Nos quatro anos que se seguiram ao meu estranho encontro com o homem alto e ereto, de cabelos brancos, que havia profetizado acontecimentos a mim ligados, estes se sucederam em harmonia com sua predição. Nunca mais nos havíamos visto, a não ser uma vez, antes de minha morte. Antes de continuar, devo lembrar e em seguida tirar de cena meus sócios na mina de ouro e o homem que comprou o ouro sabendo que esse ato era ilegal.
Vários meses tinham se passado desde minha entrevista com o Rai Gwauxln em seus aposentos particulares, quando um jovem usando um turbante de cor laranja com um alfinete de ouro e uma granada nele engastada, o que o distinguia como um guarda do serviço imperial, entrou na sala de geologia do Xioquithlon e, dirigindo-se ao instrutor-chefe, falou com ele em voz baixa. Batendo na mesa para chamar a atenção dos noventa ou mais alunos que assistiam à aula sobre minerais, o chefe perguntou se um Xioquene de nome Zailm Numinos estava presente.
Levantei em resposta à pergunta, apresentando-me. “Vem até aqui.” Os outros Xioquene observaram com interesse quando me dirigi à frente da sala, não sem alguma agitação pois eu sabia muito bem qual serviço era representado pelo mensageiro, e o instrutor falara num tom severo nada agradável. “Este mensageiro deseja que o acompanhes à presença do Rai, pois este assim ordenou. Ele está nas Tribunas da Corte Criminal e precisa de ti como testemunha.” Lembrando o que o Rai havia dito, fiquei mais confiante pela importância das palavras a mim dirigidas e, já não estando tão apreensivo, fiz o que pediam. Chegando à Corte dos Tribunos, vi meus sócios na mina de ouro ali, sob custódia, junto com o comprador do ouro que também havia sido indiciado.
O juiz estava sentado no divã judicial em sua plataforma elevada e ao seu lado estava sentado, com simples dignidade, o Rai Gwauxln, Rai (o rei) da maior nação da Terra de então, apesar de sua posição, ele observava respeitosamente o feito de que o juiz tinha a precedência enquanto na corte. Vários espectadores estavam sentados nos assentos providenciados para o público no auditório. Só podia ser dado um veredito relativo aos contraventores: “Culpados”. Esta decisão foi tomada rapidamente e os réus admitiram esse fato. Imediatamente um dos funcionários judiciais levou os prisioneiros a outra parte do edifício onde havia um aposento bem iluminado, aparelhado com vários instrumentos portáteis e fixos. Ele foi acompanhado por todos os presentes.
Uma cadeira com encosto para a cabeça, com presilhas, e outros encostos com presilhas e tiras de couro para prender os membros e o corpo do ocupante estava no centro da sala. Um guarda fez sentar um dos prisioneiros e prendeu-o firmemente na cadeira. Tendo sido tomada essa medida preliminar, um Xioqa se aproximou, trazendo nas mãos um pequeno instrumento que percebi ser de natureza magnética, por sua aparência. Ele colocou os dois pólos do mesmo nas mãos do homem condenado e, após uma breve manipulação, ouviu-se um som leve e ronronante. No mesmo instante os olhos do prisioneiro se fecharam e sua aparência denotou um profundo estupor.
Na realidade, ele fora magneticamente anestesiado. Então o operador apalpou cuidadosamente todo o crânio do homem inconsciente; concluído o exame, ordenou ao seu atendente que raspasse todo o cabelo. Quando essa ordem tinha sido cumprida, ele fez uma marca azul na superfície raspada, na frente e acima das orelhas. Continuando a apalpar, escreveu o numeral poseidano 2, acima e um pouco atrás de cada orelha. Feito isso, voltou a atenção para os espectadores mas, ouvindo as palavras do Rai Gwauxln, fez uma pausa antes do discurso que se propusera fazer aos presentes e me chamou para o seu lado, para onde me dirigi, deixando o local onde estava, além da grade. Então ele falou:
“Neste prisioneiro, verifiquei que as faculdades dominantes e mais positivas são as que marquei um e dois; o número um é um ambicioso desejo de ter propriedades, e sua disposição é fazer todas as coisas secretamente, como se pode ver pela proeminência excessiva dos órgãos do sigilo. Como o crânio não se alongasse muito para cima, mas é bastante largo entre as orelhas, no número dois, concluo que temos aqui um indivíduo muito ganancioso a quem faltam consciência e espiritualidade e, por conseqüência, uma natureza moral, quase que totalmente. Como ele também possui um temperamento muito destrutivo, temos aqui uma pessoa muito perigosa e me surpreende que ainda não tenha vindo a este lugar para ser corrigido.
Por que alguém hesitaria em se submeter a um tratamento corretivo voluntário, causa-me estranheza. Suponho que seja algo explicável pela teoria de que alguém que esteja no baixo plano moral deste pobre homem é incapaz de perceber a vantagem de se encontrar num plano superior, mas é capaz de ver as vantagens imediatas de seguir métodos execrâveis para atingir seus objetivos. Em resumo, trata-se de um homem que não hesitaria em cometer um assassinato se isso lhe desse um ganho imediato, sem ter ideia das conseqüências futuras de seu ato. Isto é verdade, Zo Rai?” “Sim”, respondeu o Rai. “Tendo meu diagnóstico deste caso”, continuou o Xioqa, “sido confirmado por tão alta autoridade, farei a aplicação da cura”.
Ele chamou um atendente, que se aproximou com outro aparelho magnético sobre rodas, contido numa pesada caixa de metal, tendo colocado o mesmo em atividade de forma satisfatória. O Xioqa aplicou seu pólo positivo no ponto marcado pelo número um na cabeça do prisioneiro e o outro pólo na nuca. Então pegou seu marcador de tempo e colocou-o sobre a caixa de metal do instrumento, perto de um dial cujo ponteiro ele ajustou. Houve silêncio geral, a não ser por conversas em voz muito baixa em várias partes da sala, durante a meia hora seguinte. Ao fim desse período o Xioqa se levantou de sua cadeira e mudou o pólo positivo para o lado oposto da cabeça do réu, onde estava a duplicata do número um.
Houve outra meia hora de espera silenciosa, só interrompida pela saída de alguns espectadores e entrada de outros. Quando a segunda meia hora passou, o operador passou o pólo para o local marcado “dois”. Desta vez só meia hora foi dada para os dois lados da cabeça. O imperador tinha me ordenado que ficasse na sala. Ele só havia ficado alguns instantes após o início da operação que não tinha novidades para ele. Ao final da sessão com o primeiro homem, este foi tirado da anestesia pela influência do aparelho magnético, cuja operação foi invertida numa segunda aplicação. O Xioqa fez uma preleção sobre o tema da operação enquanto o primeiro paciente era removido do local. Ele disse o seguinte ao grupo de espectadores que tinha aumentado bastante:
“Vistes o tratamento das qualidades mentais que tendiam, por sua proeminência, a distorcer sua natureza moral apenas parcialmente desenvolvida. O processo consistiu em atrofiar parcialmente os canais vasculares que irrigam a parte do cérebro onde se localizam os órgãos da ganância e da destruição. Mas dito isso, deveis observar que a alma é superior ao cérebro físico e é na alma, na natureza do homem, que residem essas tendências criminosas (sendo o cérebro e outros órgãos apenas a sede da expressão psíquica) – o escritório administrativo, por assim dizer. Portanto, a mera hipnotização desse homem não cumpriria nosso propósito.
No estado hipnótico há uma atração para dentro, e os vasos sangüíneos do cérebro se contraem e ficam parcialmente sem sangue; podem, inclusive, tornar-se fatalmente esvaziados. Esta arte é verdadeiramente muito perigosa. Mas o efeito oposto é produzido no afaísmo (o equivalente poseidano de “mesmerismo”). O cérebro fica cheio de sangue e a reversão do instrumento inicia o processo (hipnótico) afáico. Nesse momento a mente do operador pode assumir o controle da mente do paciente e sugerir à alma pecadora uma permanente cessação do pecado. Este homem foi tratado dessa forma, duplamente, porque o suprimento de sangue foi parcialmente interrompido para os órgãos que sediam sua fraqueza, mas também, através de minha vontade, comuniquei à alma que deixasse de errar e incumbi-a de executar um trabalho que terá uma ação contrária.
Ele poderá se sentir adoentado por alguns dias, mas suas tendências pecaminosas terão desaparecido. É preciso uma mente superior, que tenha cometido erros de diferentes espécies, para termos um malfeitor bem-sucedido, e onde estiver a natureza mais baixa, principalmente uma natureza sexual pervertida, estará o criminoso. Na Atlântida ele não tem saída, pois, se uma pessoa denota essa disposição, o Estado a toma pela mão e age sobre os órgãos pertinentes. Mas creio que não é necessário que eu me alongue mais sobre este assunto.” Tendo o primeiro homem sido levado para receber cuidados, o segundo dos meus sócios foi colocado na cadeira.
O exame do desenvolvimento cerebral revelou que ele era mais um fraco que um malvado: um prevaricador habitual e com tendências libertinas; tinha um crânio que estava colocado principalmente para trás e para cima das orelhas. Não acho necessário descrever seu tratamento, que seguiu as mesmas linhas do anterior; a sugestão (hipnótica) mesmérica foi o principal método de cura. Ao voltar para casa aquela tarde, decidi acrescentar a ciência da frenologia profilática ao meu currículo. E assim fiz.
Pela prática do conhecimento dos homens, que então eu adquiri, eu interferi com o carma de não poucos indivíduos, mas, como o resultado provou, a interferência não foi em nenhum, prejudicial, de modo que eu não tenho para responder por nenhum dano provocado. De vez em quando eu desejei que eu mesmo tivesse me submetido para tratamento nas mãos do Estado, por que se isso tivesse sido feito, no mínimo, eu teria evitado o cometimento de erros que causaram muita miséria mais tarde, para mim, e para os outros, por mim provocado.
Que eu não o tivesse feito, foi assim, melhor, mas também porque ninguém pode de qualquer forma que seja, fugir das suas próprias responsabilidades com seu personagem, com o carma de todas as suas encarnações anteriores. Pois ter assim eu mesmo me submetido à correção teria sido uma evasão do calvário (do carma e consequente aprendizado) que me esperava, uma espécie de tentativa covarde semelhante ao ato de um suicida que procura evitar problemas na terra praticando o suicídio, e que em cada vida assim terminada não se escapa de nada, nem um jota ou til da lei de Deus. Em vez disso, ele acumula suas montanhas de misérias e penalidades mais alto e prolonga através do karma inexorável, em mais outras encarnações terrenas, a sua própria angústia.
Assim é com os que morrem pela auto-destruição (suicídio); mas aqueles que morrem por causas inevitáveis involuntariamente, não são visitados por essas sanções. Então, os culpados Poseidanos que não poderiam evitar o tratamento foram sabiamente beneficiados, enquanto que para mim a submissão voluntária teria semeado dentes de dragão para o meu caminho futuro. As penalidades, aos que observam a Lei, não preocupam aqueles que a conhecem e, assim sabendo, se submetem à vontade de Deus, a aceitam, enfrentam e aprendem com o seu próprio carma.
CAPÍTULO 10 - REALIZAÇÃO
O governo estava acostumado a fiscalizar sistematicamente os mais proeminentes Xioqueni (estudantes) a quem concedia bolsas de estudo, mas a supervisão não era ostensiva; na verdade mal era percebida pelos que estavam sob sua paternal vigilância. Aqueles que além de serem inteligentes e estudiosos, aproximavam-se do final do seu termo colegial, eram admitidos às sessões do Conselho dos Noventa que não fossem de caráter executivo ou secreto. Havia alguns Xioqueni favoritos especiais que, mediante votos estritos, não eram excluídos de qualquer reunião dos conselheiros. Nenhum dos muitos milhares de estudantes deixava de dar valor ao menor «desses privilégios, pois além da honra que eles conferiam, as lições sobre a arte de governar que eles aprendiam representavam uma incalculável vantagem em sua formação.
Na segunda metade de meu quarto ano de freqüência à escola, procurou-me um certo Príncipe Menax que desejava saber se eu aceitaria o cargo de Secretário dos Registros, o qual me daria a oportunidade de me familiarizar com todos os detalhes do governo de Poseid. Ele assim falou: “Este é um privilégio verdadeiramente importante, que estou feliz em te oferecer porque tens capacidade de desempenhá-lo de modo a satisfazer o conselho. Esse cargo te colocará em estreito contato com o Rai e todos os príncipes, e também te dará certo grau de autoridade. Que me respondes?”
“Príncipe Menax, estou ciente de que esta é uma grande honra. Mas permite-me perguntar por que ofereces tão grande oportunidade a alguém que se considera um quase completo estranho para ti?” “Porque, Zailm Numinos, decidi que és digno e agora te dou ocasião para provar isso. Não és desconhecido para mim, embora eu o seja para ti; tenho confiança em ti; não queres me provar que essa confiança está bem fundamentada?” “Certamente.” “Pois então ergue tua mão direita para o fulgurante Incal e por esse símbolo sublime declara que em caso algum revelarás coisa alguma que se passe nas sessões secretas, e nenhum dos atos acontecidos no Salão Nobre das Leis.”
Fiz o voto e, ao fazê-lo, fiquei obrigado por um juramento inviolável aos olhos de todos os poseidanos. Dessa forma tornei-me um dos sete secretários não eleitos e não oficiais, que eram incumbidos de escrever os relatórios especiais e cuidar de muitos documentos de estado importantes. Certamente não era pequena essa distinção conferida a um dentre nove mil
Xioqueni, um homem ainda sem direito a voto numa nação de cerca de trezentos milhões de habitantes. Se por algum motivo eu pudesse atribuir esse fato ao meu mérito, nem por isso me consideraria melhor que cem dos meus colegas. O oferecimento se deveu em grande parte à minha popularidade pessoal junto aos poderosos, uma popularidade, entretanto, que eu não teria se não tivesse demonstrado em todos os campos a mesma sólida determinação que havia regido minhas ações no solitário pico do (Pitak) Rhok, a grande montanha.
O Príncipe Menax continuou, dizendo: “Gostaria de ver-te esta noite no meu palácio, se te for conveniente, pois tenho algumas coisas para te dizer. Agradar-me-ia provar teu erro em acreditar que me és desconhecido, apenas porque és um entre os muitos estudantes Xioqueni, cada um deles perseguindo igualmente o conhecimento. Partiu de mim e não do teu Xioql (preceptor-chefe), como imaginaste, o convite para assistires às sessões do conselho ordinário. Os Astiki (príncipes de estado) estão sempre muito interessados nos Xioqueni de maior mérito; por isso tantos pequenos deveres te foram dados a cumprir. Mas nada mais direi agora, para não atrapalhar tuas aulas. Lembra-te da hora marcada, a oitava.”
Menax exercia o mais alto cargo ministerial de todos os Astiki, pois era o primeiro-ministro e, como tal, principal consultor do Rai. Minha autoestima aumentou quando percebi que era contemplado com tão elevado favorecimento, mas isso me encheu de gratidão e não de convencimento. Tratava-se realmente de auto-estima, não de vaidade. Embora aquela não fosse minha primeira visita ao palácio desse príncipe, de forma alguma eu poderia dizer que estava familiarizado com o interior de seu astikithlon. Enrolando o meu melhor turbante verde em volta da cabeça e fechando-o com um alfinete que trazia uma pedra de quartzo cinzento com veios verdes como azinhavre nele engastada, o que denotava minha categoria social, entrei no naim e chamei um vailx citadino, como chamarias um taci.
O veículo logo chegou; embora pequeno, era amplo o bastante para acomodar dois, três e até quatro passageiros. Dando boa noite à minha mãe, logo me pus a caminho. O condutor me deixou sossegado e eu fiquei ouvindo a furiosa arremetida das torrentes de chuva que faziam a noite inclemente ao extremo. O palácio de Menax não ficava distante do cais interior do canal, no ponto mais próximo entre este e minha casa suburbana. A distância era de dez milhas e por isto a viagem aérea de lá até o canal durou o mesmo tempo que durou para o vailx encostar no amplo piso de mármore da estação, arrastando um pouco o fundo, anunciando assim a sua chegada.
Um sentinela se aproximou para saber o que eu queria e, tendo sido atendido, chamou um servidor para me escoltar até onde estava o príncipe Menax. Vários funcionários categorizados do séquito do príncipe estavam no grande aposento, laboriosamente ocupados em fazer nada em particular, ocupação na qual estavam sendo auxiliados por várias damas que residiam no palácio. O Príncipe Menax estava deitado num diva colocado na frente de uma grade cheia de pedaços de alguma substância refratária aquecida pela força universal.
No tempo que levou para o atendente me conduzir à presença do príncipe e anunciar minha chegada, tive oportunidade de notar um grupo de funcionários e senhoras reunidos no espaço ao redor de uma mulher de tão grande graça e beleza que nem sua evidente tristeza e aflição nem a distância entre a entrada e o canto onde ela estava sentada conseguiram ocultá-la completamente. Suas roupas, suas feições e sua tez mostravam que ela não era filha de Poseid, pois não tinha os olhos e cabelos escuros, e a pele clara mas distintamente acobreada. Aquela mulher triste e aflita era ao contrário disso tudo, pelo que minha rápida vista de olhos pôde discernir na distância que nos separava.
O príncipe Menax disse, saudando-me: “Sê bem-vindo. Senta-te. A noite está tempestuosa mas eu te conheço bem. Como prometeste vir, viestes.” Ele ficou em silêncio por algum tempo, olhando fixamente para a grelha que ardia, e então perguntou: “Zailm, tu participarás na competição em Xio nos nove dias reservados para o exame anual dos Xioqueni?” “Tenho essa intenção, meu Astika.” “Tens o direito de adiar o exame até o último ano do seu termo.” “É assim para todos os Xioqueni?” “Aprovo enfaticamente tua determinação. Eu mesmo agi assim, quando era estudante. Espero que sejas aprovado, para que te alegres com teu êxito, embora isso não diminua o número de teus anos de estudo. Mas o que acontecerá após o exame?
Terás um mês para fazer o que tiveres vontade. Quisera eu ter trinta e três dias de descanso dos meus deveres!” Menax fez uma pausa meditativa e continuou: “Zailm, tens algum plano especial para estas férias?” “Nenhum, meu príncipe.” “Nenhum. . . Muito bem. Agradar-te-ia me prestar um serviço, indo para um país distante para fazer-me esta gentileza? Após completares esse rápido dever, poderás ficar lá pelo tempo que quiseres, ou ir para onde a fantasia te chame.” Não vi razão para me negar a fazer o que ele queria, e como o serviço solicitado me levou a uma terra até aqui só de passagem mencionada, considero justificado prefaciar meu relato sobre aquela longínqua viagem com uma descrição de Suernis, hoje chamada como ÍNDIA, e de Necropan ou hoje o EGITO, as mais civilizadas nações que não estavam sob a supremacia E O GOVERNO de Poseid.
Quando as nações tentam tornar a religião absolutamente dominante em seus assuntos, o resultado não pode deixar de ser marcado pelo desastre. A política teocrática dos israelitas é uma ilustração disso e, como o leitor deve ter percebido há muito, Suernis (ÍNDIA) e Necropan (EGITO) foram exemplos ainda mais antigos na história do mundo. A razão disso não é a de que a religião seja um fracasso; a força deste registro de minha vida deve transmitir a verdade de que julgo nada haver de melhor do que a religião pura, sem máculas. Não, a razão por que uma teocracia bem-sucedida não pode durar é que a atenção de seus dirigentes deve ser dada às coisas espirituais para que o espiritual tenha êxito, e as coisas do Reino de Deus nunca podem ser as coisas da terra. Pelo menos não até que o homem esteja totalmente desenvolvido em seu sexto ou o princípio psíquico e tenha se purificado de toda mancha de animalidade, pelo fogo do Espírito.
Suernis e Necropan tinham uma civilização que hoje percebo ter sido tão adiantada quanto a nossa, embora diferente. Mas, porque não tinha quase nenhum ponto em comum com a de Poseid, o povo deste país a considerava com certo desprezo quando a ela se referia entre seus iguais. Entretanto, os poseidanos eram muito respeitosos em seus contatos com aqueles povos, por razões que ficarão claras no decorrer da narrativa.
As diferenças entre essas duas civilizações contemporâneas se encontravam no fato de que Poseid tendia para o cultivo das artes mecânicas (desenvolvimento e endeusamento da TECNOLOGIA), para as ciências ligadas às coisas materiais, e se contentava em aceitar sem questionamento a religião de seus ancestrais, enquanto que os suernis e necropanos davam grande importância a tudo que fosse oculto e tivesse significação religiosa – princípios verdadeiramente práticos, pois as leis ocultas têm influência sobre a materialidade – mas descuidavam-se dos assuntos materiais, salvo quanto à adequada manutenção da existência física.
Sua regra de vida estava resumida no princípio de não tomar grande conhecimento da existência presente e preocupar-se com o futuro. O princípio vital de Poseid era estender seu domínio sobre todas as coisas naturais (e se possível sobre todo o planeta). Havia os que filosofavam a respeito do espírito; eram os teóricos poseidanos, que desenhavam o quadro do destino da Atlântida. Eles apontavam para o fato de que nossos esplêndidos triunfos materiais, nossas artes, ciências e progresso, dependiam absolutamente da utilização do poder oculto extraído do Lado-Noite (feminino) da Natureza. Este fato era comparado com a verdade de que os misteriosos poderes dos suernis e necropanos deviam sua existência ao mesmo reino oculto, concluindo que com o tempo também daríamos menos importância ao progresso material e empregaríamos nossa energia em estudos ocultos.
Seus presságios (sobe o futuro de Atlântida-Poseid), por conseguinte, eram extremamente sombrios; mas, embora o povo os ouvisse com respeito, a incapacidade desses profetas para sugerir uma solução os tornava objeto de um secreto desprezo, a algum grau. Qualquer um que encontre defeitos no estado de coisas existente e se mostre obviamente incapaz de oferecer um substitutivo superior, não pode deixar de ser publicamente ridicularizado. Nós, poseidanos, sabíamos que as duas misteriosas nações de além-mar possuíam capacidades que virtualmente superava de longe nossas realizações, como o nosso poder de navegar pelo espaço aéreo e nas profundezas das águas, nossos velozes carros, nossas embarcações submarinas.
Não, eles não se jactavam de tais conveniências, pois não precisavam delas para levar adiante sua existência, não tendo o desejo, como supúnhamos, de terem tais aparelhos, talvez nosso desprezo fosse mais uma afetação que uma realidade, pois em nossos momentos de pensar mais sobriamente nós reconhecíamos sua supremacia com grande admiração. Mas com quem falaríamos, quem veríamos e ouviríamos, sendo vistos e ouvidos, no desejo de nos comunicarmos a qualquer distância e sem fios, por meio das correntes magnéticas do globo? Verdadeiramente, nunca conhecemos a dor da separação de nossos amigos; podíamos atender as demandas do comércio e transportar nossos exércitos em tempo de guerra em um dia para qualquer lugar do mundo, tudo isso enquanto nossos dispositivos mecânicos e elétricos estivessem disponíveis.
Mas de que valia toda essa esplêndida capacidade? Se um dos mais competentes Xioqueni fosse encerrado numa masmorra, todo o seu conhecimento seria nulo; privado de todos os implementos e meios costumeiros, ele não poderia ter a esperança de ver, ouvir ou escapar sem ajuda externa. Suas maravilhosas capacidades dependiam das criações de sua inteligência. Não era assim no caso dos suernis e necropanos. Nenhum poseidano saberia a maneira de aprisionar qualquer desses cidadãos. Se um suerni ou necropano fosse encerrado numa masmorra, simplesmente se levantaria e iria embora como Paulo de Tarso; podia ver e ouvir a qualquer distância, sem o naim (telefone); andar entre inimigos sem ser visto. De que valiam então nossos triunfos tecnológicos diante desses poderosos suernis e necropanos?
Que utilidade teriam nossos instrumentos de guerra contra esse tipo de povo, se um só de seus homens, olhando com olhos em que queimava a terrível luz do poder da vontade e usando contra nós as forças invisíveis do Lado- Noite (feminino da Natureza), poderia nos destruir como o faz o hálito ardente do fogo com as folhas verdes num campo incendiado? Nossos mísseis teriam alguma utilidade nesse caso? Se a pessoa contra quem fossem atirados poderia impedir seu trajeto rápido como um raio, fazendo-os cair a seus pés como a lanugem do cardo? E os explosivos mais poderosos que a nitroglicerina, atirados do céu de vailxes planando várias milhas acima no domo azul do firmamento? Seriam inúteis, pois o inimigo, com seu presciente olhar e perfeito controle de forças do Lado-Noite que desconhecíamos, poderia deter o petardo em sua queda e, ao invés de sofrer danos, poderia aniquilar a aeronave vailx e toda a sua tripulação.
A criança que já se queimou teme o fogo, pois em tempos passados tínhamos tentado conquistar aquelas nações, com desastroso fracasso (n.t. Fato histórico narrado no épico Ramayana, que narra um conflito entre Suerni (ÍNDIA) e Atlântida). Eles só se preocuparam em repelir nossos ataques, e tendo sido vitoriosos, deixaram-nos partir em paz. (Foram os anos se transformando em séculos e milênios, e a nossa atitude também se tornou apenas defensiva, deixando de ser ofensiva e, por causa dessa mudança de comportamento por parte de Poseid, desenvolveram-se relações amigáveis entre as três nações.
A Atlântida tinha finalmente aprendido uma boa parte do segredo do uso de forças magnéticas para destruir inimigos, dispensando mísseis, projéteis e explosivos como meios de defesa. Ainda assim, o conhecimento de Suerni (ÍNDIA) continuava a ser muito superior. Superior porque nossas armas magnéticas só espalhavam a morte numa área restrita, próxima ao operador; as deles atingiam qualquer ponto desejado por eles, por mais longínquo que fosse. Nossas armas destruíam indiscriminadamente todas as coisas existentes no alvo – inanimadas e animadas – todas as pessoas, amigas ou inimigas; animais e árvores, tudo ficava condenado. O poder das armas deles era controlado, atingindo o âmago da força oponente, e não destruía vidas desnecessariamente; aliás, não causava danos ao inimigo em geral, só aos OFICIAIS, GENERAIS e GOVERNANTES do lado contrário.
Eu havia tomado conhecimento desses fatos relativos aos suernis muito tempo antes. O Príncipe Menax tinha me pedido para cumprir uma missão junto àquele povo. Eu nunca tinha visitado Suerni e, como tinha o desejo de fazê-lo, fiquei satisfeito porque esse desejo seria gratificado. Após consentir em atender o pedido, perguntei ao príncipe qual seria a missão com as seguintes palavras: “Se o Astika disser a este filho o que deseja, satisfará sua crescente curiosidade”. “Eu o farei”, respondeu o príncipe. “Quero mandar um presente ao Rai de Suerni como retribuição de certas dádivas enviadas por ele ao Rai Gwauxln.
Embora tenhamos poucas dúvidas de que essas dádivas foram enviadas para nos induzir a aceitar cento e quarenta mulheres, prisioneiras do Rai Ernon de Suern, não podemos aceitar que eles de certa forma nos imponham uma espécie de suborno; embora as mulheres possam receber permissão para ficar ou ir para onde quiserem a não ser para onde os suernis as proíbam, decidimos considerar as jóias e o ouro que eles nos deram como um presente, e retribuí-lo adequadamente. Assim resolveu o conselho em assembléia. Parece que essas mulheres são membros de certas poderosas forças de imprudentes invasores cujo país se encontra a oeste de Suern. Esses grupos insensatamente guerrearam contra a terrível Suern.
Eles nunca tinham experimentado, nem visto outros experimentarem, a ira e o PODER com que Incal reveste Seus filhos de Suern, uma ira que devasta os inimigos como a foice sega o trigo. Ora, Ernon tem um país fértil, e esses selvagens ignorantes ambicionavam possuí-lo, e por isso declararam guerra a Ernon. A isso Ernon respondeu que não aceitava; que aqueles que o atacassem com arcos e viessem vestidos de couraças seriam enfrentados por ele e muito se arrependeriam, visto que Jeohvah como os Suerni preferiam chamar Aquele que denominamos Incal, o protegeria e ao povo de Suern, sem luta e sem derramamento de sangue. Diante disso os bárbaros responderam com linguagem arrogante, declarando que invadiriam aquela terra e destruiriam seu povo pela espada.
Então eles reuniram um grande exército, de muitos milhares de combatentes e acompanhantes, os quais, liderados por um destemido Astiki (Príncipe), arremeteram para o leste vindos pelo sul, para devastar o reino de Suern. Mas espera – há alguém nesta sala que sem dúvida poderá te dizer mais e melhor do que eu. Mailzis!” – disse ele ao seu criado particular – “traz à minha presença aquela estrangeira de pele clara”. Mailzis obedeceu e a estrangeira que eu tinha visto ao entrar no salão do príncipe levantou-se com uma atitude leve e graciosa que despertou minha admiração. Alisando a roupa calmamente, sem absolutamente se comportar como alguém que obedece a ordem de um superior, aproximou-se de Menax.
Levantando-se com deferência, o príncipe disse: “Senhora, farieis a gentileza de repetir o que narraste ao meu soberano? Sei que tua história é muitíssimo interessante”. Enquanto ouvia essas observações a estrangeira não olhou para o príncipe e sim para mim. Seus olhos tinham se fixado em meu rosto, não ousadamente mas com profunda atenção, embora sem ter consciência da fixidez de seu olhar. Seja como for, havia nele um tão grande poder magnético que tive de desviar os olhos, estranhamente intimidado, sentindo que continuava a ser observado a despeito disso. Ocorreu-me que ter respondido na língua poseidana indicava que ela possuía uma boa educação.
“Se te for agradável, Astika, que eu o faça, então será agradável para mim também”, disse ela. “Terei prazer em repetir a história para o jovem a quem tratas com favor. Entretanto preferiria que tua jovem filha não permanecesse aqui” – disse ela a meia-voz, com um olhar de antagonismo para Anzimee que estava sentada perto de nós, aparentemente ocupada em ler um livro, mas sem fazê-lo realmente, em minha opinião. O laivo de ciúme na voz da estrangeira não foi percebido por Menax, mas o foi por Anzimee, que se levantou e deixou o salão.
Desgostou-me esse ato e me ressenti do que o causara, o que a Saldu (n.t. da tribo Saldeia, que mais tarde na história humana seria conhecida como Caldeus) percebeu de imediato, mordendo o lábio, vexada. “Não deve ser agradável ficar de pé; senta-te aqui à minha direita e tu, Zailm, muda de lugar e senta à minha esquerda”, disse Menax, voltando a se acomodar no divã. Quando todos estavam devidamente sentados, mostramo-nos prontos para ouvir a narrativa. Nesse momento Mailzis, o criado, aproximou-se respeitosamente e, quando perguntado sobre o que desejava, disse: “É da vontade de teus oficiais e das senhoras do astikithlon também ouvir o relato.”
“Concedido; podes também conduzir o naim até aqui, perto de nós, para que o escriba dos Registros anote tudo.” Tendo recebido permissão, os peticionários logo estavam acomodados à nossa volta, alguns em assentos baixos e os mais altos oficiais que tinham mais familiaridade com o príncipe se estenderam de lado, apoiando-se no cotovelo, nos ricos tapetes de veludo que cobriam o chão, na frente de Menax. (…)
Atlântida – Um Habitante de Dois Planetas
Livro: “Um Habitante de Dois Planetas”, de Philos, o Tibetano – Livro Primeiro, CAPITULO XI – Narração da Princesa Lolix sobre uma demonstração de poder ESPIRITUAL Mágico em Suern (Índia pré dilúvio)
CAPITULO 11- O RELATO da Princesa Lolix
“Mailzis”, disse o príncipe, “sirva-nos vinho com especiarias”- Enquanto apreciávamos a refrescante bebida, que não era fermentada, passamos a ouvir a emocionante narrativa que se segue: “Creio que tendes conhecimento de meu país natal, visto que fazeis comércio com a nação Sald (n.t. o povo SALDEU, que muito mais tarde se chamariam Caldeus, depois do Dilúvio, quando se mudaram para a Mesopotâmia). Deveis igualmente ter sido informados a respeito do grande exército enviado por nosso governante contra a terrível Suern. Ah! Como sabíamos pouco sobre aquele povo!” -exclamou a bela mulher, apertando as pequenas e delicadas mãos numa agonia de aterrorizada retrospecção.
“Cento e sessenta mil guerreiros tinha meu pai sob seu comando. Metade desse número era formado por acompanhantes. Nossa cavalaria era o nosso orgulho, com seus veteranos experimentados e tão sedentos de sangue! Eram esplêndidas as nossas armas, cintilantes espadas e lanças. . . Oh, era um maravilhoso conjunto de bravos homens!” Diante dessa exaltação a armas tão primitivas os ouvintes não conseguiram reprimir um sorriso. Por um momento isto pareceu desconcertar a princesa, mas não por muito tempo, pois ela continuou: “Dessa poderosa e esplêndida maneira – ah, como eu amo o poder! -avançamos saqueando tudo pelo caminho que nos levava à cidade de Suern.
Quando chegamos perto, depois de muitos dias, não pudemos vê-la, pois se encontrava numa parte baixa da região. Não obstante, estávamos seguros de obter uma vitória fácil, pois alguns prisioneiros que havíamos feito nos informaram que Suern não tinha muralhas nem defesas semelhantes, e que nenhum exército se reuniria para nos combater. Efetivamente, em parte alguma tínhamos visto cidades muradas no país de Suern, nem havíamos encontrado resistência; por isso não derramáramos sangue, contentando-nos em torturar os cativos para nos divertirmos, libertando-os em seguida.” “Que horror!” – murmurou Menax entre dentes. “Bárbaros sem coração!” “Que dissestes, meu senhor?” – perguntou imediatamente a jovem. “Nada, senhora, nada! Apenas pensei alto na esplêndida marcha das hostes de Sald.”
Embora parecesse duvidar um pouco da exatidão dessas palavras, a Saldu continuou seu relato. “Tendo chegado a Suern, como eu estava dizendo, detivemos nossa marcha à beira de um desfiladeiro pouco profundo mas bastante largo, onde o Rai de Suern, pouco sábio e pouco belicoso, tinha construído sua capital, e assim mandamos um mensageiro oferecendo-lhe condições de guerra favoráveis. Como resposta, veio até nós um velho desarmado e sozinho, acompanhando nosso mensageiro. Ele era alto, ereto e tinha um porte tão cheio de dignidade que dava prazer contemplá-lo. Em verdade, ele pareceria o próprio poder encarnado! Eu deveria odiá-lo, mas não pude deixar de amá-lo! Se ele fosse mais jovem, eu o cortejaria para fazer dele meu companheiro.”
Diante dessa inesperada observação olhamos com espanto e outras emoções para a narradora, e ouvimos Menax perguntar: “Astiku, estou ouvindo bem? Cortejar um homem? É costume de teu povo permitir que a mulher tome a iniciativa? Pensei ser versado nos costumes de todas as nações antigas e modernas, mas desconhecia este fato. Entretanto, é de se esperar coisas estranhas de. . . bem, de uma raça que só tem números para ser reconhecida por um povo como o de Poseid.” Ela retrucou, “Por que não ser franco, Zo Astika? Por que não dizer o que pensas, que nações civilizadas como a tua consideram uma raça como a Saldu inferior a ponto de seus costumes serem desconhecidos para ti?”
O Príncipe Menax corou fortemente com envergonhado embaraço, pois não estava acostumado a prevaricações, e replicou: “Admito que a franqueza é melhor, mas não queria ferir teus sentimentos, Astika.” Com uma risada musical, divertida, a Astiki disse: “Zo Astika, permita-me dizer que em Sald ambos os sexos têm liberdade para cortejar seu escolhido ou escolhida. Por que não? Julgo sensato, penso. Seguirei nosso costume nesse sentido quando tiver oportunidade. Meu escolhido deverá agradar a vista e ter a coragem do leão do deserto -, sim, do deserto de onde veio o grande leão, no continente de Suernota. Sim, eu o farei se a oportunidade surgir” – reiterou a jovem com um pequeno suspiro.
Por fim ela retomou o fio da história, com voz desanimada e triste.- “O Astika meu pai, chefe de nossos exércitos, disse ao garboso velho: “Que diz teu governante?” “Ele diz: “Que o estrangeiro parta antes que minha ira desperte, pois atenta que eu o destruirei se não me obedecer! Terrível é a minha ira”. “O que tu dizes! E o teu exército? Não vi nenhum sinal dele” – disse meu pai com o sorriso de um veterano a quem oferecem uma resistência desprezível. “Chefe” – disse o enviado em tom baixo e sério -“será melhor que partas. Eu sou esse Rai e também sozinho sou o meu exército. Abandona essa terra agora mesmo, pois em breve isto será impossível. Vai embora, eu te imploro!”
“Tu és o Rai? Homem imprudente! Digo que quando o Sol tiver alcançado o próximo signo tua coragem não te salvará, a menos que retornes agora mesmo e reúnas teu exército. Ou então mandarei tua cabeça para o teu povo. Só te dou esta opção. Após o prazo dado, atacarei e saquearei a cidade. Não precisas temer pela tua segurança pessoal neste momento. Eu não posso ferir um inimigo desarmado! Vai em paz. De manhã atacarei teu exército. Devo ter um oponente digno.” “Tens em mim um oponente à altura. Nunca ouviste falar de Suerni? Sim? E não acreditaste! Oh, é verdade! Vais embora, eu te peço, enquanto podes fazê-lo com segurança!” “Homem seu juízo! – disse o chefe. “Este é o teu ultimato? Que seja! Afasta-te! Não irei embora; avançarei”.
Então o chefe chamou os capitães das legiões de soldados e comandou: “Para a frente, marchem e conquistem!” “Reconsidera tua ordem por um instante. Desejo fazer uma pergunta” – disse o Rai de Suern. “Respeitando esse pedido, nossos homens, que haviam se enfileirado e apresentado armas, detiveram-se em posição de descanso. À frente das fileiras do exército de Sald, postada na pequena colina de onde se via a capital suerni, estava a fina flor de nossa hoste militar. Eram veteranos leais e experientes, homens de gigantesca estatura, em número de dois mil oficiais, líderes dos homens menos experimentados. Jamais esquecerei seu garbo, jamais. Tão fortes; eram a própria juba do nosso poderoso leão, cada homem capaz de carregar um boi nas costas.
O Sol batia em suas lanças criando uma gloriosa fogueira de luz. Olhando para esses homens o Suerni disse: “Astika, não são estes os teus melhores homens?” “Sim.” “São estes de quem me disseram que torturaram meu povo por mero divertimento? E chamaram as vítimas de covardes, dizendo que homens que não resistem devem morrer e efetivamente mataram alguns de meus súditos?” “Não o nego” – disse meu pai. “Acaso pensas, Astika, que isso estava em teu direito? Não são dignos da morte homens que se vangloriam por derramar sangue?” “Possivelmente, mas que importa isso? Por acaso pensas em punir-me por esses atos?” – disse meu pai, com desprezo. “Sim, Astika. E depois partirás?” “Ora se o farei! Que boa brincadeira! Só que não estou com disposição para bravatas!” “Então te recusas a fazer a retirada, embora eu diga que permanecer é morrer?”
“Acaba com tuas tolices! Elas estão me cansando.” “Astika, sinto muito. Que seja como queres. Foste avisado de que devias partir. Ouviste falar do poder de Suern e não acreditastes. Pois agora prova dele!” “Com estas palavras o Rai fez um gesto amplo, apontando o dedo indicador para onde se encontrava o nosso maior orgulho – aqueles maravilhosos dois mil guerreiros. Seus lábios se moveram e mal consegui ouvir as palavras que ele murmurou-. “Senhor, fortalece minha fraqueza. Assim morre o culpado renitente.” “O que aconteceu então encheu todos os espectadores de tamanho horror, atingiu tanto sua superstição, que por cinco minutos não se ouviu qualquer som. De todos aqueles guerreiros veteranos, nenhum estava vivo.
A um gesto do velho mago Rai de Suerni suas cabeças penderam para a frente, as mãos soltaram as lanças e eles caíram no solo como bêbados. Nenhum som, a não ser o de sua queda; nenhuma reação; a morte chegara para eles como acontece com quem morre do coração. Ah, que assustador poder tens, Suernis!”
“E o Anjo da Morte estendeu suas asas sobre o mal E soprou fogo na face do inimigo ao passar.”
Senaqueribe era desconhecido naqueles tempos antediluvianos; a princesa saldu nunca ouvira o poema, mas nós o conhecemos, meu leitor, tu e eu, e isso é o bastante, pois a história repete-se a si mesmo. Ao descrever a ação do Rai de Suern, a princesa tinha ficado de pé, simulando ao mesmo tempo o gesto fatal do Rai Ernon de Suern.
Sua mímica foi tão convincente que o grupo de ouvintes à nossa esquerda se encolheu involuntariamente quando o braço dela passou por sobre suas cabeças. A Saldu percebeu isso e seus lábios se crisparam com desprezo. “Covardes!” – murmurou ela. Um poseidano ouviu e seu rosto corou quando ele disse: “Não, Astiku, não somos covardes! Considera nosso involuntário encolhimento um cumprimento aos teus poderes de comuni-tação.” Ela sorriu e disse: “Talvez seja assim”. Em seguida, abatida pela lembrança da aterradora força do poder invocado por Ernon, força que até a orgulhosa Atlântida temia, sentou-se molemente na cadeira, chorando.
Philos (Zailm) o Tibetano
Um pouco de vinho refez-lhe as forças e a narração foi retomada. “Depois do ominoso silêncio que se abateu sobre os que haviam testemunhado a horrível visão, as mulheres, viúvas e filhas dos mais altos oficiais que haviam morrido, começaram a gritar aflitivamente. Muitos de nossos homens, assim que conseguiram compreender que as histórias que tinham ouvido e desacreditado não eram boatos inconseqüentes, caíram por terra numa agonia de intenso terror. Ah! Naqueles momentos poderíeis ter ouvido súplicas a todos os deuses grandes e pequenos, os deuses em quem nosso povo confiava. Ha, ha!” – riu a princesa, amarga e desdenhosamente -“apelando para deuses de madeira, barro e metal, pedindo proteção contra aquele imenso poder! Bah! Como não posso viver em Suern por ter sido banida, também não viveria outra vez em minha terra natal!
Não quero mais saber de um povo que idolatra objetos insensíveis e os desafia. Não, Astika” – disse ela em resposta a uma pergunta de Menax -“nunca adorei ídolos; a maioria dos meus concidadãos o faz, mas nem todos. Não sou apóstata, mas reverencio o poder. Eu deveria odiar Ernon de Suern, mas não o odeio. Na verdade, se me fosse permitido, viveria em sua presença e idolatraria sua maravilhosa força que leva a morte aos seus inimigos com apenas um gesto de suas mãos. Como não me é permitido isso, prefiro permanecer entre teu povo que é uma grande raça, embora não se iguale à de Suern, é melhor e mais poderosa que a minha; oh, muito, muito mais!”
“Meu pai era inteligente demais para imaginar que aquilo fosse um truque tramado por um povo astuto e compreendeu, por aquela amarga lição, que a reputação atribuída a Suern pelos viajantes não era invenção de desocupados. Mas não se acovardou diante do Rai, pois tinha o espírito altaneiro demais para isso. Enquanto olhávamos estarrecidos para aquela terrível cena de morte, outra coisa não menos apavorante aconteceu. Nós, os sobreviventes, toda a hoste menos os dois mil, estávamos colocados entre os mortos e o rio a oeste da cidade. O Rai Ernon baixou a cabeça e orou – que profundo temor esse ato causou em nosso povo! Ouvi-o dizer: “Senhor, eu te suplico, concede o que teu servo pede!” “Então, vi as vítimas se levantarem uma por uma, tomando cada uma sua lança, escudo e elmo. Em seguida, em esquadras irregulares marcharam em nossa direção, em minha direção.
Oh, meu Deus! Passaram por nós na direção do rio. Percebi que seus olhos estavam semicerrados e opacos; o movimento de seus membros era mecânico; eles caminhavam como se estivessem presos por fios e suas armaduras ressoavam fazendo um barulho fantasmagórico… Então, um por um, os esquadrões foram direto para o rio, onde entraram na corrente, mais e mais, até que as águas se fecharam sobre as suas cabeças, e eles se foram para sempre, alimentando os crocodilos que já rugiam e rosnavam sobre suas presas para baixo do fluxo das águas do grande rio Gunja (n.t. hoje o rio Ganges).
Ninguém havia para liderá-los, não havia ninguém para carregar seus corpos; cada um deles entrando no rio como se ainda estivesse vivo, embora estivessem todos mortos; aquela soturna procisão, a mil passos de distância, completou a horrível sensação de medo e desesperado terror que se apossou do grande exército, que então e finalmente debandou horrorizado, deixando tudo para trás. Em breve só um punhado de soldados fiéis havia restado. Eles haviam ficado com seu comandante e estado-maior, prontos a partilhar com eles a morte a que estavam certos de que seriam submetidos. Também permaneceram ali algumas mulheres.
O Rai Ernon então falou: “Não te disse que devias partir ou que eu te puniria? Estás pronto para partir agora? Olha teu exército em fuga! Essa debandada não terá bom termo; milhares nunca mais verão Sald porque perecerão no caminho, contudo uma boa parte chegará ao seu lar. Mas tu nunca mais irás para casa, nem tu nem tuas mulheres. Contudo, elas não ficarão em minha terra, nem na terra delas, mas num país estranho para onde enviarei-as.” “Aquele antes altivo e agora humilhado soldado, meu pai, colocou um joelho em terra diante do Rai, e disse:
“Poderoso Rai, o que farias com essas inocentes mulheres? Disseste que meus guerreiros eram culpados; eu o admito e não me isento de culpa. Mas estas minhas mulheres não feriram homem algum. Tuas palavras me fizeram acreditar que a justiça é o teu princípio guia; teus atos dizem outra coisa, pois quando podias abater todos nós, fizeste um exemplo de uns poucos culpados. Imploro-te, portanto, que tenhas misericórdia das mulheres e talvez dos meus oficiais.”
“Terei clemência por teus oficiais, que te são fiéis, embora só esperem a morte como recompensa. Ordena-lhes que partam com o que sobre de teu exército. Eles não estão acostumados a cuidar das necessidades do corpo; portanto, com toda certeza perecerão, a menos que eu os salve. Tendo o poder, eu o usarei com misericórdia. Nenhum morrerá no caminho; nenhum passará fome e sede, nem sofrerá de qualquer doença. Ó Senhor! No caminho para casa nenhum se perderá, embora nenhum precise comer. Em volta deles as feras se agitarão e, ainda que estejam desarmados, nenhum animal lhes fará mal, pois o espírito do Senhor com eles, será seu abrigo e salvaguarda. Sim, Ele fará muito mais, pois entrará em suas almas para que esses que agora são guerreiros um dia se tornem Seus profetas, e elevarão teu povo e farão com que o Seu nome seja conhecido em todas as eras; serão uma raça de homens educados, de astrólogos, falando de Deus por suas obras celestiais.
Mas ainda assim chegará um dia daqui a cerca de seis mil anos, tempo que os homens da futura Caldeia tentarão mais uma vez prevalecer sobre o meu povo e novamente falharão como aconteceu agora; mas tu estarás há longo tempo com teus pais, adormecido após uma segunda vida, seguro no Nome do Senhor através do qual eu obro. Chamas inocentes as mulheres que voluntariamente vieram, envoltas na insolência de um suposto poder e invencibilidade, para assassinar meu povo? Inocentes! Elas que vieram testemunhar a rapina de minhas cidades e se deleitar com os sofrimentos de meus súditos? Inocentes! Não, não é assim! Portanto, ficarás retido aqui com tuas mulheres e moças. Atenta! Eu disse que não sairás daqui; as mulheres ficarão retidas por algum tempo, mas tu jamais sairás destas terras. Irás para uma prisão que não tem grades nem paredes; contudo, não há esperança de que tu possas fugir dela.”
“Queres dizer que vamos todos morrer, Zo Rai?” – perguntou meu pai com voz baixa e triste. “Não será assim. Zo Astika, pensas que posso condenar o assassínio e eu mesmo cometê-lo desnecessariamente? Não. Eu disse que não podes sair de Suern e que isso não será possível no futuro, apesar de que não estarás impedido por grades, nem vigiado por qualquer homem.” “Foi uma coisa trágica assistir à despedida entre os que tinham de ir e os que deviam ficar. Mas afinal, assim são as sinas da guerra e os fracos devem obedecer aos fortes. Eu havia me rejubilado com nosso imaginado , mas falso poderio e não me importava quem havia sido derrotado. Poder, ah, o poder! Penso que senti uma sombria satisfação em te contemplar,
Poder, meu ídolo, causando uma destruição tão rápida!” A princesa disse as últimas palavras pensativamente, aparentemente alheia ao ambiente, sentada com as mãos apertadas, com a admiração estampada no belo rosto, os olhos distantes, mas tão cruel afinal de contas! De porte real, personalidade dominadora, bela, maravilhosamente bela – diria o mundo de hoje como o de então. Ela tinha a aparência espantosamente parecida com a das mulheres americanas louras de hoje. Só que estas com certeza, não são como ela que se inclinava sempre para o poder triunfante, como as leoas. A verdadeira mulher americana (n.t. o livro foi escrito no final do século XIX), compassiva, autêntica, graciosa como um pássaro, doce como uma rosa recém «desabrochada, é como Lolix nesses traços, cessando aí qualquer paralelo, pois essa mulher de hoje se apega ao pai, ao irmão, ao amado, chova ou faça Sol, no triunfo e na derrota, fiel até a morte.
Tais mulheres sempre recebem sua recompensa. Houve um dia em que Lolix foi alterada para se tornar como as modernas jovens de hoje, mas isso foi anos depois. Existem alguns tipos de rosa que parecem cheias de espinhos enquanto estão em botão, mas que maravilhas de beleza são elas quando finalmente abrem o coração para o Sol e para o orvalho! Ao que parece, o Príncipe Menax ainda não tinha ouvido Lolix lalar tanto tempo, tendo esperado aquela ocasião, para que eu também pudesse ouvi-la. Conseqüentemente, foi uma revelação para ele ouvir de alguém tão bela e doce demonstrar uma natureza tão sem coração com seu relato, que tinha sido também uma reintrospecção meditativa para ela.
Após alguns momentos, Menax disse: “Astiku, contaste que sua Majestade de Suern não agiu contigo e tuas companheiras conforme tinhas antecipado, pois era o costume nacional de teu povo usar as prisioneiras mulheres para satisfazer o desejo lúbrico dos homens e suas paixões mais grosseiras.” “Astika Menax, não me julgarás desrespeitosa se te chamar amigo daqui por diante? Confesso que fiquei muito surpresa quando o Rai Ernon não agiu dessa forma. Eu não teria reclamado, pois assim são as vicissitudes da guerra. Mas ele, em vez disso, declarou que nem ele nem o povo de Suern precisavam de nós e mandou-nos para uma terra estrangeira, Atlântida. Será essa a nossa sorte aqui?”
“Não! De forma alguma!” – replicou Menax, os lábios se apertando de desgosto diante dessa crua insinuação. “Aqui tereis o apoio do governo até que cidadãos de Poseid escolham algumas de vós como esposas, se assim desejarem. Nosso povo às vezes revela preferências bem estranhas!” “És sarcástico, Astika!” A não ser por um leve erguer de sobrancelhas, ele não se dignou responder a essa observação; mesmo esse gesto foi tão discreto que eu não o teria percebido se não estivesse perto, olhando para o seu rosto. Depois de um silêncio um tanto prolongado, Menax disse que elas estavam proibidas para sempre de voltar para Sald porque. . . “Não é mais o meu lar!” – interrompeu apressadamente a mulher. “Mas é a terra de teu nascimento!” – disse Menax com certa aspereza, para voltar a ficar calado.
Lolix se levantou e, entrelaçando as mãos, exclamou com veemência : “Não desejo rever minha terra natal, nunca mais! Daqui por diante escolho lançar minha sorte em Poseid – e chamá-la meu lar!” “Como quiseres” -disse Menax. “Sem dúvida és uma mulher muito estranha. Por amor ao poder abandonaste teus deuses, teu lar e tua pátria. E as outras, tuas amigas cativas – não, espera! Talvez não sejam tuas amigas, uma vez que caíram em desgraça! Elas se esqueceram de seu país como tu?” Inclinando a encantadora cabeça, a princesa fixou os seus gloriosos olhos azuis no rosto do seu crítico. Duas lágrimas caíram de suas espessas pestanas, seus lábios tremeram e ela juntou as pequeninas mãos enquanto dizia: “Ah, Astika, és cruel!” – voltando-se e andando em pranto para o lugar onde eu a vira ao entrar.
Dessa forma, o botão de rosa não desabrochado foi confundido com a flor do espinheiro. Quanto a mim, uma estranha mistura de sentimentos tomou conta de mim, uma mistura de dúvida e aprovação. Tentei saber que tipo de natureza era aquela que podia ser tão desapiedada e ler tanta sede de poder a ponto de romper todo laço natural para ir atrás dele e, ao mesmo tempo, ser tão essencialmente feminina a ponto de se magoar tão profundamente diante da expressão de uma reprovação natural de sua conduta. Tive pena dela por ser tão ingênua e tão sinceramente honesta em sua falta de espírito, contando tão simplesmente sua história mais recente, obviamente esperando aprovação e ficando tão magoada pelo efeito contrário que havia obtido.
Finalmente a aprovação dividiu minhas emoções, porque o príncipe tinha feito uma censura bem merecida que, embora tivesse doído, não podia deixar de ter um efeito salutar. Minhas reflexões foram interrompidas nesse ponto por Menax, que disse: “Zailm, vamos ao Xanatithlon (construção própria para flores) onde tudo é silencioso e bonito entre as flores. Estaremos a sós lá. Eu poderia dispensar as pessoas do palácio, mas prefiro não perturbar mais essa jovem saldéia.”
CAPITULO 12 - UM ACONTECIMENTO INESPERADO
O inesperado acontece. O Príncipe Menax revela sua afeição por Zailm e pede que ele se torne seu filho.
Alguns passos nos fizeram alcançar a grande estufa ou Xanatithlon, onde cresciam todas as espécies de flores. Em seu centro havia uma fonte cujos graciosos jatos de água se erguiam até o cume do grande domo e, durante o dia, cintilavam à luz do Sol que se filtrava por milhares de vitrais coloridos. Mas naquele momento, em que o ruído monótono da chuva se misturava ao doce murmúrio da fonte, aquele monumento à beleza brilhava sob os raios de numerosas fontes elétricas que imitavam o Deus do Dia.
Misturadas às miríades de flores naturais havia centenas de outras, esculpidas em vidro com tanta perfeição que só pelo toque seria possível dizer quais eram produzidas pela Flora e quais pelo artista. Esses dispositivos de iluminação estavam em harmonia com as flores naturais dos arbustos, árvores e trepadeiras onde estavam colocados. Eram em pequeno número nos arbustos, mais numerosos nas árvores, havendo grande quantidade deles nas trepadeiras que cobriam arcos e pilares ou pendiam do alto, iluminando aquele paraíso floral com um brilho suave e constante, extremamente agradável.
Nesse deleitoso ambiente nos sentamos no que, à primeira vista, parecia ser um conjunto de pedras cobertas de musgo, contendo convidativas depressões, mas que na realidade eram confortáveis assentos. O musgo tinha sido fabricado pelos bichos-da-seda. . . “Senta-te aqui perto de mim, filho” – disse o benigno príncipe, indicando uma depressão ao lado da que ele havia escolhido para sentar. “Zailm” – começou ele -“nem sei por que te chamei aqui esta noite, por que não esperei para fazê-lo mais tarde. Mas ao mesmo tempo eu sei, pois tinha uma missão a ser confiada a uma pessoa apropriada. Embora existam outros com mais experiência, decidi confiá-la a ti. Já sabes do que se trata”.
Para mim estava claro que não fora essa a razão que levara o Astika a me escolher e que ele não tinha me convidado para visitar o conservatório por causa disso. O príncipe ficou em silêncio por algum tempo e depois me perguntou: “Já te contaram que minha esposa me deu um filho e que ambos foram arrebatados pela morte? Aí, tive um filho e uma filha. Incal seja louvado, ainda tenho uma filha! Mas meu filho, o orgulho de minha vida, foi para o Navazzamin, o destino de todos os mortais. Meu filho, ah, meu filho!”
Quando sua emoção arrefeceu um pouco, ele continuou: “Zailm, quando te vi, durante tua primeira conversa com o Rai faz quatro anos, se não me engano, fiquei espantado com a semelhança que tens com meu filho perdido, e te amei. Muitas vezes fui ao Xioquithlon para te observar em tuas atividades de estudante. Todas as vezes que foste convocado a vir a este astikithlon foi porque eu queria te ver! Sim, olhar para ti, menino!” -murmurou ele, afagando meus cabelos por alguns momentos. “Poucos foram os dias em que não te vi, pessoalmente ou através do naim; sim, muitas vezes saí à noite e fiquei parado diante de tua janela para alegrar meu coração com o som de tua voz, quando lias para tua mãe.
Tenho te observado e me orgulhado de ti, Zailm, pois em tudo pareces ser um filho meu; teus triunfos nos estudos têm alegrado meus dias, como também a capacidade com que tens cumprido teus serviços governamentais, pois ages como meu filho agia! Por tudo isso, meu rapaz, vem viver aqui, pois quero ver-te ao meu lado nestes meus anos de velhice. Juntos navegaremos pelo rio da vida, tu e eu! Provavelmente serei o primeiro a cruzar o grande oceano da eternidade e ficarei esperando por ti na terra dos sonhos onde não há despedidas, dor ou tristeza. Vem, Zailm, vem!”
A esse terno apelo, respondi da seguinte forma: “Menax, nestes anos em que vivi em Caiphul, muitas vezes me perguntei o que significavam os favores que me concedias. Sempre foste mais bondoso comigo que com qualquer outro, contudo permanecias reservado e distante, mais que outros que certamente não se importariam com o que pudesse me acontecer. Agora tudo ficou claro. Tenho te considerado com afeto e reverência, valorizando tuas atenções e agindo de acordo com as palavras de aconselhamento que me dirigiste algumas vezes. Sim, Menax, iremos juntos, de braços dados, caminhar para a sombria terra das almas, e tu me aguardarás ou eu esperarei por ti, conforme qual de nós a Grande Ceifadora decida levar primeiro.”
Ficamos de pé e nos abraçamos com ternura. Quando nos separamos, vi a filha única do príncipe, rodeada de trepadeiras que emolduravam sua encantadora figura. Ao vê-la, lembrei de outra jovem, a Saldu cuja história tinha ouvido pouco antes. Quase da mesma idade, ambas um ano mais novas do que eu, mas muito diferentes entre si como tipos de beleza. É difícil descrever uma pessoa em quem focalizamos o interesse mais profundo do nosso coração; e quanto maior esse sentimento, mais difícil é pintar o seu retrato com palavras. Pelo menos, assim era para mim. Já te informei, leitor, a respeito da aparência da jovem provinciana da terra distante de Sald, com seus cabelos castanhos dourados, seus olhos azuis e seu porte elegante; podes imaginar quanto era delicada sua pele clara; sensível e atenta sua natureza, que a despeit0 disso era muito cruel.
Mas como posso descrever aquela que eu amava, com quem um encontro por acaso, mesmo de longe, representava grande parte do prazer que me dava ir ao palácio de Menax? Aquela por quem eu tinha me apaixonado e que eu tinha entronizado em meu coração quase que desde meus primeiros dias de residência em Caiphul – como posso descrever seus encantos? A Princesa Lolix estava no limiar de sua condição de mulher feita, a linda Princesa Anzimee também. Esguia, delicada, feminina, derradeira flor de uma antiga linhagem de nobres ancestrais, ela estava acima de mim nos estudos do Xioquithlon, embora fosse mais nova que eu. Eu a amava, mas escondia cuidadosamente este fato. Todos os meus amigos que leiam estas palavras saberão como eu me sinto quando declaro minha hesitação em descrever Anzimee, pedindo a cada um que coloque nesta moldura poseidana a imagem de sua própria amada.
“Cada coração lembrou um diferente nome, Mas todos cantaram a mesma melodia.” O Príncipe Menax viu a filha quase no mesmo instante que eu e um ar de surpresa espalhou-se por seu rosto, pois supunha que o Xanatithlon estivesse deserto. Ao perceber sua expressão, a Rainu adiantou-se, beijou-o e disse: “Meu pai, estou atrapalhando? Ouvi quando tu e. . . este jovem entraram, mas como não sabia que desejavas estar em privacidade, continuei minha leitura.” “Minha querida, não precisas te desculpar. Na verdade estou feliz por estares aqui. Posso saber o que estavas lendo? Não deves estudar demais e creio que foi isto que quiseste dizer com a palavra “leitura”.”
Com um sorriso a passear por seu rosto e a iluminar seus olhos azul cinza, ela replicou: “Darias um ótimo leitor de pensamentos ocultos! Eu estava mesmo estudando, mas o meu objetivo justifica isso. Quem adquirir um profundo conhecimento da ciência médica terá condições de aliviar até pessoas que estão à mercê da mais dolorosa agonia, e curar as menos gravemente enfermas. Não é esse um serviço a Incal e Seus filhos? E não é verdade que o bem feito a qualquer um deles é feito também a Incal?” Duas jovens -Lolix de Sald e Anzimee de Poseid! Um vasto continente separava os dois países e uma distância ainda maior separava essas duas filhas dessas diferentes terras. Lolix, sem compaixão pelos sofredores, sem tristeza pelos agonizantes; Anzimee, no pólo oposto desses traços de caráter.
Houve um longo silêncio, enquanto Menax olhava para a graciosa menina de coração tão nobre. Então, pegando minha mão com sua mão direita e a de Anzimee com a esquerda, uniu-as e disse: “Filha minha, dou-te um irmão, este que julgo digno. Zailm, dou-te uma irmã mais preciosa que os rubis! E a ti, Incal, meu Deus, a melodia do louvor que enche meu peito pelas bênçãos que me concedes!” Nesse ponto ele soltou as mãos que tinham se tocado pela primeira vez e levantou as suas para o alto. Como o toque daquela mãozinha me emocionou! Seria eu digno de tanto amor?
Nenhum pecado tinha até então manchado minha boa fama e naquele momento eu me sentia totalmente merecedor de tudo. Se algum pecado viria manchar o livro de minha vida, isso ainda não havia acontecido; mas pensei com inquietação na estranha profecia ouvida naquela noite já distante. Por um momento essa sensação tomou conta de mim e depois desapareceu. Eu tinha o hábito de analisar os homens e suas motivações. Era uma espécie de segunda natureza considerar os possíveis aspectos de uma questão. Mesmo naquele instante eu me perguntei qual seria o significado daquela nova experiência.
Eu sabia que por Menax, que tão afetuosamente me havia pedido para ser seu filho, eu tinha o mais profundo respeito e afeição. Minha vida não me pareceria um preço alto demais para pagar se com isso eu pudesse beneficiá-lo. Contudo eu amava a vida. Nada havia de mórbido em minha natureza, a menos que a excessiva amizade que tinha por meus amigos fosse sinal de morbidez. Meditei por algum tempo no que minha adoção significava do ponto de vista social e político. Não preciso explicar que vinha ao encontro de minhas ambições ser colocado em um lugar tão elevado como o que dali por diante ocuparia como filho legal de um alto conselheiro, irmão do Rai por afinidade.
Enquanto decorria aquela cena, eu reservava para mais tarde, como uma sensação especial, o prazer de analisar que tipo de amor eu sentia pela jovem que se tornara minha irmã, é verdade que por adoção apenas, mas que, favorita dos círculos mais fechados, adorada pelo povo de Caiphul, apareceria diante do mundo como minha irmã, a partir do momento em que o Rai Gwauxln aprovasse oficialmente a decisão de seu irmão. Deveria eu sentir prazer ou aflição? Olhei para aquela com quem eu sonhara casar se Incal em sua bondade me permitisse chegar a uma elevada posição. Poderia eu ter esperança de realizar meu sonho depois daquela inesperada virada da fortuna? Se eu tivesse conquistado uma exaltada posição por outros meios, poderia ter a esperança de obter a mão de Anzimee em casamento.
Mas agora! Minha grande sorte me pareceu como a maçã de Sodoma, provocando um travo amargo em minha boca, pois eu me tornaria legalmente seu irmão, mesmo que não o fosse por laços de sangue. Havia uma chance de que as coisas não fossem tão sombrias quanto pareciam, já que tais adoções eram freqüentes e não representavam um obstáculo ao casamento. Com esse pensamento o Sol saiu de trás das nuvens e voltou a brilhar em meu céu pessoal. A característica mais marcante da aparência da jovem era a simplicidade de seu vestuário. Naquela noite, seus gloriosos cabelos castanhos estavam presos atrás com uma simples fivela de ouro e caíam soltos pelas costas.
Uma longa veste de tecido macio vestia sua esguia forma de menina-moça. Nenhuma roupa poderia ser mais artisticamente simples nem mais elegante que aquele pedaço de pano diáfano e sem cor definida, de um tom azul tão claro que parecia branco-pérola. O vestido tinha alças de puro carmim, indicando a realeza de quem o vestia. Um broche de ouro, onde brilhavam grandes rubis agrupados em volta de um centro de pérolas e esmeraldas, drapeava o vestido no decote, e o conjunto dessas gemas realçava a cor das faces de Anzimee, fazendo seu rosto parecer uma encantadora rosa.
Tão rica quanto discreta, sua roupa não escondia a doce e digna beleza da jovem. As pérolas, emblema de sua classe como Xioqeni; as esmeraldas, a marca de quem ainda não tinha voz política; os rubis, pedras da realeza, usadas exclusivamente pelo Rai e seus parentes mais próximos. A irmã do próprio Rai Gwauxln era a mãe de Anzimee e esposa de Menax.
Poseid (Atlântida) fundamentava sua glória na superioridade de sua educação; uma riqueza que não escolhia sexo. Mas se a Atlântida devia tudo ao conhecimento, não era menos verdade que a capacidade de seu povo não seria o que era não fosse pelas esposas, irmãs e filhas e, em especial, pelas mães de nossa altiva terra. Nosso grandioso sistema social tinha sua base nos esforços dos filhos e filhas que por séculos tinham respeitado as lições que lhes tinham sido inculcadas por suas patrióticas, amorosas e leais mães. As homenagens feitas ao Criador só eram secundadas pela reverência que os poseidanos tinham pela mulher.
Amávamos nossos governantes, o Rai e os Astiki (príncipes); tínhamos por eles o maior respeito já votado a chefes de estado, mas honrávamos ainda mais nossas mulheres, tanto que Rais e príncipes, soberanos e súditos, orgulhavam-se em reconhecer a sagrada influência que tornava nossa terra gloriosa um grande lar. América, hoje és amada por mim como Poseid o era. Primeira entre as nações, só o és por causa da mulher e de Cristo.
Continuarás poderosa por causa dela e eclipsarás o mundo quando chegar o feliz dia cármico em que a mulher não estará abaixo, nem acima, mas ao lado do homem, sobre a rocha da educação cristã esotérica, no granito do conhecimento e da fé que resiste aos ventos e tormentos da ignorância. Construída sobre essas fundações, a Casa Nacional não cairá, mas se for construída em outras bases, grande será sua queda.
Eis a sabedoria: no homem e na mulher estão miríades de serpentes. Guardai-vos delas. Hoje sois escravos (dos sentidos). Sejais senhores de SI MESMOS! Mas, triste verdade, esse Caminho é muito estreito e poucos o encontrarão.
CAPÍTULO 13: A LINGUAGEM DA ALMA
“Zailm, meu filho, ouviste a narrativa da Saldu, Lolix. Como sabes, é por causa de coisas oriundas das ocorrências que ela relatou que vais em missão a Suern (Bharata, Arya Vata, hoje a ÍNDIA). Não é uma tarefa difícil, constando apenas de confirmar o recebimento dos presentes enviados e negar nossa intenção de manter como prisioneiras as pessoas que o Rai Ernon para cá enviou. Dar-lhes-emos asilo, mas Rai Ernon não deve pensar que permitimos sua presença aqui para fazer-lhe um favor. Além disso, Rai Gwauxln deseja que vás a Agacoe amanhã para falar sobre um outro assunto. Mas não queres passar a noite aqui?”
“Meu pai, teria prazer em ficar, mas não achas que é meu dever estar com minha mãe para tranqüilizá-la? Ela sofre de uma enfermidade nervosa que não lhe permite suportar bem minha ausência à noite.” “Tens razão, Zailm. Logo mandarei providenciar para que tua mãe seja acomodada em uma parte bem agradável deste astikithlon, e assim poderás passar as noites sob o teto de teu pai.” Despedi-me do príncipe e da doce menina que tinha permanecido em nossa companhia uma parte do tempo, e saí.
A chuva tinha cessado e as nuvens, movendo-se pelo céu, negras e ameaçadoras, só mostravam uma abertura na grande massa sombria. Ali brilhava uma única estrela que às vezes mostrava-se avermelhada. Olhei para ela, que estava próxima do horizonte, parecendo ter surgido naquele preciso instante das águas fosforescentes do oceano, podendo ser vista do palácio de Menax.
Constelação do Cão Maior (Canis Major) e a estrela SÍRIUS a mais brilhante dos céus da Terra, e a segunda MAIS próxima de nosso sistema solar, distante cerca de 8, 45 anos luz.
Pensei no passado, pois aquela mesma estrela havia brilhado vivamente enquanto eu esperava o nascer do Sol no Pitach Rhok. Pareciam ter passado tantos anos desde aquela manhã! Hoje essa estrela é chamada de “Sirius”(da Constelação do Cão Maior, a mais brilhante do céu da Terra), mas nós a conhecíamos pelo nome “Coristos”. Enquanto a fitava, senti que era um auspicioso augúrio de sucesso presente e futuro, como o fora no passado. Levantando os braços para ela, murmurei. “Phyris, Phyrisooa Pertos!”, que significa: “Estrela, ó estrela de minha vida!”
Parece um tanto singular que a linguagem que traduzi dessa forma tenha tonalidade e importância semelhantes à da linguagem usada hoje pelo povo de meu planeta (Sol) natal (Sírius). Naquele longínquo dia elevei as mãos para o alto e exclamei: “Estrela, ó estrela de minha vida!” Hoje contento-me um pouco para não precipitar minha história em palavras astrais; volto-me para meu Alter Ego e digo: “Phyris, Phyrisa”. É este seu nome amado e significa “Estrela de minha alma”. Não é peculiar que mais de doze mil anos tenham se passado e eu, membro de outra raça de seres humanos, agora em outra mansão (a Terra), veja tão pouca mudança na linguagem da alma humana?
Continua no XIV Capítulo…
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