei se a oportunidade surgir” – reiterou a jovem com um pequeno suspiro.
Por fim ela retomou o fio da história, com voz desanimada e triste.- “O Astika meu pai, chefe de nossos exércitos, disse ao garboso velho: “Que diz teu governante?” “Ele diz: “Que o estrangeiro parta antes que minha ira desperte, pois atenta que eu o destruirei se não me obedecer! Terrível é a minha ira”. “O que tu dizes! E o teu exército? Não vi nenhum sinal dele” – disse meu pai com o sorriso de um veterano a quem oferecem uma resistência desprezível. “Chefe” – disse o enviado em tom baixo e sério -“será melhor que partas. Eu sou esse Rai e também sozinho sou o meu exército. Abandona essa terra agora mesmo, pois em breve isto será impossível. Vai embora, eu te imploro!”
“Tu és o Rai? Homem imprudente! Digo que quando o Sol tiver alcançado o próximo signo tua coragem não te salvará, a menos que retornes agora mesmo e reúnas teu exército. Ou então mandarei tua cabeça para o teu povo. Só te dou esta opção. Após o prazo dado, atacarei e saquearei a cidade. Não precisas temer pela tua segurança pessoal neste momento. Eu não posso ferir um inimigo desarmado! Vai em paz. De manhã atacarei teu exército. Devo ter um oponente digno.” “Tens em mim um oponente à altura. Nunca ouviste falar de Suerni? Sim? E não acreditaste! Oh, é verdade! Vais embora, eu te peço, enquanto podes fazê-lo com segurança!” “Homem seu juízo! – disse o chefe. “Este é o teu ultimato? Que seja! Afasta-te! Não irei embora; avançarei”.
Então o chefe chamou os capitães das legiões de soldados e comandou: “Para a frente, marchem e conquistem!” “Reconsidera tua ordem por um instante. Desejo fazer uma pergunta” – disse o Rai de Suern. “Respeitando esse pedido, nossos homens, que haviam se enfileirado e apresentado armas, detiveram-se em posição de descanso. À frente das fileiras do exército de Sald, postada na pequena colina de onde se via a capital suerni, estava a fina flor de nossa hoste militar. Eram veteranos leais e experientes, homens de gigantesca estatura, em número de dois mil oficiais, líderes dos homens menos experimentados. Jamais esquecerei seu garbo, jamais. Tão fortes; eram a própria juba do nosso poderoso leão, cada homem capaz de carregar um boi nas costas.
O Sol batia em suas lanças criando uma gloriosa fogueira de luz. Olhando para esses homens o Suerni disse: “Astika, não são estes os teus melhores homens?” “Sim.” “São estes de quem me disseram que torturaram meu povo por mero divertimento? E chamaram as vítimas de covardes, dizendo que homens que não resistem devem morrer e efetivamente mataram alguns de meus súditos?” “Não o nego” – disse meu pai. “Acaso pensas, Astika, que isso estava em teu direito? Não são dignos da morte homens que se vangloriam por derramar sangue?” “Possivelmente, mas que importa isso? Por acaso pensas em punir-me por esses atos?” – disse meu pai, com desprezo. “Sim, Astika. E depois partirás?” “Ora se o farei! Que boa brincadeira! Só que não estou com disposição para bravatas!” “Então te recusas a fazer a retirada, embora eu diga que permanecer é morrer?”
“Acaba com tuas tolices! Elas estão me cansando.” “Astika, sinto muito. Que seja como queres. Foste avisado de que devias partir. Ouviste falar do poder de Suern e não acreditastes. Pois agora prova dele!” “Com estas palavras o Rai fez um gesto amplo, apontando o dedo indicador para onde se encontrava o nosso maior orgulho – aqueles maravilhosos dois mil guerreiros. Seus lábios se moveram e mal consegui ouvir as palavras que ele murmurou-. “Senhor, fortalece minha fraqueza. Assim morre o culpado renitente.” “O que aconteceu então encheu todos os espectadores de tamanho horror, atingiu tanto sua superstição, que por cinco minutos não se ouviu qualquer som. De todos aqueles guerreiros veteranos, nenhum estava vivo.
A um gesto do velho mago Rai de Suerni suas cabeças penderam para a frente, as mãos soltaram as lanças e eles caíram no solo como bêbados. Nenhum som, a não ser o de sua queda; nenhuma reação; a morte chegara para eles como acontece com quem morre do coração. Ah, que assustador poder tens, Suernis!”
“E o Anjo da Morte estendeu suas asas sobre o mal E soprou fogo na face do inimigo ao passar.”
Senaqueribe era desconhecido naqueles tempos antediluvianos; a princesa saldu nunca ouvira o poema, mas nós o conhecemos, meu leitor, tu e eu, e isso é o bastante, pois a história repete-se a si mesmo. Ao descrever a ação do Rai de Suern, a princesa tinha ficado de pé, simulando ao mesmo tempo o gesto fatal do Rai Ernon de Suern.
Sua mímica foi tão convincente que o grupo de ouvintes à nossa esquerda se encolheu involuntariamente quando o braço dela passou por sobre suas cabeças. A Saldu percebeu isso e seus lábios se crisparam com desprezo. “Covardes!” – murmurou ela. Um poseidano ouviu e seu rosto corou quando ele disse: “Não, Astiku, não somos covardes! Considera nosso involuntário encolhimento um cumprimento aos teus poderes de comuni-tação.” Ela sorriu e disse: “Talvez seja assim”. Em seguida, abatida pela lembrança da aterradora força do poder invocado por Ernon, força que até a orgulhosa Atlântida temia, sentou-se molemente na cadeira, chorando.
Um pouco de vinho refez-lhe as forças e a narração foi retomada. “Depois do ominoso silêncio que se abateu sobre os que haviam testemunhado a horrível visão, as mulheres, viúvas e filhas dos mais altos oficiais que haviam morrido, começaram a gritar aflitivamente. Muitos de nossos homens, assim que conseguiram compreender que as histórias que tinham ouvido e desacreditado não eram boatos inconseqüentes, caíram por terra numa agonia de intenso terror. Ah! Naqueles momentos poderíeis ter ouvido súplicas a todos os deuses grandes e pequenos, os deuses em quem nosso povo confiava. Ha, ha!” – riu a princesa, amarga e desdenhosamente -“apelando para deuses de madeira, barro e metal, pedindo proteção contra aquele imenso poder! Bah! Como não posso viver em Suern por ter sido banida, também não viveria outra vez em minha terra natal!
Não quero mais saber de um povo que idolatra objetos insensíveis e os desafia. Não, Astika” – disse ela em resposta a uma pergunta de Menax -“nunca adorei ídolos; a maioria dos meus concidadãos o faz, mas nem todos. Não sou apóstata, mas reverencio o poder. Eu deveria odiar Ernon de Suern, mas não o odeio. Na verdade, se me fosse permitido, viveria em sua presença e idolatraria sua maravilhosa força que leva a morte aos seus inimigos com apenas um gesto de suas mãos. Como não me é permitido isso, prefiro permanecer entre teu povo que é uma grande raça, embora não se iguale à de Suern, é melhor e mais poderosa que a minha; oh, muito, muito mais!”
“Meu pai era inteligente demais para imaginar que aquilo fosse um truque tramado por um povo astuto e compreendeu, por aquela amarga lição, que a reputação atribuída a Suern pelos viajantes não era invenção de desocupados. Mas não se acovardou diante do Rai, pois tinha o espírito altaneiro demais para isso. Enquanto olhávamos estarrecidos para aquela terrível cena de morte, outra coisa não menos apavorante aconteceu. Nós, os sobreviventes, toda a hoste menos os dois mil, estávamos colocados entre os mortos e o rio a oeste da cidade. O Rai Ernon baixou a cabeça e orou – que profundo temor esse ato causou em nosso povo! Ouvi-o dizer: “Senhor, eu te suplico, concede o que teu servo pede!” “Então, vi as vítimas se levantarem uma por uma, tomando cada uma sua lança, escudo e elmo. Em seguida, em esquadras irregulares marcharam em nossa direção, em minha direção.
Oh, meu Deus! Passaram por nós na direção do rio. Percebi que seus olhos estavam semicerrados e opacos; o movimento de seus membros era mecânico; eles caminhavam como se estivessem presos por fios e suas armaduras ressoavam fazendo um barulho fantasmagórico… Então, um por um, os esquadrões foram direto para o rio, onde entraram na corrente, mais e mais, até que as águas se fecharam sobre as suas cabeças, e eles se foram para sempre, alimentando os crocodilos que já rugiam e rosnavam sobre suas presas para baixo do fluxo das águas do grande rio Gunja (n.t. hoje o rio Ganges).
Ninguém havia para liderá-los, não havia ninguém para carregar seus corpos; cada um deles entrando no rio como se ainda estivesse vivo, embora estivessem todos mortos; aquela soturna procisão, a mil passos de distância, completou a horrível sensação de medo e desesperado terror que se apossou do grande exército, que então e finalmente debandou horrorizado, deixando tudo para trás. Em breve só um punhado de soldados fiéis havia restado. Eles haviam ficado com seu comandante e estado-maior, prontos a partilhar com eles a morte a que estavam certos de que seriam submetidos. Também permaneceram ali algumas mulheres.
O Rai Ernon então falou: “Não te disse que devias partir ou que eu te puniria? Estás pronto para partir agora? Olha teu exército em fuga! Essa debandada não terá bom termo; milhares nunca mais verão Sald porque perecerão no caminho, contudo uma boa parte chegará ao seu lar. Mas tu nunca mais irás para casa, nem tu nem tuas mulheres. Contudo, elas não ficarão em minha terra, nem na terra delas, mas num país estranho para onde enviarei-as.” “Aquele antes altivo e agora humilhado soldado, meu pai, colocou um joelho em terra diante do Rai, e disse:
“Poderoso Rai, o que farias com essas inocentes mulheres? Disseste que meus guerreiros eram culpados; eu o admito e não me isento de culpa. Mas estas minhas mulheres não feriram homem algum. Tuas palavras me fizeram acreditar que a justiça é o teu princípio guia; teus atos dizem outra coisa, pois quando podias abater todos nós, fizeste um exemplo de uns poucos culpados. Imploro-te, portanto, que tenhas misericórdia das mulheres e talvez dos meus oficiais.”
“Terei clemência por teus oficiais, que te são fiéis, embora só esperem a morte como recompensa. Ordena-lhes que partam com o que sobre de teu exército. Eles não estão acostumados a cuidar das necessidades do corpo; portanto, com toda certeza perecerão, a menos que eu os salve. Tendo o poder, eu o usarei com misericórdia. Nenhum morrerá no caminho; nenhum passará fome e sede, nem sofrerá de qualquer doença. Ó Senhor! No caminho para casa nenhum se perderá, embora nenhum precise comer. Em volta deles as feras se agitarão e, ainda que estejam desarmados, nenhum animal lhes fará mal, pois o espírito do Senhor com eles, será seu abrigo e salvaguarda. Sim, Ele fará muito mais, pois entrará em suas almas para que esses que agora são guerreiros um dia se tornem Seus profetas, e elevarão teu povo e farão com que o Seu nome seja conhecido em todas as eras; serão uma raça de homens educados, de astrólogos, falando de Deus por suas obras celestiais.
Mas ainda assim chegará um dia daqui a cerca de seis mil anos, tempo que os homens da futura Caldeia tentarão mais uma vez prevalecer sobre o meu povo e novamente falharão como aconteceu agora; mas tu estarás há longo tempo com teus pais, adormecido após uma segunda vida, seguro no Nome do Senhor através do qual eu obro. Chamas inocentes as mulheres que voluntariamente vieram, envoltas na insolência de um suposto poder e invencibilidade, para assassinar meu povo? Inocentes! Elas que vieram testemunhar a rapina de minhas cidades e se deleitar com os sofrimentos de meus súditos? Inocentes! Não, não é assim! Portanto, ficarás retido aqui com tuas mulheres e moças. Atenta! Eu disse que não sairás daqui; as mulheres ficarão retidas por algum tempo, mas tu jamais sairás destas terras. Irás para uma prisão que não tem grades nem paredes; contudo, não há esperança de que tu possas fugir dela.”
“Queres dizer que vamos todos morrer, Zo Rai?” – perguntou meu pai com voz baixa e triste. “Não será assim. Zo Astika, pensas que posso condenar o assassínio e eu mesmo cometê-lo desnecessariamente? Não. Eu disse que não podes sair de Suern e que isso não será possível no futuro, apesar de que não estarás impedido por grades, nem vigiado por qualquer homem.” “Foi uma coisa trágica assistir à despedida entre os que tinham de ir e os que deviam ficar. Mas afinal, assim são as sinas da guerra e os fracos devem obedecer aos fortes. Eu havia me rejubilado com nosso imaginado , mas falso poderio e não me importava quem havia sido derrotado. Poder, ah, o poder! Penso que senti uma sombria satisfação em te contemplar,
Poder, meu ídolo, causando uma destruição tão rápida!” A princesa disse as últimas palavras pensativamente, aparentemente alheia ao ambiente, sentada com as mãos apertadas, com a admiração estampada no belo rosto, os olhos distantes, mas tão cruel afinal de contas! De porte real, personalidade dominadora, bela, maravilhosamente bela – diria o mundo de hoje como o de então. Ela tinha a aparência espantosamente parecida com a das mulheres americanas louras de hoje. Só que estas com certeza, não são como ela que se inclinava sempre para o poder triunfante, como as leoas. A verdadeira mulher americana (n.t. o livro foi escrito no final do século XIX), compassiva, autêntica, graciosa como um pássaro, doce como uma rosa recém «desabrochada, é como Lolix nesses traços, cessando aí qualquer paralelo, pois essa mulher de hoje se apega ao pai, ao irmão, ao amado, chova ou faça Sol, no triunfo e na derrota, fiel até a morte.
Tais mulheres sempre recebem sua recompensa. Houve um dia em que Lolix foi alterada para se tornar como as modernas jovens de hoje, mas isso foi anos depois. Existem alguns tipos de rosa que parecem cheias de espinhos enquanto estão em botão, mas que maravilhas de beleza são elas quando finalmente abrem o coração para o Sol e para o orvalho! Ao que parece, o Príncipe Menax ainda não tinha ouvido Lolix lalar tanto tempo, tendo esperado aquela ocasião, para que eu também pudesse ouvi-la. Conseqüentemente, foi uma revelação para ele ouvir de alguém tão bela e doce demonstrar uma natureza tão sem coração com seu relato, que tinha sido também uma reintrospecção meditativa para ela.
Após alguns momentos, Menax disse: “Astiku, contaste que sua Majestade de Suern não agiu contigo e tuas companheiras conforme tinhas antecipado, pois era o costume nacional de teu povo usar as prisioneiras mulheres para satisfazer o desejo lúbrico dos homens e suas paixões mais grosseiras.” “Astika Menax, não me julgarás desrespeitosa se te chamar amigo daqui por diante? Confesso que fiquei muito surpresa quando o Rai Ernon não agiu dessa forma. Eu não teria reclamado, pois assim são as vicissitudes da guerra. Mas ele, em vez disso, declarou que nem ele nem o povo de Suern precisavam de nós e mandou-nos para uma terra estrangeira, Atlântida. Será essa a nossa sorte aqui?”
“Não! De forma alguma!” – replicou Menax, os lábios se apertando de desgosto diante dessa crua insinuação. “Aqui tereis o apoio do governo até que cidadãos de Poseid escolham algumas de vós como esposas, se assim desejarem. Nosso povo às vezes revela preferências bem estranhas!” “És sarcástico, Astika!” A não ser por um leve erguer de sobrancelhas, ele não se dignou responder a essa observação; mesmo esse gesto foi tão discreto que eu não o teria percebido se não estivesse perto, olhando para o seu rosto. Depois de um silêncio um tanto prolongado, Menax disse que elas estavam proibidas para sempre de voltar para Sald porque. . . “Não é mais o meu lar!” – interrompeu apressadamente a mulher. “Mas é a terra de teu nascimento!” – disse Menax com certa aspereza, para voltar a ficar calado.
Lolix se levantou e, entrelaçando as mãos, exclamou com veemência : “Não desejo rever minha terra natal, nunca mais! Daqui por diante escolho lançar minha sorte em Poseid – e chamá-la meu lar!” “Como quiseres” -disse Menax. “Sem dúvida és uma mulher muito estranha. Por amor ao poder abandonaste teus deuses, teu lar e tua pátria. E as outras, tuas amigas cativas – não, espera! Talvez não sejam tuas amigas, uma vez que caíram em desgraça! Elas se esqueceram de seu país como tu?” Inclinando a encantadora cabeça, a princesa fixou os seus gloriosos olhos azuis no rosto do seu crítico. Duas lágrimas caíram de suas espessas pestanas, seus lábios tremeram e ela juntou as pequeninas mãos enquanto dizia: “Ah, Astika, és cruel!” – voltando-se e andando em pranto para o lugar onde eu a vira ao entrar.
Dessa forma, o botão de rosa não desabrochado foi confundido com a flor do espinheiro. Quanto a mim, uma estranha mistura de sentimentos tomou conta de mim, uma mistura de dúvida e aprovação. Tentei saber que tipo de natureza era aquela que podia ser tão desapiedada e ler tanta sede de poder a ponto de romper todo laço natural para ir atrás dele e, ao mesmo tempo, ser tão essencialmente feminina a ponto de se magoar tão profundamente diante da expressão de uma reprovação natural de sua conduta. Tive pena dela por ser tão ingênua e tão sinceramente honesta em sua falta de espírito, contando tão simplesmente sua história mais recente, obviamente esperando aprovação e ficando tão magoada pelo efeito contrário que havia obtido.
Finalmente a aprovação dividiu minhas emoções, porque o príncipe tinha feito uma censura bem merecida que, embora tivesse doído, não podia deixar de ter um efeito salutar. Minhas reflexões foram interrompidas nesse ponto por Menax, que disse: “Zailm, vamos ao Xanatithlon (construção própria para flores) onde tudo é silencioso e bonito entre as flores. Estaremos a sós lá. Eu poderia dispensar as pessoas do palácio, mas prefiro não perturbar mais essa jovem saldéia.”
CAPITULO 12 - UM ACONTECIMENTO INESPERADO
O inesperado acontece. O Príncipe Menax revela sua afeição por Zailm e pede que ele se torne seu filho.
Alguns passos nos fizeram alcançar a grande estufa ou Xanatithlon, onde cresciam todas as espécies de flores. Em seu centro havia uma fonte cujos graciosos jatos de água se erguiam até o cume do grande domo e, durante o dia, cintilavam à luz do Sol que se filtrava por milhares de vitrais coloridos. Mas naquele momento, em que o ruído monótono da chuva se misturava ao doce murmúrio da fonte, aquele monumento à beleza brilhava sob os raios de numerosas fontes elétricas que imitavam o Deus do Dia.
Misturadas às miríades de flores naturais havia centenas de outras, esculpidas em vidro com tanta perfeição que só pelo toque seria possível dizer quais eram produzidas pela Flora e quais pelo artista. Esses dispositivos de iluminação estavam em harmonia com as flores naturais dos arbustos, árvores e trepadeiras onde estavam colocados. Eram em pequeno número nos arbustos, mais numerosos nas árvores, havendo grande quantidade deles nas trepadeiras que cobriam arcos e pilares ou pendiam do alto, iluminando aquele paraíso floral com um brilho suave e constante, extremamente agradável.
Nesse deleitoso ambiente nos sentamos no que, à primeira vista, parecia ser um conjunto de pedras cobertas de musgo, contendo convidativas depressões, mas que na realidade eram confortáveis assentos. O musgo tinha sido fabricado pelos bichos-da-seda. . . “Senta-te aqui perto de mim, filho” – disse o benigno príncipe, indicando uma depressão ao lado da que ele havia escolhido para sentar. “Zailm” – começou ele -“nem sei por que te chamei aqui esta noite, por que não esperei para fazê-lo mais tarde. Mas ao mesmo tempo eu sei, pois tinha uma missão a ser confiada a uma pessoa apropriada. Embora existam outros com mais experiência, decidi confiá-la a ti. Já sabes do que se trata”.
Para mim estava claro que não fora essa a razão que levara o Astika a me escolher e que ele não tinha me convidado para visitar o conservatório por causa disso. O príncipe ficou em silêncio por algum tempo e depois me perguntou: “Já te contaram que minha esposa me deu um filho e que ambos foram arrebatados pela morte? Aí, tive um filho e uma filha. Incal seja louvado, ainda tenho uma filha! Mas meu filho, o orgulho de minha vida, foi para o Navazzamin, o destino de todos os mortais. Meu filho, ah, meu filho!”
Quando sua emoção arrefeceu um pouco, ele continuou: “Zailm, quando te vi, durante tua primeira conversa com o Rai faz quatro anos, se não me engano, fiquei espantado com a semelhança que tens com meu filho perdido, e te amei. Muitas vezes fui ao Xioquithlon para te observar em tuas atividades de estudante. Todas as vezes que foste convocado a vir a este astikithlon foi porque eu queria te ver! Sim, olhar para ti, menino!” -murmurou ele, afagando meus cabelos por alguns momentos. “Poucos foram os dias em que não te vi, pessoalmente ou através do naim; sim, muitas vezes saí à noite e fiquei parado diante de tua janela para alegrar meu coração com o som de tua voz, quando lias para tua mãe.
Tenho te observado e me orgulhado de ti, Zailm, pois em tudo pareces ser um filho meu; teus triunfos nos estudos têm alegrado meus dias, como também a capacidade com que tens cumprido teus serviços governamentais, pois ages como meu filho agia! Por tudo isso, meu rapaz, vem viver aqui, pois quero ver-te ao meu lado nestes meus anos de velhice. Juntos navegaremos pelo rio da vida, tu e eu! Provavelmente serei o primeiro a cruzar o grande oceano da eternidade e ficarei esperando por ti na terra dos sonhos onde não há despedidas, dor ou tristeza. Vem, Zailm, vem!”
A esse terno apelo, respondi da seguinte forma: “Menax, nestes anos em que vivi em Caiphul, muitas vezes me perguntei o que significavam os favores que me concedias. Sempre foste mais bondoso comigo que com qualquer outro, contudo permanecias reservado e distante, mais que outros que certamente não se importariam com o que pudesse me acontecer. Agora tudo ficou claro. Tenho te considerado com afeto e reverência, valorizando tuas atenções e agindo de acordo com as palavras de aconselhamento que me dirigiste algumas vezes. Sim, Menax, iremos juntos, de braços dados, caminhar para a sombria terra das almas, e tu me aguardarás ou eu esperarei por ti, conforme qual de nós a Grande Ceifadora decida levar primeiro.”
Ficamos de pé e nos abraçamos com ternura. Quando nos separamos, vi a filha única do príncipe, rodeada de trepadeiras que emolduravam sua encantadora figura. Ao vê-la, lembrei de outra jovem, a Saldu cuja história tinha ouvido pouco antes. Quase da mesma idade, ambas um ano mais novas do que eu, mas muito diferentes entre si como tipos de beleza. É difícil descrever uma pessoa em quem focalizamos o interesse mais profundo do nosso coração; e quanto maior esse sentimento, mais difícil é pintar o seu retrato com palavras. Pelo menos, assim era para mim. Já te informei, leitor, a respeito da aparência da jovem provinciana da terra distante de Sald, com seus cabelos castanhos dourados, seus olhos azuis e seu porte elegante; podes imaginar quanto era delicada sua pele clara; sensível e atenta sua natureza, que a despeit0 disso era muito cruel.
Mas como posso descrever aquela que eu amava, com quem um encontro por acaso, mesmo de longe, representava grande parte do prazer que me dava ir ao palácio de Menax? Aquela por quem eu tinha me apaixonado e que eu tinha entronizado em meu coração quase que desde meus primeiros dias de residência em Caiphul – como posso descrever seus encantos? A Princesa Lolix estava no limiar de sua condição de mulher feita, a linda Princesa Anzimee também. Esguia, delicada, feminina, derradeira flor de uma antiga linhagem de nobres ancestrais, ela estava acima de mim nos estudos do Xioquithlon, embora fosse mais nova que eu. Eu a amava, mas escondia cuidadosamente este fato. Todos os meus amigos que leiam estas palavras saberão como eu me sinto quando declaro minha hesitação em descrever Anzimee, pedindo a cada um que coloque nesta moldura poseidana a imagem de sua própria amada.
“Cada coração lembrou um diferente nome, Mas todos cantaram a mesma melodia.” O Príncipe Menax viu a filha quase no mesmo instante que eu e um ar de surpresa espalhou-se por seu rosto, pois supunha que o Xanatithlon estivesse deserto. Ao perceber sua expressão, a Rainu adiantou-se, beijou-o e disse: “Meu pai, estou atrapalhando? Ouvi quando tu e. . . este jovem entraram, mas como não sabia que desejavas estar em privacidade, continuei minha leitura.” “Minha querida, não precisas te desculpar. Na verdade estou feliz por estares aqui. Posso saber o que estavas lendo? Não deves estudar demais e creio que foi isto que quiseste dizer com a palavra “leitura”.”
Com um sorriso a passear por seu rosto e a iluminar seus olhos azul cinza, ela replicou: “Darias um ótimo leitor de pensamentos ocultos! Eu estava mesmo estudando, mas o meu objetivo justifica isso. Quem adquirir um profundo conhecimento da ciência médica terá condições de aliviar até pessoas que estão à mercê da mais dolorosa agonia, e curar as menos gravemente enfermas. Não é esse um serviço a Incal e Seus filhos? E não é verdade que o bem feito a qualquer um deles é feito também a Incal?” Duas jovens -Lolix de Sald e Anzimee de Poseid! Um vasto continente separava os dois países e uma distância ainda maior separava essas duas filhas dessas diferentes terras. Lolix, sem compaixão pelos sofredores, sem tristeza pelos agonizantes; Anzimee, no pólo oposto desses traços de caráter.
Houve um longo silêncio, enquanto Menax olhava para a graciosa menina de coração tão nobre. Então, pegando minha mão com sua mão direita e a de Anzimee com a esquerda, uniu-as e disse: “Filha minha, dou-te um irmão, este que julgo digno. Zailm, dou-te uma irmã mais preciosa que os rubis! E a ti, Incal, meu Deus, a melodia do louvor que enche meu peito pelas bênçãos que me concedes!” Nesse ponto ele soltou as mãos que tinham se tocado pela primeira vez e levantou as suas para o alto. Como o toque daquela mãozinha me emocionou! Seria eu digno de tanto amor?
Nenhum pecado tinha até então manchado minha boa fama e naquele momento eu me sentia totalmente merecedor de tudo. Se algum pecado viria manchar o livro de minha vida, isso ainda não havia acontecido; mas pensei com inquietação na estranha profecia ouvida naquela noite já distante. Por um momento essa sensação tomou conta de mim e depois desapareceu. Eu tinha o hábito de analisar os homens e suas motivações. Era uma espécie de segunda natureza considerar os possíveis aspectos de uma questão. Mesmo naquele instante eu me perguntei qual seria o significado daquela nova experiência.
Eu sabia que por Menax, que tão afetuosamente me havia pedido para ser seu filho, eu tinha o mais profundo respeito e afeição. Minha vida não me pareceria um preço alto demais para pagar se com isso eu pudesse beneficiá-lo. Contudo eu amava a vida. Nada havia de mórbido em minha natureza, a menos que a excessiva amizade que tinha por meus amigos fosse sinal de morbidez. Meditei por algum tempo no que minha adoção significava do ponto de vista social e político. Não preciso explicar que vinha ao encontro de minhas ambições ser colocado em um lugar tão elevado como o que dali por diante ocuparia como filho legal de um alto conselheiro, irmão do Rai por afinidade.
Enquanto decorria aquela cena, eu reservava para mais tarde, como uma sensação especial, o prazer de analisar que tipo de amor eu sentia pela jovem que se tornara minha irmã, é verdade que por adoção apenas, mas que, favorita dos círculos mais fechados, adorada pelo povo de Caiphul, apareceria diante do mundo como minha irmã, a partir do momento em que o Rai Gwauxln aprovasse oficialmente a decisão de seu irmão. Deveria eu sentir prazer ou aflição? Olhei para aquela com quem eu sonhara casar se Incal em sua bondade me permitisse chegar a uma elevada posição. Poderia eu ter esperança de realizar meu sonho depois daquela inesperada virada da fortuna? Se eu tivesse conquistado uma exaltada posição por outros meios, poderia ter a esperança de obter a mão de Anzimee em casamento.
Mas agora! Minha grande sorte me pareceu como a maçã de Sodoma, provocando um travo amargo em minha boca, pois eu me tornaria legalmente seu irmão, mesmo que não o fosse por laços de sangue. Havia uma chance de que as coisas não fossem tão sombrias quanto pareciam, já que tais adoções eram freqüentes e não representavam um obstáculo ao casamento. Com esse pensamento o Sol saiu de trás das nuvens e voltou a brilhar em meu céu pessoal. A característica mais marcante da aparência da jovem era a simplicidade de seu vestuário. Naquela noite, seus gloriosos cabelos castanhos estavam presos atrás com uma simples fivela de ouro e caíam soltos pelas costas.
Uma longa veste de tecido macio vestia sua esguia forma de menina-moça. Nenhuma roupa poderia ser mais artisticamente simples nem mais elegante que aquele pedaço de pano diáfano e sem cor definida, de um tom azul tão claro que parecia branco-pérola. O vestido tinha alças de puro carmim, indicando a realeza de quem o vestia. Um broche de ouro, onde brilhavam grandes rubis agrupados em volta de um centro de pérolas e esmeraldas, drapeava o vestido no decote, e o conjunto dessas gemas realçava a cor das faces de Anzimee, fazendo seu rosto parecer uma encantadora rosa.
Tão rica quanto discreta, sua roupa não escondia a doce e digna beleza da jovem. As pérolas, emblema de sua classe como Xioqeni; as esmeraldas, a marca de quem ainda não tinha voz política; os rubis, pedras da realeza, usadas exclusivamente pelo Rai e seus parentes mais próximos. A irmã do próprio Rai Gwauxln era a mãe de Anzimee e esposa de Menax.
Poseid (Atlântida) fundamentava sua glória na superioridade de sua educação; uma riqueza que não escolhia sexo. Mas se a Atlântida devia tudo ao conhecimento, não era menos verdade que a capacidade de seu povo não seria o que era não fosse pelas esposas, irmãs e filhas e, em especial, pelas mães de nossa altiva terra. Nosso grandioso sistema social tinha sua base nos esforços dos filhos e filhas que por séculos tinham respeitado as lições que lhes tinham sido inculcadas por suas patrióticas, amorosas e leais mães. As homenagens feitas ao Criador só eram secundadas pela reverência que os poseidanos tinham pela mulher.
Amávamos nossos governantes, o Rai e os Astiki (príncipes); tínhamos por eles o maior respeito já votado a chefes de estado, mas honrávamos ainda mais nossas mulheres, tanto que Rais e príncipes, soberanos e súditos, orgulhavam-se em reconhecer a sagrada influência que tornava nossa terra gloriosa um grande lar. América, hoje és amada por mim como Poseid o era. Primeira entre as nações, só o és por causa da mulher e de Cristo.
Continuarás poderosa por causa dela e eclipsarás o mundo quando chegar o feliz dia cármico em que a mulher não estará abaixo, nem acima, mas ao lado do homem, sobre a rocha da educação cristã esotérica, no granito do conhecimento e da fé que resiste aos ventos e tormentos da ignorância. Construída sobre essas fundações, a Casa Nacional não cairá, mas se for construída em outras bases, grande será sua queda.
Eis a sabedoria: no homem e na mulher estão miríades de serpentes. Guardai-vos delas. Hoje sois escravos (dos sentidos). Sejais senhores de SI MESMOS! Mas, triste verdade, esse Caminho é muito estreito e poucos o encontrarão.
CAPÍTULO 13: A LINGUAGEM DA ALMA
“Zailm, meu filho, ouviste a narrativa da Saldu, Lolix. Como sabes, é por causa de coisas oriundas das ocorrências que ela relatou que vais em missão a Suern (Bharata, Arya Vata, hoje a ÍNDIA). Não é uma tarefa difícil, constando apenas de confirmar o recebimento dos presentes enviados e negar nossa intenção de manter como prisioneiras as pessoas que o Rai Ernon para cá enviou. Dar-lhes-emos asilo, mas Rai Ernon não deve pensar que permitimos sua presença aqui para fazer-lhe um favor. Além disso, Rai Gwauxln deseja que vás a Agacoe amanhã para falar sobre um outro assunto. Mas não queres passar a noite aqui?”
“Meu pai, teria prazer em ficar, mas não achas que é meu dever estar com minha mãe para tranqüilizá-la? Ela sofre de uma enfermidade nervosa que não lhe permite suportar bem minha ausência à noite.” “Tens razão, Zailm. Logo mandarei providenciar para que tua mãe seja acomodada em uma parte bem agradável deste astikithlon, e assim poderás passar as noites sob o teto de teu pai.” Despedi-me do príncipe e da doce menina que tinha permanecido em nossa companhia uma parte do tempo, e saí.
A chuva tinha cessado e as nuvens, movendo-se pelo céu, negras e ameaçadoras, só mostravam uma abertura na grande massa sombria. Ali brilhava uma única estrela que às vezes mostrava-se avermelhada. Olhei para ela, que estava próxima do horizonte, parecendo ter surgido naquele preciso instante das águas fosforescentes do oceano, podendo ser vista do palácio de Menax.
Pensei no passado, pois aquela mesma estrela havia brilhado vivamente enquanto eu esperava o nascer do Sol no Pitach Rhok. Pareciam ter passado tantos anos desde aquela manhã! Hoje essa estrela é chamada de “Sirius”(da Constelação do Cão Maior, a mais brilhante do céu da Terra), mas nós a conhecíamos pelo nome “Coristos”. Enquanto a fitava, senti que era um auspicioso augúrio de sucesso presente e futuro, como o fora no passado. Levantando os braços para ela, murmurei. “Phyris, Phyrisooa Pertos!”, que significa: “Estrela, ó estrela de minha vida!”
Parece um tanto singular que a linguagem que traduzi dessa forma tenha tonalidade e importância semelhantes à da linguagem usada hoje pelo povo de meu planeta (Sol) natal (Sírius). Naquele longínquo dia elevei as mãos para o alto e exclamei: “Estrela, ó estrela de minha vida!” Hoje contento-me um pouco para não precipitar minha história em palavras astrais; volto-me para meu Alter Ego e digo: “Phyris, Phyrisa”. É este seu nome amado e significa “Estrela de minha alma”. Não é peculiar que mais de doze mil anos tenham se passado e eu, membro de outra raça de seres humanos, agora em outra mansão (a Terra), veja tão pouca mudança na linguagem da alma humana?
CAPÍTULO 14 - A DOAÇÃO DE ZAILM
Quando, obedecendo ao chamado, cheguei ao palácio Agacoe na manhã seguinte, dirigi-me diretamente ao gabinete particular ocupado pelo Príncipe Menax, esperando encontrar meu padrinho Mas nisso fiquei desapontado, pois o Rai Gwauxln estava com ele. Os dois estavam conversando quando entrei e não interromperam o diálogo, obviamente porque não me consideraram um intruso. Finalmente ouvi o Rai perguntar: “Não deveríamos nos dirigir para o Incalithlon agora?” “Se for de teu agrado. E tu, Zailm, acompanha-nos.”
Um carro do palácio foi chamado pelo Rai e veio à nossa presença sem ninguém a dirigi-lo e entrou pela porta do gabinete, que se abriu exatamente como se um pajem ali estivesse para fazê-lo. Deslizou silenciosamente até nós e parou a nossa frente. Tudo isso aconteceu como se alguém o estivesse guiando, embora não houvesse ali nenhuma mão visível. Aquela foi a primeira vez que vi uma exibição de poder oculto por parte do rai Gwauxln. Aliás, nunca cheguei a ver muitos exemplos desse poder embora ele fosse um alto adepto.
Como todos os verdadeiros adeptos ele desprezava profundamente esse tipo de demonstração, evitando mostrar seu poder e conhecimento diante de quem não possuísse suficiente bom senso para saber que atos dessa espécie eram pequenas amostras do controle da natureza através da compreensão de leis maiores do que a mente comum possa perceber em seu ambiente natural. Entretanto, eu não era daqueles (ignorantes) que viam milagres no oculto; mesmo que não compreendesse o processo, sabia que tudo dependia da operação de uma lei. Por essa razão Gwauxln não se importava que eu testemunhasse o seu poder, vez por outra.
O carro nos conduziu até o local de pouso dos vailx, no exterior, onde encontramos um vailx de pequeno porte. Cortesmente o rai Gwauxln ajudou Menax a entrar primeiro, depois eu, entrando ele por último. Foi um espetáculo digno de nota ver o chefe de tão poderosa nação, desacompanhado de qualquer séquito, sem um único atendente, mostrando-se tão respeitoso para com pessoas de posição inferior. E verdade que, como Xio-Incali, Gwauxln tinha um conhecimento de mecânica muito mais completo que o de toda uma tripulação reunida.
Tal pai, tal filho. Gwauxln, um pai para o seu povo, era imitado por todos em seu comportamento. Seus súditos eram igualmente simples em seus hábitos e, embora fossem ricos e vivessem cercados de luxo em muitos casos, não tinham ostentação, seguindo o exemplo do Rai. O grande templo de Incal estava localizado a várias milhas dali, mas em poucos minutos pousamos em frente à sua imensa estrutura. Por fora, o Incalithlon tinha a forma da pirâmide egípcia de Quéops, menos alta mas ocupando o dobro de sua área. Não havia janelas em suas laterais, e a luz do Sol ou do dia nunca penetrava em seu interior. Além de certo número de pequenas câmaras, o edifício continha um vasto salão para vários milhares de fiéis.
O hábito poseidano de copiar a natureza estava presente no santuário com extraordinária fidelidade. Em vez de paredes retas, alcovas e a decoração habitual, o enorme recinto parecia-se exatamente com uma caverna de estalactites e estalagmites. Na colocação de toda essa calcita, a idéia utilitarista havia sido consultada com relação às estalagmites, para que não ocupassem muito espaço do piso. Mas as estalactites pendentes do teto de mármore tinham sido colocadas em profusão, e delas havia tantas quanto permitira o espaço disponível. Reluziam como estrelas à luz das lâmpadas incandescentes colocadas a meio caminho entre elas e o piso.
As lâmpadas ficavam ocultas de quem as olhasse do chão por quebra-luzes côncavos, para que sua luz ficasse invisível, sendo seus raios dirigidos para cima e refletidos por milhares de agulhas brancas e brilhantes, enchendo o templo com uma luminosidade constante e suave e ao mesmo tempo poderosa, que parecia não provir de qualquer ponto definido e sim do próprio ar. Era uma iluminação perfeitamente apropriada para a meditação religiosa. Saímos do vailx e passamos pelo amplo e singelo portal, atravessamos o vestíbulo e nos dirigimos para o Ponto Sagrado nos fundos do santuário.
Ali encontramos Mainin, o Incaliz ou sumo sacerdote, homem de inigualado e maravilhoso conhecimento. Nós o saudamos com respeito e, então, o príncipe Menax disse: “Mui santo Incaliz, com tua grande sabedoria, conheces o motivo por que teus filhos vieram à tua presença. Poderias atender nossa prece concedendo-nos tua bênção?” o Incaliz se pôs de pé e nos convidou a acompanhá-lo até o triângulo de Maxin ou Divina Luz, em frente ao Ponto Sagrado. Adiantando o relato de nossa ação subseqüente, descreverei essa parle especialmente sagrada do templo.
Era uma plataforma triangular de granito vermelho, elevando-se várias polegadas acima do solo, medindo trinta e sete pés entre suas pontas. Exatamente n0 centro havia um grande bloco de cristal de quartzo que formava um cubo perfeito, do qual se erguia o Maxin. Este parecia estar em chamas; sua forma era a de uma gigantesca ponta de lança, emitindo uma luz de intenso poder sobre todas as coisas ao seu redor; não obstante, era possível fitar seu brilho branco e firme sem sentir necessidade de proteger os olhos. Tinha uma altura equivalente a três homens de boa estatura, essa misteriosa manifestação de Incal, como todos a consideravam. Na realidade, era uma luz ódica oculta que estava ali havia séculos.
Tinha testemunhado o grande desenvolvimento de Poseid e sua capital, tinha visto o templo original de Incal (uma pequena estrutura arquitetônica, indigna de um grande povo) ser demolido e o atual Incali-ihlon construído. A luz não irradiava calor, nem sequer aquecia seu pedestal de quartzo, mas mostrava-se letal a qualquer ser vivo que a tocasse. Não era alimentada com óleo ou outro combustível, nem por corrente elétrica, e dispensava qualquer manutenção. Sua história era peculiar e não pode deixar de interessar-te, amigo.
Muitas centenas de anos antes reinara em Poseid, durante quatrocentos e trinta dias, um governante possuidor de maravilhoso conhecimento. Sua sabedoria era como a de Ernon de Suern. Ninguém sabia de onde ele viera, muitos tinham vontade de questioná-lo e todos tinham dúvidas sobre estar ele sendo figurativo ou literal quando dizia:
“Vim de Incal. Sim, Eu Sou um filho do Sol e vim reformar a religião e a vida deste povo. Atentai! Incal é o Pai e eu sou o Filho, e Ele está em mim e eu Nele.”
Pediram-lhe que provasse o que dizia, quando então ele pôs a mão sobre um homem cego e este recobrou a visão e viu, junto com os que haviam duvidado, essa personalidade curvar-se para o pavimento da plataforma triangular e desenhar com o indicador um quadrado de cinco pés e meio de lado. Então ele se afastou das linhas desenhadas e imediatamente surgiu ali o grande bloco de quartzo, um cubo perfeito, fixo no local. Então ele colocou o dedo sobre a rocha e soprou sobre ela. Quando retirou o dedo, a “chama” do Maxin se elevou e assim permaneceram o cubo e o Fogo Perene naquele ponto desde então, ao longo dos séculos. Inútil dizer que a prova foi satisfatória. Depois disso, o misterioso estrangeiro revisou as leis e baixou o código que passou a governar a terra.
Ele disse que qualquer um que acrescentasse ou subtraísse alguma coisa de suas leis não entraria no reino de Incal até que “Eu volte à terra para o julgamento final.” Nunca ninguém desejou desobedecer, ao que se sabe; pelo menos nunca foi feita qualquer mudança. As leis que aquele Rai havia dado tinham sido escritas com o dedo na Pedra-Maxin e nunca o trabalho de um escultor foi feito com maior perfeição. Também tinham sido escritas em um livro de pergaminho, por ele colocado sob o Fogo Perene que passou a emanar da superfície do Livro colocado ali para sempre; sem queimar, sem sequer ficar chamuscado. Seu autor o tinha colocado às vistas de todos os que entrassem no novo Templo, construído no lugar do antigo. Ao fazê-lo, ele disse:
“Escutai. Esta é minha lei, que também está escrita na Pedra-Maxin. Nenhum homem a removerá, pois morrerá se tentar fazê-lo. Contudo, após fluírem muitos séculos – atentai! – o livro desaparecerá diante de uma multidão e ninguém saberá onde se encontra. Então a Luz (o Maxin) Perene se apagará e ninguém conseguirá reacendê-la. E quanto essas coisas passarem, oh!, não estará longe o dia em que esta terra não mais existirá. Perecerá por sua indignidade e as águas de ATL (Oceano ATLântico) rolarão por sobre ela! Estas são minhas palavras.”
Certa vez, na história de Poseid, um Rai duvidara que um homem morreria se tentasse retirar o Livro da Luz Perene. Concebeu a idéia de que, visto que o Maxin emanava da superfície do Livro e não dos lados, a remoção seria possível. Ele forçou um malfeitor a fazer a tentativa, pois como seguia uma política tirânica não lhe importava que o homem vivesse ou morresse. Aquele foi um período de grande escuridão e maldade, quando os homens de certa forma haviam se esquecido do Grande Rai Filho de Incal. O infeliz malfeitor foi obrigado a pegar o Livro e tentar retirá-lo.
Viu que tocara o Livro e não fora destruído pelo Maxin. Ficou mais ousado e, encorajado pelo Rai, puxou com mais vigor. Sentiu então a mão perder a força e passar através do Maxin. Esse membro foi imediatamente destruído, desaparecendo; uma chama saltou do Maxin até o monarca, parado a vários pés de distância, pois tivera medo de se aproximar; o Rai desapareceu para nunca mais ser visto!
Esse único exemplo foi mais que suficiente! Os erros de comportamento dos maus tornaram-se aparentes e a administração das leis voltou a obedecer o espírito e a letra das mesmas. O dia da “Terceira Profecia” vinha sendo aguardado por séculos, mas seu tempo ainda não tinha chegado; embora muitos alarmistas tivessem definido datas para o grave acontecimento, nada aconteceu e a Luz perene continuou a brilhar. De acordo com a Lei, os corpos de todas as pessoas que haviam partido para o Navazzimin eram cremados. Essa regra incluía também alguns animais.
Os que morriam longe de Caiphul eram incinerados em um dos muitos Navamaxa (crematórios especiais) que o governo fornecia para todas as províncias; se o corpo incinerado era de um ser humano, as cinzas eram mandadas para Caiphul e atiradas no Maxin em ato cerimonial. Os que faleciam em Caiphul tinham o corpo levado para o Incalithlon, elevado até o alto do cubo e atirado com o rosto para baixo na Luz Perene. Fosse o ato realizado com as cinzas ou com o cadáver, o resultado era sempre o mesmo. Não subiam chamas, nem fumaça, o Maxin nem sequer tremulava, mas o instantâneo desaparecimento do corpo acontecia no exato segundo em que o mesmo entrava em contato com o misterioso Fogo.
Essa chama foi cantada pelo poeta como o “Portal” para o país que cada alma deve descobrir por si mesma. Morrer sem passar pelo Maxin, fosse em corpus personae ou na forma de cinzas produzidas pela cremação, era considerado a mais temível calamidade por grande número de pessoas. Pode parecer que um povo de tão elevada erudição científica não devesse ser tão infantil nos seus conceitos religiosos. Mas realmente não se tratava de um costume infantil e sim de um desejo de total destruição do envoltório terreno da alma, para assegurar a total libertação da pessoa real de qualquer restrição terrena quando entrasse no Navazzimin.
Não que muitas pessoas compreendessem o significado esotérico do ritual; elas entendiam o suficiente do significado real que Incali havia lhes transmitido pela comparação da alma que se despedia com a semente que, ao germinar, deixa para trás todos os fragmentos da casca. Mas voltemos ao Incalithlon e à cerimônia de minha adoção pelo Príncipe Menax. Estávamos de pé ao lado da Pedra-Maxin. Gwauxln me fez ajoelhar e então, colocando a mão em minha cabeça, falou: “Em harmonia com as nossas leis, previstas para este caso, Astika Menax, Conselheiro da terra de Poseid, deseja adotar-te, Zailm Numinos, como filho, em lugar daquele que partiu para o Navazzimin.
Por conseguinte, eu, Gwauxln, Rai de Poseid, como teu Soberano e dele, declaro que seja como o Astika Menax deseja.” O Incaliz completou a cerimônia colocando a mão direita em minha cabeça e a esquerda na de Menax, que também se ajoelhara diante dele, e invocou a bênção de Incal para ambos. Ao remover as mãos, ele dirigiu-se a mim com as seguintes palavras: “Mantém-te digno diante de Incal, para que homem algum te acuse indevidamente. Assim teus dias serão longos. Se agires mal, teu tempo será abreviado. Que a paz de Incal esteja contigo.” Nenhum dos três ouvintes entendeu que suas palavras significassem que meus dias seriam breves porque eu falharia em minha retidão, mas como uma advertência.
Eu só soube mais tarde, tarde demais, que a presciência havia guiado Mainin ao dizer aquelas palavras. Eu o soube quando um influxo de tristes memórias me fez lembrar o quanto eu tinha sido falso para com minha grande decisão de ser bem-sucedido, tomada no monte Pitach Rhok, de seguir fielmente minha personalidade divina e temente a Deus. Mas tudo isso aconteceu tarde demais. Veio demasiado tarde, quando eu jazia numa masmorra esperando a morte da qual nenhum mortal poderia me salvar, e sonhava que minha alma estava numa praia deserta olhando para um infinito oceano, lamentando-se: “Ai! Onde está a esperança do meu coração?”
Amarga e ardente era a agonia do remorso, mas meu nome ainda estava então no Livro da Vida, ainda não fora apagado como eu temia. O car-ma é inexorável e severo, meu irmão, minha irmã, mas nosso Salvador disse: “Segue-me”. “Aquele que tem ouvidos, que ouça”. “Sede ativos com a palavra e não apenas ouvintes”. Quando nos voltamos para sair, um Incala ali presente começou a tocar o grande órgão do Templo, e os silêncios do vasto recinto responderam como nenhuma voz humana poderia fazê-lo. “A profunda voz dos sinos cresce, trazida pelo vento. . . ” Os ecos se repetiram muitas vezes enquanto as vozes poderosas do grande órgão se elevaram, emocionando a alma com sua majestosa harmonia. Raios luminosos de muitas cores, alguns brilhantes, outros suaves como os do luar, dançavam saindo dos tubos de ar e quando as cores mudavam também mudavam as notas musicais, pois cada raio de luz, seja qual for sua fonte, é uma nota musical pulsante, se for devidamente manipulado. É assim que as estrelas cantam . . .(a música das esferas…)
O Rai não saiu com Menax e eu quando terminou nossa missão, permanecendo com o Incaliz Mainin. O Rai Gwauxln o conhecia muito bem e sua amizade por ele era mais íntima que com qualquer outro ser humano. O motivo disso era que ambos eram Filhos da Solitude e tinham passado a juventude juntos, antes que o favor público tivesse indicado um deles para ser liai e o outro para ser Incaliz, ambos cargos eletivos, sendo o oficio de Sumo Sacerdote o único cargo eclesiástico preenchido por votação popular. Esta exceção ocorria porque se considerava justo permitir ao povo que consultasse seus próprios desejos quanto à escolha de alguém que os cidadãos acreditassem ser um perfeito exemplo de vida moral para
orientá-los espiritualmente.
Enquanto jovens, nenhum dos dois parecera esperar a preferência que os anos futuros lhes reservavam e, após o longo curso requerido pelo Xio Incali no Xioquithlon, tinham se despedido do mundo dos homens e partido para a solidão das vastas montanhas onde só os Filhos de Incal, e nenhum outro homem, podiam morar. Esses Filhos de Incal eram os Adeptos Teocrísticos ou Ocultos daquela época, os Yog-Vidya de seu tempo. Eram ciosos de sua sabedoria naquele tempo como o são agora, mas a transmitiram sem hesitação a Gwauxln e Mainin. Não tinham família naquele tempo e ainda hoje esses estudiosos de Deus e da Natureza não se desviam de seus princípios de celibato. Ninguém que espere alcançar um profundo conhecimento deverá se casar (I Cor. VII, 3, 4, 5, 7, 8, 9-29, 31, 32).
Depois que muitos anos se passaram, tantos que os homens quase os tinham esquecido, Gwauxln e Mainin fizeram o que poucos tinham feito, ao que se sabia: voltaram para o convívio da humanidade comum. Meu pai, Menax, era um mero bebê quando Gwauxln partira e a irmã mais nova deste nem sequer era nascida. Mas quando Gwauxln regressou, os fios de prata da maturidade já brilhavam nos cabelos do Príncipe Menax, enquanto o futuro Rai tinha a aparência mais madura embora pouco diferente de seus dias de juventude. Nesse ínterim, a irmã de Gwauxln viera ao mundo, tornara-se adulta e casara com Menax; depois de dar à luz seu filho Soris e sua filha Anzimee, partira para o país do desconhecido, cruzando o portal do Maxin. O sacerdote (Incaliz) Mainin também mantivera uma aparência jovem.
Quando, obedecendo ao chamado, cheguei ao palácio Agacoe na manhã seguinte, dirigi-me diretamente ao gabinete particular ocupado pelo Príncipe Menax, esperando encontrar meu padrinho Mas nisso fiquei desapontado, pois o Rai Gwauxln estava com ele. Os dois estavam conversando quando entrei e não interromperam o diálogo, obviamente porque não me consideraram um intruso. Finalmente ouvi o Rai perguntar: “Não deveríamos nos dirigir para o Incalithlon agora?” “Se for de teu agrado. E tu, Zailm, acompanha-nos.”
Um carro do palácio foi chamado pelo Rai e veio à nossa presença sem ninguém a dirigi-lo e entrou pela porta do gabinete, que se abriu exatamente como se um pajem ali estivesse para fazê-lo. Deslizou silenciosamente até nós e parou a nossa frente. Tudo isso aconteceu como se alguém o estivesse guiando, embora não houvesse ali nenhuma mão visível. Aquela foi a primeira vez que vi uma exibição de poder oculto por parte do rai Gwauxln. Aliás, nunca cheguei a ver muitos exemplos desse poder embora ele fosse um alto adepto.
Como todos os verdadeiros adeptos ele desprezava profundamente esse tipo de demonstração, evitando mostrar seu poder e conhecimento diante de quem não possuísse suficiente bom senso para saber que atos dessa espécie eram pequenas amostras do controle da natureza através da compreensão de leis maiores do que a mente comum possa perceber em seu ambiente natural. Entretanto, eu não era daqueles (ignorantes) que viam milagres no oculto; mesmo que não compreendesse o processo, sabia que tudo dependia da operação de uma lei. Por essa razão Gwauxln não se importava que eu testemunhasse o seu poder, vez por outra.
O carro nos conduziu até o local de pouso dos vailx, no exterior, onde encontramos um vailx de pequeno porte. Cortesmente o rai Gwauxln ajudou Menax a entrar primeiro, depois eu, entrando ele por último. Foi um espetáculo digno de nota ver o chefe de tão poderosa nação, desacompanhado de qualquer séquito, sem um único atendente, mostrando-se tão respeitoso para com pessoas de posição inferior. E verdade que, como Xio-Incali, Gwauxln tinha um conhecimento de mecânica muito mais completo que o de toda uma tripulação reunida.
Tal pai, tal filho. Gwauxln, um pai para o seu povo, era imitado por todos em seu comportamento. Seus súditos eram igualmente simples em seus hábitos e, embora fossem ricos e vivessem cercados de luxo em muitos casos, não tinham ostentação, seguindo o exemplo do Rai. O grande templo de Incal estava localizado a várias milhas dali, mas em poucos minutos pousamos em frente à sua imensa estrutura. Por fora, o Incalithlon tinha a forma da pirâmide egípcia de Quéops, menos alta mas ocupando o dobro de sua área. Não havia janelas em suas laterais, e a luz do Sol ou do dia nunca penetrava em seu interior. Além de certo número de pequenas câmaras, o edifício continha um vasto salão para vários milhares de fiéis.
O hábito poseidano de copiar a natureza estava presente no santuário com extraordinária fidelidade. Em vez de paredes retas, alcovas e a decoração habitual, o enorme recinto parecia-se exatamente com uma caverna de estalactites e estalagmites. Na colocação de toda essa calcita, a idéia utilitarista havia sido consultada com relação às estalagmites, para que não ocupassem muito espaço do piso. Mas as estalactites pendentes do teto de mármore tinham sido colocadas em profusão, e delas havia tantas quanto permitira o espaço disponível. Reluziam como estrelas à luz das lâmpadas incandescentes colocadas a meio caminho entre elas e o piso.
As lâmpadas ficavam ocultas de quem as olhasse do chão por quebra-luzes côncavos, para que sua luz ficasse invisível, sendo seus raios dirigidos para cima e refletidos por milhares de agulhas brancas e brilhantes, enchendo o templo com uma luminosidade constante e suave e ao mesmo tempo poderosa, que parecia não provir de qualquer ponto definido e sim do próprio ar. Era uma iluminação perfeitamente apropriada para a meditação religiosa. Saímos do vailx e passamos pelo amplo e singelo portal, atravessamos o vestíbulo e nos dirigimos para o Ponto Sagrado nos fundos do santuário.
Ali encontramos Mainin, o Incaliz ou sumo sacerdote, homem de inigualado e maravilhoso conhecimento. Nós o saudamos com respeito e, então, o príncipe Menax disse: “Mui santo Incaliz, com tua grande sabedoria, conheces o motivo por que teus filhos vieram à tua presença. Poderias atender nossa prece concedendo-nos tua bênção?” o Incaliz se pôs de pé e nos convidou a acompanhá-lo até o triângulo de Maxin ou Divina Luz, em frente ao Ponto Sagrado. Adiantando o relato de nossa ação subseqüente, descreverei essa parle especialmente sagrada do templo.
Era uma plataforma triangular de granito vermelho, elevando-se várias polegadas acima do solo, medindo trinta e sete pés entre suas pontas. Exatamente n0 centro havia um grande bloco de cristal de quartzo que formava um cubo perfeito, do qual se erguia o Maxin. Este parecia estar em chamas; sua forma era a de uma gigantesca ponta de lança, emitindo uma luz de intenso poder sobre todas as coisas ao seu redor; não obstante, era possível fitar seu brilho branco e firme sem sentir necessidade de proteger os olhos. Tinha uma altura equivalente a três homens de boa estatura, essa misteriosa manifestação de Incal, como todos a consideravam. Na realidade, era uma luz ódica oculta que estava ali havia séculos.
Tinha testemunhado o grande desenvolvimento de Poseid e sua capital, tinha visto o templo original de Incal (uma pequena estrutura arquitetônica, indigna de um grande povo) ser demolido e o atual Incali-ihlon construído. A luz não irradiava calor, nem sequer aquecia seu pedestal de quartzo, mas mostrava-se letal a qualquer ser vivo que a tocasse. Não era alimentada com óleo ou outro combustível, nem por corrente elétrica, e dispensava qualquer manutenção. Sua história era peculiar e não pode deixar de interessar-te, amigo.
Muitas centenas de anos antes reinara em Poseid, durante quatrocentos e trinta dias, um governante possuidor de maravilhoso conhecimento. Sua sabedoria era como a de Ernon de Suern. Ninguém sabia de onde ele viera, muitos tinham vontade de questioná-lo e todos tinham dúvidas sobre estar ele sendo figurativo ou literal quando dizia:
“Vim de Incal. Sim, Eu Sou um filho do Sol e vim reformar a religião e a vida deste povo. Atentai! Incal é o Pai e eu sou o Filho, e Ele está em mim e eu Nele.”
Pediram-lhe que provasse o que dizia, quando então ele pôs a mão sobre um homem cego e este recobrou a visão e viu, junto com os que haviam duvidado, essa personalidade curvar-se para o pavimento da plataforma triangular e desenhar com o indicador um quadrado de cinco pés e meio de lado. Então ele se afastou das linhas desenhadas e imediatamente surgiu ali o grande bloco de quartzo, um cubo perfeito, fixo no local. Então ele colocou o dedo sobre a rocha e soprou sobre ela. Quando retirou o dedo, a “chama” do Maxin se elevou e assim permaneceram o cubo e o Fogo Perene naquele ponto desde então, ao longo dos séculos. Inútil dizer que a prova foi satisfatória. Depois disso, o misterioso estrangeiro revisou as leis e baixou o código que passou a governar a terra.
Ele disse que qualquer um que acrescentasse ou subtraísse alguma coisa de suas leis não entraria no reino de Incal até que “Eu volte à terra para o julgamento final.” Nunca ninguém desejou desobedecer, ao que se sabe; pelo menos nunca foi feita qualquer mudança. As leis que aquele Rai havia dado tinham sido escritas com o dedo na Pedra-Maxin e nunca o trabalho de um escultor foi feito com maior perfeição. Também tinham sido escritas em um livro de pergaminho, por ele colocado sob o Fogo Perene que passou a emanar da superfície do Livro colocado ali para sempre; sem queimar, sem sequer ficar chamuscado. Seu autor o tinha colocado às vistas de todos os que entrassem no novo Templo, construído no lugar do antigo. Ao fazê-lo, ele disse:
“Escutai. Esta é minha lei, que também está escrita na Pedra-Maxin. Nenhum homem a removerá, pois morrerá se tentar fazê-lo. Contudo, após fluírem muitos séculos – atentai! – o livro desaparecerá diante de uma multidão e ninguém saberá onde se encontra. Então a Luz (o Maxin) Perene se apagará e ninguém conseguirá reacendê-la. E quanto essas coisas passarem, oh!, não estará longe o dia em que esta terra não mais existirá. Perecerá por sua indignidade e as águas de ATL (Oceano ATLântico) rolarão por sobre ela! Estas são minhas palavras.”
Certa vez, na história de Poseid, um Rai duvidara que um homem morreria se tentasse retirar o Livro da Luz Perene. Concebeu a idéia de que, visto que o Maxin emanava da superfície do Livro e não dos lados, a remoção seria possível. Ele forçou um malfeitor a fazer a tentativa, pois como seguia uma política tirânica não lhe importava que o homem vivesse ou morresse. Aquele foi um período de grande escuridão e maldade, quando os homens de certa forma haviam se esquecido do Grande Rai Filho de Incal. O infeliz malfeitor foi obrigado a pegar o Livro e tentar retirá-lo.
Viu que tocara o Livro e não fora destruído pelo Maxin. Ficou mais ousado e, encorajado pelo Rai, puxou com mais vigor. Sentiu então a mão perder a força e passar através do Maxin. Esse membro foi imediatamente destruído, desaparecendo; uma chama saltou do Maxin até o monarca, parado a vários pés de distância, pois tivera medo de se aproximar; o Rai desapareceu para nunca mais ser visto!
Esse único exemplo foi mais que suficiente! Os erros de comportamento dos maus tornaram-se aparentes e a administração das leis voltou a obedecer o espírito e a letra das mesmas. O dia da “Terceira Profecia” vinha sendo aguardado por séculos, mas seu tempo ainda não tinha chegado; embora muitos alarmistas tivessem definido datas para o grave acontecimento, nada aconteceu e a Luz perene continuou a brilhar. De acordo com a Lei, os corpos de todas as pessoas que haviam partido para o Navazzimin eram cremados. Essa regra incluía também alguns animais.
Os que morriam longe de Caiphul eram incinerados em um dos muitos Navamaxa (crematórios especiais) que o governo fornecia para todas as províncias; se o corpo incinerado era de um ser humano, as cinzas eram mandadas para Caiphul e atiradas no Maxin em ato cerimonial. Os que faleciam em Caiphul tinham o corpo levado para o Incalithlon, elevado até o alto do cubo e atirado com o rosto para baixo na Luz Perene. Fosse o ato realizado com as cinzas ou com o cadáver, o resultado era sempre o mesmo. Não subiam chamas, nem fumaça, o Maxin nem sequer tremulava, mas o instantâneo desaparecimento do corpo acontecia no exato segundo em que o mesmo entrava em contato com o misterioso Fogo.
Essa chama foi cantada pelo poeta como o “Portal” para o país que cada alma deve descobrir por si mesma. Morrer sem passar pelo Maxin, fosse em corpus personae ou na forma de cinzas produzidas pela cremação, era considerado a mais temível calamidade por grande número de pessoas. Pode parecer que um povo de tão elevada erudição científica não devesse ser tão infantil nos seus conceitos religiosos. Mas realmente não se tratava de um costume infantil e sim de um desejo de total destruição do envoltório terreno da alma, para assegurar a total libertação da pessoa real de qualquer restrição terrena quando entrasse no Navazzimin.
Não que muitas pessoas compreendessem o significado esotérico do ritual; elas entendiam o suficiente do significado real que Incali havia lhes transmitido pela comparação da alma que se despedia com a semente que, ao germinar, deixa para trás todos os fragmentos da casca. Mas voltemos ao Incalithlon e à cerimônia de minha adoção pelo Príncipe Menax. Estávamos de pé ao lado da Pedra-Maxin. Gwauxln me fez ajoelhar e então, colocando a mão em minha cabeça, falou: “Em harmonia com as nossas leis, previstas para este caso, Astika Menax, Conselheiro da terra de Poseid, deseja adotar-te, Zailm Numinos, como filho, em lugar daquele que partiu para o Navazzimin.
Por conseguinte, eu, Gwauxln, Rai de Poseid, como teu Soberano e dele, declaro que seja como o Astika Menax deseja.” O Incaliz completou a cerimônia colocando a mão direita em minha cabeça e a esquerda na de Menax, que também se ajoelhara diante dele, e invocou a bênção de Incal para ambos. Ao remover as mãos, ele dirigiu-se a mim com as seguintes palavras: “Mantém-te digno diante de Incal, para que homem algum te acuse indevidamente. Assim teus dias serão longos. Se agires mal, teu tempo será abreviado. Que a paz de Incal esteja contigo.” Nenhum dos três ouvintes entendeu que suas palavras significassem que meus dias seriam breves porque eu falharia em minha retidão, mas como uma advertência.
Eu só soube mais tarde, tarde demais, que a presciência havia guiado Mainin ao dizer aquelas palavras. Eu o soube quando um influxo de tristes memórias me fez lembrar o quanto eu tinha sido falso para com minha grande decisão de ser bem-sucedido, tomada no monte Pitach Rhok, de seguir fielmente minha personalidade divina e temente a Deus. Mas tudo isso aconteceu tarde demais. Veio demasiado tarde, quando eu jazia numa masmorra esperando a morte da qual nenhum mortal poderia me salvar, e sonhava que minha alma estava numa praia deserta olhando para um infinito oceano, lamentando-se: “Ai! Onde está a esperança do meu coração?”
Amarga e ardente era a agonia do remorso, mas meu nome ainda estava então no Livro da Vida, ainda não fora apagado como eu temia. O car-ma é inexorável e severo, meu irmão, minha irmã, mas nosso Salvador disse: “Segue-me”. “Aquele que tem ouvidos, que ouça”. “Sede ativos com a palavra e não apenas ouvintes”. Quando nos voltamos para sair, um Incala ali presente começou a tocar o grande órgão do Templo, e os silêncios do vasto recinto responderam como nenhuma voz humana poderia fazê-lo. “A profunda voz dos sinos cresce, trazida pelo vento. . . ” Os ecos se repetiram muitas vezes enquanto as vozes poderosas do grande órgão se elevaram, emocionando a alma com sua majestosa harmonia. Raios luminosos de muitas cores, alguns brilhantes, outros suaves como os do luar, dançavam saindo dos tubos de ar e quando as cores mudavam também mudavam as notas musicais, pois cada raio de luz, seja qual for sua fonte, é uma nota musical pulsante, se for devidamente manipulado. É assim que as estrelas cantam . . .(a música das esferas…)
O Rai não saiu com Menax e eu quando terminou nossa missão, permanecendo com o Incaliz Mainin. O Rai Gwauxln o conhecia muito bem e sua amizade por ele era mais íntima que com qualquer outro ser humano. O motivo disso era que ambos eram Filhos da Solitude e tinham passado a juventude juntos, antes que o favor público tivesse indicado um deles para ser liai e o outro para ser Incaliz, ambos cargos eletivos, sendo o oficio de Sumo Sacerdote o único cargo eclesiástico preenchido por votação popular. Esta exceção ocorria porque se considerava justo permitir ao povo que consultasse seus próprios desejos quanto à escolha de alguém que os cidadãos acreditassem ser um perfeito exemplo de vida moral para
orientá-los espiritualmente.
Enquanto jovens, nenhum dos dois parecera esperar a preferência que os anos futuros lhes reservavam e, após o longo curso requerido pelo Xio Incali no Xioquithlon, tinham se despedido do mundo dos homens e partido para a solidão das vastas montanhas onde só os Filhos de Incal, e nenhum outro homem, podiam morar. Esses Filhos de Incal eram os Adeptos Teocrísticos ou Ocultos daquela época, os Yog-Vidya de seu tempo. Eram ciosos de sua sabedoria naquele tempo como o são agora, mas a transmitiram sem hesitação a Gwauxln e Mainin. Não tinham família naquele tempo e ainda hoje esses estudiosos de Deus e da Natureza não se desviam de seus princípios de celibato. Ninguém que espere alcançar um profundo conhecimento deverá se casar (I Cor. VII, 3, 4, 5, 7, 8, 9-29, 31, 32).
Depois que muitos anos se passaram, tantos que os homens quase os tinham esquecido, Gwauxln e Mainin fizeram o que poucos tinham feito, ao que se sabia: voltaram para o convívio da humanidade comum. Meu pai, Menax, era um mero bebê quando Gwauxln partira e a irmã mais nova deste nem sequer era nascida. Mas quando Gwauxln regressou, os fios de prata da maturidade já brilhavam nos cabelos do Príncipe Menax, enquanto o futuro Rai tinha a aparência mais madura embora pouco diferente de seus dias de juventude. Nesse ínterim, a irmã de Gwauxln viera ao mundo, tornara-se adulta e casara com Menax; depois de dar à luz seu filho Soris e sua filha Anzimee, partira para o país do desconhecido, cruzando o portal do Maxin. O sacerdote (Incaliz) Mainin também mantivera uma aparência jovem.
CAPÍTULO 15 - O ABANDONO MATERNO
Antes de sair de nossa casa de campo naquela manhã, eu tinha relatado todos os acontecimentos à minha mãe, avisando-a de que alguém viria buscá-la e levá-la até o palácio, onde, de acordo com as instruções de Menax, eu esperava que ela fosse morar, em virtude da recente reviravolta em minha sorte. Que situação anômala era aquela! Ali estava eu, transformado em filho adotivo de um dos Príncipes Imperiais, o que me fizera ser reconhecido como irmão de sua filha Anzimee e portanto também sobrinho do tio (o rei) dessa minha irmã, Rai Gwauxln. Minha mãe, por outro lado, não tinha parentesco com nenhuma dessas personalidades e nunca as tinha visto, exceto o Rai, o suficiente para poder reconhecê-las caso as encontrasse.
De qualquer forma, eu me sentia feliz ao pensar nas oportunidades que ela teria de estabelecer um relacionamento mais íntimo com todas elas. Tendo mandado um emissário ir buscá-la, conforme o combinado, qual não foi minha surpresa quando fui informado por meu pai de que ela não viera, mandando em seu lugar uma mensagem por escrito. Nervosamente rompi o lacre e li a simples ordem que ela escrevera em sua elegante escrita poseidana:
“Zailm vem me ver.” PREZZA NUMINOS
Obedeci com uma sensação gelada na alma, com um pressentimento angustioso. Quando cheguei em casa, minha mãe, que me pareceu bastante pálida, disse: “Meu filho, não posso ir morar no palácio, nem o desejo. Estou contente com teu bom êxito: deves usufruir de tua alta posição. Mas não posso ir contigo. Estás à vontade entre os nobres, mas eu não o conseguiria. Talvez penses em dizer que renunciarás ao palácio e continuarás morando aqui comigo, mas não deves fazê-lo. Para que não tenhas essa ideia, é melhor que sofras a dor de uma nova realidade agora e não mais tarde. Ouve: cuidei de ti em tua infância e adolescência, até alcançares a idade adulta. Não precisas mais de meus cuidados. Pretendo voltar para nossa casa nas montanhas.”
“Não podes falar dessa forma, mamãe!” “Ouve o que tenho a dizer, Zailm! Voltarei para a casa das montanhas com meu marido, alguém que não conheces; é um bom homem que foi meu namorado antes de eu desposar teu pai. Casamo-nos esta manhã e a notícia certamente já é de domínio público. Um Incala que passou por nós no momento oportuno realizou a cerimônia, que foi muito simples. Eu não amava meu primeiro marido, teu pai; na verdade o detestava, pois aquele foi um casamento arranjado por meus pais contra a minha vontade, embora com o meu consentimento, tola que fui em dá-lo! És o fruto de uma união que não desejei. Eu detestava, até odiava teu pai, mas ao morrer ele te deixou como uma herança, não do meu desgosto, pois isso seria injusto, mas de minha indiferença.
Não fui uma mãe relapsa porque, por uma questão de orgulho, ocultei meus sentimentos. De certa forma te amo como amo meus amigos e não de uma forma profunda. Devo, pois, despedir-me de ti, tendo dito o que precisava dizer para. . . ” Não ouvi mais nada, pois tinha desfalecido e caído ao chão. Era aquela a mãe que eu havia idolatrado? Por quem tinha eu lutado quando pequeno e depois em Caiphul, antes que uma nova motivação surgisse e aumentasse minha determinação na forma de um duplo ideal, o amor filial e o amor por Anzimee? Ó meu Deus! Ó meu Deus! Finalmente, sem recobrar a consciência, passei do horrível sonho em que mergulhara para o pesadelo de uma febre cerebral. “Mamãe!”
Quando pronunciei o amado nome, Astika Menax, que estava sentado ao lado de meu leito, virou o rosto, com os olhos marejados de lágrimas. “Não, Zailm, não te atormentes! Estiveste muito doente com febre cerebral nas últimas duas semanas e quase morreste. Amanhã talvez te conte tudo. Chegaste muito perto de ires me esperar na Terra das Sombras. Não terias de esperar muito, minha luz, pois eu logo iria juntar-me a ti, meu filho!” A história não é longa. Minha mãe, informada de que eu receberia toda a ajuda necessária para cuidarem de mim, respondera que não ficaria para me tratar, pois não duvidava de que os cuidados especializados do médico particular de Menax seriam tão bons ou melhores que os dela.
Então partira com o seu novo marido para seu lar nas montanhas. Desde o instante em que Menax me relatou esses fatos, à custa de muito sofrimento calei sobre o assunto e nunca mais toquei nele para quem quer que fosse. Certa vez, ao passar perto do lugar onde tinha nascido, mandei um mensageiro perguntar se eu seria recebido; o pajem voltou até meu vailx e disse que um homem o atendera. A mensagem tinha sido transmitida a ele, que respondera: “Diz a teu amo que minha esposa o receberá”. Fui até lá e logo percebi que ela preferia que eu não o tivesse feito. Minha mãe me estendeu a mão mas não mostrou o desejo de beijar-me, como as mães costumam fazer. Sua atitude. . . Mas poupa-me da lembrança daquele encontro com minha mãe poseidana, daquela última vez em que a vi. Ela tinha agido sabiamente não se mudando para o palácio, sendo como era. Mas este é um assunto doloroso e prefiro não continuar.
Logo que minha saúde permitiu que eu pudesse viajar em minha missão para Suern (ÍNDIA), o que só ocorreu no inicio de um novo período no Xíoquithlon, que eu fora proibido de frequentar até o próximo ano, o Príncipe Menax me chamou ao seu gabinete particular. “O Xiorain decidiu com sabedoria” disse o principe Menax. “Ah! Essas mentes jovens cheias de promessas para o futuro; nenhum esquema é melhor do que esse em que o estudante governa a si mesmo, inclusive a palavra deles é lei em todas as questões educativas mesmo às que se referem ao uso e distribuição dos fundos providos pelo governo e à escolha dos instrutores”.
Sobre a mesa de Menax havia um adorável vaso de vidro maleável em cujo interior, mediante um dispositivo de fusão, foram misturados ouro em pó, prata e outros metais de cor, em conjunto com certos produtos químicos que conferem à totalidade dos vários graus de translucidez, a partir do quase opaco à transparência perfeita, o que afeta as várias gama de metais, bem como o vidro, e aparecendo em diferentes partes do mesmo objeto. A beleza não estava segundo o valor dos vários metais e produtos caros usados. Menax apontou para o vaso alto, e eu li sobre ele esta inscrição, formado com rubis:
“Para Ernon, Rai de Suern, de Gwauxln, Rai de Poseid, como sinal de amizade dos poseidanos.”
Se qualquer um tivesse vontade de ver um facsímile das palavras originais escritas em quirografia poseidana, eis tua vontade satisfeita:
Desviando os olhos do belo objeto, perguntei: “Quando devo partir para cumprir esta missão, meu pai?” “Assim que tua saúde e as conveniências permitirem, Zailm.” “Então que seja depois de amanhã.” “Está bem. Podes levar os acompanhantes que desejares. Nenhum aluno deixará de obter uma licença do Xiorain, creio, caso queiras levar colegas teus como acompanhantes; a dispensa será de um mês no máximo, mas não acredito que queiras te ausentar por mais que trinta e três dias. Leva este anel com meu sinete, pelo qual te nomeio meu representante, pois sei que o usarás com discrição. Ele te dá poderes de Ministro dos Negócios Estrangeiros. Leva também uma comitiva de cortesãos.”
Respondi que não levaria tal comitiva, pois tendo ouvido a história de Lolix, concluíra que o Rai Ernon olharia com desdém para tão supérflua escolta. Isto agradou Menax, que disse, cheio de orgulho: “Zailm, tuas palavras me alegram! Vejo que és sabiamente diplomático e consideras com inteligência as idiossincrasias daqueles com quem deves tratar.” Enquanto eu estivera enfermo, Anzimee tinha se mostrado muito solícita e, pelo que me contaram as enfermeiras regulares, não tinha deixado ninguém cuidar de mim a não ser quando estava excessivamente fatigada, o que nunca durava muito tempo.
No decorrer de minha convalescença ela passou a me visitar apenas uma vez por outra. Tirei proveito de uma dessas visitas para lhe dizer que sabia do desvelo com que me tratara em meu delírio. Ela enrubesceu e disse: “Sabes que estou estudando a ciência da terapia. Que melhor oportunidade de treinamento teria uma aluna interessada na cura do que a que me proporcionaste?” “Sim, é verdade” – respondi, sentindo que havia uma razão mais profunda do que um simples desejo de aprender e que sua atitude com relação a isso tinha sido extremamente, amorosamente solícita!
Esbocei para Anzimee o plano que tinha traçado para tirar o máximo prazer de minha viagem, depois que o negócio de estado em Ganje, capital de Suern, tivesse sido finalizado. Já fazia três anos que eu não me afastava de Caiphul a não ser para ir até minha casa de campo em Marzeus. Mostrei o roteiro que pretendia seguir, juntos analisamos o mapa. Mostrei que, partindo de Caiphul pelo extremo oeste do cabo de Poseid, o curso me levaria para o leste, atravessando o norte do continente, o oceano além, e de lá para outras terras. Em seguida, eu atravessaria Necropan, hoje o Egito, a Abissínia, etc, abrangendo todo o continente da África, com um governo similar ao de Suern e um povo com poderes semelhantes, embora não tão avançados.
A África de então não tinha mais que a metade de suas atuais dimensões, enquanto Suern, que também abrangia a Ásia, era bem diferente do que é hoje; o nome Suern distinguia principalmente a península do Hindustão. Deixando Necropan, minha rota iria pelo mar até a índia ou, em nosso modo de falar, pelas “Águas da Luz” (devido à sua fosforescência) até Suern. De Ganje, sua capital, o curso continuaria para o leste pelo Oceano Pacífico, como hoje é chamado, até alcançar nossas colônias na América, chamada “Incalia” porque naquela terra antípoda o Sol (Incal) tinha o seu leito, segundo a fábula épica já citada anteriormente como a base do folclore atlante.
Da Incalia do Sul (hoje Sonora) eu pretendia ir para o norte e visitar as desoladas geleiras das regiões árticas. O que hoje se chama Idaho, Montana, Dakota, Minnesota e o Domínio do Canadá, era uma região com vastas geleiras, a retaguarda da era glacial que estava se retraindo muito lentamente por um atraso geológico, como que relutando em encerrar seu frígido reinado. A viagem poderia, com esse itinerário, oferecer novos e satisfatórios contrastes de paisagens: tropical, sub-tropical, temperada e fria. “Achas que nosso pai faria objeção a que eu também fosse, Zailm?” -perguntou Anzimee ansiosamente. “Faz cinco anos que não saio de Caiphul”. “Claro que não, minha menina. Ele me deu liberdade de convidar quem me agradasse e não sei de outra pessoa que mais me agradaria levar do que tu. Já convidei um bom grupo de amigos comuns nossos.” Anzimee, pois, viajou conosco.
Quando tudo estava organizado, nossa comitiva consistia de quase dez jovens que se entendiam muito bem, dois oficiais do pessoal de Menax, mais os serviçais, somados às conveniências para um mês de ausência. Nosso vailx era do tipo médio. Essas espaçonaves eram construídas em quatro tamanhos padrão: número um, com cerca de vinte e cinco pés (7,62 metros); número dois, com oitenta pés (24,39 metros); número três, com perto de cento e cinqüenta e cinco pés (cerca de 47,24 metros), e o maior com duzentos pés a mais do que o número três (cerca de 109 metros). Essas longas espaçonaves eram, na realidade, agulhas ocas feitas de de alumínio, formadas por um casco exterior e outro interior, entre os quais havia milhares de suportes em T, um sistema que produzia grande rigidez e resistência.
Todas as repartições formavam outros suportes que aumentavam ainda mais a resistência da nave. A partir da parte mediana, elas se afilavam para as extremidades, formando pontas aguçadas. A maioria dos vailx eram dotados de um dispositivo que permitia a abertura para uma espécie de convés em uma das extremidades. Janelas de cristal de enorme resistência se perfilavam como escotilhas nos lados e havia algumas na parte superior e no piso, o que permitia ver em todas as direções. Devo também mencionar que o vailx que escolhi para aquela viagem tinha quinze pés e sete polegadas (cerca de 4,60 metros) de diâmetro em sua parte mais larga.
Na hora aprazada (a primeira hora do terceiro dia, conforme combinado com Menax) meus convidados se reuniram no palácio, de cujo teto iríamos decolar. Como cerquei de cuidados minha encantadora irmã e como me sentia orgulhoso de sua beleza! A princesa Lolix, que tínhamos tratado sempre como hóspede do Menaxithlon, veio até a plataforma onde estava estacionada a nave, curiosa para ver nossos preparativos de viagem. Para ela, parecia novidade ver uma nave aérea deixar a terra firme; não que ela demonstrasse espanto – para Lolix era uma questão de orgulho não demonstrar surpresa por coisa alguma, por mais nova, maravilhosa ou desconhecida que fosse. Seu temperamento, na verdade, era calmo e equilibrado, difícil de se perturbar (dissimulado ao extremo).
Nas cinco ou seis semanas decorridas desde que eu ouvira sua história, não a vi demonstrar qualquer emoção como a daquela noite em que minhas atenções para com Anzimee a deixaram nervosa, conforme eu notara; eu sabia que essa emoção devia ter sido profunda visto que ela não tinha conseguido ocultá-la totalmente. Considerando que nosso destino era Suern, Lolix não fora convidada para ir conosco, como o teria sido em outras circunstâncias. Mas não esqueci de oferecer-lhe minhas cordiais e respeitosas despedidas.
A corrente foi ligada e, no momento em que o vailx estremeceu de leve antes de decolar, Menax correu para o convés, o que me causou grande espanto, pois eu não tinha idéia de que ele pretendia nos acompanhar. Na verdade não era esse o seu plano, mas ele respondeu minhas perguntas com um sorriso e com o silêncio. Embora nossa agulha (Vailx) prateada fosse bastante longa, em pouco tempo tínhamos subido tanto que parecíamos ser apenas um pontinho para as pessoas que tinham ficado em terra. Voamos por meia hora a uma velocidade moderada, quando uma jovem chamou atenção para outro vailx que se aproximava por trás do nosso.
O Príncipe Menax, sentado ao meu lado numa cadeira no convés, olhou para baixo pela amurada, para a terra que já estava mais de duas milhas abaixo; envolveu-se melhor com sua capa de pele, olhou para trás contemplando as duzentas milhas que já tínhamos percorrido na última meia hora e observou o outro vailx que estava nos alcançando rapidamente. “Devo dar ordens ao piloto para aumentar a velocidade para fazermos uma corrida?” – perguntei aos meus companheiros que, vestidos com roupas quentes, passavam o tempo observando a paisagem.
“Não, não é o caso, meu filho”, disse Menax. Calei-me, pois naquele momento compreendi que o vailx que nos perseguia estava cumprindo ordens do príncipe. Menax se levantou, despediu-se de meus companheiros e, como Anzimee tinha se colocado de pé, colocou um braço em seu ombro e aproximou-se de mim, abraçando-me também; assim ficamos os três unidos por alguns momentos. Soltando-nos, ele ordenou a dois serviçais que lançassem as amarras para a outra nave, que já tinha encostado na nossa. No momento seguinte Menax passou para o outro vailx e deu ordem de partir. Assim nos separamos, duas milhas acima da terra; ele para voltar, nós para continuarmos nossa jornada.
“Em época por vir, uma glória refulgente, A glória de uma raça feita livre e pujante.Vista por poetas, sábios, santos e videntes, Num vislumbre da aurora inda distante.Junto ao mar do Futuro, uma praia cintilante Onde cada homem seus pares ombreará, em igualdade, e a ninguém o joelho dobrará. Desperta, minh’alma, de dúvidas e medos te desanuvia; Contempla da face da Manhã toda a Magia E ouve a melodia de prodigiosa suavidade Que para nós flutua de remota e áurea graça — E o canto como um coral da Liberdade E o hino lírico da vindoura Raça.” (Philos, o Tibetano)
CAPÍTULO 16 - A VIAGEM A SUERN (ÍNDIA)
Antes de sair de nossa casa de campo naquela manhã, eu tinha relatado todos os acontecimentos à minha mãe, avisando-a de que alguém viria buscá-la e levá-la até o palácio, onde, de acordo com as instruções de Menax, eu esperava que ela fosse morar, em virtude da recente reviravolta em minha sorte. Que situação anômala era aquela! Ali estava eu, transformado em filho adotivo de um dos Príncipes Imperiais, o que me fizera ser reconhecido como irmão de sua filha Anzimee e portanto também sobrinho do tio (o rei) dessa minha irmã, Rai Gwauxln. Minha mãe, por outro lado, não tinha parentesco com nenhuma dessas personalidades e nunca as tinha visto, exceto o Rai, o suficiente para poder reconhecê-las caso as encontrasse.
De qualquer forma, eu me sentia feliz ao pensar nas oportunidades que ela teria de estabelecer um relacionamento mais íntimo com todas elas. Tendo mandado um emissário ir buscá-la, conforme o combinado, qual não foi minha surpresa quando fui informado por meu pai de que ela não viera, mandando em seu lugar uma mensagem por escrito. Nervosamente rompi o lacre e li a simples ordem que ela escrevera em sua elegante escrita poseidana:
“Zailm vem me ver.” PREZZA NUMINOS
Obedeci com uma sensação gelada na alma, com um pressentimento angustioso. Quando cheguei em casa, minha mãe, que me pareceu bastante pálida, disse: “Meu filho, não posso ir morar no palácio, nem o desejo. Estou contente com teu bom êxito: deves usufruir de tua alta posição. Mas não posso ir contigo. Estás à vontade entre os nobres, mas eu não o conseguiria. Talvez penses em dizer que renunciarás ao palácio e continuarás morando aqui comigo, mas não deves fazê-lo. Para que não tenhas essa ideia, é melhor que sofras a dor de uma nova realidade agora e não mais tarde. Ouve: cuidei de ti em tua infância e adolescência, até alcançares a idade adulta. Não precisas mais de meus cuidados. Pretendo voltar para nossa casa nas montanhas.”
“Não podes falar dessa forma, mamãe!” “Ouve o que tenho a dizer, Zailm! Voltarei para a casa das montanhas com meu marido, alguém que não conheces; é um bom homem que foi meu namorado antes de eu desposar teu pai. Casamo-nos esta manhã e a notícia certamente já é de domínio público. Um Incala que passou por nós no momento oportuno realizou a cerimônia, que foi muito simples. Eu não amava meu primeiro marido, teu pai; na verdade o detestava, pois aquele foi um casamento arranjado por meus pais contra a minha vontade, embora com o meu consentimento, tola que fui em dá-lo! És o fruto de uma união que não desejei. Eu detestava, até odiava teu pai, mas ao morrer ele te deixou como uma herança, não do meu desgosto, pois isso seria injusto, mas de minha indiferença.
Não fui uma mãe relapsa porque, por uma questão de orgulho, ocultei meus sentimentos. De certa forma te amo como amo meus amigos e não de uma forma profunda. Devo, pois, despedir-me de ti, tendo dito o que precisava dizer para. . . ” Não ouvi mais nada, pois tinha desfalecido e caído ao chão. Era aquela a mãe que eu havia idolatrado? Por quem tinha eu lutado quando pequeno e depois em Caiphul, antes que uma nova motivação surgisse e aumentasse minha determinação na forma de um duplo ideal, o amor filial e o amor por Anzimee? Ó meu Deus! Ó meu Deus! Finalmente, sem recobrar a consciência, passei do horrível sonho em que mergulhara para o pesadelo de uma febre cerebral. “Mamãe!”
Quando pronunciei o amado nome, Astika Menax, que estava sentado ao lado de meu leito, virou o rosto, com os olhos marejados de lágrimas. “Não, Zailm, não te atormentes! Estiveste muito doente com febre cerebral nas últimas duas semanas e quase morreste. Amanhã talvez te conte tudo. Chegaste muito perto de ires me esperar na Terra das Sombras. Não terias de esperar muito, minha luz, pois eu logo iria juntar-me a ti, meu filho!” A história não é longa. Minha mãe, informada de que eu receberia toda a ajuda necessária para cuidarem de mim, respondera que não ficaria para me tratar, pois não duvidava de que os cuidados especializados do médico particular de Menax seriam tão bons ou melhores que os dela.
Então partira com o seu novo marido para seu lar nas montanhas. Desde o instante em que Menax me relatou esses fatos, à custa de muito sofrimento calei sobre o assunto e nunca mais toquei nele para quem quer que fosse. Certa vez, ao passar perto do lugar onde tinha nascido, mandei um mensageiro perguntar se eu seria recebido; o pajem voltou até meu vailx e disse que um homem o atendera. A mensagem tinha sido transmitida a ele, que respondera: “Diz a teu amo que minha esposa o receberá”. Fui até lá e logo percebi que ela preferia que eu não o tivesse feito. Minha mãe me estendeu a mão mas não mostrou o desejo de beijar-me, como as mães costumam fazer. Sua atitude. . . Mas poupa-me da lembrança daquele encontro com minha mãe poseidana, daquela última vez em que a vi. Ela tinha agido sabiamente não se mudando para o palácio, sendo como era. Mas este é um assunto doloroso e prefiro não continuar.
Logo que minha saúde permitiu que eu pudesse viajar em minha missão para Suern (ÍNDIA), o que só ocorreu no inicio de um novo período no Xíoquithlon, que eu fora proibido de frequentar até o próximo ano, o Príncipe Menax me chamou ao seu gabinete particular. “O Xiorain decidiu com sabedoria” disse o principe Menax. “Ah! Essas mentes jovens cheias de promessas para o futuro; nenhum esquema é melhor do que esse em que o estudante governa a si mesmo, inclusive a palavra deles é lei em todas as questões educativas mesmo às que se referem ao uso e distribuição dos fundos providos pelo governo e à escolha dos instrutores”.
Sobre a mesa de Menax havia um adorável vaso de vidro maleável em cujo interior, mediante um dispositivo de fusão, foram misturados ouro em pó, prata e outros metais de cor, em conjunto com certos produtos químicos que conferem à totalidade dos vários graus de translucidez, a partir do quase opaco à transparência perfeita, o que afeta as várias gama de metais, bem como o vidro, e aparecendo em diferentes partes do mesmo objeto. A beleza não estava segundo o valor dos vários metais e produtos caros usados. Menax apontou para o vaso alto, e eu li sobre ele esta inscrição, formado com rubis:
“Para Ernon, Rai de Suern, de Gwauxln, Rai de Poseid, como sinal de amizade dos poseidanos.”
Se qualquer um tivesse vontade de ver um facsímile das palavras originais escritas em quirografia poseidana, eis tua vontade satisfeita:
Desviando os olhos do belo objeto, perguntei: “Quando devo partir para cumprir esta missão, meu pai?” “Assim que tua saúde e as conveniências permitirem, Zailm.” “Então que seja depois de amanhã.” “Está bem. Podes levar os acompanhantes que desejares. Nenhum aluno deixará de obter uma licença do Xiorain, creio, caso queiras levar colegas teus como acompanhantes; a dispensa será de um mês no máximo, mas não acredito que queiras te ausentar por mais que trinta e três dias. Leva este anel com meu sinete, pelo qual te nomeio meu representante, pois sei que o usarás com discrição. Ele te dá poderes de Ministro dos Negócios Estrangeiros. Leva também uma comitiva de cortesãos.”
Respondi que não levaria tal comitiva, pois tendo ouvido a história de Lolix, concluíra que o Rai Ernon olharia com desdém para tão supérflua escolta. Isto agradou Menax, que disse, cheio de orgulho: “Zailm, tuas palavras me alegram! Vejo que és sabiamente diplomático e consideras com inteligência as idiossincrasias daqueles com quem deves tratar.” Enquanto eu estivera enfermo, Anzimee tinha se mostrado muito solícita e, pelo que me contaram as enfermeiras regulares, não tinha deixado ninguém cuidar de mim a não ser quando estava excessivamente fatigada, o que nunca durava muito tempo.
No decorrer de minha convalescença ela passou a me visitar apenas uma vez por outra. Tirei proveito de uma dessas visitas para lhe dizer que sabia do desvelo com que me tratara em meu delírio. Ela enrubesceu e disse: “Sabes que estou estudando a ciência da terapia. Que melhor oportunidade de treinamento teria uma aluna interessada na cura do que a que me proporcionaste?” “Sim, é verdade” – respondi, sentindo que havia uma razão mais profunda do que um simples desejo de aprender e que sua atitude com relação a isso tinha sido extremamente, amorosamente solícita!
Esbocei para Anzimee o plano que tinha traçado para tirar o máximo prazer de minha viagem, depois que o negócio de estado em Ganje, capital de Suern, tivesse sido finalizado. Já fazia três anos que eu não me afastava de Caiphul a não ser para ir até minha casa de campo em Marzeus. Mostrei o roteiro que pretendia seguir, juntos analisamos o mapa. Mostrei que, partindo de Caiphul pelo extremo oeste do cabo de Poseid, o curso me levaria para o leste, atravessando o norte do continente, o oceano além, e de lá para outras terras. Em seguida, eu atravessaria Necropan, hoje o Egito, a Abissínia, etc, abrangendo todo o continente da África, com um governo similar ao de Suern e um povo com poderes semelhantes, embora não tão avançados.
A África de então não tinha mais que a metade de suas atuais dimensões, enquanto Suern, que também abrangia a Ásia, era bem diferente do que é hoje; o nome Suern distinguia principalmente a península do Hindustão. Deixando Necropan, minha rota iria pelo mar até a índia ou, em nosso modo de falar, pelas “Águas da Luz” (devido à sua fosforescência) até Suern. De Ganje, sua capital, o curso continuaria para o leste pelo Oceano Pacífico, como hoje é chamado, até alcançar nossas colônias na América, chamada “Incalia” porque naquela terra antípoda o Sol (Incal) tinha o seu leito, segundo a fábula épica já citada anteriormente como a base do folclore atlante.
Da Incalia do Sul (hoje Sonora) eu pretendia ir para o norte e visitar as desoladas geleiras das regiões árticas. O que hoje se chama Idaho, Montana, Dakota, Minnesota e o Domínio do Canadá, era uma região com vastas geleiras, a retaguarda da era glacial que estava se retraindo muito lentamente por um atraso geológico, como que relutando em encerrar seu frígido reinado. A viagem poderia, com esse itinerário, oferecer novos e satisfatórios contrastes de paisagens: tropical, sub-tropical, temperada e fria. “Achas que nosso pai faria objeção a que eu também fosse, Zailm?” -perguntou Anzimee ansiosamente. “Faz cinco anos que não saio de Caiphul”. “Claro que não, minha menina. Ele me deu liberdade de convidar quem me agradasse e não sei de outra pessoa que mais me agradaria levar do que tu. Já convidei um bom grupo de amigos comuns nossos.” Anzimee, pois, viajou conosco.
Quando tudo estava organizado, nossa comitiva consistia de quase dez jovens que se entendiam muito bem, dois oficiais do pessoal de Menax, mais os serviçais, somados às conveniências para um mês de ausência. Nosso vailx era do tipo médio. Essas espaçonaves eram construídas em quatro tamanhos padrão: número um, com cerca de vinte e cinco pés (7,62 metros); número dois, com oitenta pés (24,39 metros); número três, com perto de cento e cinqüenta e cinco pés (cerca de 47,24 metros), e o maior com duzentos pés a mais do que o número três (cerca de 109 metros). Essas longas espaçonaves eram, na realidade, agulhas ocas feitas de de alumínio, formadas por um casco exterior e outro interior, entre os quais havia milhares de suportes em T, um sistema que produzia grande rigidez e resistência.
Todas as repartições formavam outros suportes que aumentavam ainda mais a resistência da nave. A partir da parte mediana, elas se afilavam para as extremidades, formando pontas aguçadas. A maioria dos vailx eram dotados de um dispositivo que permitia a abertura para uma espécie de convés em uma das extremidades. Janelas de cristal de enorme resistência se perfilavam como escotilhas nos lados e havia algumas na parte superior e no piso, o que permitia ver em todas as direções. Devo também mencionar que o vailx que escolhi para aquela viagem tinha quinze pés e sete polegadas (cerca de 4,60 metros) de diâmetro em sua parte mais larga.
Na hora aprazada (a primeira hora do terceiro dia, conforme combinado com Menax) meus convidados se reuniram no palácio, de cujo teto iríamos decolar. Como cerquei de cuidados minha encantadora irmã e como me sentia orgulhoso de sua beleza! A princesa Lolix, que tínhamos tratado sempre como hóspede do Menaxithlon, veio até a plataforma onde estava estacionada a nave, curiosa para ver nossos preparativos de viagem. Para ela, parecia novidade ver uma nave aérea deixar a terra firme; não que ela demonstrasse espanto – para Lolix era uma questão de orgulho não demonstrar surpresa por coisa alguma, por mais nova, maravilhosa ou desconhecida que fosse. Seu temperamento, na verdade, era calmo e equilibrado, difícil de se perturbar (dissimulado ao extremo).
Nas cinco ou seis semanas decorridas desde que eu ouvira sua história, não a vi demonstrar qualquer emoção como a daquela noite em que minhas atenções para com Anzimee a deixaram nervosa, conforme eu notara; eu sabia que essa emoção devia ter sido profunda visto que ela não tinha conseguido ocultá-la totalmente. Considerando que nosso destino era Suern, Lolix não fora convidada para ir conosco, como o teria sido em outras circunstâncias. Mas não esqueci de oferecer-lhe minhas cordiais e respeitosas despedidas.
A corrente foi ligada e, no momento em que o vailx estremeceu de leve antes de decolar, Menax correu para o convés, o que me causou grande espanto, pois eu não tinha idéia de que ele pretendia nos acompanhar. Na verdade não era esse o seu plano, mas ele respondeu minhas perguntas com um sorriso e com o silêncio. Embora nossa agulha (Vailx) prateada fosse bastante longa, em pouco tempo tínhamos subido tanto que parecíamos ser apenas um pontinho para as pessoas que tinham ficado em terra. Voamos por meia hora a uma velocidade moderada, quando uma jovem chamou atenção para outro vailx que se aproximava por trás do nosso.
O Príncipe Menax, sentado ao meu lado numa cadeira no convés, olhou para baixo pela amurada, para a terra que já estava mais de duas milhas abaixo; envolveu-se melhor com sua capa de pele, olhou para trás contemplando as duzentas milhas que já tínhamos percorrido na última meia hora e observou o outro vailx que estava nos alcançando rapidamente. “Devo dar ordens ao piloto para aumentar a velocidade para fazermos uma corrida?” – perguntei aos meus companheiros que, vestidos com roupas quentes, passavam o tempo observando a paisagem.
“Não, não é o caso, meu filho”, disse Menax. Calei-me, pois naquele momento compreendi que o vailx que nos perseguia estava cumprindo ordens do príncipe. Menax se levantou, despediu-se de meus companheiros e, como Anzimee tinha se colocado de pé, colocou um braço em seu ombro e aproximou-se de mim, abraçando-me também; assim ficamos os três unidos por alguns momentos. Soltando-nos, ele ordenou a dois serviçais que lançassem as amarras para a outra nave, que já tinha encostado na nossa. No momento seguinte Menax passou para o outro vailx e deu ordem de partir. Assim nos separamos, duas milhas acima da terra; ele para voltar, nós para continuarmos nossa jornada.
“Em época por vir, uma glória refulgente, A glória de uma raça feita livre e pujante.Vista por poetas, sábios, santos e videntes, Num vislumbre da aurora inda distante.Junto ao mar do Futuro, uma praia cintilante Onde cada homem seus pares ombreará, em igualdade, e a ninguém o joelho dobrará. Desperta, minh’alma, de dúvidas e medos te desanuvia; Contempla da face da Manhã toda a Magia E ouve a melodia de prodigiosa suavidade Que para nós flutua de remota e áurea graça — E o canto como um coral da Liberdade E o hino lírico da vindoura Raça.” (Philos, o Tibetano)
CAPÍTULO 16 - A VIAGEM A SUERN (ÍNDIA)
Diante de nós estendia-se uma viagem de recreio que nos levaria por muitos milhares de milhas. Diminuímos a velocidade quando a nave estava acima da base da imensa Pitach Rhok, a poderosa e explosiva montanha, e subimos um pouco para ficarmos na altura de seu mais elevado pico. Chegando lá, todos quiseram parar no topo da mesma. Assim, afundamos os pés na neve do pitach, o que foi feito principalmente para agradar Anzimee, que achava o local muito interessante por causa do que tinha acontecido comigo ali. Logo embarcamos de novo no vailx, descendo daquela grande altitude para termos uma visão melhor da região montanhosa e densamente povoada entre Pitach Rhok e Poseid ocidental.
Quando se aproximava o pôr-do-Sol, um ruído abafado invadiu nossos ouvidos – logo vimos a longa praia branca do velho oceano, brilhando lá embaixo por um momento antes de ficar para trás; depois disso, à luz que se apagava aos poucos, só víamos a água cor de chumbo abaixo, atrás, na frente e dos lados, sem nenhuma terra à vista, pois esta ficava a mais de mil milhas a leste, no país de Necropan (n.t. Na África, o hoje Egito). Sem utilizarmos a velocidade máxima, só chegaríamos lá depois de duas ou três horas. Como estaria escuro quando chegássemos, resolvemos diminuir a velocidade para cento e cinqüenta milhas por hora, fechamos o convés e nos reunimos no salão, iluminado por lâmpadas incandescentes.
Qualquer viagem de vailx era menos monótona que nos mais rápidos transatlânticos de hoje (final do século XIX, quando foi escrito o livro). A variedade das paisagens, a amplidão da vista que variava segundo a altitude que escolhíamos, o frio exterior esquecido pelos passageiros bem acomodados no salão aquecido por meios provindos de Navaz, e arejados com ar de densidade apropriada pelas mesmas forças do Lado-Noite (a polaridade FEMININA, principio da fusão), tudo isso tendia a evitar o tédio. O deslocamento rápido mudava as coisas da superfície com tanta celeridade que se alguém olhasse para trás só veria uma paisagem se dissolvendo. As correntes do Lado-Noite também permitiam a mesma velocidade da rotação diurna da Terra, ou seja, supondo que estivéssemos a uma altitude de dez milhas, na hora do meridiano, poderíamos permanecer indefinidamente parados, enquanto a Terra girava lá embaixo a mais ou menos dezessete milhas (27, 35 km) por minuto.
Os controles podiam ser revertidos e nosso vailx podia se deslocar daquela posição no meridiano em relação à superfície embaixo com a mesma assustadora velocidade, assustadora para quem não estivesse acostumado a ela, como é o caso de meu leitor; um dia, como espero, o vailx será redescoberto. Aliás, esse dia não tardará muito a chegar. Embora tivéssemos esses recursos contra o tédio, não nos faltavam outros meios mais usuais de diversão. Tínhamos nosso naim (espécie de videofone), em cujos espelhos e vibradores nossos amigos, por mais distantes que estivessem, podiam aparecer com sua imagem de tamanho natural e volume normal de voz. O salão do grande vailx de passageiros tinha uma biblioteca, instrumentos musicais e plantas em vasos entre as quais aves parecidas com o moderno canário doméstico voejavam.
Mais ou menos na décima hora foi reportado que voávamos sobre Necropan (Egito) e, diante dessa informação, surpreendente porque a velocidade que eu havia determinado deveria nos fazer chegar umas seis horas mais tarde naquele país, perguntei ao piloto a razão de ter voado a uma velocidade maior, contrariando minhas ordens. Não me foi dada uma resposta convincente e por isso repreendi severamente o piloto, ordenando que aterrissasse, a fim de que pudéssemos viajar de dia para a Terra Estéril, como pode ser traduzido o nosso termo Sattamund, referente ao deserto do Sahara de hoje. Alguns passageiros nunca tinham visto aquele deserto e, para que tivessem esse privilégio, resolvemos passar a noite numa elevação que nos protegeria das influências maláricas, pois estávamos próximos de onde se encontra hoje a Libéria.
“A nobre ave – o condor dos Andes, que pode navegar na insondável imensidão do céu, ou enfrentar a fúria do furacão filho do Norte, e banha sua plumagem na casa do Trovão, abre as poderosas asas à luz do ocaso e mergulha para o repouso em seu rochedo na montanha.”
Embora a chamássemos Sattamund ou Terra Estéril, não era uma região tão árida quanto é agora. A água não era tão abundante como em Poseid, mas havia dela o suficiente para permitir o crescimento de muitas árvores tropicais das mais resistentes e para esconder a nudez dos morros e colinas daquele antigo leito oceânico. Havia inclusive alguns lagos salgados por ali, amplos e azuis, ao redor dos quais se concentrava a população. Mas a mesma terrível catástrofe que destruiu Poseid mais tarde também se abateu sobre Necropan – e a beleza de suas matas desapareceu porque as mudanças geológicas afastaram toda a água da superfície, escondendo-a tão bem que só os poços artesianos conseguiriam alcançá-la. A mesma desgraça fendeu as rochas muitas e muitas vezes na Incalia do Sul, e hoje existem naquelas áridas partes os mais fantásticos cenários, tão extraordinários que está além do poder de minha pena descrevê-los.
Lá corre o Rio Gila, o Colorado e o Colorado Chiquita. Pretendo deixar de reserva essa descrição, que será feita com a linguagem de um outro; e tu e eu, meu amigo, teremos o prazer de apreciar juntos um maravilhoso quadro pintado com palavras. Em Poseid e Suern (atual ÍNDIA), e onde quer que a civilização estendesse seu domínio, havia uma lei universal segundo a qual era uma alegria para a humanidade obedecer o mandato celeste que a harmonia geral com o espírito da vida solar nos ensinara: o de plantar, ao invés de descuidadamente atirar fora, as sementes de belas flores e bons frutos, para criar sombra, alimento, beleza e utilidade em todo ponto favorável que se oferecesse à vista, em locais povoados ou em ermos nunca vistos antes por olhos humanos.
Tanto é que, em viagens como a que meu grupo estava fazendo, era uma coisa religiosa levar uma boa quantidade de sementes e jogá-las do vailx ao anoitecer como oferenda a Incal, no momento em que o Seu símbolo sublime se punha no Oeste, e porque o orvalho da noite propiciaria a germinação; essa cerimônia também era considerada um reconhecimento à deusa do Crescimento, Zania. Dessa forma, os ermos floriram como rosas e hoje o mundo é herdeiro do produto daquelas sementes – os cereais silvestres, o trigo para cuja origem engenhosas mas insuficientes teorias foram apresentadas e a variedade de palmeiras que tornam os trópicos famosos pela dádiva de suas tâmaras e cocos, e outros gêneros de Chamaerops.
Isso tudo aconteceu porque homens, mulheres e crianças se deleitavam, naqueles antigos tempos, em “plantar sementes à beira do caminho”. Ide e fazei a mesma coisa, para que os locais desertos se tornem para sempre reinos de beleza e sejam uma alegria para os olhos. Loas aos Dias da Árvore, que cumprem a injunção de Cristo: certamente eles voltarão e serão muitos. Uma pequena bolsa pode conter muitas sementes e, embora a sorte de todas elas não possa ser conhecida por nós, o Pai disse: “Elas darão frutos conforme sua espécie”.
A TEMPESTADE
A manhã seguinte surgiu clara e sem nuvens, tão deliciosa que fizemos pouco progresso, movendo-nos lentamente para que o convés pudesse permanecer descoberto e todos usufruíssem do ar fresco e da revigorante luz do Sol. Com nossas poderosas lunetas, vimos lá embaixo, a umas duas milhas, várias formas de vida humana, vegetal e animal; sons chegavam até os nossos ouvidos num tom monocórdio e sonolento, acompanhando o vôo do vailx. A tardinha o vento começou a soprar, tornando desagradável permanecer em baixa altitude. Os controles apropriados foram acionados e logo estávamos tão alto que nos vimos envolvidos por cirros, nuvens de granizo mantidas lá em cima pela força do vento, que seria perigoso caso nossa nave fosse movida por hélices, asas ou algum tipo de combustível.
Entretanto, como sua energia de propulsão, repulsão e levitação provinha do Lado-Noite ou, na maneira de falar dos poseidanos, de Navaz, nossas longilíneas naves não temiam qualquer tempestade por mais violenta que fosse. Como as janelas tinham ficado cobertas de gelo e impediam a visão do exterior, voltamo-nos para os livros, para a música e a conversa entre nós e também com os nossos amigos da distante Poseid, através do naim. Murus (o Vento Norte) não tinha poder sobre as correntes de Navaz. A noite ainda não estava muito avançada quando alguém sugeriu que a tempestade deveria estar mais violenta e o vento mais enlouquecido perto da terra; os repulsores foram ajustados num determinado grau, fazendo uma aproximação maior do que seria desejável, simulando uma ocorrência acidental.
Poderíamos, se a maioria concordasse, tirar partido do nosso privilégio e gozar a sensação de penetrar no meio da tormenta, em segurança e na velocidade máxima. “E enfrentar a fúria do furacão do Norte.” A relativa novidade poderia nos ajudar a dormir melhor quando nos recolhêssemos às nossas cabinas. Aprovei o plano, ordenando ao piloto que descesse para dois mil e quinhentos pés. Mergulhamos. As luzes foram diminuídas para produzir uma obscuridade parcial, a fim de apreciarmos melhor a fúria da tempestade. Sentamo-nos perto das janelas, de onde podíamos ouvi-la, pois nossos olhos não podiam ver o que ocorria lá fora onde a escuridão era total; aos nossos ouvidos, as violentas bátegas de chuva contra o metal se faziam clara e excitantemente presentes.
O vento uivava e gritava como um exército de demônios nas agudas pontas da proa e da popa do Vailx. Em certos momentos, quando nossa espaçonave era golpeada de lado por uma rajada, estremecia um pouco mas não perdia a rota, parecendo estar dotado da determinação de uma coisa viva. Embora não fosse totalmente inédita, a experiência foi excitante, por nos lembrar do poder do homem sobre a matéria e por nos mostrar o poder de Deus – Incal para nós, mestre de todas as coisas e seres – e lembrar que por Seu intermédio tínhamos autoridade sobre os elementos. Quando a sensação se tornou monótona, a iluminação foi normalizada e voltamos aos livros, aos jogos, à música, depois de retornarmos às regiões superiores da atmosfera, que estavam bem mais calmas do que lá embaixo.
Anzimee e uma amiga estavam separadas dos demais, numa alcova formada por trepadeiras floridas, num canto do grande salão. Algum tempo depois ela veio até onde eu estava e, tocando meu ombro, disse com ar pensativo: “Zailm, sabes cantar; dar-me-ias prazer se pegasses tua flauta e viesses até onde Thirtil e eu estamos, e cantasses para nós.” Ela se curvou para mim, enrubescendo um pouco, com um ar tão encantador que simplesmente fiquei olhando em silêncio para ela, embevecido com sua beleza. “E então, Zailm, farás minha vontade?” Pus-me de pé imediatamente quando percebi uma sombra de desapontamento passar por seu rosto, pois ela tinha interpretado meu silêncio como falta de vontade em atendê-la, e disse: “Decerto, Anzimee, ficarei feliz em te fazer a vontade, mas como poderia eu mover-me?”
Sem de nada suspeitar, ela perguntou: “Mover-te? E o que te impede?” “Já viste alguma vez um brilhante colibri que, pousado numa flor perto de ti, te fizeste ficar imóvel, prendendo a respiração, temendo que ele fugisse? Pois é assim que temo me mexer, com medo que. . . ” Vamos, vamos! Se eu não estivesse acostumada a ler as emoções dos outros em seus olhos, diria que és um lisonjeador pouco imaginativo. Vem.” “E o que devo cantar, doce amiga?” – perguntei a Thirtil, uma discreta e amável jovem, de temperamento entre sério e frívolo. “Qualquer coisa, qualquer coisa” – respondeu ela com um olhar malicioso para Anzimee -“que venha do teu coração!” Anzimee corou mas não deu qualquer outro sinal de confusão, baixando os longos cílios quando olhei para ela dizendo: “Verdade? Pois então cantarei esta música (que por sinal estava muito em voga):
“Quando o coração conhece seu gêmeo, Quando as dúvidas da vida se vão, O amor se eleva em nossas almas Até as alturas das praias do céu. Sim, e vão buscar o amor Em outro lugar que não esse; O verdadeiro amor sempre é triste Quando nos afastamos da pureza. Que possamos estar longe da dor E com belos versos entronizar A bênção de Incal em nossa vida; Com Sua paz o amor sempre une,E a canção é música divinaQuando nasce na alma;Unamos nossas almas em doce noivado,Pelos séculos que virão.Agora, nossos corações são jovens e felizesBuscando mais belos ramosOnde florirá a cada diaToda a beleza das flores.E uma, única entre todas,Só desabrocha para mim.Vem do solo profundo de meu peito,Onde suas raízes encontramSeu lar e seu conforto.Devo colhê-la em plena floração,pronta que está para a mão do jardineiro?Posso eu levar sempre comigoO que para mim não é um sonho?Sim, amada, nos deleitaremosCom sua bênção para sempre,Ouvindo a doce vozQue unidos adoramos.”
Era assim no vailx, música e alegria; lá fora rugia a tempestade, como se tentasse nos engolir. Nas garras da furiosa tormenta estava mergulhada nossa longilínea nave, sem dar qualquer sinal para o exterior (se ali houvesse alguém para ver) da luz, do calor, do riso e da música das pessoas e aves abrigadas em seu bojo, entre as flores que formavam uma pequena ilha tropical, a salvo da ira do vento. Não, nenhum sinal além do brilho avermelhado das luzes na frente e na cauda. Quando todos se recolheram, permaneci no salão vazio até ouvir o aviso de que estávamos sobre Suern. Não podíamos aterrissar com a tempestade bramindo a oitenta milhas por hora, pois tal tentativa faria a nave em pedaços no instante em que tocasse o solo.
Para ficarmos fora do alcance da influência do mau tempo, dei ordens para subirmos acima do nível de perturbação atmosférica, para uma região próxima que estivesse calma, e para que os controles fossem desligados, interrompendo nossa propulsão. Recebida a ordem, o piloto aumentou a força de repulsão por meio de suas alavancas graduadoras e subimos para as nuvens, acima do ímpeto do furacão, chegando a uma atmosfera clara e intensamente fria a quase treze milhas acima da superfície. Se tivéssemos uma visão desobstruída de nuvens, veríamos daquela altura um horizonte de trezentas e cinqüenta milhas. Logo depois de dar minhas instruções, fui para a cama. Com a chegada do dia, vi que a tempestade não se amainara, ocasionais rajadas de vento acima de nós provaram que a área da tempestade, lá embaixo, devia ser muito extensa.
O frio lá fora era tão intenso que não se podia pensar em abrir o convés por um instante que fosse; o céu estava quase negro, de tão profundo que era o seu azul; o Sol, destituído da maior parte de seu brilho, parecia estranhamente mortiço, deixando entrever as estrelas. O movimento constante dos dispensadores de ar, com suas engrenagens e pistões trabalhando para manter o ar interno numa pressão normal podia ser claramente percebido no ominoso silêncio, enquanto que os pequenos escapamentos de ar pelas pequeninas fendas em volta das janelas e da entrada do convés faziam tanto ruído que mandei apertar os parafusos e abrir os tubos de ventilação. Se o gelo não tivesse diminuido a visão pelas janelas e, junto com as nuvens, não tivesse tornado impossível ver a superfície da terra, algo peculiar teria se apresentado aos nossos olhos.
A visão do grande horizonte teria dado a ilusão de uma perfeita união entre terra e céu, quase ao nosso nível; diretamente abaixo, o globo sólido teria parecido não uma esfera mas uma imensa tigela com paisagens em seu interior. Como nada podíamos ver, nossas cantigas, leituras e conversas continuaram, enquanto os tímidos raios de Incal, entrando pelas vidraças cobertas de geada, suplementavam o calor e o ar que nosso conhecimento fabricava para podermos desafiar o frio, a rarefação do ar e a gravidade – o conhecimento de Navaz. Em Poseid não havia tempestade, embora Menax nos avisasse pelo naim que a meteorologia previra sua chegada para breve. Esperamos até que o Sol se pusesse no oeste e voltasse a surgir no leste duas vezes.
Várias vezes a Saldu Lolix apareceu no salão por meio do naim; ela parecia tão real no espelho como se não houvesse entre nós uma distância que representava quase um terço do globo terrestre. Só uma vez ela falou comigo, num murmúrio, num momento em que eu estava sozinho perto do naim. “Quando, meu senhor, voltarás para casa? Um mês? É muito, muito tempo!” Um relatório sobre os mínimos acontecimentos em nossa nave era fornecido à agência de notícias e gravado em discos dos vo-calígrafos públicos e, muito antes de pousarmos no solo de Suem nossos compatriotas sabiam de nossa suspensão forçada entre a céu e a terra, enquanto aguardávamos a tempestade amainar.
Falar em vocalígrafo me leva a observar que nossa superestrutura social em Poseid tinha por base leis eqüitativas baixadas pelo grande Rai do tempo do Maxin e moldadas pela igreja e pela escola, expressas por milhões de vocalígrafos que interligavam os lares que, agregados, formavam a nação. Finalmente a grande tormenta afastou-se e chegou o momento de nossa aterrissagem. Descemos do céu em direção a Ganje, capital de Suern. Já estiveste alguma vez na antiga e há muito deserta cidade de Petrade Seir, a peculiar povoação ao pé do Monte Hor, cavada na rocha viva? (situada na Jordânia). Provavelmente não, pois os seguidores de Maomé dificultavam muito as visitas a esse lugar.
Mas se leste a seu respeito, então terás uma ideia sobre Ganje na antiga Suern, construída nas margens escarpadas do rio. Os detalhes de nossa recepção são demasiado triviais para merecerem a inclusão neste relato. Será suficiente dizer que foi adequada às relações internacionais amigáveis entre Suern e Poseid e à minha posição e importância como enviado especial. O Rai Ernon se mostrou menos interessado no vaso e nos outros presentes de ouro e pedras preciosas do que nas Saldani cativas que tinham relação com essas dádivas, particularmente Lolix e Rainu.
Fiquei surpreso diante do íntimo conhecimento que o monarca de Suern demonstrou possuir sobre o assunto e seus detalhes, sobre minha doença e outros incidentes que não eram do conhecimento público; mas não traí essa surpresa que foi passageira e logo desapareceu quando lembrei dos maravilhosos poderes ocultos de Ernon. Falando das Saldani, especialmente Lolix, ele disse:
“Não mandei as Saldéias para Gwauxln como objetos de prazer, nem como uma forma de punição, para que no exílio elas pudessem pagar a Suern pelos erros de seus pais, filhos, irmãos ou maridos contra os Suernis. Não, sem dúvida elas não podiam ser mais censuradas do que um tigre dotado de uma natureza igualmente destrutiva; mas, pelas leis de Deus, julgamos que a ignorância da lei não isenta do castigo quem fez o mal. A lei diz: “Não pecarás”. E a penalidade acompanha inexoravelmente a lei, que é aplicada sem exceções à desobediência. A lei, portanto, não me parece retributiva mas educativa. Tendo experimentado a punição, nenhum ser, homem ou animal, sente o desejo de repetir o erro por curiosidade. A natureza não atenua qualquer punição, dizendo: “Quando tiveres aprendido, teu castigo será menos severo”.
Se um bebê caísse de uma escarpa morreria, embora sua inocência nada soubesse a respeito do pecado, e o mesmo aconteceria ao homem bem informado que escolhesse a mesma ação deliberadamente. Quanto às mulheres saldéias, elas precisavam aprender que a conquista, o derramamento de sangue e o saque são coisas pecaminosas. A nação Saldéia também pedia uma lição e a recebeu, com a morte de seus melhores soldados. Mas esses exemplos requerem polimento. Um diamante bruto sem dúvida é um diamante, mas como a lapidação aumenta sua beleza e seu valor! Não libertar aquelas mulheres foi para a Saldéia o que a lapidação é para uma pedra preciosa. Não concordas comigo?”
“Certamente, Rai Ernon” – respondi. Permanecemos na capital por vários dias e, durante nossa estadia, fomos acompanhados pelo próprio Rai Ernon. Os Suernis eram um estranho povo. Os mais velhos pareciam nunca sorrir, não porque estivessem mergulhados nos estudos ocultos, mas porque se encontravam tomados pela ira (n.t. Momento crucial na batalha de todo o indivíduo contra si mesmo quando em determinado estágio de sua evolução espiritual). Em cada rosto parecia ter pousado a expressão de uma ira perpétua. Por que era assim? -perguntei a mim mesmo. Seria resultado das habilidades mágicas que eles possuíam? Por meios que para nós poseidanos pareciam um mero fiat da vontade, aquela gente parecia transcender os poderes humanos e anular os poderes da natureza, embora não se pudesse dizer que Incal não lhes tinha imposto limites, como o fizera com nossos químicos e físicos.
Os Suernis nunca erguiam as mãos para fazer um trabalho comum. Sentavam à mesa do desjejum ou do almoço sem tê-la posto ou preparado uma refeição; baixavam a cabeça em atitude de pedido e depois, levantando os olhos, começavam a comer o que surgia misteriosamente diante deles – deliciosas viandas, nozes, todos os tipos de frutas, verduras e legumes suculentos e saborosos! Não comiam carne e bem poucas coisas que não viessem diretamente de sua fonte, contendo em si mesmas o germe da vida. Tê-los-ia Incal dispensado de Seu comando de Criador do mundo, segundo o qual todos os homens devem sofrer e “ganhar o pão com o suor de seu rosto?”
Esse comando é com certeza menos oneroso para os que palmilham Seus caminhos, e até para os que só o palmilham parcialmente e cuja regra de vida é a continência e abstinência. Os habitantes de Suern eram mais poderosos, possuindo poderes ocultos que nenhum comedor de carne pode ter a esperança de alcançar, mas concluí que não deviam estar totalmente isentos, devia ser de algum modo árduo realizar feitos mágicos como os que descrevi. Não se pode obter alguma coisa a troco de nada. Aqueles homens olhavam para os inimigos que vinham ameaçá-los em suas casas e os reduziam a nada!
“Passou por sobre o campo de batalha
Onde espada, lança e escudo
Brilhavam à luz do meio-dia
E a força das cerradas hostes vacilou,
E o capim verdejante,
Nutrido pelo sangue do massacre,
Ondula por sobre desfeitos
E pulverizados ossos.”
Qual poseidano podia fazer tais coisas? O Rai Gwauxln, o Incaliz Mainin e nenhum outro, pelo menos nenhum que fosse conhecido do público, ainda que só de nome. Nenhum atlante tinha testemunhado tantas provas do poder deles como eu. Nisso fui mais favorecido que todos. Em nossas visitas dentro e fora da capital, uma coisa lançou uma sombra sobre mim: o povo não amava Ernon, embora o respeitasse e temesse o seu poder. Pela conversa do Rai, ficou claro que ele sabia que eu percebera essa antipatia.
“Nosso povo é peculiar, príncipe” – disse-me ele. “Durante muitos anos, na verdade muitos séculos, seus governantes em Suern vieram do seio dos Filhos da Solitude. Todos eles se esforçaram para treinar seus súditos, preparando as futuras gerações para a iniciação nos mistérios do Lado-Noite da Natureza, com mais profundidade do que teu povo de Poseid poderia sonhar. Para esse propósito, insistiram em impor códigos morais como coadjuvantes da instrução em magia operativa. Mas esses esforços nunca produziram o resultado desejado: só uns poucos indivíduos cresceram e progrediram nesse campo e logo se afastaram do povo menos dedicado e fugiram para as solitudes, a fim de se tornarem os “Filhos” dos quais já ouviste falar; genericamente, chamamos “filhos” esses estudantes, mas deveríamos dizer “filhos” e “filhas”, porque o sexo não é empecilho para o estudo do oculto”.
Há muito tempo eu desejava aprender tudo o que pudesse sobre esse grupo de estudantes da natureza ou Incalenes, como às vezes eram chamados. Incalene é uma palavra derivada de Incal (Deus) e “ene” (estudo). Milhares de anos mais tarde, no tempo de Jesus de Nazaré, eles foram chamados “Essênios”. Entretanto a Atlântida, que possuía uma riquíssima literatura, não tinha livros sobre esse assunto, com uma única exceção: um volume escrito em idioma poseidano antigo, contendo poucos detalhes. Sua leitura, a despeito disso, tinha me interessado muito. Ao ouvir o Rai Ernon, meu interesse voltou a despertar e pensei que um dia poderia candidatar-me à admissão nessa ordem se. . .
Mas “se” abrangia muitas coisas. Por exemplo, se esse estudo tornava a alma dos estudantes tão colérica quanto parecia ser a alma dos Suernis, então eu não queria saber dele. Contudo, a semente tinha sido plantada e cresceu um pouco quando eu soube que aquele estado emocional de ira não era devida ao estudo oculto, a não ser no sentido de que a natureza (o EGO humano) inferior se rebela contra (a perda do controle da vida do estudante) a pureza do estudo e revolve o lado da cólera, turvando as claras águas da alma. A semente cresceu um pouco mais quando o Rai observou, mais tarde, que “a jovem Anzimee poderá um dia ser uma Incalenu”. O meu crescimento de que falo, entretanto, não foi muito grande naquela distante época; ficou de reserva para uma vida futura. Dezenas de séculos se escoariam até chegar o momento presente! O Rai Ernon continuou:
“Vós, poseidanos, conheceis um pouco do Lado-Noite e eis que com isso dominais forças que abrem as profundidades do mar e da atmosfera e submeteis a terra. Isso está muito bem, mas requereis aparatos físicos (tecnologia) sem os quais não tendes poder. Os verdadeiramente versados em sabedoria oculta não precisam disso, sendo esta a diferença (FUNDAMENTAL) entre Poseid e Suern. A mente humana é um elo entre a alma e o físico. Toda força superior controla as que lhe são inferiores. A mente opera através da força ódica, mais veloz que qualquer outra de natureza física; por isso controla toda a natureza e dispensa aparelhos”.
“Pois bem, eu e meus irmãos, os “Filhos da Solitude” que vieram antes de mim, tentamos ensinar aos Suernis as leis que regem a operação dessa energia. Por esse conhecimento Deus concede força a Seus filhos. Em conjunção com esse conhecimento existem atos físicos, poderes que vêm logo no início do estudo. Meu povo atingiu essa etapa mas não foi adiante.”
“A moralidade traz serenidade à alma; por isso é vantajoso para o Incalene ser moral acima de tudo. Entretanto o homem é um animal em seu ser corpóreo e as paixões do corpo são agradáveis. O amor tem uma dupla natureza: o amor de Deus e do Espírito, puro e sem mácula, e o amor do sexo que também pode ser puro se o homem souber dominar o animal que há nele, pois do contrário se torna luxúria e leva o homem a pecar.
Tenho tentado fazer com que os Suernis conheçam a lei para que sejam mestres e não criaturas da circunstância. Entretanto, pelo fato de saberem alguma coisa sobre magia, tendo sido auxiliados pelos “Filhos da Luz” que viviam entre eles, desprezaram maiores feitos e contentaram-se com esse pouco. E mais! Rebelam-se contra a punição própria da natureza luxuriosa que eles gratificam, e me amaldiçoam eloqüentemente porque exijo obediência à lei e imponho penalidades quando a mesma é infringida.
Vituperam contra meus irmãos “Filhos da Solitude” que me apoiam e, portanto, é exclusivamente deles a cólera que te causou espécie. Meu povo faz estranhas coisas em tua opinião, poseidano, mas ele não sabe o que faz e ao mesmo tempo pratica maravilhas, desobedecendo a Deus. Não passam de uma corja de feiticeiros que não pratica a magia branca que é benéfica, mas a magia negra que é feitiçaria. Eu desejaria, Ó Zailm de Poseid, ter ensinado ao meu povo a fé, o conhecimento e a caridade, que tornam pura a religião verdadeira. Não achas que ajo bem, meu irmão; que estou certo?”
Rai Ernon estava sentado no salão do vailx e nesse momento se dirigia a Gwauxln de Poseid através do naim. “Verdadeiramente é assim, meu irmão” -respondeu Gwauxln. Por alguns instantes, o nobre monarca de Suern ficou em silêncio e pude ver lágrimas escorrendo de seus olhos fechados. Quando abriu os olhos iniciou uma peroração a seu povo que, de certa forma, era uma acusação:
“Ó Suernis, Suernis! Dei minha vida por vós! Tenho lutado para levar-vos ao espeid (Éden) e ensinar-vos suas belezas, mas não quisestes! Tentei inclusive fazer de vós a vanguarda de todas as nações, de vosso nome um sinônimo de justiça, misericórdia e amor por Deus; e como respondestes? Eu desejaria ser como um pai para vós e me amaldiçoastes em vosso coração! Mais aguçada que o fio do punhal é a ingratidão! Eu vos teria liderado até as alturas da glória, mas preferistes chafurdar na lama da ignorância como porcos, contentando-vos em fazer o que para outros povos são maravilhas, mas cuja importância ignorais. Sois uma raça de infiéis ingratos, que não crêem em Deus, contentes em viver com o pouco que sabeis, ociosos demais para aprender, mais ingratos a Deus que ao vosso Rai. O Suernis! Suernis! Destes-me o desprezo e fizestes meu coração sangrar! Partirei, portanto. Os “Filhos da Solitude” também se afastarão de vosso meio, pois são homens amargamente decepcionados.
E sereis poucos onde agora sois muitos; sereis objeto de chacota dos homens e presa fácil dos saldeus; sim, diminuireis vosso número e esperareis até que os séculos – noventa deles – tenham se escoado para a eternidade. Sofrereis até o tempo daquele que então se chamará Moisés. E de vós se dirá, “Eles são a semente de Abraão”. Ouvi! Tão certo quanto agora o Espírito de Deus está sobre a terra, imanente nos “Filhos da Solitude”, de quem zombais, num dia distante Seu espírito se manifestará e encarnará como o Cristo e será a luz humana perfeita irmanada ao Espírito, e se tornará o primeiro dos Filhos de Deus. Mesmo então não O reconhecereis e o crucificareis, e vosso castigo vos acompanhará por longo tempo, até que aquele Espírito retorne mais uma vez ao coração dos que O seguem e vos encontre espalhados aos quatro ventos! Eis como sereis punidos! De agora em diante ganhareis vosso pão com o vosso trabalho. Não mais tereis poderes de defesa, para que não os useis como arma. Não vos restringirei mais. Meu povo, ó meu povo! Ingratos! Eu vos perdôo, pois não sabeis o quanto vos amo! Partirei, Suernis, Suernis, Suernis!”{(n.t. Aqui temos a origem do povo rebelde que mais tarde seria conhecido como os Hebreus, filhos de Abraão (Brahma) e Sara (Sarasvati)}
Com estas últimas palavras a voz do nobre rei se transformou num murmúrio e ele enterrou o rosto lacrimoso nas mãos, ficando dolorosamente curvado em silêncio, quebrado apenas por suspiros de desalento. Vários Suernis tinham ouvido suas palavras e saíram discretamente do vailx, dirigindo-se para a cidade. “Rai ni Incal.” Voltei-me para o naim ao ouvir essas palavras e notei que uma grande sombra de tristeza cobria o rosto de meu Rai Gwauxln, que contemplava Ernon, um Filho Adepto como ele. “Rai ni Incal, mo navazzimindi su“, que se traduz por “A Incal o Rai (Ernon) foi para o país dos espíritos que partiram!“
Surpreso, olhei para o Rai Suerni que continuava na mesma posição, envolto pelo mesmo silêncio. Falei com ele mas não obtive resposta. Curvei-me e olhei por entre seus dedos para os belos olhos cinzentos. Estavam fixos, o sopro da vida tinha se extinguido. Sim, verdadeiramente ele partira, tal como prometera havia poucos instantes. “Vem até aqui, Zailm” – ordenou Gwauxln. Fui até o naim e aguardei. “Todos os teus amigos estão no vailx?” “Sim, todos.” “Pois então chama teus guardas e vai até o palácio do Rai Ernon. Convoca os ministros para que venham à tua presença e anuncia a morte de Ernon. Dize-lhes que assumirás a guarda do corpo e traze-o a Poseid. Entre os ministros estão dois homens já idosos que são “Filhos da Solitude”.
Pertencem ao decepcionado grupo de homens de Suern de que falou Ernon. Esses dois saberão que dizes a verdade ao afirmares que Ernon deixou seu Raina (governo) em minhas mãos para que eu decida como melhor me pareça. Mas os outros não saberão e os Filhos deixarão a teu cargo a transmissão dos fatos. Grande será a cólera dos que não são Filhos da Luz, de modo que tentarão destruir-te com seu terrível poder, pois não lhes agradará ouvir que foram depostos de sua autoridade. Não obstante, podes agir sem medo; mantém o ânimo, pois como pode a serpente morder se perdeu as presas?”
Quando a corte estava reunida diante de mim, de acordo com as instruções de meu Rai, falei o que fora incumbido de falar. A notícia foi recebida com um sorriso cortês pelos dois que reconheci serem Filhos da Solitude, mas os outros demonstraram grande cólera. “O quê? Como ousas, poseidano, nos lançar tal injúria? Nosso Rai está morto? Isso nos alegra! Mas nós, e não tu, procederemos aos ritos fúnebres. Quanto ao que dizes sobre o novo governo de Suern, rimos disso com desprezo! Somos nossos próprios senhores. Deixa nosso governante conosco e quanto a ti, cão, abandona este país!” Como resposta, repeti com ênfase a asserção de minha autoridade.
Confesso que senti medo interiormente quando o rosto de um daqueles homens que jamais sorriam se nublou com intensa raiva e ódio e ele me apontou o dedo, dizendo: “Pois então morrerás!” Não demonstrei covardia, embora temesse perecer no mesmo instante. Não senti o tremor que antecede a morte, embora a fatal ameaça estivesse diante de mim. Gradualmente, a fúria do ministro foi sendo substituída pela surpresa e ele baixou a mão. Mandei meus guardas o levarem preso e amarrado para o vailx. Em seguida falei: “Suern, teu poder te abandonou. Assim falou Ernon. Ele disse que daqui por diante deverás ganhar o pão com o suor do teu rosto. Poseid reinará sobre este país. Eu, Enviado Especial de Gwauxln VII, Rai de Poseid, vos exonero de vossas funções, com exceção dos dois que nos trataram com cortesia e não com desdém. Estes permanecerão aqui, mas não por muito tempo. Nomeio-os regentes de Suern. Estas são minhas palavras.”
Eu havia falado, em grande parte sem autorização. Fiquei tomado pela agonia da dúvida, temendo que Rai Gwauxln me censurasse, mas não deixei transparecer minha fraqueza diante daqueles ingratos. Ao contrário, tomei um rolo de pergaminho e escrevi de memória a fórmula de nomeação de governantes usada na Atlântida, nomeando um dos Incaleni para o cargo. Assinei o documento como enviado extraordinário, após o nome de Gwauxln, usando para isso a tinta vermelha que mandei um mensageiro pedir a Anzimee, no vailx. Meu motivo para indicar um dos Filhos como Regente foi o de que só um deles ficaria em Suern. O outro tinha pedido passagem para Caiphul em meu vailx.
Entregando ao novo Regente sua nomeação, documento que ele recebeu com a observação, “és um homem agora, e não mais um menino”, palavras que, embora cheias de boa intenção, passaram despercebidas por mim naquela ocasião, pois eu estava muito preocupado temendo ter cometido uma exagerada indiscrição. Já de volta ao vailx, chamei o Rai Gwauxln e informei o que tinha feito. Ele me pareceu muito sério e só disse estas poucas palavras: “Volta para casa.”
Não é difícil imaginar meu mal-estar. Não fora repreendido nem elogiado, tendo apenas recebido a ordem de voltar, sem maiores explicações. Foi então que procurei Anzimee. Encontrando-a em sua cabina, contei-lhe toda a história. Nosso Rai era conhecido por sua capacidade de impor severas punições, na forma de descrédito público ou exoneração por abuso de confiança. Anzimee ficou muito pálida mas suas palavras foram de encorajamento: “Zailm, não vejo nada de errado no que fizeste; só não sei por que nosso tio se mostrou tão reticente. Deixa-me oferecer-te uma poção; deita aqui no divã e bebe.”
Ela colocou algumas gotas de uma droga amarga num pouco de água e me passou o copo. Dez minutos depois eu estava dormindo. Ela saiu da cabina e, como fiquei sabendo mais tarde, chamou seu real tio pelo naim e expôs meu dilema. Ele ficou preocupado com o efeito que suas palavras tinham me causado pois não fora essa sua intenção, segundo disse, acrescentando que o fato nunca teria acontecido se naquele momento não estivesse ocupado resolvendo o complicado problema político surgido com a nova situação causada pela passagem do Rai Ernon. Suas outras palavras foram: “Não te preocupes, chamei Zailm de volta, não para puni-lo, mas por uma razão muito diferente”.
Dormi muitas horas e, quando finalmente acordei, Anzimee estava sentada ao meu lado e me contou o que Gwauxln tinha dito. Como já estava quase anoitecendo, resolvi voltar para o meu próprio quarto e me preparar para o jantar. No caminho encontrei o “Filho da Solitude” que estava indo para Caiphul conosco. Para ele parecia ser uma grande novidade viajar daquela forma, embora fizesse poucos comentários a respeito. Refletindo sobre isso, concluí que deveria ser mesmo uma novidade estar varando o ar a dezessete milhas por minuto e a uma milha de altitude. Tentei imaginar como se sentia meu passageiro nessa situação, mas após cinco anos de familiaridade com esse meio de transporte foi difícil ter uma ideia de suas reações a tal experiência.
Viajávamos na direção oeste e o Sol pareceu ficar na mesma posição de quando saíramos de Ganje, pois sua velocidade, ou a da Terra, era a mesma que a nossa. Estávamos voando fazia cinco horas e tínhamos coberto mais da metade da distância, que era de mais ou menos sete mil milhas. As duas mil milhas que faltavam levariam mais umas três horas para serem percorridas; um tempo que meu impaciente desejo fazia parecer longo demais e por isso andei de um lado para outro do salão com grande nervosismo. Depois de meus dias de Poseid, conheci um tempo em que um progresso bem mais lento do que aquele teria parecido rápido, mas o passado estava obscurecido por um véu, de modo que não havia nenhum termo de comparação – “O homem nunca é, mas está sempre para ser abençoado.”
CAPÍTULO 17 - "RAI NI INCAL" - AS CINZAS ÀS CINZAS
RETORNAM
Bem acima estava o teto branco de estalactites, refletindo de suas muitas pontas a radiância das luzes que não podiam ser vistas do piso. “Fecha seus olhos, seu dever foi cumprido.” Ao lado da forma imóvel estava Mainin o Incaliz, com a mão no ombro do rei falecido. Depois que o grandioso órgão fez soar um lutuoso réquiem, Mainin fez a oração fúnebre, dizendo:
“Uma vez mais, uma nobre alma conheceu a terra. Como tratou ela esse que deu a vida para servir seus filhos? Em verdade, Suerna, cometeste uma ação que vos vestirá de juta e cinzas para sempre! Ernon, meu irmão, Filho da Solitude, nós te damos adeus com grande tristeza em nossa alma; tristeza não por ti, pois estás em repouso, mas por nós que ficamos para trás. Muitos anos se passarão antes que encarnes outra vez. Quanto ao pobre barro que é teu corpo, junto a ele diremos nossas palavras finais, pois ele já fez seu trabalho e o Navazzimin o aguarda. Ernon, nosso irmão, que a paz esteja sempre contigo.”
Novamente o órgão soou com solene tristeza e, quando os atendentes ergueram o catafalco por sobre o cubo do Maxin, o Incaliz levantou os braços para o céu e disse: “Para Incal foi esta alma e para a terra este barro.” O corpo, preso por faixas finas ao esquife, foi colocado em posição vertical, tremeu um pouco e caiu no Maxin. Não subiu nenhuma chama, nenhuma fumaça e nem sequer cinzas sobraram após o instantâneo desaparecimento do corpo e do esquife que o continha. O funeral estava terminado. Quando nós, cidadãos de Caiphul, nos preparamos para partir, vimos o que nenhum homem vivente daquele tempo havia visto no Incalithlon.
Atrás de nós, no auditório, estavam grupos de pessoas vestidas de hábito cinzento, encapuzadas como os monges da igreja de Roma. Havia muitas destas pessoas, reunidas em grupos de sete ou oito entre as estalagmites que suportavam o teto. Enquanto olhávamos, foram desaparecendo lentamente, até as oitenta testemunhas de Caiphul ali presentes passarem a parecer um exíguo número naquele vasto salão onde até pouco antes houvera centenas de Incaleni, os “Filhos da Solitude”, em forma astral, reunidos para o funeral de seu irmão. Sim, os Filhos tinham realmente vindo testemunhar a impressionante cerimônia onde a parte mortal de seu companheiro morto fora devolvida à guarda dos elementos da natureza.
“Mas homem algum conhece aquele sepulcro e nenhum deles jamais o viu, pois os anjos de Deus cavaram o solo e ali puseram o homem que morrera.”
CAPÍTULO 18 - A GRANDE VIAGEM
O Rai Gwauxln me convocou a ir ao palácio Agacoe antes de retomar minha viagem de férias, embora tivesse confirmado antes do funeral de Ernon que minhas ações em Suern tinham sido aprovadas por ele. Obedeci quase que imediatamente, pois estávamos todos prontos para recomeçar a viagem. Gwauxln, na presença de seus ministros de estado, nomeou-me Suzerano da terra de Suern, o que me deixou enormemente surpreso, embora eu sentisse que poderia aceitar o cargo e prestar bons serviços na condução dos assuntos daquele país; mas o fato de eu ainda não ter me formado no Xioquithlon me fez hesitar, e respondi: “Zo Rai, estou feliz por conferires tão grande honra a este teu servidor. Não obstante, meu soberano, sentindo que ainda não adquiri todo o conhecimento que desejo, pois sou ainda um simples xioqene (estudante), peço tua permissão para recusar.”
O Rai Gwauxln sorriu e disse. “Pois bem. O governador que indicaste cumprirá tua função nos três anos que te faltam – os quatro anos, eu diria, já que não voltarás aos estudos neste período. Depois disso assumirás legalmente esses deveres. Tenho um objetivo ao te nomear, que está além da mera forma; acredito que o homem que tem um propósito direto em vista tem mais possibilidade de sucesso do que outro que não tem propósito. É uma boa motivação. Portanto eu te nomeio Suzerano dos Suernis e te libero para fazeres a viagem de recreação com teus amigos, assim que assinares este documento. Está muito bem escrito, embora tua mão trema um pouco devido ao nervosismo. Acalma-te!” Estas últimas palavras foram ditas enquanto eu assinava tremulamente o documento de nomeação.
Mais uma vez estávamos viajando. Anzimee, o “elfo”, persistia em me chamar “meu senhor Zailm” desde que ouvira a história de minha transformação em Suzerano. Nosso curso novamente nos levou para o leste, mas com um desvio para o sul, pois não pretendíamos visitar Suern desta vez, e sim nossas colônias americanas, obedecendo o itinerário original (no atual sentido oeste/leste) que tínhamos planejado para depois da momentosa visita a Suern.
Voamos por sobre Necropan (o norte da África) equatorial, depois o Oceano Índico e as atuais índias Ocidentais, que na época eram colônias suernis chamadas de Uz, para em seguida voarmos por sobre o vasto Pacífico, sempre na direção leste. “Umaur”, a costa oeste de Umaur!” – foi a exclamação que atraiu todos para as janelas, a fim de olharem para uma linha denteada e escura que surgira no horizonte oriental. Era a distante Cordilheira dos Andes, que aparecera quase ao nível do vailx, pois as montanhas então se elevavam duas milhas (em torno de 3.200 metros de altitude) acima do oceano. Abaixo, estava o imenso espelho azul do Pacífico, aparentemente sem ondas devido à distância.
Umaur, seria a terra dos Incas num distante futuro. Umaur, (hoje a América do Sul) onde depois de se passarem oito séculos encontrariam refúgio os que teriam a felicidade de escapar de Poseid antes que a “Rainha do Mundo” afundasse nas águas do Atlântico (n.t. No dilúvio em 10.986 a.C.). Oito séculos que viram os orgulhosos atlantes se tornarem corruptos a tal ponto que sua alma não mais refletia a sabedoria do Lado-Noite, pois, com o desaparecimento da moralidade, a chave para o segredo da natureza (poder feminino) tinha se perdido e com ela o domínio atlante sobre o ar e as profundezas do mar. Oh, pobre Atlântida!
Umaur estava à nossa frente e nós, ignorando a futura insensatez de nossos descendentes atlantes, ficamos olhando para a cosia de que nos aproximávamos rapidamente, fazendo comentários sobre as majestosas cordilheiras que observávamos pelos telescópios. *Ali vimos uma terra onde milhares de anos depois chegariam os conquistadores espanhóis liderados por Pizarro e encontrariam uma raça liderada pelos Incas, um nome preservado por muitos séculos desde o tempo em que seus remotos ancestrais haviam fugido da obliterada Poseid em Atlântida, e que se diziam “Filhos do Sol (de Incal)”.
* Nota – Quando tua ciência abordar a natureza por seu lado divino, como o fizeram os poseidanos; quando, ao invés de ascenderes até a força-chave de toda a Natureza, a energia ódica, pela síntese dos fenômenos ambientais, aprenderes a olhar a partir da Odicidade para o rio da Energia, então terás tudo que Poseid teve (pois és Poseid rediviva, oh América), inclusive seus vailx, naims e telescópios. Os telescópios atlantes não eram os grosseiros instrumentos que hoje possui tua ciência. Mesmo a mais remota estrela emitindo sua fraca luz das profundezas do espaço podia ser trazida para perto e, se houvesse um organismo diminuto como uma folha no “solo” de algum planeta em órbita daquela estrela, ficava visível aos nossos olhos. Não consegues acreditar? Ouve esta proposição: a luz não é apenas um reflexo ou refração de força de uma substância, mas um prolongamento de toda forma substancial, pois embora só exista uma Substância com muitas variações dinâmicas, essas variações são confundidas por ti como substâncias diferentes. Só existe UMA SUBSTÂNCIA! A Luz de Arcturus, por exemplo, é o prolongamento da substância daquela estrela. A eletricidade obtida por máquinas é, em comparação, uma força sem forma. É possível fazer com que uma reforce a outra e que o Sem Forma adquira a imagem do que é Forma. Entendes agora o princípio de nossos telescópios? Tua mente salta para a frente e te ouço perguntar: “Marte será habitado? E Júpiter? Saturno? Vênus?” Ah, meu amigo, não responderei sim nem não, pois quando a visão poseidana da natureza ressurgir na Terra, SABERÁS. Busca e encontrarás, mas busca corretamente. Caminha pela Via cruciforme.
Umaur (América do Sul) era a região das pedreiras e de muitas das ricas minas de Poseid. Havia também ali vastas plantações; a leste das montanhas havia bosques regulares de seringueiras, da genuína espécie Siphonia Elástica da tua botânica. Também existiam viçosas Cin-chonas e outras árvores nativas da América do Sul, mas originárias de Poseid-Atlântida. Antes de serem plantadas no estrangeiro pelos atlan-tes, esses tesouros vegetais nunca haviam crescido em outra parte a não ser em Poseid; as grandes selvas com peculiares árvores e arbustos sulamericanos são descendentes diretas das fazendas e bosques que estabelecemos em Umaur.
Naquele tempo o Rio Amazonas corria por dentro de diques e atravessava o continente, e as cerradas selvas do Brasil eram áreas drenadas e cultivadas, assim como o território adjacente ao Mississippi o é atualmente. Um dia, esse rio, o “Pai das águas” no Norte, correrá sem resistência e sem diques por essas terras. Assim será, porque tais coisas com certeza farão parte das mutações que ocorrerão nos próximos séculos, e também porque a história se repete.
Não imagineis que sereis herdeiros das glórias reencarnadas da Atlântida sem as suas sombras. Todas as coisas se movem em círculos, mas o círculo é como o que vemos na rosca dos parafusos, sempre subindo para um plano mais elevado a cada volta que dá. Devo dizer entretanto que o tempo em que essas coisas ocorrerão, e que nenhum homem pode negar, ainda está muito longe ( o livro foi publicado em 1.894), no horizonte do futuro; tão distante quanto está a recessão do Amazonas no horizonte do passado. Seguimos nossa rota, começando nas grandes hortas, plantações e casas de Umaur, que ficavam no Norte daquele continente, e nos dirigimos para os selvagens ermos do Sul, onde uma grande dificuldade me assolaria no futuro; e de lá para o norte, ao longo das costas orientais, deixando os afazeres de nossos milhões de colonos à imaginação do leitor.
Sucessivamente, chegamos ao Istmo do Panamá, que naquela época tinha quatrocentas (n.t. 643 quilômetros, muito mais largo do que nos dias atuais) milhas de largura; ao México (Incalia do Sul) e às imensas planícies do Mississippi. Estas últimas formavam as grandes pastagens de onde Poseid recebia a maior parte de seus suprimentos de carne e onde, quando o homem moderno as descobriu, encontrou enormes rebanhos de bovídeos descendentes de nosso gado, que ali vagavam livremente: búfalos, ursos, veados, alces e carneiros montanheses, todos representando a progenie de remotas eras.
Angustia-me vê-los sendo dizimados de forma tão insensata quanto agora – raças tão antigas deviam ser preservadas. Séculos mais tarde, chegaram a esse largo vale e ao distante istmo ao norte onde agora só restam vestígios (as ilhas Aleutas) hordas invasoras em canoas e outros tipos de embarcações. Esses invasores vieram da Ásia, que em grande parte era o lar de povos da raça amarela e semibárbaros, a não ser onde os Suernis haviam exercido uma influência civilizadora através de tribos que, num período bem posterior, ocupariam um lugar tão importante na história, com o nome de raças semíticas.
Mas os bárbaros que penetraram na Incalia, ocupando as planícies americanas e regiões dos lagos, esses no futuro desapareceriam da terra para sempre; mais tarde ainda, arqueólogos curiosos diriam ao analisarem certas escavações: “Aqui viveram os construtores de túmulos em forma de montes”. Mais adiante na direção norte, na atual “região dos grandes lagos”(Michigam), havia grandes minas de cobre que nos forneciam a maior parte desse material, além de certa quantidade de prata e outros metais. Era uma região fria, muito mais do que é hoje, já que se encontrava próxima dos limites das forças de retração da era glacial, uma época que terminou muito mais recentemente do que os geólogos imaginaram – e ainda acreditam. . .
A oeste se encontravam as chamadas “grandes planícies” dos primeiros tempos da América do Norte. Nos dias de Poseid tinham uma aparência muito diferente da de hoje. Não eram tão áridas nem tão esparsamente habitadas, embora fossem muito mais frias no inverno devido à proximidade das vastas geleiras ao norte. Os lagos de Nevada não eram, então, meros leitos ressequidos de bórax e soda, nem o Grande Lago Salgado de Utah era a massa comparativamente pequena de água salobra e amarga que é hoje. Todos os lagos eram grandes massas de água fresca e o “Grande Lago Salgado” era uma ilha interior de água doce onde flutuavam icebergs vindos das geleiras existentes em sua margem norte.
O Arizona, esse tesouro geológico, tinha o seu atual deserto coberto pelas águas do “Miti”, como chamávamos o grande mar interior daquela região. Havia vegetação abundante nas centenas de milhas quadradas não cobertas pela água. Uma população considerável de colonos da Atlântida vivia nas margens do Miti e numa cidade de bom tamanho. Caro Leitor, lembras a promessa que te fiz em páginas anteriores ‘ de que te brindaria com uma descrição primorosa, dizendo que provinha de outra pena que não a minha?
Cumpro-a agora, pois existe um geólogo me perseguindo por eu ter declarado que o Arizona já teve um lago ou mar interior tão vasto quanto o Miti, há apenas treze mil anos. Lembro que ele concluiu, pelas evidências da erosão e do desgaste das rochas naquela notável região, que embora o hoje deserto do Arizona tivesse realmente sido um lago , ou mar de pouca profundidade desde a era paleozóica, aquele lago era “mais antigo que o Plioceno, sendo provavelmente da época do cretáceo”.
Não, meu amigo. As estupendas gargantas e desfiladeiros não são meramente o produto da “erosão” pelo tempo, da água e do clima. Ao contrário, provieram de uma formação súbita, pelo rachar e rasgar de extratos numa escala semelhante, embora muito maior, à da explosão do vulcão em Pitach Rhok em Atlântida, descrita no primeiro capítulo deste relato. As maravilhas do Arizona e a formação do “Grande Canyon do Colorado” foram o resultado de uma terrível dança da crosta sólida do globo. Mesmo hoje os leitos de lava no retângulo entre os paralelos 32 e 34, latitude norte, e 107 graus longitude oeste de Greenwich, na região dos Montes Taylor e São Francisco, têm poucos paralelos na terra, em questão de tamanho. Nesse terrificante trabalho de destruição, depois que o mar Miti se escoou para o Ixal (Golfo da Califórnia), as chuvas e torrentes de treze mil invernos e os poderes pulverizantes e dessecantes de muitos verões tórridos alisaram, esculpiram e cinzelaram as superfícies rompidas e recortadas, dando-lhes formas ainda mais fantásticas, e reclamaram para si a autoria da obra, negando a participação de Plutão como principal artista. O geólogo parece ter aceito essa reivindicação e admitiu a existência do lago num tempo muito anterior, para justificar o tempo necessário para a execução da descomunal obra. Mas não foi assim, pois vi o lago faz apenas doze mil anos.
Mas vamos à dádiva literária prometida; ela foi extraída de um escrito bem moderno, mas que faz uma descrição tão fiel da aparência atual da região que desejo compartilhá-la com meu leitor. As palavras que se seguem são do Major J. W. Powell, do Exército dos Estados Unidos:
“As paredes do canyon têm grandes contrafortes nos quais há profundas cavidades; fendas rochosas coroam os penhascos e o rio corre lá embaixo. O Sol brilha com esplendor nas paredes avermelhadas e sombreia-se com tons verdes e cinzentos ao bater em rochas cobertas de líquens; o rio ocupa todo o canal de um paredão a outro e o canyon se abre como um lindo portal para a glória. Mas ao anoitecer, quando o Sol baixa e as sombras se põem no canyon, os matizes avermelhados e róseos, misturados com pinceladas de verde e cinza, lentamente mudam para o castanho em cima e se fazem sombras negras mais no fundo – e então o canyon parece o obscuro portal para uma região de trevas.
Deitados, olhamos diretamente para cima pela fenda do canyon e só vimos uma nesga azul de céu – um crescente de Armamento quase azul-marinho, com duas ou três constelações nos espiando. Não consegui adormecer logo, pois a excitação do dia não tinha amainado ainda. Vi uma estrela brilhante que parecia descansar na beira do penhasco. Parecia flutuar lentamente e se dirigir de seu ponto de repouso nas rochas para o canyon. De início, pareceu uma pedra preciosa engastada na beira do despenhadeiro, mas ao deslocar-se me fez imaginar que logo despencaria. Na realidade, ela dava a impressão de estar descendo numa curva suave, como se o céu no qual as estrelas se encontravam estivesse esticado por cima do canyon, preso nos dois lados do mesmo, curvando-se para baixo sob seu próprio peso.
A estrela parecia estar realmente no canyon, tão altas eram as escarpas. O Sol da manhã brilhou com esplendor em suas coloridas faces. Os ângulos salientes pareciam estar em fogo e os ângulos retraídos mergulhados na sombra -, as rochas, vermelhas e castanhas, brilhavam como um fogo vermelho, em contraste com seus engastes de trevas, embaixo. A luz lá de cima, que se fazia mais brilhante por causa das rochas de vivas cores, e as sombras lá embaixo, tornadas mais densas pelos tons obscuros intocados pelo Sol, aumentavam a profundidade aparente das portentosas gargantas, fazendo parecer muito longo o caminho para o mundo do Sol, lá no alto – o caminho mede, na realidade, uma milha!”
Nem as extensas águas do Miti, pontilhadas de elevados picos no passado, lindos como um sonho, eram mais impressionantes e gloriosas do que as esmagadoras gargantas que vieram tomar o seu lugar. Da cidade de Tolta, nas praias do Miti, nosso vailx subiu e voou para o norte, por sobre o lago UI (Grande Salgado), para alcançar sua praia noroeste, a centenas de milhas de distância.
Naquela praia tão distante erguiam-se três majestosos picos cobertos de neve, os Pitachi UI, que davam seu nome ao lago. No mais elevado desses picos havia existido talvez por cinco séculos uma edificação de pesadas lajes de granito. Tinha sido inicialmente erigida com o duplo propósito de culto a Incal e cálculos de astronomia, mas no meu tempo era um mosteiro. Não havia trilhas que levassem ao pico e o único meio de acesso era o vailx. Faz uns vinte anos, contados deste ano de 1886, um intrépido explorador americano descobriu a famosa região de Yellowstone, e no decorrer da mesma expedição chegou até Three Tetons, em Idaho.
*Essa tripla montanha era o conjunto dos Pitachi Ui dos atlantes. O Professor Hayden, depois de chegar à base desses majestosos gigantes, conseguiu após ingentes esforços chegar ao topo do pico mais alto, fazendo a primeira escalada dos tempos modernos. Em seu topo encontrou a estrutura de granito, já sem telhado, dentro da qual, segundo ele, “os restos de granito formavam uma camada muito espessa, indicando que não tinham sido perturbados por onze mil anos”.
Sua inferência foi a de que esse período de tempo tinha decorrido desde a construção daquelas paredes de granito. O professor estava certo, como bem o sei. Ele encontrou uma estrutura construída por mãos poseidanas cento e vinte séculos e meio antes, e foi pelo fato de o Professor Hayden ter sido um poseidano com um cargo no governo atlante, o de adido governamental de cientistas destacados para estudar os Pitachi Ui, que ele foi carmicamente atraído ao local de seu antigo trabalho. Creio que o conhecimento desse fato emprestou maior ênfase ao interesse que ele sentiu pelos Three Tetons.
* Os Three Tetons (Três Tetons) estão situados na parte noroeste do estado do Wyoming que, como território, não existia naquele tempo, tendo sido formado em 1868 com partes de Idaho, Dakota e Utah. Uma pequena parte do Parque de Yellowstonefica em Idaho. – Guia King dos Estados Unidos.
Nosso vailx desceu numa saliência de rocha diante do templo de Ui, ao cair da noite. Fazia muito frio, não só por causa da altitude, mas também porque estávamos bem ao norte. Quanto aos monges que viviam no sólido e bem construído edifício nunca passavam frio, pois eram adantes e tinham as forças do Lado-Noi-te à sua disposição. O principal motivo de nossa visita foi o desejo de prestar culto a Incal quando seu símbolo surgisse no céu, na manhã seguinte. Por toda a noite os brilhantes raios de luz de nossas lanternas de rubi emitiram o aviso de que uma nave real estava na região, para qualquer poseidano que por acaso nos visse.
No dia seguinte, ao amanhecer, nossa nave decolou para o leste, para uma visita às minas de cobre localizadas na atual região do Lago Superior. Fomos conduzidos em troles elétricos pelos labirintos de galerias e túneis. Quando nos preparávamos para partir, o capataz oficial presenteou cada membro da comitiva com variados artigos de cobre temperado. Eu ganhei um instrumento parecido com o moderno canivete, que guardei comigo até o dia de minha morte, valorizando-o muito pela refinada têmpera que dava ao instrumento um corte afiado que raramente requeria cuidados e inclusive permitia que eu me barbeasse com ele.
Os poseidanos eram aficcionados da hoje perdida arte da tempera do *cobre. Em retribuição, dei ao capataz uma pepita de ouro em estado natural e ele me perguntou de onde provinha; ouvindo minha resposta, comentou: “Qualquer amostra da famosa mina de Pitach Rhok será muito apreciada por um velho mineiro como eu, especialmente sendo um presente do próprio descobridor da mina.” Dessa forma, a mina por mim encontrada quando eu ainda era um jovenzinho obscuro, havia retribuído com seu tesouro o trabalho das pás e picaretas que a tinham tornado famosa em todo o mundo civilizado de então.
Após confabularmos, decidimos não penetrar mais no Norte, pois todos nós já tínhamos visto as geleiras árticas pelo menos uma vez e alguns de nós várias vezes. Resolvemos permanecer em Incalia mais uma semana, passando onze dias visitando com mais vagar o imenso território onde, embora obviamente o ignorássemos, os anglo-saxões um dia fundariam a gloriosa União Americana, os Estados Unidos da América. Dizem que a história se repete e acredito que seja mesmo assim. É inegável que as raças seguem os passos de outras raças e, assim como a mais importante e populosa parte das colônias americanas de Poseid ficava a oeste da grande cordilheira hoje chamada por Montanhas Rochosas, a grandeza da América moderna será levada ao auge pelos estados do oeste e sudoeste da União Americana.
O homem prefere viver em locais aprazíveis, nas terras onde a Mãe Natureza é amigável e dá abundantes colheitas. Aprecia viver numa terra que dê muitos frutos – e onde encontraria coisa melhor que o Oeste e Sudoeste da Incalia de outrora? Ao longo da costa oceânica até as montanhas da Sierra Nevada havia uma província que não ficava atrás, em beleza, da região dos lagos ao longo das praias do Miti. Essa terra manteve seu encanto, mas a beleza da outra cedeu lugar às areias móveis, cactos e mesquitas onde vivem lagartos, cascavéis e cães selvagens. Não é mais a “União de lagos e união de terras” do longínquo passado.
Quando finalmente partimos da Incalia para retornarmos a Caiphul, a última parte da colônia que avistamos foi a costa do Maine, pois tomamos o rumo leste, dirigindo-nos mais tarde para o sul. Para variarmos um pouco, trocamos os domínios do ar pelo das profundezas do oceano onde o tubarão é rei. Como todos os vailx da mesma classe, o nosso tinha sido construído para funcionar no ar e no mar, e as placas do convés deslizante e outras partes móveis da fuselagem se fechavam hermeticamente por meio de parafusos especiais e vedações de borracha.
Mergulhar diretamente no oceano seria muito parecido com um pouso em terra firme. Estávamos a uma altitude de duas milhas, mais ou menos, e o piloto recebeu ordem de reduzir a corrente de repulsão, diminuindo dessa forma nosso poder de flutuação, levando-nos a penetrar na água dez milhas após o ponto em que iniciássemos a inclinação para a descida. Ele também foi instruído para descer a uma velocidade bastante alta naquela espécie de manobra, embora fosse lenta para um vailx; ou seja, ele teria de cobrir dez milhas em poucos minutos.
Quando impactamos a água a essa velocidade, o choque sofrido pela agulha metálica foi grande o bastante para fazer os passageiros perderem o equilíbrio e as mulheres presentes soltarem exclamações de susto. Logo que entramos na água a repulsão foi anulada e seu oposto, um grau de atração maior que o da água pelo centro terrestre da gravidade, foi acionado, permitindo-nos mergulhar a uma profundidade considerável, a despeito do ar contido na nave. As luzes exteriores às janelas foram acesas, nosso movimento ajustado ao novo elemento, e nos reunimos todos no salão perto das janelas, as luzes de dentro apagadas e as de fora acesas, e pudemos ver as curiosas tribos de Netuno que se aglomeravam em torno da iluminação que era estranha ao seu meio.
Ocupado nessa observação, ouvindo ao mesmo tempo as explicações entusiasmadas de um ictiólogo amador, ouvi uma voz familiar que reconheci como sendo a do meu pai Menax e me dirigi para o naim. Ele não podia me ver porque estava escuro no vailx, mas eu podia vê-lo no espelho, já que a casa dele estava iluminada – não só o via mas também o ambiente próximo a ele, da mesma forma que alguém do lado de fora de uma janela, à noite, vê as pessoas e coisas no interior, sem ser vista.
“Meu filho” -disse o príncipe -“não deveria permitir que teu amor pelas novidades te fizesse agir com tanta imprudência, mergulhando no oceano daquela forma, mesmo a uma velocidade pequena de um ven (milha) por minuto. Temo que tenhas uma tendência estouvada em tua natureza, que um dia poderá causar uma infelicidade. Incal pune os temerários permitindo que Suas leis, quando violadas, apliquem sua própria penalidade. Toma cuidado, Zailm, age com prudência!” Quando as experiências submarinas se tornaram tediosas, o curso contrário, de aumento rápido mas gradual de repulsão, foi aplicado ao vailx – não foi um procedimento perigoso como o do mergulho – logo a nave saiu da água e subiu à altitude indicada pelo raz -mostrador de repulsão – altitude essa de algumas centenas de pés acima da superfície do mar.
Aberto o convés, senta-mo-nos para tomar Sol e apreciar a agradável brisa marinha que soprava na mesma direção sul seguida pela aeronave. Como desejávamos chegar a Caiphul no dia seguinte, fechamos o convés quando a tarde caiu e começou a fazer frio e, elevando-nos bem alto no céu para diminuir a resistência atmosférica, aumentamos a velocidade. Devo observar que nosso curso era menos longo do que seria se tomássemos a direção leste ou oeste, quando então percorreríamos uma longitude a cada quatro minutos. Tomando a direção norte ou sul, cortávamos as correntes terrestres, enquanto que na mesma proporção a velocidade diminuiria, se o vailx desviasse a rota do leste para oeste, para depois virar para o sul ou o norte, o que daria uma média de apenas algumas centenas de milhas por hora.
Calculamos que, tomando a rota direta, só chegaríamos a Caiphul dentro de dois dias; como nosso desejo era chegar na manhã seguinte, decidimo-nos pela rota em ângulo. Isto quer dizer que o vailx iria para sudeste na direção da costa de Necropan, de lá para sudoeste para Caiphul, e a velocidade maior dessa rota nos levaria ao destino a tempo de tomarmos o desjejum em casa.
“Bela Caiphul nenhuma é como tu; Rainha da Atlântida e Rainha do mar.”
CAPÍTULO 19 - UM PROBLEMA BEM RESOLVIDO
De volta ao lar. O problema de instruir os Suernis. Esse povo, tendo perdido seu aparente poder mágico, requer instrução nas artes da vida. Zailm e seus vice-regentes realizam esse plano. Os últimos registros desse povo podem ser encontrados na história da raça dos hebreus. Morte do pai de Lolix; sua indiferença ao ouvir a notícia. A consciência começa a adormecer.
Havia trabalho me esperando em Caiphul, deveres que eu poderia cumprir sem prejudicar minha saúde ainda delicada; na verdade uma atividade positiva para a sua recuperação, por oferecer um grau apropriado de estímulo mental, sem envolver a severa tensão dos estudos. No dia em que cheguei em casa, Menax falou comigo de um modo que me deixou pensativo: “Pelo que entendo o povo de Suern perdeu o poder que tinha de conseguir alimentos por meios aparentemente mágicos.
Deve ser um problema terrível para eles satisfazer as exigências da fome.” Na ocasião não consegui saber se Menax dissera essas palavras com o propósito de despertar em mim uma tomada de consciência quanto aos meus deveres naquele país. De qualquer forma, ponderei a situação com grande empenho. Ocorreu-me que os Suernis tinham poucos campos cultivados como os nossos, se é que tinham algum; que provavelmente não tinham conhecimentos sobre a arte da agricultura, preparação do solo e coisas semelhantes e, finalmente, que seus músculos não eram treinados para suportar esse esforço.
Em assuntos dessa natureza não passavam de crianças grandes. Quanto mais pensava no problema, mais complicada me parecia a condição deles. Vi que, pelo menos por um ano, seria necessário mandar-lhes provisões. Também teriam de ser instruídos sobre métodos de plantio, horticultura e criação de gado, ovelhas e outros animais domésticos úteis. Mais tarde, seria necessário ensinar-lhes outras artes como mineração, tecelagem e metalurgia. Na realidade, tratava-se de uma nação inteira, com oitenta e cinco milhões de habitantes, a quem eu deveria prover com escolas de instrução sobre a arte da sobrevivência.
Quando percebi o significado disso, fiquei arrasado. Ai, pobre de mim! Caí de joelhos na grama do jardim e orei a Incal. Quando me levantei, vi o Rai Gwauxln me olhando de um jeito muito peculiar. Seu rosto estava muito sério, mas os esplêndidos olhos estavam cheios de riso. “Sentes que estás à altura dessa tarefa?” – perguntou ele. “Zo Rai” – respondi corajosamente – “teu filho está sobrecarregado. À altura? Sim, se Incal me conceder sua orientação”. “Bem respondido, Zailm. Ponho à tua disposição os recursos de Poseid para o teu trabalho.”
Para não ser prolixo, as escolas foram estabelecidas, os entrepostos de alimentos e vestuário foram estabelecidos nos distritos competentes e os habitantes de Suern, a grande península da hoje ÍNDIA moderna, foram instruídos sobre os meios de obterem uma confortável autopreservação e de passarem a depender do próprio conhecimento. Obviamente, nem tudo isso foi feito sob minha supervisão, mas fui eu quem deu início ao plano; durante três anos e meio o trabalho prático nisso envolvido foi conduzido por mim e por meus vice-suseranos. Talvez eu não tivesse sido suficientemente grato a Incal; talvez nunca tenha voltado a pensar, naqueles dias de prosperidade, na prece do jovem pobre e desconhecido no Pitach Rhok.
Por outro lado, devo tê-lo feito. Penso que nem por um momento esqueci daquela manhã e dos votos que fiz. Contudo, há o estranho fato de que a natureza humana pode desviar-se daquilo que ela sabe ser a linha inamovível da correção; pode estar bem consciente de cada infração e continuar pensando que foi fiel a seus votos. Os lapsos morais são os mais freqüentes; os pecados que não são infrações diretas dos códigos comunitários. Estranho, também, é que a humanidade não costuma ser clemente com as vítimas, embora seja geralmente branda em suas censuras ao verdadeiro criminoso. Não poderá haver verdadeira justiça em qualquer assunto até que, em crimes dessa espécie, a mesma pena seja imposta, sem consideração de sexo.
Minha proposição te parece surpreendente? Pois então considera: a justiça humana é um sistema; se for íalha num particular será falha em todas as coisas, pois justiça significa perfeição e o que tem uma mancha ou defeito não tem perfeição. Na história da raça hebraica podem ser encontrados os últimos registros da parte mais merecedora do povo dos Suernis. Em verdade, meu povo, juntos tivemos a glória e o longo sofrimento. Estivemos juntos naquele longínquo período já passado! Minha semente do esforço denodado caiu em solo arado e se multiplicou cem vezes. O fim ainda não chegou; a colheita não foi recolhida e o povo eleito ainda não recebeu a recompensa pela Grande Tribulação havida desde que Ernon de Suern desistiu de lutar por ele.
O caminho foi longo, mas eles finalmente sairão do deserto no qual entraram há tanto tempo, e Deus dará o descanso a Seus filhos! Como havia dito Rai Ernon, o general saldeu não conseguiu voltar à sua terra natal. Ele vagava pela cidade, sem quase ser notado pelo povo, e o lugar que mais visitava era o vailx de um certo comissário poseidano, destacado com outros para permanecer em Ganje, a capital de Suern. Um dia, tendo se tornado amigo desse último, o Saldeu pediu ao amigo que lhe proporcionasse o prazer de subir ao espaço, pois nunca tinha viajado de vailx e desejava fazê-lo. Na ocasião o comissário estava ocupado e prometeu satisfazer o pedido no dia seguinte.
Cumprindo a promessa, após o almoço servido no convés do vailx, foi feita a ascensão. O general tinha bebido muito vinho e seus movimentos careciam de firmeza. Um dos passageiros era um Suerna, ex-conselheiro do Rai Ernon. O general foi tropegamente até a amurada do vailx para apreciar a paisagem. Perto dele estava o Suerna. Os dois não se gostavam e o Saldeu, também excitado pelo vinho, iniciou uma discussão. O Suerna, o mesmo, aliás, que tinha ficado tão espantado pela perda de seus poderes ocultos quando tentou me matar, deu um leve empurrão no general que caiu contra a amurada.
Sendo pesado, ele curvou-se por falta de equilíbrio e caiu, agarrando-se à grade com as duas mãos com inesperada agilidade. E ali ficou, pedindo socorro aterrorizado, sem poder voltar para o convés. O capitão poseidano não era um homem mau, mas um tanto estúpido por causa de uma pancada na cabeça e, embora se saísse bem como comissário, nunca tinha podido subir de posição. Antes do acidente ele tinha sido um homem de talento, inclusive conhecido como inventor de razoável fama. Esse talento de pouco lhe servia, porque muitos outros o tinham superado nesse campo.
Finalmente, tinha se tornado um lunático no campo das invenções, sempre tentando achar uma forma de utilizar força ou economizar força. Enquanto o capitão ficou ali parado com sua estúpida indecisão, o Suerna puxou-o para o lado, agarrando o aterrorizado Saldeu pelo braço. No momento seguinte o ex-conselheiro e o general Saldeu estavam balançando e girando, pendurados no ar a uma milha da terra. Então o poseidano viu-os cair; com a mente ocupada com sua mania predileta, exclamou. “Que desperdício de energia! Se ao menos pudessem cair em algum aparelho ajustado para levantar um peso!” Como o acidente aconteceu o comissário nunca soube, segundo suas declarações. Por falta de testemunhas e levando em conta sua óbvia imbecilidade, o tribunal o absolveu.
Quando eu soube do caso foi através do governador por mim nomeado, o qual me informou ter dispensado o capitão do comando do vailx e do cargo de comissário, substituindo-o por outro poseidano. O Saldeu era pai de Lolix e seria necessário dar a notícia a ela da maneira mais delicada possível. Como fiquei espantado quando ela me disse, após ouvir a triste notícia: “Pergunto, o que tem isso a ver comigo?” “Mas. . . teu pai. . . ” -comecei, mas ela me interrompeu: “Meu pai! Estou contente. Poderia eu, que amo a coragem, sentir algo além de desprazo diante da covardia em face da morte, que o levou a gritar aterrorizado como uma criança? Ora, nenhum covarde merece ser meu pai!”
Virei-me, completamente horrorizado, calado por não ter palavras que expressassem meus sentimentos. Percebendo isso, Lolix se aproximou e, pousando a pequena e branca mão em meu braço, fitou diretamente os meus olhos com suas gloriosas pupilas azuis. “Meu Senhor Zailm, pareces ofendido! É esse o caso? Terei dito algo que te causou desgosto?” “Pelos deuses!” – exclamei. Mas, lembrando uma avaliação anterior, de que a Saldu era apenas uma criança em certos aspectos, respondi: “Ofendido ou desgostoso? Não, Astiku (princesa).” Então ela enfiou a mão sob meu braço e caminhou ao meu lado.
Essa pequena experiência foi o início de uma outra bem mais longa que, embora fosse extremamente doce por algum tempo, culminou em angústia lá mesmo em Atlântida e, como a fênix, ergueu-se das cinzas dos séculos faz poucos anos. Em verdade, “o mal que os homens fazem a eles sobrevive”. Por ser tão óbvio que sua falta de coração se devia ao subdesenvolvimento, não fiquei desgostoso com Lolix. Reprovei-a, mas ao invés de voltar-me contra ela em fúria, procurei induzir nela a percepção de que a enormidade de sua ofensa se devia à crueldade de seu coração.
Seguindo o costume de seu povo, Lolix me pediu em casamento. Naturalmente eu não pude aceitar, embora fosse muito agradável ter aquela linda jovem fazendo o máximo para me conquistar. Eu não pude, porque amava Anzimee. Nunca falei a Lolix desse amor por minha doce e feminina irmãzinha, por não querer causar possíveis problemas futuros. Fiz pior, contando-lhe uma inverdade, dizendo que a lei de Poseid proibia o
casamento entre pessoas de nacionalidades diferentes. “Não há exceções?” -perguntou ela. “Nenhuma. O castigo é a morte.” Essa foi outra mentira, pois em Poseid a pena de morte nunca era aplicada, estando proibida pela lei contida no livro de Maxin.
“Pois então não importa. És jovem e forte, tens coragem e és belo. Por tudo isso te amo. Se a lei proibe, para mim tanto faz. Ninguém precisa saber além de nós.” A última barreira tinha caído. A consciência estava adormecida. Os pensamentos sobre Anzimee foram postos de lado, como se ignora um anjo acusador. Pensei no Pitach Rhok e em meus dias de pureza? Ou no misterioso estranho que eu ouvira com reverente respeito no início de minha vida em Caiphul? Sim, pensei nessas coisas. Pensei em Incal e murmurei:
“Incal, meu Deus, se estou a ponto de pecar diante de Ti, ao desprezar as leis da sociedade e do casamento, fulmina-me antes que eu peque.” Mas Incal não me fulminou naquele instante e sim mais tarde, muito mais tarde. Não, ele não me fulminou naquele momento. A minha consciência adormeceu mais profundamente e a paixão despertou e dominou a situação.
CAPÍTULO 20 - DUPLICIDADE
Duplicidade. Formatura no Xioquithlon. Festividades em honra dos formandos. Tristeza do Imperador Gwauxln pelos erros do sobrinho:
O ano em que não pude estudar passou rapidamente e sem grandes mudanças, a não ser pelo fato de que se aprofundaram as complicações por causa de Lolix. Minha afeição por Menax tornou-se quase tão grande quanto o amor que ele tinha por mim, que era ilimitado. Mas não lhe falei daquilo que cada vez mais me oprimia com seu peso crescente, o caso secreto com Lolix. Tê-lo feito teria sido o certo, mas não ousei, pois isso me teria feito perder o que eu mais prezava. Pelo menos era assim que eu me sentia então.
Com o passar do tempo, passei a questionar minha posição. Amava eu aquela bela moça? Não como amava Anzimee. “Ó Incal, meu Deus, meu Deus!” – gemi com angústia na alma. A consciência continuava adormecida mas já se agitava, inquieta. O fato de Anzimee ser minha irmã adotiva não impedia que ela se tornasse minha mulher, pois a lei da consangüinidade não seria violada. Meus próprios atos eram a causa do impedimento. Meu plano de levar Lolix para morar num palácio num local distante do Menaxithlon foi executado com êxito, sem levantar suspeitas e sem causar ciúmes em Lolix. Duplicidade, duplicidade!
Então passei a cortejar Anzimee sem o obstáculo da presença daquela que seria um fator de perigo se desconfiasse que a filha de Menax não era minha irmã de sangue. Mas meus dias começaram a ser perseguidos pelo medo, pois eu havia semeado dentes de dragão; o desfecho de assuntos que têm o mal por guia sempre é tristeza e amargura. Supondo que Lolix não se cansasse de mim – e eu não tinha vontade de fazer qualquer coisa que a levasse a isso – as leis da natureza tornariam provável a revelação de fatos letais para minhas esperanças; embora eu freqüentemente gritasse agoniadamente que era um desgraçado, a consciência continuava a dormir.
Mas meu caráter não era do tipo que se deixa intimidar pelo perigo. Se eu estava envolvido num jogo de inteligência, com o mal por oponente, usaria as melhores táticas que tivesse. Resolvi livrar-me de Lolix; uma decisão tardia, porque o fruto de nosso pecado tinha chegado e um lar secreto providenciado, pois eu nunca chegaria ao ponto de impedi-lo de viver. Esses planos foram levados a cabo com sucesso, como eu pensava, sem que pessoa alguma tomasse conhecimento. Mas como ficar livre daquela mulher realmente encantadora – Lolix?
Só faltava um ano para que eu fizesse o exame para obter o diploma no Xioquíthlon. Se eu fosse bem-sucedido, pretendia pedir a mão de Anzimee, que retribuía meu amor, eu bem o sabia, a fim de que fosse para mim tudo que o honroso título de esposa significava. À tarde, ou à noitinha, nada dava mais prazer a Anzimee do que passear a sós com Menax ou comigo pelos jardins do palácio, sob as grandes palmeiras e festões de lindas trepadeiras em flor que enfeitavam todas as aléias, formando frescos túneis verdes, ornados com matizes mais radiantes da Flora.
Pelos vãos existentes entre essas verdejantes paredes podíamos ver os lagos, colinas, escarpas e rios artificiais e, mais adiante, Caiphul com seus palácios; Caiphul enfeitada pelas heras e por suas quinhentas colinas, grandes e pequenas. Caminhar nesses lugares ao lado dela era um prazer tão caro para mim que não é de estranhar que minha alma ficasse aliviada de grande parte de seu peso de pecado e aflição. Retardei por tanto tempo a resolução do caso de Lolix que passei a temer fazer alguma coisa além de deixar os acontecimentos se resolverem por si mesmos. Sim, perdi a confiança em minha capacidade de solucionar o perigoso problema, temendo tornar as coisas ainda piores.
E os dias se escoaram e a provação do exame logo chegaria. Não negligenciei Lolix; não pude e nem tinha esse desejo. Freqüentemente ia ter com ela. Na verdade, com uma estranha cegueira quanto ao mal que fazia, dividia meu tempo livre entre Lolix e Anzimee. Às vezes sentia medo de que Mai-nin, Gwauxln ou talvez ambos soubessem de meu segredo. Eles o conheciam, sim, pois sua visão oculta era poderosa demais para que não conhecessem os fatos. Entretanto, nenhum dos. dois deu qualquer sinal, nem mesmo Mainin, pois não importava para ele o mal que estivesse acontecendo, como veremos em breve.
Nem Gwauxln, não porque não se importasse, mas porque era misericordioso e sabia que o carma me reservava uma punição mais terrível do que a que qualquer homem pudesse me infligir e, em sua clemência, absteve-se de aumentar meu castigo. E assim o câncer continuou oculto ao olhar público e eu não sabia que o nobre soberano era um espectador entristecido do meu mal feito. Não me surpreendo ao lembrar a tristeza de suas feições nas ocasiões em que estivemos juntos no último ano de meus estudos.
Anzimee havia adiado seu próprio exame no Xio até o ano em que eu devia me formar. Com isso, as festividades que sempre se seguiam ao exame, como marca de regozijo pelo êxito dos que tinham recebido diplomas, incluíam o nome dela em sua honrosa lista, principalmente porque tinha sido aprovada com mérito. Foi oferecido um jantar pelo Rai aos felizes candidatos; essa festividade deu início a uma prolongada temporada de jantares, bailes, festas, concertos e peças teatrais, todos pelo mesmo motivo. Anzimee, vestida de seda acinzentada, com os pesados cabelos presos por uma linda rosa, trazendo no ombro um broche de safiras e rubis, foi apresentada pelo Rai no banquete real aos novos Xioqi como a “Ystranavu” ou “Estrela Vespertina”. Tratava-se de uma distinção social semelhante à moderna “Rainha do Baile”.
Sabendo que Rai Gwauxln conduziria a sobrinha à mesa e seria o seu par, levei Lolix, como era de meu direito, pois tinha me formado e quem possuísse um diploma podia escolher uma companhia que podia ou não ser
formada pela Xioquithlon. Lolix, por minha causa, tinha estudado muito nos últimos três anos e estava no segundo ano do Xioquithlon, para onde tinha sido promovida pelas escolas inferiores. Eu estava começando a sentir orgulho dela; na verdade, eu seria muito desprezível se não reagisse dessa forma, depois do sacrifício que ela havia feito por mim. Várias vezes percebi Gwauxln olhando atentamente para mim e, uma das vezes, quando
passou perto de mim, ouvi-o murmurar tristemente: “Zailm, oh, Zailm.”
Gomo é fácil imaginar, essas palavras não aumentaram nada minha paz de espírito. Apesar de tudo, a noite transcorreu, como tantas outras, sem maiores inquietações. Caminhando com Lolix pelo grande salão de Agacoe, notei os muitos olhares de admiração causados por sua beleza, lançados pelos muitos cavalheiros que encontramos, nobres de elevado nome. Ela tinha de fato se transformado numa mulher de feições e porte encantadores e, melhor que isto, de caráter, pois seu temperamento não se mostrava mais cruel e sim gentil, desde a experiência com sua maternidade secreta e conseqüente perda das alegrias próprias desse estado, pois era impossível revelar que a criança era dela.
Lolix tinha recebido propostas de casamento e recusado, mesmo sabendo que tais propostas eram uma prova de que eu mentira ao dizer que as leis de Poseid proibiam nosso casamento. Mas seu amor por mim, embora sofrido, era fiel e constante. Ela guardou bem o segredo, especialmente para me poupar, a mim que era tão indigno! Quando olhava para ela, sentia que a queria muito. Mas Anzimee me era ainda mais cara e assim a horrenda tragédia continuou.
Eu sabia que por amor a mim Lolix havia reprimido observações cruéis, depois tinha se interessado pelo alívio dos sofrimentos alheios espontaneamente, e assim passara de belo espinheiro a uma gloriosa rosa de feminino encanto, com bem poucos espinhos. Será que eu tinha uma consciência digna desse nome por não me apresentar aos olhos do mundo e tomar Lolix por esposa, vendo todo esse seu ilimitado amor por mim? Não, não em Poseid. A consciência não tinha adormecido – pois nunca havia existido. Ela, a consciência, ainda estava para nascer e crescer em mim num outro tempo. E assim, a nêmesis do julgamento continuou a manter seu golpe vingador em suspenso.
CAPÍTULO 21 - O ERRO DE TODA UMA VIDA
O erro de toda uma vida. A exigência do carma. Remir não é desfazer. Cristo remiu – nós devemos desfazer. Reencarnação é expiação e busca do equilíbrio
A comparação é um excelente exercício. Devo ao leitor e a mim mesmo, e também a Anzimee e Lolix, entregar-me à inclinação que sinto neste momento de fazer uma comparação analítica dessas duas mulheres. O que fixou tão inalteravelmente meu desejo de desposar Anzimee e não Lolix?
Ambas eram de condição nobre, a primeira por natureza, a segunda. . . sim, a segunda também por natureza. Entretanto, eu estava a ponto de atribuir a doce caridade de Lolix à percepção que ela tinha da infelicidade que sentia vendo-se colocada em igual situação com os que sofrem de fato. Mas a capacidade de ter essa percepção só poderia provir de sua natureza. Não, tratava-se da natureza dela, finalmente evoluída.
Ambas as mulheres eram refinadas, inteligentes e belas, embora seus tipos físicos fossem tão diferentes quanto os de uma rosa vermelha e um lírio do vale. Anzimee era filha natural da Atlântida; Lolix era filha por adoção. Uma pequena diferença, admito, já que ambas tinham sensibilidade e se harmonizavam com o belo, o bom e o verdadeiro, e estavam imbuídas do polido refinamento da erudita Poseid. Verdadeiramente, as relações entre Lolix e eu estavam erradas, mas nem por isso ela era menos querida por mim, nem minha opinião a respeito dela era menos terna e afetuosa.
Seu companheirismo tinha se tornado parte de minha vida. Se eu estava triste ou desanimado, ela demonstrava compaixão e me alegrava. Minhas ansiedades eram as dela, minhas alegrias suas alegrias. Em tudo, menos no nome, ela era minha esposa. Então por que não reconheci esse fato diante da humanidade? Porque o carma ordenou que fosse de outra forma.
Eu também amava Anzimee. Por esse amor, o carma operou para anular suas próprias tendências de desposar Lolix. E o modo dessa operação foi demonstrado pelo meu reconhecimento de Lolix como possuidora de todos os requisitos necessários para me fazer feliz, a não ser por sua falta de percepção psíquica da relação entre finito e infinito.
Absurdo? Não. O fato de minha alma desejar tanto que ela tivesse essa capacidade e de descobrir que ela não a tinha, e de ter encontrado isso em Anzimee, evidenciava o crescimento da frágil semente do meu interesse pela vida oculta dos Filhos da Solitude que, de alguma forma, tinha amadurecido através das palavras do Rai Ernon de Suern, anos antes. Dizes que se um interesse tão pequeno causou tanto erro, um outro mais profundo causaria a perda da alma e portanto não queres ouvir falar disto?
Estás enganado. Não foi o fato de eu não ser verdadeiro para com o ideal, para com minha alma, que causou todo o mal; no mito da mulher de Lot, ela jamais teria se transformado numa estátua de sal se tivesse obedecido, não à curiosidade mas à injunção maior. Lolix não tinha a mínima percepção desse elo psíquico entre as coisas da terra e do infinito. Eu a tinha e sabia que Anzimee também. Por isso planejei minha vida para incluir Anzimee e excluir Lolix, e com isso fiz uma grande injustiça a ambas, a mim mesmo e ao meu conceito de Deus (o que é uma expressão redundante, pois nenhum ser finito poderia ferir o infinito).
Entretanto o carma estava à minha espera, pois o mal de minha vida exigia retribuição, que foi integralmente recebida; não há palavras que possam descrever o sofrimento da expiação, nem me proponho tentar fazê-lo; ficarei contente se a compreensão de uma parte dela impedir outros de pecar, pela certeza de que não existe expiação viçaria de um mal feito e não há como escapar de sua penalidade.
A lei do UNO diz: “A menos que o homem atinja o autodomínio, não herdará Minha Vida; não serei seu Deus nem ele será Meu Filho”. Só há um caminho para essa superação: os repetidos mergulhos em encarnações materiais, até que os erros da vontade pessoal EGOÍSTA sejam expiados a contento da Vontade Divina.
Não pode haver compensação vicaria* e logo mostrarei por que. Um outro ser não pode respirar em teu lugar. A reencarnação, o aprisionamento repetido da alma na carne é uma expiação, aprendizado e uma penalidade. Se em Seu Nome te libertas, se dessa forma alcanças a superação e em lugar de seres escravo do desejo tornas-te o seu senhor, então desfazes o pecado.
E não haverá mais encarnação para ti nesta morte erroneamente chamada vida. Não há outro Caminho, o Grande Mestre não apontou nenhum outro. Para expiar meu negro passado devo voltar ao mundo, teu mundo de pecado, tristeza, doença e sofrimento, e uma insatisfeita ânsia de paz que ultrapassa a humana compreensão.
Não são meus doze mil e tantos anos vagando neste mundo, longe da casa de meu Pai, alimentando-me com as cascas vazias da chamada alegria, sofrendo as febres, dores e decepções do mundo, uma expiação suficiente? Não, por mais um pouco deverei servi-Lo de boa vontade, impelido pelo amor. Algumas almas terão mais do que eu, se não se desviarem.
Que diz a tua vontade? A vontade é o único Caminho para o conhecimento cristão oculto ou esotérico. Aquele que para isso dirige a vontade, terá a Vida Eterna. Mas a vontade de superar deve ser maior que a vontade do desejo, assim como o ar fresco substitui as exalações de nossos pulmões.
* NOTA – Ver nota de rodapé à página 245.
Assim como a atmosfera está à nossa volta e se torna nossa respiração ao ser aspirada, assim também a Vontade do Espírito está à nossa volta e, entrando no coração determinado a subjugar e submeter a serpente, não nos deixa sofrer derrotas. Eu e Lolix recusamos esse Sopro e por falta de vontade voltamos-lhe as costas. Oh! O horror, a dor daquele tempo perdido, perdido junto com ela! Mas reencontrado por nós pela superação. Sinto ter de admitir que minha ubiqüidade moral deturpou o meu caráter faz doze mil anos! A Vontade, o querer, é o único Caminho que leva a Cristo.
Não é arrasador pensar que, tendo decidido livrar-me de Lolix e instalar Anzimee em seu lugar, desposando-a diante da humanidade, eu tenha sido capaz de usar o fato de conhecer bem Lolix e confiar em sua aquiescência em manter meu segredo por causa de seu generoso amor por mim? É monstruoso! Eu sabia que Lolix não fazia as coisas pela metade. Tendo se entregue a mim, nunca exporia minha iniqüidade, ainda que eu a rejeitasse por outra mulher. A sociedade não censura uma mulher traída. Em prosseguimento ao meu plano, resolvi obter a confirmação do amor há muito confessado pelas atitudes de Anzimee. Depois disso, eu contaria os fatos a Lolix sem reserva, entregando-me à sua mercê.
Depois de todos esses séculos e milênios – Deus seja louvado! – a reparação está completa, mas ainda olho para o registro dessa parte de minha existência como Zailm e me espanto por minha confissão não queimar o papel em que foi escrita. A torpeza moral é uma coisa terrível, pois embora eu tivesse consciência de que minha ação era pecaminosa, só tinha uma percepção muito vaga de quão monstruosamente negra ela era. Leitor, poderás dissociar-te suficientemente do horror que sentes para te interessares pelo relato de minha declaração de amor a Anzimee, feita depois que consegui ocultar a meus próprios olhos o mal que trazia em meu íntimo?
Essa ocultação pode ser quase inútil, contudo é possível afastar qualquer coisa de nossa vista, a algum grau pelo menos. ‘Aquele pode sorrir e sorrir, e ainda assim ser um vilão. Fica mais particularmente fácil sorrir quando o mal está tão longe, no passado; quando foi expiado e o vilão já deixou de ser vil. Perdoa-me por falar no Caminho da remissão.
De todos os milhares de anos de minhas vidas a que só posso aludir de passagem nesta história, pude tirar uma lição ensinada por essa fatigante peregrinação, a qual desejo do fundo da alma que aprendas. Pois anseio por minha libertação, quando então poderei ir para os abençoados reinos que meus olhos viram e meus ouvidos ouviram e nos quais estive, com Ele que abre o que ninguém pode fechar e fecha o que homem algum pode abrir.
Então ouve e aprende estas coisas, pois enquanto qualquer um que leia minhas palavras as despreze e se recuse a conhecer e palmilhar o Seu Caminho, continuarei impedido de receber minha parte da Grande Paz, até que Seu Espírito cesse de lutar contigo ou de entravar. Estou obrando e me sacrificando para que possas conhecer esse Caminho e palmilhá-lo.
Entretanto, alguns que me lêem estarão entre aqueles que, negando-O, serão por Ele negados. Dentre todos os gloriosos sistemas do mundo, só a Terra nega, porque embora seus habitantes bradem “Senhor, Senhor!”, odeiam uns aos outros em seu coração dominado pela serpente. Não julgues que uso uma figura de linguagem quando digo “serpente”.
Os micros-copistas sabem do que falo. “Aquele que semeia para a carne, dela colherá a corrupção; mas aquele que semeia para o Espírito, deste receberá a Vida Eterna”. Os que estão vivos crucificaram a carne com suas afeições. Alguns fecharão os olhos e ouvidos à mensagem que Dele recebi. Com isso, a semente da Vida Eterna será eliminada de suas almas e eles morrerão.* Mas os que se voltarem para o Caminho não serão banidos. Ele conhece os que são verdadeiros. “Mantende vossas candeias acesas e sede virgens sábias e não insensatas”.
* Com relação a isso, leia a última página deste livro, que encerra a história apresentada de uma vida redimida sobre Sua Cruz.
CAPÍTULO 22 - ZAILM PROPÕE CASAMENTO A ANZIMEE
Zailm pede Anzimee em casamento. Ela confia a feliz notícia a Lolix, que desmaia mas não trai o segredo de Zailm e dela. O choque desequilibra sua mente e ela aparece diante da assembléia reunida no Grande Templo, onde ocorre uma cena surpreendente que termina com a morte dramática de Lolix pelas artes mágicas do Grão-Sacerdote Mainin.
Minha mente estava totalmente ocupada com uma questão primordial, a das palavras que iria usar para propor casamento a Anzimee. Esse tipo de preocupação é igual para todos os apaixonados de qualquer raça ou nação, em que os casamentos não sejam arranjados pelos pais. Tendo resolvido qual a hora em que eu faria a momentosa pergunta, procurei Anzimee. A informação de que ela estava no palácio Roxoi, um dos três reservados para uso do Rai, me perturbou bastante. Lolix residia em Roxoi desde que eu havia manobrado sua saída do Menaxithlon. Isso entretanto não me demoveu do intento de ver Anzimee.
Enquanto viajava as quarenta milhas que me separavam de Roxoi, ponderei a nova situação. Eu sabia que as duas moças eram amigas, fato que poderia complicar as coisas. Chegando em Roxoi, encontrei Anzimee no jardim, sentada perto de uma cascata que se despencava de uma escarpa artificial num pequenino lago. Ela estava sozinha. Quando percebeu minha presença perguntou, surpresa.
“Onde está Lolix?”
“Onde?” – repeti. “Não sei. Disseram-me que ela estava contigo”.
“E estava. Mas ela saiu no meu vailx, dizendo que iria te buscar, para
que nós três fôssemos passear juntos”.
Pensei depressa. Eram quarenta milhas até o Menaxithlon voando para o sul. O vailx portanto levaria mais ou menos o mesmo número de minutos para chegar lá e mais quarenta para voltar. Oitenta minutos seriam suficientes. Sentando-me ao lado de Anzimee, prendi sua mão na minha. Eu fizera isso muitas vezes e também costumava passar o braço por seu ombro, mas de uma maneira fraternal. Naquele momento entretanto o simples toque de seus dedos teve um efeito elétrico e ela detectou imediatamente a intensidade da emoção que me dominava. A elaborada linguagem que eu tinha planejado usar me fugiu e, ao invés de tentar recapturá-la, eu disse simplesmente:
“Anzimee, palavras especiais conseguiriam aumentar tua certeza do meu amor por ti? Não as encontro, mas assim mesmo te peço, minha menina, para seres minha esposa!” Ela respondeu com uma frase igualmente breve:
“Que assim seja, Zailm!”
O que se passou em seguida o leitor pode imaginar; tua fantasia dirá melhor o que houve, pois certamente isso não é difícil de visualizar. Quando Lolix voltou, eu me despedi sem parecer estar fugindo, pois ela tinha se atrasado, de modo que três horas tinham decorrido desde sua partida. Eu sabia que nada era mais certo que Anzimee confiar sua alegria a I.olix, mas isso não me causou perturbação. Eu confiava completamente em que Lolix não trairia nosso segredo, por mais pesado que fosse o golpe que ela teria de suportar. Como calculei, Anzimee contou que eu a pedira em casamento e que ela havia concordado. Anzimee disse mais tarde que sua amiga tinha olhado para ela por algum tempo e em seguida caíra desfalecida no chão.
Quando voltou a si, parecia tão calma que Anzimee não pensou em questionar a explicação de Lolix de que o nervosismo tinha causado o desmaio. Isso tudo aconteceu à tardinha. Anzimee, cheia de sentimentos felizes, ajudou Lolix a ir para a cama, dispensou os atendentes, acarinhou-a até que dormisse e voltou para casa. Eu só soube desses fatos no dia seguinte. Achei melhor falar com Lolix imediatamente, enfrentar sua dor e acabar com a angustiante situação. Pobre e iludido mortal!
Fui até Roxoi e entrei no Xanatithlon para esperar a chegada de Lolix a quem tinha mandado um recado de que queria vê-la ali. Ela chegou. Parecia que dez anos tinham se passado desde a última vez que eu a vira. Pálida e abatida, com grandes olheiras escuras sob os lindos olhos azuis que se encheram de lágrimas quando ela me viu. Pobre moça! Meu pensamento foi: o que se há de fazer? Só senti uma pequenina dor de consciência, pois as escamas do pecado eram espessas e abafavam a voz da alma. Lolix foi a primeira a falar:
“Ó meu amor, meu amor! Por que fizeste isso? Pensas que posso continuar vivendo? Faz muito tempo que sei que não existe nenhuma lei em Atlântida impedindo nossa união e esperei que fizesses o que era certo; confiei em que logo chegaria o dia em que me pedirias para partilhar teu conceituado nome. Mas. . . Ó Incal! Meu Deus! Meu Deus!”
Exclamou ela, caindo em pranto e logo se controlando. Então, com a voz mais calma, cheia de dor, Lolix continuou:
“Zailm, amo-te demais, mesmo agora, para te admoestar! Sou tua para fazeres de mim o que quiseres. Dei-te minha vida há muito tempo. Eu te dei um filho que colocaste numa casa onde ninguém pudesse suspeitar de quem nós fossemos seus pais. Fiz mais ainda – houve um outro que. . . Ó Incal, perdoa-me! Eu o mandei para o Navazzimin para que ele não te acusasse, Zailm! E agora eu, a quem chamaste tantas vezes “tua amada de olhos azuis”; eu que te amo mais do que minha própria vida, sou deixada de lado! Ó Deus! Por que devo sofrer assim? Por que recebo tão duro golpe?”
Ela caiu num pranto desesperado e eu não tentei fazê-la parar, sabendo que às vezes uma crise de choro é um alívio divino. Então ela me amava a tal ponto? Tolo! Louco por não ter percebido isso por suas ações, que falavam mais alto que qualquer palavra. Naquele momento meu coração me doeu realmente e orei, orei a Deus pedindo perdão; e orei por ela. Tarde demais! A consciência finalmente se fez presente, despertando para me atingir, apresentando-se como Minerva, pronta e armada para o combate. Quando Lolix recuperou a calma, disse num tom trágico que eu desconhecia nela:
“Zailm, eu te perdôo. Nem por esta ação te trairei, pois eu te amei, continuarei a amar-te até a morte e mesmo depois dela, se é verdade que o amor sobrevive à tumba. Se vieste dizer palavras de adeus, assim seja! Mas agora deixa-me, porque estou a ponto de enlouquecer! Lembra, meu amado, se tua nova vida não for feliz, embora eu ore a Incal para que seja, que existe um coração que bate por ti com mais calor, mais carinho e talvez com mais sinceridade que o de tua nova amada. Não viverei por muito tempo, como uma sombra em tua vida. Beija-me uma vez mais como se eu fosse tua legítima esposa diante do mundo, como eu o sou aos olhos de Incal; como se eu tivesse morrido e estivesses a ponto de confiar meu corpo à luz do Maxin.”
Com essas palavras ela se calou, tendo se levantado e se aproximado de mim, colocando os braços em meu pescoço, num abraço convulsivo. Ficou um momento assim e então seus lábios, frios como alguém que tivesse a morte por companhia, uniram-se aos meus num longo beijo entrecortado de soluços! Ela me soltou, deteve-se por um instante e partiu. Assim foi que ela me deixou. Por muito tempo fiquei sentado no meio das flores no grande conservatório em Roxoi. A flor se abriu com brilho — mas ocultava um verme, o luar luziu tão belo – mas havia nódoas em seus raios; docemente murmurou a brisa – mas sussurrou infortúnios, e havia um gosto de amargura no suave fluir do rio.
O CARMA DISPÕE
Naquela noite os proclamas de meu próximo casamento com Anzimee seriam anunciados pelo Incaliz Mainin no grande templo, pois em acontecimentos de alto nível social era costume emprestar uma formalidade maior ao caso. Se durante a cerimônia ocorresse uma morte no recinto do Incalithlon, o costume decretava que um ano inteiro deveria passar antes da consumação dos ritos do matrimônio. Em qualquer outra circunstância, um mês deveria transcorrer após os proclamas, que eram tornados públicos imediatamente após o noivado. Por razões pessoais, Mainin, o Incaliz, não desejava que Anzimee se casasse com quem quer que fosse; mas como não tinha autoridade sobre ela, a quem pouco conhecia,
seu desejo foi mantido em segredo.
Na hora marcada, Anzimee e eu estávamos diante de Mainin, o Incaliz, no Ponto Sagrado. Ao nosso lado estavam Gwauxln e Menax, e nós cinco éramos o ponto focai da atenção das muitas pessoas presentes. Com uma voz clara e pausada, o Incaliz começou uma invocação a Incal. No meio da oração uma mulher cruzou rapidamente o triângulo do Ponto Vital, no centro do qual estava o Maxin. Era Lolix. Estava muito bem vestida, como gostava de sempre estar. Além do brilho assustador de seus olhos nada vi de extraordinário em sua aparência. O ato de penetrar no Ponto Vital não era permitido e isso fez com que todos os olhares se voltassem para ela. Entrar ali significava um apelo à autoridade do Rai.
“Que queres?” -perguntou o Rai Gwauxln.
“Zo Rai, em Salda, minha terra natal, era costume que pessoas de qualquer sexo pedissem em casamento quem desejassem. Eu cortejei este homem, o Astika Zailm, ignorando que ele amava minha amiga. Como podia eu saber? E agora, te peço, contesta estes proclamas, como é de teu direito fazer.”
“Mulher, sinto muito por ti! Mas os costumes de Salda não são os de Poseid. Não concedo o que me pedes.”
Eu tinha sentido um receio paralisante de que meu crime fosse revelado. Mas o medo amainou quando a delicada e graciosa figura de Lolix se afastou e desapareceu no meio do público. Então os proclamas interrompidos tiveram prosseguimento. Quando Mainin perguntou a Anzimee:
“Declaras que é teu desejo desposar este homem?” ela respondeu:
“Sim.”
“E tu, declaras que é teu desejo desposar esta mulher?”
“Sim, se Incal aprovar”.
Quando pronunciei estas palavras, os procedimentos foram novamente interrompidos por Lolix que novamente penetrou no Ponto Vital, só que desta vez correndo, como se estivesse sendo perseguida. Diante da enorme chama da Luz Perene do Mexin ela parou e disse:
“Incal o impedirá! Vê, venho desposar-te agora, Zailm, aqui mesmo! O Deus das almas desencarnadas será nosso Incaliz, esta adaga nossos proclamas!”
Eu deveria ter prefaciado a narração das perguntas feitas a Anzimee e a mim explicando que, após a invocação de Mainin, este, Anzimee, eu, o Rai e Menax, tínhamos deixado o Ponto Sagrado e nos dirigido para o Ponto Vital, de modo que naquele momento Lolix estava ao meu lado. Ao falar da adaga suas palavras eram calmas, embora ditas rapidamente – era a calma da insanidade! Enlouquecida pelo curso que eu havia tomado, Lolix viera até ali com seus gloriosos olhos azuis iluminados pela insânia. Com as últimas palavras ainda nos lábios, ela atacou meu peito com a afiada arma. Desviei o golpe com o braço, que foi perfurado de lado a lado pela adaga. Quando ela a puxou com toda a força, o sangue jorrou e manchou o piso de granito. Ao ver o sangue ela soltou um terrível grito, dizendo em seguida:
“Louca! Louca! LOUCA!”
E com um salto chegou ao centro do Ponto Vital, onde ficou junto ao cubo do Maxin. Anzimee desmaiou; Menax parecia petrificado, olhando para o meu sangue que escorria, enquanto Gwauxln, pálido mas controlado, disse a um guarda próximo:
“Prendam essa louca!”
A ordem do Rai atraiu a atenção de Lolix que disse ao soldado que se aproximava:
“Não, não me prenda. Perdi o controle por algum tempo, mas não sou louca. Quem me tocar será amaldiçoado por mim e morrerá no Maxin.”
Sendo supersticioso, o soldado parou, pois não ousava tocar nela nem desobedecer o Rai. Em seu terror ele se voltou para o Rai e começou a se desculpar.
“Silêncio!” – ordenou Gwauxln com voz imperiosa. E então, com tom suave, disse a Lolix: “Mulher, aproxima-te de mim!”
“Não, Zo Rai! Neste lugar ao lado do Maxin ninguém pode fazer violência contra mim, segundo a lei. Portanto ficarei aqui!”
Dizendo essas palavras, Lolix arrumou o turbante que estava ligeiramente fora do lugar, cruzou os braços e, encostando-se no cubo Maxin, ficou olhando calmamente para o Rai. Este não se moveu, olhando primeiro para ela, depois para mim. Lolix, embora continuasse junto ao Maxin, havia assumido uma postura ereta e não estava em contato com o cubo. O Incaliz Mainin tinha ficado impassível durante todo o episódio e só então falou:
“Pois bem, Astiku de Salda, ficarás aí; na verdade, por muito mais tempo do que imaginas!”
Ele falou com muita calma e suavidade, com os olhos na infeliz criatura. Quando se voltou para o Rai, viu a expressão de horror no rosto deste e, desviando apressadamente o olhar, terminou de ler os proclamas. Eu mal pude ouvi-lo, parcialmente preocupado com o braço que sangrava e parcialmente com Anzimee, que embora tivesse se recuperado um pouco ainda estava semidesfalecida, apoiando-se em mim para não cair. Quando a cerimônia foi completada, Rai Gwauxln, colocando as mãos em nossas cabeça, disse:
“Não é só um ano que deve passar antes de vosso casamento, mas muito mais tempo! Zailm, eu te perdôo por teus pecados tanto quanto tenho autoridade para te perdoar, no que tange às leis humanas que violaste. Quanto à tua cúmplice, não importa.”
Virando-se então para Mainin, o Incaliz, disse com grande severidade:
“Por causa de teu ato maldito, tu e eu seremos estranhos para sempre! Agora sei o que realmente és, por Deus!”
Tendo falado nessa enigmática linguagem, Gwauxln retirou-se do Incalithlon. Mainin também saiu. Menax, curioso quanto à causa do infeliz acontecimento, falou com a figura que estava junto à Luz Perene, mas ela não respondeu nem se moveu. Aproximei-me dela e chamei-a com suavidade:
“Lolix?”
Nenhuma resposta, nenhum movimento. Toquei a seda de seu vestido e recebi um choque que me sacudiu como se tivesse recebido uma pancada. Seu peito estava rígido como pedra. Toquei sua mão, também estava dura e fria. O rosto, os ondulados cabelos castanhos, estavam rígidos. Não só estava morta como tinha se transformado em pedra! Como num sonho, chocado demais para sentir horror, mas ainda capaz de sentir uma estranha curiosidade, bati com os nós dos dedos nas dobras de sua roupa em vários lugares e ouvi um som metálico.
Peguei um dedo e este se quebrou; avassalado afinal por um indescritível horror, deixei-o cair no chão de granito e ele se quebrou em pequenos fragmentos como qualquer pedra frágil. Mas ali estavam os cachos castanhos dourados com os quais eu brincara carinhosamente tantas vezes, com a mesma cor de sempre. Sua pele, os olhos azuis, tudo continuava igual como tinha sido em vida, mas seu corpo tinha virado pedra e a alma tinha fugido! O lindo pezinho, aparecendo sob a barra da veste, também se transformara em pedra e estava firmemente preso ao pavimento. Finalmente compreendi tudo.
Aquele feito horrendo fora obra de Mainin, no momento em que olhara para Lolix e falara com ela. Ele havia prostituído sua sabedoria oculta e por essa razão Gwauxln o amaldiçoara. A carne, o sangue e as roupas de Lolix tinham sido transmutados em pedra maciça. Isso era tudo que restava da pobre, traída e abandonada Lolix; uma perfeita estátua que, a menos que alguém a retirasse, poderia ficar ali por séculos, até que a pedra finalmente se esfarelasse.
O tenebroso significado de tudo aquilo finalmente me atingiu. Seria eu o principal responsável? Naquele momento eu soube que sim, que aquela morte estava gravada a fogo em minha alma e também na alma de Mainin, que jamais teria tido a oportunidade de agir de acordo com sua negra índole, se não fosse por mim e agora havia se desmascarado perante o Rai.
Mesmo em sua insanidade temporária Lolix tinha sido fiel a mim. Não pronunciara uma palavra que me envolvesse. Gwauxln sabia e eu estava consciente de que ele sabia. Ele me perdoou livremente, no que concernia à lei humana. Isso porque a violação das leis de Incal não admitiam o perdão, transformando-se em carma; um carma que estenderia diante de mim um grande deserto formado pelas areias do pecado, que queimariam meus pés durante a travessia que eu teria de fazer por ele, antes de poder palmilhar a estreita senda da consecução.
Uma longa expiação me aguardava. Contemplei a forma muda da bela jovem que eu amara com tanto afeto e ainda amava, até que Menax, que havia finalmente se dado conta da terrível ocorrência enquanto eu ficara ali paralisado pela estupefação, puxou-me pelo braço, tomado por um único desejo, o de sair daquele lugar o mais depressa possível.
“Vem, Zailm; vamos para casa.”
Com um último olhar cheio de remorsos, obedeci. Encantadora Lolix. . . Sua voz fora calada pela morte, causada por mim! Com o remorso me inundando, senti que, se pudesse, pediria a Anzimee que me liberasse, confessaria tudo a ela e, com seu consentimento, faria de Lolix minha honrada esposa. Mas era tarde demais para fazer essa reparação, pelo menos naquela vida. Nunca mais o terno olhar do amor pousaria naqueles estrelados olhos azuis! Nunca mais eu apoiaria a cabeça cansada em seu ombro, nem seu doce carinho afastaria meus obscuros pensamentos com sua dedicada e suave compaixão.
Ah, deuses! O que eu tinha perdido? Minha vida que me parecera completa, uma esfera brilhante como a da lua cheia, havia se transformado num crescente indefinido, viajando incerto pelo céu da noite de minha existência. Anzimee nada sabia da terrível realidade; tinha ficado chocada demais com o súbito ataque de insanidade da amiga. Ela devia continuar sem saber, se fosse possível, para não sofrer ainda mais. Fomos até nosso carro e voltamos para nossa casa: Menax solene, Anzimee em estado de choque, e eu tomado de selvagem remorso. Nossa casa? Nosso lar? Senti que a paz daquele lar não existia mais para mim!
A vida tinha se tornado um deserto, habitado pelos fantasmas do desespero, da culpa e da tristeza; por sobre ele, um céu sem Lua; e cá embaixo uma indescritível paisagem de areia soprada para todos os lados por ventos indomáveis. Lolix partira para sempre, Anzimee nunca seria minha – isso eu sentia pelos murmúrios proféticos de minha alma. Diante de tudo isso, de cabeça baixa, sentei-me no meio do deserto de meus dias e deixei os fantasmas dançarem à minha volta, zombando de mim.
CAPÍTULO 23 (A) - TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO
Estados mentais de sentimento, emoção e intuição são as únicas coisas reais que existem. Jesus, embora Filho de Deus, e João e Paulo, foram Filhos da Solitude; Hegel, Berkeley, Sterling, Evans; todos os verdadeiros teosofistas e cristãos estão se tornando Filhos da Solitude (Mestres de si mesmos, da Arte do autodomínio), e entram em harmonia com aqueles inimitáveis estudantes da natureza (do feminino Sagrado) quando afirmam:
“Só o Espírito é real; o resto é ilusão”.
Se um homem se pensa doente, torna-se doente; se, por outro lado, mantém-se alegre nas mais adversas circunstâncias, não acha que o mundo está quase todo tomado pelas sombras – e isso sempre foi e é verdade. Tudo está em seu interior, pois o homem pode transformar o mundo num lugar de grande amargura para si mesmo, o mesmo mundo que é uma alegre canção para outros.
Por várias e dolorosas semanas vaguei sem rumo, com o peso da dor vergando minha alma; com uma sensação de entorpecido desespero que teria enlouquecido um temperamento menos equilibrado. Teria Lolix se sentido assim, ainda que por pouco tempo? Eu sentia que ela tinha se sentido pior, se é que tal coisa era possível e, nesse caso, que Deus tivesse piedade da bela e doce jovem que tanto sofrera por minha causa! Pensei em suicídio, fui tentado a fugir pela porta dos fundos da vida; em muitas ocasiões acariciei o fio da faca que o superintendente de minas me havia dado em Incalia – quanto tempo atrás? Quatro anos. Quatro anos?
Quatro séculos, diziam meus sentimentos e emoções. Eu ficava a tarde inteira parado ao lado do Maxin quando me via sozinho no templo. Ou eu só sonhava que o fazia? Sim, era um sonho que me vinha durante o sono torturado, pois ninguém podia entrar no Incalithlon (exceto o Incaliz) a não ser nos dias de culto ou quando haviam cerimônias especiais, ocasiões em que o templo ficava superlotado. Anzimee penetrava no meu deserto, às vezes, mas suas palavras, carícias e tentativas de me fazer sair da letargia eram inúteis. Todos os seus esforços eram como raios de luz incidindo nas águas escuras e sem lustro de certas poças às vezes encontradas na floresta.
Deixado a sós com meu remorso, pois as tentativas inúteis de meus amigos pareciam produzir mais mal do que bem e por isso eles tinham desistido, tomei meu vailx particular e, para cortar qualquer comunicação com o mundo, tirei o naim que nele havia. Sem avisar a pessoa alguma sobre minhas intenções, levantei voo durante a noite. Andei a esmo pelos domínios do ar, subindo tão alto em certas ocasiões que me parecia estar em quase total escuridão, lá de onde podia ver o Anel Neftiano e onde nem mesmo os geradores de ar e os aparelhos de aquecimento conseguiam manter o ar suficientemente denso e quente para tornar suportável minha miserável vida.
Ou então, sempre sozinho e igualmente buscando o escuro, fazia meu vailx mergulhar nas profundezas do mar onde peixes fosforescentes teriam confundido minha nave com um irmão maior, se eu tivesse me dado ao trabalho de acender as luzes. Mas minha alma estava em trevas, e de que valia iluminar o vailx se tendo olhos para ver eu não vira?
Tão aguda e amarga era a horrível angústia de minha alma que finalmente o barro de meu corpo perdeu seu poder sobre mim e eu me elevei acima do tempo e da terra, permanecendo naquele estado por um período aparentemente interminável. Nenhuma luz parecia existir na terrível escuridão, nem qualquer calor; só as trevas da morte, o frio da tumba.
Ninguém cruzando o meu caminho, nenhum som além de gemidos abafados e sem sentido. Mas afinal línguas de fogo passaram diante de meus olhos e depois se foram, deixando as trevas mais espessas do que antes. Silvos horríveis, como de serpentes gigantescas, assaltaram meus ouvidos e uma dor cruciante pareceu dissolver minha própria alma. Finalmente meus nervos não conseguiram mais reagir àquela torturante agonia e perdi toda sensação. A paralisia tomou conta de mim e exclamei: “É isto a morte?” Mas só o eco me respondeu. Os silvos tinham cessado e tudo estava silencioso.
Finalmente fui tomado de um profundo medo daquela solidão, escura e fria, mas na qual, em algum lugar, eu podia distinguir uma pequenina luz, que parecia tornar a intensa escuridão ainda mais sufocante. Gritei alto, mas só ecos responderam. Gritei e gritei, tomado do mais intenso terror. Não ouvi o menor som de resposta naquele vasto negrume, a não ser o de minha própria voz, refletida. A descoberta de que minha prisão era limitada surgiu depois que percebi que se passava um longo tempo entre meu grito e o seu retorno. Com isso senti que podia ir embora; levantei-me e saí daquele lugar como se tivesse asas, e voei mais rápido que o pensamento.
Encontrei altas escarpas nas trevas e de vez em quando vislumbrava um pico à luz mortiça de uma cratera em chamas, mas não encontrei criatura alguma. Eu estava num universo de solitude. Sozinho, ah, tão sozinho! O horrendo desespero que então me engolfou me fez gritar de dor, uma dor mais que mortal. Meus olhos estavam secos e a alma esmagada. O desespero foi tão insuportável que desejei muito perecer. Vão desejo! Foi então que lembrei que possuía um corpo terreno e que encontrá-lo, apenas vê-lo, seria um alívio. Voei como um raio até ele, para encontrá-lo frio e sem vida, a não ser por um pequenino ponto de luz magnética no plexo do coração e outro na medula oblongata.
Mas ao seu lado, ó Incal! Encontrei Lolix chorando, rogando ao nosso Deus que. . . me revivesse. Ela parecia não notar minha presença, buscava-me naquele frio corpo de barro. Eu soube então que havia sido lembrado de meu Eu (o corpo) físico por causa das súplicas da alma daquela mulher. Aquela súplica, aquela angústia, não pude mais suportar. Fui para o lado dela, toquei-a e ela me viu. Olhou longamente para mim, depois para o meu corpo. “Zailm, és tu? Meu amor, meu amor! Oh, abraça-me antes que eu caia!” Ela se jogou contra meu peito e naquele instante meu corpo desapareceu junto com todas as outras coisas, menos o arenoso deserto onde tínhamos nos encontrado. . .
Em seguida, diante de nosso olhar cheio de temeroso espanto surgiu um bebê, tão pequeno que parecia ter acabado de nascer. Contudo foi capaz de chegar até nós e podia chorar, e seu choro feriu nossos ouvidos como gritos de mortal agonia! Estava pingando sangue e seus olhos eram os de uma criança morta. Com um grito de angústia Lolix falou:
“Ó Incal, meu Deus, meu Deus! Já não sofri que chegue, para que meu bebê morto, assassinado, venha destruir minha alma! Zailm! Zailm! E nossa filhinha, a criança que matei antes de nascer, por tua causa!”
Meu coração pareceu parar e fiquei imobilizado, olhando para a criança que estendia as mãos cobertas com o sangue de seu nascimento frustrado e levantou os olhos vítreos para mim! Abaixei-me e tomei-a nos braços, abraçando-a, tentando aquecer seu pobre e gelado corpinho; e chorei, sim, finalmente derramei grandes lágrimas verdadeiras, porque eram derramadas por outrem. Com a voz embargada pela angústia eu disse:
“Lolix, teu pecado recai em minha cabeça, porque pecaste por minha causa. Que Incal tenha misericórdia de mim!”
Naquele instante uma gloriosa radiância iluminou a cena e o futuro Portador da Cruz surgiu ao nosso lado, vendo-nos abraçados, eu, Lolix e nossa criança. Aquele que eu tinha visto perto da fonte enluarada, anos antes, ali estava. Em Seu peito brilhava uma Cruz de Fogo, um fogo que ondulava com viva Luz. Ele falou:
“Vejo que clamaste pelo Mais Elevado, pedindo misericórdia. Porque mostraste piedade pela criança, também a receberás. Viestes a Mim e Eu te darei. . . descanso. Contudo, esse repouso que te dou não estará contigo até o dia em que a Grande Paz penetre em teu coração. Portanto, num dia distante, farás a triste colheita da desgraça e pagarás todo o teu débito. Quando novamente tu voltares, e ela contigo, e de novo estiverdes prontos para partir para o Navazzimin, então vós estareis para sempre livres da terra. Tendo recebido, portanto dareis. Aquele que leva outro a pecar, fez com que os passos desse outro e os seus próprios se desviem de Meu caminho. É necessário que o pecador me entregue seu coração e volte ao campo da dor, não num corpo de carne mas de espírito. Deverá encontrar suas vítimas e trabalhar com elas para que voltem do ponto em que as tenha colocado. Dessa forma, ele volta a colocar nas próprias costas o ferdo que as fez colocar ali. Então carregará o ferdo para elas até que, seguindo seus conselhos, suas almas tenham voltado para Mim. E eu tomarei esse seu fardo, essa sombra, e ela cessará, pois Eu Sou o Sol da Verdade. Pode a sombra existir à luz do Sol? Pode a sombra pousar sobre o Sol? Da mesma forma não há como pousar pecados sobre Mim nem me fezer carregar seu peso. A pequena alma levarei Comigo; tu a ofendeste e ela será uma pedra pendurada em teu pescoço, lançando-te no mar da dor terrena; entretanto escaparás, pois teu nome ainda está no Livro da Vida. Descansa agora! E tu, Minha filha, descanse também!”
Vi-me de volta ao meu corpo, incapaz de recordar o que se passara, mas muito fatigado. Adormeci. A natureza veio socorrer minha alma cansada e por vários dias tive febre que depois passou para o coma, do qual finalmente saí, fraco mas curado, embora continuasse a sonhar acordado. Sonhei que estava no Incalithlon de Caiphul. “Oh, a agonia! Oh, o terrível preço do pecado!” Mas finalmente voltei a Caiphul depois das muitas semanas em que estive perdido para meu parvo; três meses, na verdade. Voltei para o meu lar. Quando cheguei ao palácio encontrei funcionários, senhoras e atendentes da corte, de quem tinha sido amigo e como tal fora por eles tratado.
Mas agora todos me olhavam com o rosto sem expressão e não me cumprimentavam. Seria minha vida conhecida por todos? Não. Não era esse o motivo da indiferença das pessoas. Eu não estava sendo esperado, tinham me considerado morto. Durante os cem dias de minha ausência, Menax e Anzimee tinham concluído que eu morrera, que talvez tivesse me suicidado. Seria melhor para mim se essa conclusão fosse a verdadeira em sua primeira parte. Mas eu estava de volta, resolvido a ser franco e aberto em meu relacionamento com as pessoas que mais amava na terra. Eu confessaria minhas faltas e imploraria seu perdão. Mais uma vez era muito tarde!
Menax, há muito sofrendo de um mal do coração, julgando-me morto por não ter voltado para Anzimee, não tinha suportado o choque que essa crença lhe causara. Disseram-me que tinha ido para o Navazzimin (morrido) fazia poucas semanas. Temi perguntar por Anzimee e ouvir alguma terrível notícia. Em minha desgraça, vaguei pela cidade e logo me encontrei diante do grande templo. Uma pequena porta estava aberta e como não vi ninguém por ali, entrei, sem me importar com o fato de que só os Incali tinham permissão para entrar. Esperava encontrar um pouco de alívio no sagrado local.
Parecia não haver ninguém lá dentro e continuei andando até chegar ao Ponto “Vital. Ali, esquecido de mim mesmo, olhei com reverência para a Luz Perene. Depois passei para o outro lado do cubo de quartzo e ali estava Lolix, parada e fria! Meu cérebro se agitou. Fui até ela e a encontrei tal como estava quando olhara pela última vez para seu querido corpo – era de pedra, só pedra! Quantos anos tinham se passado? Uma vida inteira cabe num dia, séculos se passam em poucas semanas. Lolix, Lolix, minha acusadora!
Coloquei a mão em sua gélida forma e estremeci com o frio; curvei-me, olhei para os olhos que não podiam me ver e beijei os frios lábios que não podiam me retribuir. “Contudo ela não falou, embora ele beijasse o silencioso rosto no costumeiro lugar”. Em sua mão estava um rolo de pergaminho vermelho! Tentei removê-lo e ler o que continha, se é que ali havia alguma coisa escrita. Havia, sim, e dizia o seguinte: “Sendo esta estátua o registro de um desprezível crime, eu, Gwauxln, Rai de Poseid, proíbo sua remoção até segunda ordem. Que ela aqui permaneça, como silenciosa testemunha, diante do criminoso.”
Com um estremecimento, recoloquei o pergaminho na pétrea mão e quase desmaiei ao ouvir o ruído seco que ele fez ao raspar na pedra. Seria eu o criminoso? Não, não aquele, mas senti como se o fosse. Decidi voltar ao palácio Agacoe e pedir permissão ao Rai para retirar a estátua daquela que ele sabia que eu amara, mas não tivera a coragem de confessá-lo ao mundo. Sim, as circunstâncias a tinham tornado mais preciosa para Zailm do que a própria Anzimee.
Quando me virei para sair dali e dirigir-me a Agacoe, espantei-me ao me ver diante do Rai Gwauxln, a me olhar pesarosamente. Espantei-me apenas, pois nada mais poderia aterrorizar-me. Antes que eu falasse, ele disse: “Sim, tens meu consentimento para removê-la”. Não me surpreendeu que ele lesse meu pensamento, embora me desse conta do fato. O que senti foi uma grande gratidão. Eu era forte e imediatamente me dispus a executar meu intento. Olhei longamente uma última vez para os olhos azuis, para o rosto dela, que quase pareceu sorrir quando dei um beijo soluçante em seus lábios.
Então levantei-a do chão de granito. O pé que aparecia sob a barra de sua saia de pedra quebrou-se no tornozelo, logo acima das tiras da elegante sandália, quando ergui o corpo esguio que tinha se tornado tão pesado. Ergui-a mais e mais alto, até o topo do cubo do Maxin, e deixei que caísse na direção da Luz Perene. “Beija-a e deixa-a; teu amor é barro.” Ao tocar a Luz-Maxin ela desapareceu instantaneamente, sem perturbar a luz mais do que a fuga das trevas quando o Sol da manhã ilumina os vales. Calma se manteve a Luz Perene, imutável como sempre. Ao virar as costas, vi o pequeno pé quebrado, onde brilhavam as safiras e diamantes que enfeitavam a sandália – um presente meu!
Consegui pegar aquele resto dela sem quebrá-lo ainda mais e, em vez de também entregá-lo ao Maxin, enrolei-o em meu manto, grato por ter aquela lembrança. Não consegui reunir coragem suficiente para perguntar por Anzimee. Temia seu possível e merecido desdém. Eu a procuraria, descobriria se ela ainda estava viva ou se morrera como Menax. Se fosse este o caso, eu usaria a primeira oportunidade- o dia seguinte me favoreceria porque seria o início de um Incalon ou dia de culto geral – e voltaria ao templo onde banharia meu ser físico na imutável chama da Luz Perene.
Anzimee não morrera, nem fora informada de minha volta. Eu a encontrei e vi a sombra da dor em seus belos olhos cinzentos que se arregalaram de espanto ao me verem. Então, com um grande soluço, ela caiu nos meus braços, perdendo a consciência. Pobre menina! Continuei abraçando-a, mantendo-a apertada contra meu coração e, enquanto beijava seus pálidos lábios, seus olhos enegrecidos por olheiras, suas faces abatidas, minhas lágrimas caíram em seu rosto como chuva, as primeiras lágrimas que meus olhos febris derramavam por força da grande agonia de minha alma.
Finalmente ela voltou a si, mas só para cair doente, e sua enfermidade durou tão longo tempo que seu espírito puro quase abandonou a casca terrena. Só depois de várias semanas ela começou a melhorar. Quando já estava melhor, tendo voltado a agir com sua habitual discrição, mas já capaz de suportar o meu relato apesar de fraca, sentei-me no Xanatithlon, no mesmo lugar onde Menax e eu tínhamos sentado havia tanto tempo. Puxei a esguia forma de Anzimee para o meu colo e, com meu braço à sua volta, contei-lhe a triste história de Lolix e da minha miserável fuga para escapar às tristes lembranças – inutilmente! Ninguém pode fugir de si mesmo. Fiz uma completa confissão e pedi o seu perdão.
Por algum tempo ela nada disse, mas seu braço rodeou meu pescoço e ficamos estreitamente abraçados. Finalmente ela falou: “Zailm, eu te perdôo, do fundo do coração! És apenas um mortal. Pecaste; não peques mais. Não me surpreende que tenhas amado aquela querida criatura.” Diante dessas palavras, peguei a lembrança de Lolix, que eu trouxera comigo apesar do peso, e entreguei-a a Anzimee sem nada dizer. “Este é o pezinho dela? Ó Lolix! Eu também te amava! Zailm, quero guardar isto em memória de minha amiga.” Respondi: “Anzimee, minha esposa, pois serás minha mulher, tu me perdoaste, como teu tio, nosso Rai, me perdoou.
Mas faltam alguns meses para que eu possa te desposar para sempre. Irei para Umaur (América do Sul), para uma parte desabitada, pois em Aixa com certeza há minerais e nos seus arenosos ermos encontrarei ouro. Não que eu precise de ouro, pois tenho milhões, tenho três milhões de teki e muitas outras riquezas; mas tudo que a terra ofereça será bom que Poseid tenha. Vou porque temo ficar em Caiphul e não conseguir sair do teu lado. Em Umaur poderei te ver, te ouvir, te amar, pois desta vez não removerei o naim, de modo que será como se eu estivesse aqui. Portanto beija-me, querida, pois após nossa carinhosa despedida partirei. Que Incal esteja contigo e Sua Paz te infunda!”
De Caiphul até a região da costa de Umaur mais próxima do local onde eu pretendia ir, eram duas mil milhas (3.618 quilômetros). A distância passou despercebida porque meus pensamentos estiveram com Anzimee até que chegássemos na parte onde os mapas de hoje colocam o grande deserto nitroso do Atacama (norte do Chile). Era um deserto já naquele tempo.
Examinando o subsolo próximo à base dos Andes, vimos que era suficientemente rico em ouro para justificar a instalação do gerador elétrico a água, o que eu e meus homens fizemos. O gerador era um instrumento contendo várias centenas de jardas quadradas de superfície metálica em placas, arranjadas em camadas dispostas como as guelras dos peixes, sendo o conjunto protegido por uma caixa de metal bem vedada.
Uma corrente de ar entrava por um lado da caixa e tinha de atravessar cada polegada de ambos os lados das placas antes de tocar o outro lado. Como cada placa era mantida muito fria pelas forças de Navaz, o resultado era a rápida deposição de umidade da atmosfera. No caso o gerador era do tipo portátil e o fluxo de água condensada era de aproximadamente um litro por minuto, o bastante para permitir uma boa atividade de mineração, considerando-se a maneira econômica com que nossas máquinas usavam água.
Eu tinha trazido um cavalo de Poseid e, depois que as atividades de mineração foram organizadas e os homens começaram a trabalhar, mandei selar o animal e levando comigo uma maleta com localizadores de minerais – instrumentos leves operados por algo parecido com uma bateria (e portanto não pela energia do Lado-Noite) para determinar a localização de depósitos de minérios pelo princípio do eletrômetro – saí para fazer a prospecção de minerais valiosos.
Levei comigo um pequeno naim para manter a comunicação com o resto do mundo. Logo deixei o aparelho numa saliência protegida, com a intenção de pegá-lo de volta quando retornasse, pois não tinha ainda percorrido cinco milhas quando descobri que o instrumento estava inutilizado devido à perda de seu vibrador.
Não sei onde poderia ter perdido essa peça essencial mas resolvi não voltar para procurá-la. Essa perda, embora me aborrecesse, representou um alívio para minha montaria, reduzindo o peso em várias libras, o que não era pouca coisa, considerando que eu estava levando também um rifle – diferente em princípio de qualquer arma moderna atual, pois sua energia propulsiva era a eletricidade e não a pólvora – meus instrumentos de mineração, pacotes de nozes e tâmaras, uma bússola polar, o aparelho fotográfico de bolso e um pequeno gerador, além dos apetrechos de dormir e o peso de meu próprio corpo.
Percorri uma boa distância até a noite e ao entardecer do dia seguinte me encontrava a mais de cem milhas do acampamento. Quando o Sol começou a se pôr, eu estava cavalgando pelo leito de uma profunda ravina. A pouca distância dali vi o que me pareceu ser a entrada de uma pequena caverna que me serviria muito bem para passar a noite abrigado. Meu cavalo era bem treinado e ficaria por perto do lugar onde eu o deixasse, pronto para obedecer meu assobio quando eu o chamasse.
Desmontei e entrei na caverna. Parecia um longo túnel; sem inspecioná-lo, voltei até minha montaria e retirei a sela e a comida. O cavalo se alimentaria com o abundante capim que por ali crescia. Também coloquei meus instrumentos embaixo da sela e, pegando meu rifle elétrico, estava a ponto de voltar à caverna para investigá-la quando meu cavalo reclamou por água.
Como a ravina era um riacho seco, providenciei água para ele e para mim. A ravina era formada por um leito de rocha lisa como cimento, com numerosas depressões do tamanho de baldes. Ao lado de uma delas coloquei o gerador e logo a cavidade estava cheia de água fria e refrescante. deixei o sedento animal beber, e eu mesmo matei a sede tomando o precioso líquido diretamente da saída do gerador. Como me pareceu gostoso! Deixei o gerador com a água ainda correndo ao lado da depressão, sem imaginar o quanto precisaria dele muito breve, sem poder usá-lo.
Verifiquei que o piso da caverna era da mesma pedra da ravina. Eu sabia que não era do tipo de rocha que contém minérios, mas fiquei curioso e resolvi ir até o fim do túnel. Trazia no bolso uma pequena lanterna que acendi para iluminar o caminho, que foi ficando escuro com a distância. Andei cerca de meia milha pelo túnel que ia se alargando e então parei, tomado de surpresa. Em toda aquela região não tinha visto um só sinal de presença humana, recente ou antiga, até aquele momento. Diante de mim, apenas parcialmente visível, estava uma casa de que eu via parte de duas paredes de basalto. Com a surpresa deixei a lanterna cair; esta se quebrou e a luz se extinguiu, mas não estava totalmente escuro, pois um pouco da luz do dia se filtrava de algum lugar.
Fiquei por um bom tempo naquela obscura caverna, contemplando a casa arruinada. De onde tinham vindo seus construtores e em qual era já esquecida? Para onde tinham ido? Seria aquela uma construção solitária, ou haveria outras escondidas pelas areias da planície próxima? Minhas conjeturas foram variadas e curiosas, pois nos anais de Poseid, que cobriam dezenas de séculos com registros muito concisos, não havia qualquer menção a povos civilizados ou selvagens que tivessem habitado aquela “Terra de Ninguém”.
CAPÍTULO 23 (B) - TESTEMUNHA DE ACUSAÇÃO
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A única conclusão razoável foi a de que eu estava vendo uma relíquia de um povo tão antigo que fora anterior aos anais de Poseid que já abrangiam quarenta séculos. Finalmente me dirigi até a parte mais larga da caverna, para examinar melhor aquele remanescente do obscuro passado, esquecido até mesmo por Poseid. Do lado da construção mais próximo de mim havia uma entrada feita nos blocos de basalto finamente alisados que formavam a parede. Havia ali uma porta parcialmente aberta, aparentemente formada por uma única placa de basalto com umas seis polegadas (15 centímetros) de espessura.
Impelido pela curiosidade, entrei no interior, o que foi fácil de fazer sem mexer na porta havia tanto tempo na mesma posição. Minha razão detestava admitir que mesmo uma estrutura de pedra pudesse ter resistido
tão longamente aos efeitos do tempo; mas era a única explicação possível no momento e por isso deixei as conjeturas de lado. Verifiquei que as três dimensões do interior eram aparentemente iguais, com uns dezesseis pés em cada direção. A única entrada era aquela pela qual eu tinha vindo. A não ser por duas aberturas paralelas no teto, formadas pela colocação de duas lajes menores em cada lado da abertura, não havia nenhuma outra interrupção na sólida construção.
O piso, coberto por uma fina camada de areia, era de granito, com as juntas tão perfeitas quanto as da parede – nem uma folha de papel poderia ser inserida entre as lajes. Encostei-me na parede perto da porta a ponto de poder tocá-la sem mudar de lugar, pousando o olhar no teto com suas aberturas em forma de barras e me entreguei a uma reflexão. Como parecia triste e frio aquele recinto solitário, relíquia de um tempo remoto, esquecido até mesmo por uma raça tão antiga quanto a nossa! A solidez da construção, sua severa simplicidade, tudo isso me trouxe à mente as descrições das prisões da Poseid anterior ao Maxin.
Seria aquele um exemplo solitário da capacidade de seus construtores, ou parte de uma cidade enterrada? Como que aquela edificação estava livre de areia em seu interior, era fácil de perceber. As águas pluviais tinham se filtrado pelo solo fino acima e corrido pela ravina que dava acesso à caverna. Uma parte do fluxo tinha escorrido para fora, expondo dois lados do canto da casa; o restante da água, correndo pelo teto plano, tinha entrado pelas aberturas e carregado a areia para fora, pela porta aberta.
Satisfeito com meu raciocínio, pensei em voltar para o ar livre e para o meu cavalo. Mas a curiosidade me levou a tentar mover a pesada porta, se minha força permitisse. Esperando ter de usar bastante esforço, empurrei-a. No meu exame superficial da porta, não tinha visto nenhum tipo de fechadura, nem imaginei que houvesse. Na realidade, não havia necessidade de força, pois a porta se moveu tão depressa que perdi o equilíbrio e caí contra a parede batendo a cabeça e perdendo a consciência.
Quando voltei a mim, a porta estava fechada e travada. Ao inspecioná-la sem grandes cuidados, não tinha visto que era feita de duas placas de pedra separadas por um segmento de uma terceira placa, formando um espaço vazio entre as duas superfícies. Naquele espaço estava oculto um conjunto de trincos e barras de ferro que funcionavam pelo princípio da gravidade e que soltavam os trincos quando a porta se fechava. As quatro travas se encaixavam nos recessos da parede e a porta ficava totalmente trancada.
Tendo uma disposição calma, graças ao meu conhecimento científico, a descoberta de que estava preso não me perturbou demais. Em vez disso, procurei uma maneira de retirar as travas, mas não encontrei a solução. E pensei desolado que não tinha nenhuma ferramenta que pudesse me ajudar
a sair da escura prisão. Sentei no chão para pensar. Quanto mais ponderava, mais assustadora a situação me parecia. Primeiro, ninguém sabia onde eu estava. Como eu não tinha um naim, minha localização não podia ser determinada a não ser pela procura física; isto seria impossível, porque eu tinha seguido os leitos dos rios que eram principalmente de pedra nua.
Não sentiriam minha falta a não ser dali a uns três dias, pois eu dissera que ficaria seis dias fora e já viajava fazia três. Não, não havia como escapar; e então compreendi o quanto eram verdadeiras as palavras do Rai Ernon de Suern, ao dizer que a vida dos poseidanos dependia das criações de seu conhecimento da física natural. A comida que eu tinha trazido estava tão fora de alcance quanto as estrelas. Possivelmente procurariam por mim e encontrariam meu cavalo. Mas não, ele não conseguiria permanecer sozinho naqueles ermos; talvez voltasse ao vailx, sem deixar pistas sobre o local de minha prisão, visto que voltaria como viera, por caminhos de rocha.
A fome me fez lembrar que eu não tinha nada para me alimentar, nem mesmo água para beber. Eu ainda tinha esperança, pois não era Incal meu Pai protetor? Como era vã aquela esperança! Deus, Incal, Brahma, chame-se como se quiser o Espírito Eterno – verdadeiramente Ele(a) satisfaz as necessidades de Seus filhos, mas as necessidades que para esses filhos parecem imprescindíveis nem sempre são assim julgadas pelo Eterno. Ele opera através de Seus filhos, sejam humanos ou anjos, tornando cada um dependente dos demais; e assim homens ou anjos podem se ajudar mutuamente, ou receber o auxílio de um irmão animal. Deus vê um marinheiro que se afoga, mas a menos que um seu irmão venha salvá-lo, ele pode perecer fisicamente.
Deus ameniza o vento para a ovelha tosquiada, mas geralmente porque o interesse ou talvez uma emoção mais elevada, como a piedade, surge na mente do homem que contempla seu desconforto. Sim, é só pelo caráter, implantado por Nosso Pai nas almas de Seus filhos, que Ele auxilia ou salva. E isto é uma verdade quase completa: o corpo físico deve pedir com a ação muscular, se quer uma resposta em forma física; a mente deve pedir por processos mentais e a resposta será na forma de resultados mentais, enquanto o Espírito deve pedir através de sua natureza espiritual, para receber os valores que não são perceptíveis à mente natural.
Mas se a mente pedir constantemente e o corpo não agir, os resultados não serão voltados para o corpo, a menos que um irmão aja. E quando o Espírito ora, mas a mente não, o conhecimento não vem ao cérebro. Como deve a mente orar? Ficando em harmonia com o Espírito. E como obter essa harmonia? Pelo controle da vontade sobre o corpo animal, para que este não infrinja as leis da totalidade que é saúde. Fiquei sentado na casa da caverna e orei a Incal com toda a minha mente mas, como não podia fazê-lo com os músculos, nenhum alívio podia ser dado ao meu corpo; nem alimento, nem água.
No plano mental, eu poderia influenciar o Rai Gwauxln para que compreendesse minha dificuldade, o que seria clarividência; mas isso não seria possível, pois o inimigo que havia despertado minha curiosidade para me arruinar interceptaria todas essas mensagens; além disso eu ignorava o método apropriado. Só por mero acaso Gwauxln seria influenciado por minha tensão mental não dirigida por meu conhecimento. Não sabendo como utilizar esses poderes, afastei qualquer possibilidade de escapar dessa forma.
Mas podia orar a Incal. Então me ajoelhei no chão cruelmente frio e me preparei para invocar Seu auxílio. Quando pronunciei Seu nome ouvi uma risada musical, embora zombeteira, um som que me atingiu com o terror que todo homem e mulher já conheceu quando, em seu tempo de criança ou mais tarde, sentiu arrepios gelados ao ouvir uma história de horror contada ao lado da lareira, enquanto o Rei das Borrascas sacudia as próprias fundações da casa onde se encontrava. Voltando-me e ficando de pé, vi o Incaliz do Grande Templo de Caiphul.
“Por que estremeceste ao me ver, como se eu fosse um demônio?” Só uma resposta poderia ser dada a essa pergunta, a de que o meu susto fora causado por vê-lo daquela forma, pois eu não estava acostumado a ver pessoas aparecerem como fantasmas, ainda que não parecessem vir do outro mundo. Senti grande alegria com a presença dele, pois acreditei que Incal tinha respondido minha petição antes que eu a expressasse, enviando Mainin em meu socorro. No entanto eu continuava tomado por aquele inexprimível temor, o mesmo medo que me tomara quando ele aparecera.
Compreendi que o fato não proviera de seu método de entrar em minha prisão, pois eu sabia que, sendo Filho da Solitude, ele tinha o poder de se afastar do corpo grosseiro como alguém que despisse a capa, e de se projetar para onde desejasse. Eu sabia, olhando para ele, que seu eu físico estava em transe a muitos milhares de milhas de distância, em Poseid. Eu não tinha o poder de me projetar, senão teria sido fácil avisar Gwauxln do perigo em que me encontrava; pelo menos foi o que pensei, desconhecendo a interferência de Mainin. Mas, se Incal enviara o Incaliz até minha presença, então estava tudo bem.
O sacerdote com certeza leu meus pensamentos, pois disse que tinha tomado consciência de minha desagradável situação por intermédio de Incal e tinha vindo me ajudar a sair dali. Entretanto, ele teria de me deixar por algum tempo até poder conseguir ajuda, despachando um vailx de Caiphul. Não ia demorar e eu devia manter o ânimo. Com isso ele desapareceu como viera e eu fiquei outra vez sozinho aguardando sua volta, com uma ansiedade febril impossível de traduzir com palavras. As horas se estenderam a dias, três dias, e ele não voltava, nem chegava qualquer socorro de Caiphul. As mordidas da fome, embora terríveis, nada
eram em comparação com minha sede. Mais uma vez a luz do dia deixou de filtrar-se pela abertura do teto.
Eu tinha escoriado os dedos tentando destravar o fecho da porta; tinha dado pancadas em cada polegada das paredes para descobrir se não havia uma mola secreta que movesse alguma coisa naquela prisão. O destino não tinha essa graça para me oferecer. Sete vezes a luz tinha ido embora, marcando sete noites desde a visita de Mainin. Várias vezes a tortura da fome e da sede me fizeram delirar loucamente, com intervalos lúcidos. Num desses momentos de lucidez e relativa calma, eu estava deitado no chão de granito, suplicando fracamente pelo auxílio de Incal, quando ouvi a mesma risada baixa que havia anunciado a primeira visita de Mainin. O som me deu um pouco de energia e consegui me sentar.
Eu teria amaldiçoado o Incaliz pela demora que tinha significado muito sofrimento para mim, se não estivesse com medo de que ele ficasse irado e me abandonasse ali para morrer. Eu não sentia mais a reverência de antes, pois já me convencera de que ele não era o que os homens pensavam. E portanto eu o teria amaldiçoado por sentir interiormente que, por mais elevado que fosse seu conhecimento esotérico e ele fosse reconhecido como um Filho da Solitude, tinha o coração negro e era uma abominação aos olhos de Incal, e por ele os Filhos da Solitude tinham sido iludidos. Se eu não o disse frente a frente, foi por causa da esperança cada vez mais fraca de que ele poderia ser induzido a me ajudar a sair dali. Ele tinha voltado diferente. Quando falou, suas primeiras palavras foram de zombaria por meus apelos ao grande Pai da Vida.
“Ha! De muito te valerá clamar por Incal ou outro salvador qualquer. . . Deus! Não existe Deus (Salmos lxii.l). Bah! Como são cegos os homens para orar a ideais vazios como esse que chamam “Deus”! Os homens de Poseid dizem que Incal é Deus; os homens de Suern dizem que é Brahma, e os de Necropan que é Osíris. Que loucura insensata!”
Diante disso sentei-me mais ereto e olhei para ele por um momento, antes de perguntar se ele não tinha medo de blasfemar contra Incal e negar seu Criador.
“Pensas, Zailm, filho de Menax, que eu agiria como ajo se pensasse que Deus existe? Será novidade – será novidade para ti que eu deseje causar a ruína daquela que se chama Anzimee – que eu tenha vindo de uma vida anterior na terra – ah, de muitas vidas – cheio de ódio por ela que sempre me denunciou às leis dos homens? Agora ela não poderá fazê-lo, pois não encontrei isso escrito no Livro do Destino e portanto não está lá, ou perdi meu poder de ler o destino, o que não acho provável.
Mas eu, através de ti, arrancarei seu coração, para que ela se contorça de angústia no fundo da alma! O que Anzimee me fez? Não fez como Anzimee mas como mulher poderosa e vidente que ela foi antes. Eu a persigo para me vingar. Para rasgar seu coração provoquei a morte de Menax, contra quem não tinha nenhuma querela pessoal; quase fiz o mesmo contigo, contudo nada tenho contra ti. Foi esse desejo de vingança que me fez despertar tua curiosidade para que aqui encontrasses a morte. Esperei evitar a confissão do teu pecado com Lolix a Anzimee. Depois que tivesses morrido e teu corpo fosse encontrado por mim, eu teria conseguido uma desgraça maior para ela denunciando publicamente a tua iniqüidade, já que tinha todas as provas em meu poder.
Mas não fiquei preocupado demais -, tua morte provocará uma tortura bem maior. Foi para esse propósito que também Lolix foi induzida a fazer o que fez, o que ambos fizestes, pois planejei com antecedência, há muito tempo, visto que tenho o dom de desvendar o futuro. Por meu plano o Rai será humilhado e, ao fim de tudo, aquela que é objeto de meu mais profundo ódio não mais distinguirá o bem do mal, e seu nome será motivo de zombaria na boca do povo. E tão doce a vingança; tão doce, Zailm!”
Mesmo que um corpo real estivesse à minha frente para ser atacado, meu horror e minha fraqueza impediriam que eu fizesse outra coisa além de ficar sentado, olhando para Mainin em silencioso desamparo.
“Estás chocado com minha iniqüidade? Estou velho demais para temer um fracasso e estou além do alcance das leis dos homens, finalmente. Nenhum homem nem todos os homens da terra poderiam me privar de uma vida de liberdade. Há muito descobri o segredo que prolonga a vida para três vezes a sua duração normal; é um segredo do mais profundo Lado-Noite da Natureza. Chegará o dia em que todos os poseidanos conhecerão esses segredos. Mas será um dia triste, alegra-me dizer!
Eu já era velho, muito velho, quando Gwauxln me considerava um menino como ele; o mesmo pensaram os Filhos da Solitude, pois eu tinha muita astúcia em me ocultar. Eles ainda pensam o mesmo. Eu. . . sim, eu te direi, pois já és praticamente um morto. Trabalho há três séculos neste mesmo corpo. Não te disse que eu era velho? Fiz oposição ao bem feito por Ernon de Suern e por isso ele morreu, por causa do desespero de seu coração. Ajo para que, se possível, sequem todas as esperanças dos seres humanos, para desviá-los da senda do infinito para a do demônio, da morte e da destruição. Ernon lutou pela exaltação da humanidade, eu por sua queda; entramos em conflito e eu venci. E como ele não percebeu meu jogo? Porque sempre agi nas trevas, mantive a discrição e consegui o domínio das hostes do mal que não são humanas, nunca foram e nunca serão.
E contra os obreiros das sombras nenhum Filho da Solitude pode prevalecer, pois ambos trabalham com a natureza animal do homem que, não tendo luz para guiá-la, aceita a primeira ajuda que lhe é oferecida, favorecendo assim os Obreiros das Trevas. Mas agora basta. Eu não te contaria essas coisas para que não tivesses algum poder sobre mim – sobre MIM, compreenda isso se estivesse vivo e não praticamente morto. Pensas ainda que eu posso crer num Deus? Bah! Se Deus existe, não o temo; Ele que me castigue!” *
* Nota: “E o tolo disse cm seu coração: Não há Deus algum.”
Nesse momento uma gloriosa, maravilhosa e extraordinária visão apareceu. A noite tinha descido enquanto Mainin se confessava, vangloriando-se de seus ignóbeis crimes, desafiando Incal a puni-lo, se é que ele existia. Na total escuridão da prisão, que era física e não podia velar a forma de Mainin, apareceu a visão que instilou o terror em nossos corações; um terror diferente para cada um de nós dois. Uma forma humana mas que não era da terra, envolvida por uma cegante luz branca, estava diante de nós. Era esse Incal? Tinha Ele aceitado o louco desafio do sacerdote criminoso?
Em Suas feições havia uma expressão tranqüila mas extremamente severa, embora não demonstrasse ira ou qualquer outra emoção humana. Por um instante os extraordinários olhos pousaram em mim e depois se voltaram para Mainin. E então ele falou com voz calma, melodiosa, e minha dor me abandonou, embora suas palavras estivessem carregadas de tremenda força:
“Sentir a perfeita calma sobre a agonia pousar”
A voz era igual à minha concepção da voz de Incal quando disse:
“Ó Mainin, não enumerarei teus crimes pois os conheces todos. Foste companheiro dos Filhos que te ensinaram tudo o que sabiam, e de Mim aprendeste o que eles não podiam te ensinar, oh, faz muitos séculos. Eu sabia que tua inclinação era para o mal, porém não interferi, pois és teu próprio mestre, como todos os homens o são; mas poucos dentre eles são fiéis! Contudo, a altitude e a grandeza de tua sabedoria, prostituída ao egoísmo, ao pecado, ao crime, mais completamente do que qualquer outro homem teria ousado, será a tua destruição. Teu nome significa “Luz” e grande foi teu brilho; mas escolheste ser uma luz flutuando sobre as águas, atraindo para a morte todos os que te seguissem, e esses têm sido miríades.”
“Blasfemaste contra Deus e zombaste em tua alma, clamando “Que Ele me castigue!”, mas teu dia ainda não era chegado. Isso te fez mais ousado e continuarias agindo da mesma forma, ainda agora. Mas eis que Anzimee não será ferida por ti, pois é servidora do Cristo, é minha filha no serviço. Fizeste por merecer tua pena e, porque conscientemente me desafiastes, ela te será aplicada neste momento! Quisera que pudesse ser evitado. Mas o teu é um entre uma miríade de casos, mais horrendo porque és conhecedor, não um ignorante.
Entretanto és um ego, um raio de meu Pai que não emite mais luz, só trevas; por isso te banirei por um tempo, para não mais destruíres minhas ovelhas e para que não fique sem expiação o mal que fizeste. Seria melhor para ti se deixasses de existir, mas isso não pode ser com um ego. Só posso te suspender como entidade humana e te lançar nas trevas exteriores para servir como um dos poderes da natureza. Afasta-te!”
O Sumo Sacerdote estivera até então imóvel, a própria imagem do terror, postado além do pensamento de fuga, que seria impossível, pois o Juiz era o Homem, mais do que o Homem finito – era O HOMEM INFINITO, o próprio CRISTO. Mas quando o Filho da Luz se calou, Mainin emitiu um uivo, misto de terror e desafio. Ao ouvir esse som o Cristo estendeu o braço e imediatamente Mainin foi envolvido por uma brilhante chama que, ao se apagar, revelou o desaparecimento do Sacerdote Demoníaco. Mainin tinha pecado muito, pervertendo toda a sua nobre sabedoria por usá-la para o mal e plantando as sementes do pecado no coração de seus ingênuos irmãos da humanidade.
Ele havia semeado e Suern devia colher e, através de Suern, todo o mundo. Devido a essa semeadura ele foi arrancado do Livro da Vida por uma maldição do Filho do Homem. Mesmo os que só conhecem o aspecto material da natureza não devem ter dificuldade em compreender a destruição da vida de um homem cujo corpo físico estava na distante Caiphul, se considerarem que o envoltório terreno não é mais essencial ao homem real do que o casulo para a borboleta, embora em ambos os casos essas coisas sejam essenciais para vida física. Aterrorizado pela inominável visão daquele fogo destruidor, prostrei-me no solo. Mas o Cristo me ordenou que levantasse e disse:
“É este o destino do homem integralmente egoísta. Não temas por tua própria segurança, pois não te destruirei com o fogo; e não cultues a mim, mas ao Pai que me enviou. Alcancei a perfeição do Sétimo Princípio e sou o Homem, também Filho do Homem, contudo mais que qualquer homem, pois estou no Pai e o Pai está em mim. Mas todos os homens que queiram podem seguir-me e por mim entrar no Reino, Pois não somos todos filhos do Uno, nosso Pai? Eu sou Ele, o Cristo; aquilo que EU SOU, o Espírito de todo homem também é. A punição aplicada a Mainin não foi uma aniquilação, pois isto não é possível; também não foi a morte que é transição, e sim a morte de quem não vive mais como vida humana, mas é banido por um tempo para as trevas exteriores do reino do mal.
“Eis que falo e, tendo ouvidos, não ouves nem compreendes. Mas teus ouvidos se abrirão e terás o conhecimento e liderarás meu povo. Eis que o liderarás num dia ainda remoto. No presente, não irás mais viver na Atlântida, nem verás Anzimee até que ela tenha partido duas vezes da Terra e voltado, e tenha o nome de Phyris. Eu disse que essas coisas aconteceriam, profetizei-as na cidade chamada Caiphul, porém me ouviste e não acreditaste. Mas agora acreditarás, pois digo grandes palavras de DEUS – e o mundo é Dele. Contudo o homem não me conhece ainda, mas num dia distante eu voltarei; sim, habitarei entre os homens como uma perfeita alma humana e farei daquele Homem o primeiro fruto dos que dormem o sono que é mudança, de modo que através de mim ele será exaltado acima da Morte.”
“Mas os homens o acordarão e zombarão de mim, sendo descrentes, e me crucificarão; contudo eu, que terei me tornado Jesus o Cristo, não serei tocado, apenas minha casa (corpo físico) terrena. E eles serão perdoados, pois não saberão o que estarão fazendo (São Mateus, XXI.23). “Contigo te deixo a minha paz. E agora, dorme!”
CAPÍTULO 24 (A) - DEVACHAN
Posted by Thoth3126
Obediente ao comando, adormeci. Quando acordei ainda me encontrava na prisão de pedra, mas todo o sofrimento, todas as torturas da fome e da sede que eu havia suportado tinham desaparecido. Nada me parecia estranho, nem mesmo quando me levantei e vi atrás de mim, como uma concha vazia, meu pobre envoltório de barro, que tanto tinha penado nas garras da inanição. Tudo parecia natural como nos sonhos mais vívidos. Pensei em Anzimee e me perguntei se ela também se sentia feliz como eu naquele momento. Desejei que assim fosse. Depois lembrei as palavras Daquele que Se chamara Filho do Homem e imaginei que espécie de homem seria.
Em sua maior parte, suas palavras não tinham sido compreendidas por mim, mas depreendi delas que eu estava morto e que Anzimee não me veria mais, a não ser depois do que vagamente parecia uma eternidade; mas então ela não seria Anzimee nem eu me chamaria Zailm. Contudo, não senti tristeza por essa longa separação. E naquele tempo esse Filho do Homem teria retornado ao mundo e deixado uma obra a ser realizada por Seus irmãos, filhos do PAI, que assim fazendo O estariam seguindo e se tornariam como Ele, até serem libertos do tempo e da terra e possuírem todas as coisas, a vida e a morte.
Compreendendo apenas de forma vaga estas coisas, eu não as assimilara perfeitamente, pois minha mente natural não era capaz de apreender seu significado espiritual. Isso, então, era o Navazzimin e eu estava morto no entendimento dos homens. Era muito diferente dos conceitos que me tinham sido ensinados pelos sacerdotes de Incal, porque aparentemente não diferia muito da vida terrena, pelo que eu estava vivenciando. Talvez o fosse se eu passasse pela Luz do Maxin. Fazê-lo não seria suicídio, já que eu estava morto. Não, seria uma purgação da carnalidade que possivelmente tinha me impedido de encontrar o real Navazzimin, aquele que me tinha sido ensinado. Anzimee e os outros entes queridos viriam até ali um dia para nos revermos e reconhecermos? Oh! Seria assim! Teria de ser assim!
Mergulhado nessas reflexões, andei até a porta, esquecido de que as trancas tinham impedido minha saída anteriormente. Só quando se abriu ao meu toque foi que lembrei que ela tinha desafiado todos os meus esforços. Saí agilmente e andei pelo túnel até chegar ao ar livre e encontrar minha sela e – sim – meu cavalo, aquele fiel animal! Ele estava comendo capim, tendo evidentemente ficado por perto da água obtida pelo gerador. Deveria eu abandoná-lo? Não se houvesse um meio de evitar isso! Eu estava livre, enfim! Olhei em volta, para a paisagem árida sob o céu aberto, com seus monumentos de argila gasta pela erosão, cobertos de plumas de paina. Como faziam meneios graciosos ao vento, parecendo dizer: “Livre, livre!”
Fui até onde estava o cavalo, esquecendo que, estando morto, não precisaria daquele meio de transporte. Mas ele pareceu não me ver nem perceber minha presença. Eu estava acostumado a vencer dificuldades, mas não sabia como agir naquela circunstância. Sentei e fiquei observando o belo animal. Quanto mais eu olhava mais perplexo ficava. Finalmente fiquei de pé e, com certa exasperação, comecei a falar com ele. Nada! Claro que não! Quanto mais eu falava, mais contente o cavalo parecia ficar, como se sentisse que eu estava perto e isso o alegrasse. Finalmente me afastei, decidindo deixá-lo naquele lugar, já que não conseguia comunicar-me com ele. Isso causou um efeito imediato no animal!
Quanto mais eu me afastava mais nervoso ele ficava, até que levantou a cabeça e relinchou com força. Uma, duas, três vezes, e então veio galopando loucamente atrás de mim! Quando chegou perto se acalmou e quando voltei a caminhar rapidamente ele me seguiu. Ele podia sentir minha presença embora não pudesse me ver ou me ouvir. Minha mente estava totalmente ocupada em levar o fiel animal de volta ao acampamento. Não sentindo cansaço, nem fome, nem sede, nem qualquer sensação da pesada vida física, adentrei o acampamento com o cavalo me seguindo todo contente!
Quando chegamos lá, vi que o vailx estava pousado, mas só havia ali dois homens; os outros tinham saído à minha procura, visto que eu não regressara, por obra de Mainin. Esses dois homens, assim como o cavalo, não podiam me ver nem sentir minha proximidade. Todos os meus esforços foram em vão e, embora eu ficasse ali dois dias, até que a busca terminasse e os homens tivessem voltado ao vailx para pedir novas ordens a Caiphul, em Atlântida, continuava sem poder comunicar os fatos.
Um dos homens ainda estava fora e, quando voltou, falei com ele. Embora não pudesse me ver, minha presença o afetou profundamente. Falei muitas e muitas vezes, até que finalmente ele se sentou todo trêmulo ao lado de minha mesa no salão do vailx. Havia papel e pena ali e eu disse ao homem: “pegue a pena”. Para minha não total surpresa ele a pegou e pareceu cair em sono profundo enquanto escrevia o seguinte: “pegue a pena”.
Uma ideia me ocorreu e pronunciei palavras sem nexo que ele escreveu no papel exatamente como eu as tinha enunciado. Isso me animou a ditar o que se segue: “sou eu, Zailm, quem diz estas coisas: estou morto. Volta para casa, para Caiphul”. Sobre meu corpo e o local onde se encontrava eu nada falei, concluindo que o mesmo estava adequadamente enterrado. Mas o que ditei foi escrito; não que o médium ouvisse o que eu dizia mas porque naqueles momentos eu estava controlando a inteligência de seu corpo e da sua mente. Os outros viram a mensagem e a esconderam e, quando o homem saiu do transe, perguntaram o que ele tinha escrito. Ele negou que tivesse escrito alguma coisa. Isso pareceu satisfazê-los, já que o homem obviamente estava sendo honesto em sua negativa.
Eles decidiram trazer o equipamento e os animais para o vailx e prepararam-se para partir. Isso me deixou satisfeito e não pensei mais neles, pois meu único desejo era voltar para casa. Refleti que tinha deixado o empecilho da carne na casa da caverna, de modo que deveria poder ir para onde quisesse, como fizera Mainin. Resolvi tentar e disse para mim mesmo: “quero ir para casa, para o Agacoe onde está o Rai, que poderá me ver e ser informado a respeito de todos os detalhes deste assunto”.
Com esse pensamento, tudo mudou e me encontrei no palácio de Agacoe. Entretanto, nem Gwauxln nem Anzimee, que também se encontrava lá, pareciam notar minha presença. Acontecia o mesmo que com o homem do vailx. Que coisa era essa chamada morte, essa barreira? Seria ela realmente o umbral separando duas condições, tornando impossível a comunicação entre elas, sendo inútil tentar se comunicar do lado onde eu estava como o seria do outro? Eu tinha pensado que Gwauxln seria capaz de atravessar essa barreira. Mas infelizmente eu me via tão impossibilitado de ser reconhecido por ele como o estivera com os outros.
Eu sabia que ele podia ver as pessoas que se separavam de seus invólucros exteriores para poderem se transportar, como Mainin tinha feito, e que depois os retomavam à vontade; por que então Gwauxln não me via? Talvez a morte significasse algo mais do que deixar o corpo para trás. Por muito tempo permaneci naquele lugar, pensando nessa coisa chamada morte. Depois, estando eu ao lado de Gwauxln, já tendo desistido de tentar fazê-lo tomar conhecimento de minha presença, uma forma humana entrou no recinto. Forma? Parecia tão real quanto qualquer um dos cortesãos que estavam sentados junto ao arco do portal de entrada.
Nenhum deles pareceu perceber o recém-chegado; a não ser o Rai e eu, ninguém mais o viu. Os cortesãos continuaram a conversar sobre a morte súbita do Incaliz Mainin e sobre a extinção de seu corpo na Luz Maxin na noite anterior. Fiquei estarrecido com a estranha semelhança que o recém-chegado tinha comigo, mas fiquei imensuravelmente surpreso quando o Rai exclamou: “Que! Zailm morto? Morto!” Um serviçal, ouvindo essa exclamação, embora só visse o soberano, acorreu pressurosamente e perguntou o que este desejava. Ao aproximar-se, atravessou a forma que Gwauxln chamara pelo meu nome! Nem aquela silhueta humana nem o serviçal pareceram notar a excepcional ocorrência, mas a Forma, sorrindo, disse em resposta: “Sim, Zo Rai, eu sou Zailm, mas não estou morto, estou apenas livre das restrições terrenas.”
Confuso, quase estupefato diante dos acontecimentos, joguei-me num divã próximo. Gwauxln podia ver o que parecia ser eu; era efetivamente uma imagem minha quanto às feições e lembranças de acontecimentos. Na verdade, era (apenas) a contraparte psíquica (duplo etérico) de minha vida e do meu Eu, mas a mim ele não podia ver. Mistério, oh mistério! Quantos mais a morte havia de me revelar? Eu havia deixado na prisão de Umaur uma imagem material de mim mesmo; seria possível que existisse também uma contraparte intermediária do meu corpo material e do meu Eu, que ainda retinha certas formas grosseiras da vida que eu perdera, as quais a tornavam visível enquanto eu permanecia invisível?
Sendo Gwauxln um Filho da Solitude, por que era incapaz de perceber meu astral e eu? Na realidade ele não era incapaz, mas não me foi permitido saber disso naquele momento. A razão que depois se tornou clara para mim, mas que então eu desconhecia, era em resumo a seguinte: uma pessoa ao morrer é decomposta em elementos psíquicos que, para não me estender demais, são de três naturezas – terrestre (matéria física), psíquica (astral) e espiritual. Desses três elementos, o mais elevado é o Eu Sou, a alma espiritual. Os outros são os anteriormente mencionados (com quem Gwauxln falou) e que foram deixados na prisão. Mas a alma busca um nível exaltado; o “invólucro” psíquico (corpo astral) permanece nas condições terrenas até que o corpo, finalmente seja dissolvido, se transforme no “pó que volta ao pó”.
O estado exaltado ou da alma é um estado de isolamento. Como está escrito nos registros bíblicos (II Samuel, xii, 28) um médium pode chegar até ele, mas alma, após um curto espaço de tempo, não pode retornar à terra nem conhecer qualquer coisa terrena a não ser aqueles estados mentais-espirituais extremamente tensos dos indivíduos que buscam as coisas de Deus. E essas coisas não são terrenas. Esta é a verdadeira atuação mediúnica. O médium genuíno se eleva à “altura” (nível de consciência) necessária, mas a alma não pode mais descer à terra que abandonou ao morrer o corpo físico, não pode negar a lei do progresso, a não ser durante um período muito limitado e breve após a transição chamada morte, quando então não se trata de uma retrogressão.
Um médium é como um barômetro aneróide, que pode indicar o grau da pressão do ar acima do nível do mar, ou a ascensão do espírito. Mas ele precisa estar presente (elevar a sua consciência) até esse nível, pois o nível não pode descer até ele. Assim é que aquele que morre é um viajante que se dirige para o ponto sem retorno. Não há regresso para os mortos, a não ser pelo renascimento físico e reencarnação. Deixo ao leitor apreender que isto não é transmigração de almas, pois esta postula o renascimento em formas animais inferiores como punição dos pecados.
Isso não pode acontecer. A retrogressão é impossível e essa noção é uma falsa e corrompida concepção, fundada na mal entendida verdade da reencarnação, cujos renascimentos em encarnações sucessivas são invariavelmente progressivos, visando sempre a EVOLUÇÃO.
Mas voltemos ao Rai e sua determinação de não me ver. Gwauxln sabia que eu ainda não atingira o estado apropriado e temia interromper meu progresso. Por isso não permitiu que meu “invólucro” o influenciasse, tanto quanto pude concluir. Entretanto, tendo percebido o fato de minha morte pelo contato de sua natureza super sensitiva, ele buscou ir além e, embora suas ações negassem que me via, colocara em operação certas forças que propiciariam minha preparação para que ele viesse até mim e me contatasse. Isso não ocorreria enquanto minha vida mundana não se desfizesse, enquanto eu não partisse para o “país desconhecido” do Navazzimin.
Quando isso ocorreu, ele veio e o encontro foi marcado pela alegria singela, pela graça natural; um encontro entre duas almas iguais perante Deus, não em condição de sabedoria adquirida, pois nisso Gwauxln estava imensamente acima de mim, mas iguais na fraternidade do espírito que hoje desejo que reine na terra. Isso há de ocorrer ainda, pois o Portador da Cruz disse: “Todos vós sois Filhos do mesmo Pai!”. Eis que esta é a verdade!
Quando Gwauxln veio ao meu encontro, a esfera terrena de forma alguma foi trazida com ele. Trazer condições terrenas com ele teria me enviado de volta à terra, o que seria uma clara injustiça para comigo. Nenhum ego (alma) espiritual tem permissão, segundo as próprias leis do ser, de voltar à terra. O Eu de um iniciado pode projetar-se ao devachan (céu), mas o habitante do devachan não pode voltar à terra, a não ser por um novo nascimento na mesma em um novo corpo. Por que a alma deixa a terra após a morte? Porque no devachan ela assimila os frutos da vida terrena ativa.
Eis a explicação da Palavra escrita de Deus: “Faze com presteza tudo quanto pode fazer a tua mão, porque na sepultura para onde te precipitas, não haverá nem obra, nem razão, nem sabedoria, nem ciência”. (Ecl. ix, 10). É verdade que na sepultura nada mais pode ser feito. Nas páginas seguintes muitas coisas parecerão indicar meus “feitos” entre a sepultura e o berço, mas observa que a terra como um todo tinha se tornado perfeitamente obliterada para mim. A alma não pode retornar exceto para reencarnar-se pelo renascimento. Chamá-la de volta é causar perturbações nesse processo e a reassociação com o invólucro (corpo) astral que a alma deixou para trás na morte do corpo. Essa reassociação revive o astral e então ocorre ação e reação entre este e a alma, para grande prejuízo desta
último.
Tudo que “vivenciei” foram exclusivamente os frutos do que eu tinha feito; eu não podia fazer nada de novo, nem pensar novos pensamentos, nem experimentar coisa alguma que não fosse, em si mesma, a expressão de algo cometido antes que eu passasse pela morte. Nessa reorganização ou novo arranjo e cristalização da minha vida terrena pregressa, o tempo não teve qualquer expressão. A realidade disso foi apenas a realidade de um sonho vivido; o tempo não interfere naquilo que já está feito. Estava ao alcance do poder do Rai reconhecer-me, mas ele se recusou a fazê-lo, para que eu não sofresse qualquer dano.
Também está ao alcance do poder de todas as naturezas mediúnicas poderosas que (geralmente) pertencem à seita chamada “Espírita” fazer o mesmo. Esses médiuns podem chamar de volta os mortos, mas a que terrível preço para o ego dos falecidos e com que pesada reação sobre o médium! Afirmo que nenhum processo da Natureza, ordenado pelo Pai Celestial, pode ser levianamente interrompido; cada ato dessa espécie é acompanhado por uma penalidade proporcional ao entendimento de quem o perpetra – essa penalidade nunca é leve e freqüentemente tem um peso aterrador.
Caso eu tivesse ficado ali para ver, teria presenciado Gwauxln, Filho da Solitude, partir em sua própria forma astral, após deixar o corpo físico em sua câmara secreta a fim de que nenhum dano acontecesse ao mesmo enquanto ele estivesse ausente. E teria visto o Zailm-invólucro partir com ele para Incalithlon e o Rai fazê-lo passar para a Luz Incriada e ser destruído. Entretanto, dentre todos os homens da terra, só os olhos treinados dos Filhos da Solitude poderiam ter visto o que aconteceu. O “invólucro” nunca mais emergiria do Maxin. E por que era assim? Por que destruí-lo?
Para que ele não andasse mais pela terra e não pudesse impressionar sensitivos como o homem do vailx que eu havia impressionado em Umaur e a quem meu “invólucro” poderia continuar impressionando. Isso poderia ter causado muitos problemas, pois aquele meu corpo (psíquico) astral continuava a repetir fielmente minhas palavras finais antes que eu me separasse dele, as que eu dissera a Gwauxln em Agacoe: “não estou morto”. Naquela oportunidade era como todos os outros invólucros, cuja natureza composta dupla só se manteria íntegra pelo limitado período em que pudesse tirar o magnetismo para se sustentar de minha correspondência terrena recentemente encerrada.
Em alguns casos, esse sustento é suficiente para o corpo astral durar várias eras, em outros para séculos, anos, dias ou minutos, conforme as simpatias do morto se voltassem para a terra ou para o espírito. O astral é apenas força vivificada, portando a imagem da alma, o EU SOU, em todos os respeitos. As próprias profecias feitas por “espíritos retornados”, profecias que se realizam depois de anos, talvez sejam apenas a pré-visão do ego impressa no momento da partida. Por um momento, ele divisa vastas profundezas do tempo futuro. Esse relance fica impresso no invólucro-astral. Isso é força psíquica.
Se os fenômenos postos em movimento pelo homem são do tipo intensamente vital criado por homens como Moisés, Buda, Zoroastro, então enquanto um crente de qualquer dessas religiões continuar aderindo a elas, os invólucros desses profetas continuarão a ter essa existência derivada, mas só durante esse tempo e não mais. A força psíquica (energia) é o seu instrumento de controle. Essa mesma força mantém as estrelas e os átomos em suas respectivas órbitas. Ela é vital e dual, sendo positiva e negativa. Separar a força do “elemento fogo” dos antigos (antigos para ti, não para mim), era gerar o foco de um Fogo Incriado como o Maxin e, em eras posteriores, o poder da Arca da Aliança em Israel, semelhante ao Maxin, letal à vida.
Esses pontos focais são portais para os quais todo o conjunto de forças menores da natureza é absorvido por contato. Esses focos também são a habitação exclusiva do tão procurado “solvente universal” dos alquimistas escusado dizer que, como alguns desses alquimistas foram Filhos da Solitude, obviamente tiveram o maravilhoso “solvente” ao seu serviço. Igualmente aparente deve ser o motivo por que esse segredo permaneceu cuidadosamente oculto. Esses focos são os próprios aurículos do coração do Universo, de modo que qualquer espécie de força formada ali encontra seu Ômega.
Conseqüentemente, quando Gwauxln fez meu astral passar pelo Maxin, devolveu à indivisa soma da força cósmica uma quantidade já sem uso para o mundo formado. Numa escala mínima, a medula oblongata do cérebro humano é um desses focos, um ponto-maxin, onde o positivo e o negativo se encontram. Se assim não fosse, a vida seria impossível; basta destruir esse maxin do corpo, com uma simples picada de agulha e a vitalidade cessa instantaneamente. Mas basta, por ora. Gwauxln veio a mim, já que eu não podia ir até ele. Os não-iniciados muitas vezes surgem em sonho para seus amigos, mas não conhecem o meio de fazê-lo voluntariamente.
Como um grande ponto deste meu trabalho é explicar esses mistérios, dedicarei um pouco mais de espaço para tornar claro e livre de qualquer engano como é que os que vivem na terra adquirem o poder de ir até seus amigos além da Fronteira, e por que estes jamais retornam à terra. O barômetro, num dia calmo, registra ao nível do mar um grau definido de pressão atmosférica e, a uma milha acima desse nível, numa encosta de montanha, por exemplo, o mercúrio em seu tubo “cai” para um grau menor, embora definido. Em ambos os casos isso se deve à pressão do ar.
Ora, se alguém deseja conhecer a pressão existente a uma milha de altitude sobe até ela ou traz a altitude para perto de si? Em tempo tempestuoso, o barômetro também “cai”, o ar é menos denso, pois ocorrem mudanças meteorológicas que efetivamente fazem descer as grandes altitudes do ar, isto é, as condições que prevalecem ali, até o nível inferior. Assim é criada a tempestade, forçada pelas condições superiores. Assim é que, pelo exercício de uma força superior, um médium numa “sessão espírita” pode trazer de volta, ou para baixo, uma alma que já passou pela transição; mas isso dará lugar a uma tempestade psíquica, um tipo de ocorrência excessivamente onerosa. A Feiticeira de Endor criou uma tempestade assim quando forçou Samuel a descer novamente à terra.
Atentai, ó médiuns! Amigo, se és um “barômetro espiritual” humano, poderás elevar-te até os teus amigos, mas nunca, se estimas a paz de tua alma e a deles, tentarás fazê-los descer até os teus “círculos”. Os que só buscam a parte excitante desta história farão bem em omitir a leitura da maior parte do Livro I, deixando-o para os leitores que buscam a razão e a instrução desta narrativa de minha vida e o modo pelo qual descrevo cenas que se passaram há mais de treze mil anos. Por causa do crime de Mainin, o Incaliz, eu tinha sido forçado a buscar meu plano psíquico e porque eu era Eu, e sou Eu, esse plano é de relativo isolamento.
Isso quer dizer que era habitado pelos filhos de minha fantasia, por minhas experiências, esperanças, anelos, aspirações e meus conceitos sobre pessoas, lugares e coisas. Não há duas pessoas que vejam um mesmo mundo da mesma maneira. Para Anzimee, com o conhecimento que tinha, o mundo não poderia parecer igual ao de Lolix, que o via de um outro ponto de vista, em certos aspectos inferior, e para nenhuma das duas o mundo seria como o via o sábio ministro Menax; e para todos os três a visão da vida seria diferente da que tinha Gwauxln. Assim também o devachan, o céu de uma pessoa, está infundido por seus conceitos de vida, enquanto o de seus vizinhos está povoado por outras propriedades mentais peculiares.
Quanto ao estado e o conhecimento da pessoa falecida, após a sepultura, suas aspirações e crenças da vida formam a condição da colheita, onde ninguém age, mas onde as recompensas das ações na vida precedente são pagas; é a terra de Lethe, onde não há dor, tristeza, doença ou agonia, pois essas condições começaram na terra e forçosamente devem ser terminadas na terra. Assim decreta o carma. O céu (Devachan) é passivo, não ativo, e os resultados do conhecimento são assimilados pela alma, isto é, as coisas são de tal forma que o novo nascimento é como a página seguinte de um livro contábil – que contém todas as antigas vidas e o acréscimo da mais recente delas.
Espero não ter sido prolixo. Não o fui se consegui transmitir uma clara compreensão de qual é realmente a relação entre o céu e a terra, que é como a relação entre o tempo de descanso noturno e a atividade do dia. Que ninguém presuma que o devachan de alguém que tenha cometido erros ligados à terra e que deva encarnar novamente devido aos mesmos seja como aquela grande Vida com que são coroados os que foram fiéis até a morte da serpente em seu coração, os desejos animais. As palavras podem até descrever o mero devachan, mas são impotentes para descrever essa Vida. O finito jamais consegue abranger o Infinito. Portanto, deixa que o Infinito penetre em teu coração.
Enquanto eu ponderava essas coisas na presença de Gwauxln, Anzimee e os outros, que não podiam me ver ou preferiam não me ver, minhas forças terrenas me abandonavam. O poder que um momento antes me permitia ver pessoas, lugares e coisas do mundo parecia estar escapando rapidamente e, ao mesmo tempo, sons e visões gloriosas o substituíam, parecidos com o sonhar acordado da vida que eu acabara de deixar, com a diferença de que estes sonhos eram reais aos meus sentidos, tangíveis e mutuamente reativos. Pois muito bem, se aqueles que ficaram na primeira praia da morte não podiam me ver nem perceber minha presença, e eu também não podia vê-los ou sentir sua presença, por que não deslizar de boa vontade para o gozo feliz da paz de novas vistas e coisas que vinham substituir as antigas? Sim, eu deveria aceitar a nova realidade. Adeus, vida antiga; do homem chamado Zailm que eu fui, saudações à nova!
CAPÍTULO 24 (B) - DEVACHAN
Posted by Thoth3126
Com a serenidade de um sonho, a visão do palácio e das coisas familiares foi se apagando e tive a impressão de entrar num lindo vale entre montanhas azuladas. Diante de mim encontrava-se um edifício cujo exterior era despretensioso. De linhas irregulares, parecia ter sido construído por partes, com novos aposentos acrescentados quando necessário. Que excelente ideia aquela, pensei. A edificação era formada por grandes lajes de pedra, não alisadas, permanecendo tal como eram antes de serem retiradas das rochas. Em algumas partes tinha três andares, em outras só dois, mas a maioria dos aposentos estava no térreo. Que tipo de gente morava ali?
Com certeza seriam pessoas cujas tendências arquitetônicas combinavam muito bem com as minhas. Antes mesmo de vê-las, senti que eram de índole amigável. Concluí que não lhes faltava o amor pela beleza, pois, cobrindo a pitoresca e insólita construção, havia heras perenes e em volta estendiam-se bonitos jardins. Deveria eu me aventurar a introduzir ali minha presença? Enquanto eu pensava no caso, um homem abriu a porta mais próxima de mim e se adiantou. Tinha uma aparência familiar; onde eu o teria visto? Eu havia esquecido completamente a última vida que havia vivido como Zailm, filho de Menax, como se ela nunca tivesse acontecido.
Meus sentidos agora estavam dominados pelas sensações da infância, pelos pensamentos, idéias e conhecimentos simples do meu tempo de criança na casa das montanhas ao pé do Pitach Rhok. Quando chegou perto de mim, o estranho que me parecia conhecido disse: “Conheces-me, como teu pai Merin Numinos?” Isso acalmou a apreensão que havia surgido vagamente em minha consciência, a de que estando morto eu estava sozinho e invisível para as pessoas, e desfez a ideia que havia esmaecido rapidamente enquanto eu olhava para a casa de pedra, a ideia de que eu estava morto. Eu já não tinha mais noção daquela experiência e o conhecimento da morte tinha se apagado no que se aplicava ao meu próprio falecimento.
Senti-me tomado de prazer com a pergunta do homem que ali estava e percebi então que ele era o pai idealizado de minha infância, mas não aquele que minha mãe sempre apresentara sob uma luz depreciadora. Como o leitor sabe, ela não gostava dele. Mas este pensamento não surgiu em minha mente naquele momento; eu só sabia que estava olhando para o homem que eu reconhecia como sendo meu pai. Eu estava exultante por tê-lo encontrado e respondi: “certamente eu te conheço bem!” Então ele perguntou: “queres descansar?”
“Como estou fatigado, aceito, e sem dúvida isto será muito benéfico.” Merin Numinos me guiou para dentro da grande casa, conduzindo-me ao que devo chamar antro ou “cantinho especial”, embora o primeiro nome possa parecer deselegante. Era um local desse tipo, limpo mas encantadora e deliciosamente confuso e sem ordem; livros e espécimes de rochas, e todas as coisas que os meninos apreciam estavam espalhados ali numa inextricável confusão, das que enchem de desespero qualquer dona de casa ordeira. Meu prazer não tinha limites, pois senti que eu era um menino, apenas um menino; não tinha ainda alcançado a maturidade e as desconhecidas possibilidades da idade adulta enchiam todo o meu ser com uma agradável antecipação do futuro; eu era um garoto de espírito exuberante à solta em seu próprio reino, e naquele quarto eu me sentia livre do medo da mão ordeira que sempre me restringira em outros locais.
Numa cama, desajeitadamente arrumada num canto do quarto obscuro, estava um pacote de livros da biblioteca distrital, cada um deles com a marca “Pitach Rhok Distrito 5” em caracteres poseidanos. Os livros estavam no meu caminho, por isso coloquei-os cuidadosamente (pois os livros sempre foram objetos quase sagrados aos meus olhos) no chão, para poder deitar na cama. Então me acomodei para dormir no rústico leito que sempre parecera mais macio e confortável em minha memória do que qualquer almofada macia de minha vida em Caiphul.
Não que eu soubesse disso quando me deitei; sabia apenas que estava vivenciando um estado de coisas que se ajustavam perfeitamente aos meus desejos. Eu não tinha uma ideia clara de qualquer acontecimento de minha antiga vida em Poseid, nenhuma lembrança da morte, nada. Tudo tinha se esvaído como aqueles sonhos que tentamos em vão recordar na hora do café, no dia seguinte. Contudo, quando me encontrei diante de coisas de meu novo estado que eram semelhantes às que eu havia conhecido e amado no estado anterior; quando encontrei coisas iguais às que eu sonhara realizar um dia, então as novas realidades que, afinal de contas, não eram novas, pareceram inteiramente satisfatórias, acrescidas do encanto da consecução, apesar de eu não poder lembrar do passado.
“A cena que saúda meus olhos, de um modo estranho eu reconheço como algo cujo todas as partes místicas sinto prefiguradas em meu coração.”
Embora apresentasse algumas novidades, a natureza daquelas coisas não era tão diferente que suscitasse uma atenção especial. Um dia eu me levantara e partira do local de minha vida de menino, descrito acima. A cortina subiu deixando-me entrever coisas provindas da vida passada após minha saída de Pitach Rhok para ir a Caiphul, onde me vi envolvido pelo pesado trabalho de obter o conhecimento relativo ao grau de um Xio-Incalithlon, um grau mais alto que qualquer outro alcançado por qualquer cientista do mundo moderno. Mas essa fase do devachan logo passou porque, não tendo eu alcançado esse grau na terra, nem feito a tentativa de obtê-lo, não dispunha de uma base real para esboçar cenas devachânicas.
Assim o “tempo” foi passando rápido por mim, às vezes com egos reais de pessoas terrenas que haviam trabalhado intimamente comigo na terra e colhiam comigo os resultados de sua colaboração. Outras vezes eu me via sozinho com meus conceitos, que entretanto pareciam tão reais quanto pessoas verdadeiras, pois tudo me parecia absolutamente autêntico. Lolix ali estava sob seus melhores aspectos, mas o nosso pecado nos impedia de retornar à terra. Nada me pareceu mais natural do que encontrar Anzimee uma noite quando eu vagava pela praia adjacente a um ermo artificial, onde todas as coisas estavam dispostas em harmonia com meu ideal de solidão, com o qual tinha sonhado em meio ao burburinho de Caiphul; um lugar para onde eu a levaria quando estivéssemos casados.
Foi muito comovente ouvi-la dizer, quando nos encontramos, “meu esposo”, e a paz subseqüente à agitação foi tão deleitosa quanto eu imaginara que seria. Mas minha pena se adianta, pressurosa. Voltemos ao pequeno quarto: Sem tirar a roupa, pois o ar estava fresco, deitei e dormi. Quando acordei, desci, passando pela sala e indo até o jardim. Uma mudança havia ocorrido. Eu estava mais velho; a paisagem era diferente, as casas mais parecidas com o que minhas necessidades de rapaz tinham imaginado enquanto eu ainda vivia em Pitach Rhok. Não havia mais um rio na frente, mas um mar do qual eu só conseguia ver a praia mais próxima.
A mudança correspondia aos meus desejos de adolescente. Essas alterações, embora espantosas do ponto de vista terreno e físico, não me surpreendiam nem me pareciam notáveis. Que espécie de vida era aquela que permitia tais mudanças mas não me fazia pensar que eram extraordinárias? Nem mesmo a verdade deve ser contada de maneira prolixa, e tudo que posso responder agora é que era a vida após a morte, para usar uma frase um tanto paradoxal. Entretanto, ainda não era a Grande Vida com Deus. Teria sido consumido algum tempo para efetuar aquelas mudanças, ou era aquela uma terra da espécie criada pela lâmpada de Aladin, em que bastava esfregar uma lâmpada e outro conjunto de aparências surgia imediatamente?
Nem sequer parei para considerar o caso, pois essa conjetura não me ocorreu. Para mim as coisas eram reais. É a terra real? O Espírito, Deus, é real, e a terra e o universo são fiats, idéias externalizadas de Deus. As coisas da terra são palavras do grande Verbo Divino a nos falar. Assim são, também, as coisas do devachan ou céu. Ambos são reais mas de maneira oposta, mas só são reais em nosso interior, não no exterior. Procurei meu pai, Merin Numinos, e perguntei: “quanto tempo eu dormi?” Não passava de um hábito do pensamento essa pergunta, pois eu não tinha nenhum motivo para fazê-la. O fato de que no processo da morte os hábitos da mente não são extinguidos, como não é a memória dos acontecimentos da vida, foi provado por minha ação quando ouvi a resposta de meu pai: “Dormiste por vários anos.”
“Anos!” – dissestes? Para mim não foi nada surpreendente ouvir essa resposta sobre meu longo sono. Não, mas o hábito da mente que me fazia dar importância à boa apresentação de minhas vestes me fizeram olhar para meu traje para ver se não tinha se estragado com tão longo uso. A alusão aos vários anos de sono tinha atraído minha atenção e, tendo examinado minhas roupas e visto que estavam apresentáveis, continuei a olhar para elas, mas de forma distraída. Falei: “Disseste vários anos e, também, “dormiste desde que chegastes neste lugar”. Então pergunto, estive em algum outro lugar?”
Não recebendo resposta, levantei os olhos, para encontrar no rosto de meu pai uma expressão igual à de uma estátua. Obviamente ele nada sabia de qualquer estado anterior nem eu sabia mais do que ele, pela pergunta que formulara. A morte era uma coisa jamais mencionada, porque no instante em que as almas desencarnadas não conseguem mais expressar sua existência nas pessoas deixadas na terra, reconhecem que estão sofrendo a transformação chamada morte; algo que talvez as tornasse apreensivas em todos os seus dias na terra. Uma vez que a religião exotérica de então, como as de agora, só ensinava uma morte, o recém-chegado ao devachan não conhecia outra nem conjeturava sobre outra.
Por conseqüência, para uma alma desencarnada a morte era e continua sendo um conceito desconhecido. Bem, na realidade não existe morte. Nem dor ou tristeza. O devachan menor é como o devachan maior (Nirvana), um estado particularmente referido em Apocalipse XXI:4. Acontece, meu amigo, que não estou postulando um argumento; devo recusar-me a argumentar e, embora isso possa lembrar os métodos medievais, também devo recusar-me a discutir contigo.
O propósito desta história é relatar o que conheci pela experiência, e não me cabe expor idéias teóricas. Se levares alguns pequenos pontos deixados sem explicação para o santuário interior de tua alma e ali meditares neles, verás que se tornam claros para ti, como a água que mitiga tua sede. Tens ouvidos para ouvir? Então segue este conselho. Dirijo-me apenas àqueles que seguem estas páginas com o propósito do seu próprio aprendizado.
Como o recém-chegado ao devachan só se apercebe de uma mudança e de que é diferente do que foi ensinado a temer pela religião, muitas almas que entram no céu concebem no momento da morte que a morte não existe e que os ensinamentos recebidos dos sacerdotes na terra não passavam de ficções eclesiásticas. Não é que estejam muito enganados, pois não há outra morte a não ser a simples mudança do estado objetivo do ser para o subjetivo, exceto a segunda morte de que falo em minha última página.
Para ser paradoxal, a morte é diferente por não ser diferente, tanto quanto as almas possam perceber, da rápida visão da vida recém-encerrada; uma visão que todas as almas têm, mesmo que brevíssima. Isso explica por que eu não tinha apreendido a ficção chamada morte quando perguntei ao meu pai se eu não tinha estado sempre ali.
A religião ensina hoje, como o fazia naquele remoto passado, que a morte faz cessar toda a tristeza terrena. Isto só é verdade por um tempo limitado pelo período em que a alma permanece no devachan. As brumas nascidas na terra não penetram ali pelo fato de que, sendo nascidas na terra, devem necessariamente ter seu lar na terra e só influenciar os que lá se encontram. “O mal que os homens fazem a eles sobrevive.”
Sim, essa é a verdade; e, sob forma de disposição cristalizada para errar, esse mal que foi praticado espera por seu retorno à vida terrena; é a erroneamente chamada tendência “Adâmica” para pecar e, embora o pecador esteja livre de seu poder no devachan, a semente, tal como o joio no trigo, está pronta a gerar uma colheita de tristeza junto com a vida em crescimento do recém-encarnado; e até que uma boa ação expie o mal feito, esse mal continuará a crescer.
Felizmente o homem tem uma eternidade à sua frente para fazer a compensação* e, seguindo as leis de Deus e sendo fiel ao bem, seja qual for sua fonte, o joio será pouco a pouco arrancado. Uma boa ação apaga uma ação má, que é “freqüentemente enterrada com os ossos”, dessa forma completando a filosofia de Hamlet.
Em toda parte à minha volta no devachan estavam meus entes queridos. Com a aparente passagem do tempo, fui me tornando consciente da presença de meus amigos. Anzimee, Menax, Gwauxln, Ernon, Lolix sem sua sombra-, esses e milhares de outros cujo nome o leitor desconhece, estavam ali. Eles não vinham até mim; não, eles estavam comigo, tal como eu os concebia. Eles eram meus conceitos, pois eram subjetivos e não objetivos; eram meu ideais, não pessoas reais, e formavam o meu mundo.
Não me ocorreu que eles não fossem reais. Já te passou pela mente, leitor, que o mundo dos teus sentidos é o único que tens? Que se não tivesses visão, olfato, audição, paladar ou tato, não terias um mundo mesmo que tua alma estivesse aprisionada num corpo morto, embora dotado de vida vegetativa? Assim como a alma de cada homem, mulher ou criança vivente é diferente das outras almas, assim também o mundo é diferente para cada pessoa, nunca havendo dois mundos iguais*.
É o registro da alma, feito de imperecível substância mental, que constitui grande parte da vida após a morte do corpo físico; o registro se funde numa realidade e tudo parece igualmente real, tão real como quando os sentidos (físicos) combinados a percebiam antes; em verdade essa vida do além é uma vida terrena reconstituída e invertida, subjetiva em vez de objetiva. Meu suposto amigo pode ser um inimigo real, mas se eu morrer pensando nele ou nela como sendo um amigo, esse conceito será levado para a outra vida, e vice-versa.
Meus amigos todos estavam à minha volta. As coisas e lugares registrados pelos meus sentidos, eram as cenas nas quais todos esses amigos se moviam. E enquanto eu tinha esse meu mundo à minha volta, um conceito de mim existia no mundo-imagem de cada amigo que eu tivera no passado. Não que eu estivesse com eles, mas o conceito deles sobre mim estava com eles. Assim era a realidade de todos os conceitos que não estivessem emaranhados e fossem simples e facilmente assimiláveis ao serem lembrados a partir do registro astral, ou, por assim dizer, fossem como filmes da memória da alma contendo cada incidente, grande e pequeno, simples ou complexo, cada impulso e até cada atividade cerebral inconsciente. Chamo tua atenção agora para um detalhe de vasto interesse, visto que afirma o que eu aparentemente neguei, ou seja, qualquer associação real da alma no devachan com outras almas individuais.
O devachan seria um céu realmente tristonho se os amigos da vida mundana nunca passassem de “figuras de sonho”. Sonhos eles seriam, se os incidentes criados por nossas esperanças na terra, e transformados no devachan em algo real na aparência, fossem um simples fato. Mas, ao contrário, se isso fosse tão complexo que para resolver a equação se tornassem necessários os esforços conjuntos de duas almas trabalhando em harmonia, então também no devachan os resultados dessa ação complexa afetariam ambas essas almas e, durante a assimilação de seus resultados, isto é, durante a cristalização desses resultados em traços do caráter, as duas almas estariam efetivamente tão juntas quanto teriam estado na terra. Se mais que duas pessoas tivessem um envolvimento na terra, então todas essas almas se congregariam no devachan.
Quando o processo estivesse completo, viria a separação. Por isso aconteceu que num momento de experiência assimilativa todos os meus conceitos eram apenas fantasmas como as pessoas que vemos em sonhos; e no momento seguinte ficaram mais complexas, pois meus associados eram egos reais como eu. Para mim tudo isso era ignorado; tudo parecia real e talvez o fosse. Mas é agradável sentir que estamos tratando com um filho, filha, mãe, esposa ou amigo; que as conseqüências de acontecimentos mais sérios de nossa vida diária na terra nos reunirão no céu de nossas esperanças; que a esposa que abrigaste em teu coração e a quem confiaste planos elevados para a felicidade de teus entes queridos, e que para serem realizados requerem que tu e ela trabalhem nobremente e com empenho, atravessarão o abismo da morte corporal e estarão contigo ou com ela no Navazzimin.
Agradável é saber que tua mãe, teu pai ou outro amigo querido às vezes estarão em realidade contigo e que juntos lembrareis vossos múltiplos registros e vos deleitareis numa realidade aparente, o que não foi na terra mais que uma esperança nunca materializada. Ao encontrar Anzimee, que ainda vivia na terra, algumas vezes encontrei o meu conceito dela e, outras vezes, seu ser mais elevado. Como esta última possibilidade pôde ocorrer? Pelo fato de que ela tinha tantas saudades de mim que essa sua parte se desenvolveu e lhe deu condições de projetar sua alma pura ao meu plano.
Isto não só foi benéfico e agradável a ela, dando-lhe a visão de coisas invisíveis de que fala o apóstolo Paulo, mas foi também uma sagrada alegria nos encontrarmos dessa forma-, ela podia vir até mim, mas eu não podia ir até ela. Não existe retrogressão. Em comunhão com esse ideal recebi minha recompensa, pois nada aconteceu que fosse contrário ao meu desejo. Mas ao vivenciar essa recompensa, também assimilei inconscientemente o valor de minha vida anterior na terra. Assim, minha ligação com a política de Poseid me fez entrar em contato com homens e métodos, e desses contatos nasceram esquemas nos quais eu deveria ter desempenhado um papel de liderança.
Esses esquemas agora me eram trazidos ao estado subjetivo e, nessa forma, me pareceram estar em andamento. A partir dessas aparentes ações, minhas capacidades foram desenvolvidas e foram realizados testes sobre o valor de minhas concepções. Tudo isso resultou numa dedução concreta que tornou-se parte do meu ser mental, como conseqüência, numa nova encarnação eu viria à terra dotado com órgãos frenológicos com maior capacidade para lidar com questões sociais e políticas. Talvez esse poder não viesse a ser ativamente empregado, se outras tendências fossem mais fortes; não obstante, teria crescido em força e estaria pronto para ser usado em caso de necessidade.
A mesma coisa se aplicaria a todas as almas realmente associadas a mim, anteriormente na terra e posteriormente no céu: os resultados, valores e conclusões de nosso devachan contemporâneo dar-lhes-iam novos traços ou tendências mentais; ou aumentariam a força dos traços antigos, e a reencarnação nos reuniria como associados na terra uma outra vez. Isso efetivamente aconteceu, ou eu não teria escrito esta história para teu benefício, caro leitor. Minha educação como geólogo no Xioquithlon foi testada no mesmo céu subjetivo e disso resultou um acréscimo de minha capacidade geológica – em suma, um conhecimento intuitivo desse assunto e o desejo de estudá-lo novamente após reencarnar.
Nessa oportunidade, os livros serviriam para trazer à tona a tendência para a geologia que eu poderia vir a manifestar. Eu poderia continuar dando outros exemplos desse processo de resumir e organizar vivenciado por aqueles que têm a sepultura e o berço entre eles e a terra. Mas será suficiente dar a entender ao leitor que em minhas palavras está a verdade que suaviza os “Pensamentos da última e amarga hora de severa agonia, de mortalha e palio.”
Espero, meu amigo, que meu esforço em fazer a morte parecer menos aterrorizante, relatando minhas próprias experiências com ela, tenha tido bom êxito e que estas palavras te sustentem de tal maneira que possas
“Aproximar-te do túmulo como alguém que se envolve com os lençóis de seu leito e deita-se esperando deleitosos sonhos.”
Zerah Colburn, o maravilhoso menino matemático, não adquiriu seu conhecimento nas escolas desta moderna era, mas o trouxe consigo, na forma de um legado de séculos, de suas vidas passadas; seu poder latente foi apenas revelado nesta era. Não argumento contigo, meu leitor, quando dizes que, se tiveste uma vida anterior na terra, não poderias “tê-la esquecido, terias trazido suas memórias contigo”. Não, não desejo discutir.
Deixo à tua própria inteligência decidir se estou ou não certo, quando lembrares que os hábitos da vida formam-se pelas ações repetidas desde a infância, cujos detalhes desaparecem da memória. Sabendo que assim é, poderás decidir se as ações de uma vida vivida muitos séculos antes podem ser lembradas, especialmente sabendo que o intervalo entre o passado e o presente ocorreu num plano (o Devachan) diferente de existência, no qual nenhuma lembrança foi introduzida, nem o poderia ser segundo as leis de Deus. Eu sei do que falo, por experiência.
Finalmente chegou um tempo em que eu não me importava mais com a aparência da ação, nem com os conceitos de pessoas, lugares ou coisas ligadas com a atividade aparente. Passei principalmente a me preocupar em permanecer num ponto tranqüilo e ouvir Anzimee, a real Anzimee e não o seu conceito, quando ela lia para mim ou falava comigo. Eu também dormia muito. Certa manhã não levantei, pois me faltou vontade. Não estava doente, pois nunca ninguém esteve doente no devachan.
Contudo, tinha perdido todo o desejo de ver ou ouvir o que fosse. O que eu sentia era langor, não desânimo. Então virei-me novamente para a parede e voltei a adormecer. Essa foi a última ocorrência do último capítulo de um longo descanso da vida que, embora eu não o soubesse então, tinha durado doze mil anos contados pelas ações dos homens na terra.
A morte nunca surgiu naquele lar da alma, pois meus conceitos não tinham morrido, apenas desapareceram das vistas de seu criador. Nem as almas reais dos homens e mulheres morreram. Mas quando voltaram, uma por uma, ao despertar retributivo do berço, suas vidas no céu continuaram associadas à minha, desde que não tivessem ido para algum outro lugar do devachan, como vizinhos se separam e ficam a um mundo de distância e depois desaparecem, como meus conceitos desapareceram após eu ter assimilado sua valia.
Elas desapareceram porque todos os atos da vida anterior na terra (como Zailm em Atlântida) tinham se cristalizado na forma de traços do caráter e estavam prontas para novamente encarnar. Só eu podia estar consciente de minha própria mudança; não podia estar consciente da mudança delas. Eu estava pronto para uma nova atividade. Dormi e nesse sono morri para aquela vida de passividade e acordei novamente na Terra, dentro de um corpo na forma de um recém-nascido em seu berço. Nasci para ver o meu Mestre nesta nova vida e penetrar no Grande Repouso com ele!
OBS.: Mas virá alguém depois de mim que te dirá muito mais sobre a Grande Profundeza da Vida do que eu. Aguarde as palavras dele. O Autor.
FIM
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